Saturday, July 31, 2010

Por que a vaca é sagrada na Índia?

A tradição nasceu com o hinduísmo. Os Vedas, coletânea de textos religiosos de cerca de 1500 a.C., comentam a fertilidade do animal e o associam a várias divindades. Outra escritura hinduísta fundamental, o Manusmriti, compilado por volta do século I a.C., também enfatiza a importância da vaca para o homem. Nos séculos seguintes, foram criadas leis elevando gradualmente o status religioso bovino. No sistema de castas que ainda vigora na sociedade indiana, a vaca é considerada mais "pura" até do que os brâmanes (indivíduos pertencentes à casta mais elevada, dos sacerdotes) - por isso, não pode ser morta nem ferida e tem passe livre para circular pelas ruas sem ser incomodada. O leite do animal, sua urina e até mesmo suas fezes são utilizados em rituais de purificação.


A adoração, no entanto, não é unanimidade entre os hindus e suscita debates inflamados no país. Em seu livro The Myth of Holy Cow ("O Mito da Vaca Sagrada", sem tradução para o português), o historiador indiano Dwijendra Narayan Jha, da Universidade de Délhi, sustenta a tese de que o hábito de comer carne era bastante comum na sociedade hindu primitiva e condena o "fundamentalismo em torno da santificação do animal", imposto pelos principais grupos religiosos da Índia. Estes mesmos grupos, é claro, baniram o livro e recomendaram que os exemplares à venda fossem queimados. Ainda mais depois que o autor confessou o hábito de comer um filé malpassado de vez em quando.

http://mundoestranho.abril.com.br/home/

Thursday, July 29, 2010

Eleições.com

Pesquisa Datafolha mostra que para eleitor brasileiro a internet tem papel modesto na busca por informações, atrás da TV e dos jornais 

Falou-se muito sobre o papel relevante da internet na eleição do presidente norte-americano, Barack Obama, fenômeno que poderia se repetir no pleito brasileiro. A rede mundial de computadores ganha cada vez mais adeptos no país, que é o quinto do mundo em número de conexões. Embora pouco precisas, as estatísticas indicam que cerca de 67 milhões de pessoas com mais de 16 anos têm acesso ao mundo on-line.

A mais recente pesquisa de intenção de voto do Datafolha mostrou no entanto que o eleitorado reserva um lugar modesto para a internet na busca por informações sobre a disputa. A TV (65%) e os jornais (12%) são os meios mais citados. A rede e o rádio vêm em terceiro, com 7% cada um.

Quando o Datafolha solicita aos entrevistados que enumerem três meios de comunicação que usam para se informar sobre o pleito, 27% mencionam a internet - atrás de conversas com amigos e familiares (citadas por 32%). Já a TV é mencionada por 88%, seguida dos jornais (54%) e do rádio (52%).

A TV tem mais força entre habitantes da região Nordeste e setores de renda mais baixa, diferentemente dos jornais, que se destacam nos segmentos com mais poder aquisitivo. Os mais ricos também são mais ligados à internet, assim como os mais escolarizados e mais jovens.

As comparações com os Estados Unidos devem levar em conta não apenas o fato de que lá parcela mais ampla da população está ligada à rede. Há outros fatores a considerar, a começar pelo sistema eleitoral dos dois países.

Não existe horário eleitoral gratuito na TV norte-americana, algo que, no Brasil, faz desse veículo uma referência praticamente incontornável para os eleitores. O "comício eletrônico" invade os lares do país, em meio à programação diária das emissoras, nas faixas com audiência mais elevada.

Além disso, nos EUA, comparecer às urnas não é obrigatório e a maioria dos que votam tem registro em um dos principais partidos. Com o voto facultativo, a mobilização do eleitor pode ser decisiva para o resultado. É fundamental para partidos e candidatos convencer o cidadão a sair de casa para fazer sua escolha. Nessa tarefa, a internet revelou-se um instrumento valioso.

Um outro aspecto diz respeito às contribuições individuais para campanhas, que nos EUA se beneficiam da rede de computadores, enquanto aqui mal engatinham.

Um estudo sobre as relações entre eleições (no caso, as de 2006 e 2008) e internet, realizado pelos professores Vladimir Safatle e Marcelo Coutinho, da USP e da Fundação Getulio Vargas, verificou que o espaço virtual no Brasil é mais usado para alimentar sectarismos do que para buscar e trocar informações.

Como não é difícil constatar, internautas atuam em blogs e redes sociais para reforçar opiniões já formadas, oferecer material de campanha a militantes e tentar influenciar os veículos tradicionais. Esse tipo de atuação contribui para reforçar mais um problema: a facilidade com que, no mundo on-line, circulam boatos, notícias forjadas e opiniões comprometidas.

Não se trata de subestimar o potencial da internet na conquista do eleitor, que deve aumentar no Brasil. Mas fenômenos eleitorais como o de Obama não se reproduzem com base em receitas.

editoriais@uol.com.br

Wednesday, July 28, 2010

7/07/2010
André Barcinski

O maior escritor vivo?

Harold Bloom sabe o que fala. O grande crítico literário escreveu o seguinte sobre Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy: “É o maior feito literário de qualquer escritor americano vivo (...) nem mesmo Pynchon nos deu um livro tão forte e memorável”.

Nos últimos anos, o nome de McCarthy se popularizou, especialmente depois de duas adaptações, para as telas, de seus romances: Onde os Velhos Não Têm Vez, que os Irmãos Coen transformaram no ótimo Onde os Fracos Não Têm Vez, e o mais recente A Estrada, que não conseguiu levar às telas todo o poder do livro.

McCarthy escreveu dez livros. Já li seis, e nenhum se mostrou menos que brilhante. Meu favorito é Meridiano de Sangue, lançado em 2009 no Brasil pela Alfaguara (e em 1991 pela Nova Fronteira, com o nome de Meridiano Sangrento).

O livro conta a história de um grupo de mercenários que vivem de escalpelar índios na fronteira do Texas com o México, na metade do século 19. Algumas passagens são assombrosas. O livro todo tem um clima de delírio surrealista e pesadelo gótico. É uma das experiências mais intensas e inesquecíveis. Meridiano de Sangue é o único livro que comecei a reler imediatamente depois de terminá-lo.

Para quem não está familiarizado com a obra de McCarthy, recomendo começar por A Estrada, inacreditável história de pai e filho andando por um cenário pós-apocalíptico, ou pelo faroeste “noir” Onde os Velhos Não Têm Vez.

Menos intensos, porém igualmente memoráveis, são os livros que formam a “Trilogia da Fronteira”: Todos os Cavalos Bonitos, A Travessia e Cidades da Planície. São histórias passadas no Oeste americano na metade do século 20, envolvendo longas e perigosas travessias para lugares desconhecidos (especialmente o México). Ler os três na sequência é uma experiência inesquecível.

Depois de Onde os Fracos Nâo Têm Vez e A Estrada, outros dois livros de McCarthy estão sendo adaptados para o cinema: Cidades da Planície e Meridiano de Sangue. Tomara que não estraguem as histórias.


Tuesday, July 27, 2010

26/07/2010
André Barcinski

O dia em que o Twitter venceu Rambo

A essa hora, todo mundo já sabe da história: durante um evento na Califórnia, Sylvester Stallone fez umas piadas sobre o Brasil, onde filmou seu último longa, “Mercenários”. Em pouco tempo, as declarações estavam na rede. Em minutos, rolou uma avalanche de protestos no Twitter. Stallone viu a besteira que fez e pediu desculpas.

Claro que Mister Rambo não mudou de idéia. Se ele acha que no Brasil as pessoas presenteiam as outras com macacos, vai continuar achando. Sua decisão de pedir desculpas foi puramente comercial. Já imagino o agente ligando para ele: “Sly, isso vai prejudicar nossa bilheteria no Brasil. Volta lá e pede desculpas!”

Celebridade falando besteira não é novidade alguma. O que impressiona, nesse caso, foi a velocidade da reação.

Ao contrário da maioria dos brasileiros, não fico ofendido com essas coisas. Acho que declarações dessas revelam muito mais sobre quem disse a frase do que sobre o tema. Se Hillary Clinton ou Obama tivessem falado algo semelhante, aí sim seria um escândalo. Mas Stallone?

Em defesa de Stallone, vale dizer que ele é uma das celebridades mais abertas em entrevistas. Suas entrevistas são bem melhores que seus filmes. Diferentemente de outros astros de filmes de ação, como Schwarzenegger (que não falava uma frase sequer que não começasse pelo título do filme que estava divulgando), Stallone parece que fala o que está na cabeça, sem ligar muito para as consequências.  Já o entrevistei diversas vezes e sempre foi muito divertido.

Lembro de uma vez em que ele começou a ironizar a própria mãe, Jacqueline, uma conhecida astróloga: “Minha mãe é a pior vidente do mundo”, ele me disse. “Ela não acerta uma previsão. Tudo que ela diz, sai ao contrário”.

Stallone é sincero até sobre a ruindade de seus próprios filmes: “Eu não sei onde estava com a cabeça quando fiz aquilo”, disse, referindo-se a “Falcão”, seu épico sobre o mundo das competições de... quedas-de-braço.

Confesso que simpatizo com Stallone. Seus filmes continuam horríveis, mas sua sinceridade é até ingênua.


Friday, July 23, 2010

Thursday, July 22, 2010

No Country for Old Men

I-JUCA PIRAMA

X

Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!

E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: – "Meninos, eu vi!

"Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:

Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest’hora diante de mi.

"Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!

E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"

Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.

E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".

Antônio Gonçalves Dias

Wednesday, July 21, 2010

"Ao inverter a ordem natural do sintagma "vida e morte", o poeta registra com precisão a qualidade da vida que seu poema visa a descrever: uma vida a que a morte preside. E ambas, morte e vida, têm por determinante o adjetivo "severina". Igualam-se nisso de serem ambas pobres, parcas, anônimas. O procedimento de adjetivação do substantivo é recorrente na poesia de Cabral, e aqui adquire especial relevo por estar em posição privilegiada, no título da peça. Morte e Vida Severina, porque é Severino o protagonista, que, desde a apresentação, insiste no caráter comum de seu nome, antes um "a-nome" no contexto em que vive. De substantivo próprio, "Severino" passa a ser comum; daí a ser adjetivo é um passo. (...) Será interessante advertir que o uso de "severino" como adjetivo no auto cabralino não é senão a reversão da palavra à sua origem. Diminutivo de "severo", "severino" é originariamente um adjetivo. Daí, passou a ser nome próprio, como ocorreu em tantos outros casos nas línguas ocidentais: Augusto, Cândido, Cristiano, Pio, Clemente - para citar apenas alguns exemplos. Ora, o que Cabral realiza é exatamente o retorno do adjetivo ao adjetivo, sendo o novo enriquecido da carga semântica de que foi alimentado durante o "estágio" substantivo próprio, que, no caso específico, é o Severino anônimo do sertão nordestino." 

Marta de Senna - João Cabral: Tempo e Memória - citação

Pensando em rede

Digito mais um trecho da Arendt aqui nestas Leituras. Um amigo, leitor assíduo (e eu dele), comenta e, assim, me linka para a Morte e Vida Severina, texto do João Cabral, música do Chico, que eu nunca me havia disposto a ler. Percorro o google e, em segundos, estou diante de um estudo do tal auto de natal em questão. Leio só o início, o prólogo, e já é bastante para entender a intuição do amigo próximo distante que escreve à noite, eu o leio de dia, e, como pode? simultaneamente. Vai daí que envio por e-mail o texto da Arendt para um outro brother, que responde ter gostado. Me animo e copio o prólogo da Morte e Vida; nesse momento ele linka com outra memória, do colunista da revista e costura mais um ponto. Ponto com. Trocadilho infame mas, em princípio, real. E, por fim, todo esse enredamento me levou a reler o post inaugural do blog. Porque ele, também, ecoa.

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto e a questão das máscaras permutáveis, nem "inalienáveis", nem "anexadas" ao eu. "Iguais em tudo e na sina" os Severinos partem, ainda assim, em busca de se descrever em sua particularidade: "para que me conheçam melhor / e melhor possam seguir a história de minha vida".

O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

Severino Cavalcanti, atual prefeito de João Alfredo, estado de Pernambuco, flagrado na boca do caixa da botija dos esquemas de propinas traz no nome a marca da contradição. Ou se é Severino ou se é Cavalcanti. Os cavalcantes costumam cavalgar os severinos. São as partes que lhes cabem nesse latifúndio.


Desenhar
continua

Tuesday, July 20, 2010

Per - sonare

[...] Deixem-me lembrar-lhes a origem etimológica da palavra "pessoa", que foi adotada quase sem alterações do latim persona pelas línguas européias, com a mesma unanimidade com que, por exemplo, a palavra "política" foi derivada do grego polis. Não é certamente desprovido de significação que uma palavra tão importante em nossos vocabulários contemporâneos, que usamos em toda a Europa para discutir uma grande variedade de questões legais, políticas e filosóficas, derive de uma fonte idêntica na Antiguidade. Esse vocabulário antigo fornece algo como um acorde fundamental que, em muitas modulações e variações, soa através da história intelectual da humanidade ocidental.

Persona, em todo caso, referia-se em latim à máscara do ator, aquela que cobria sua face "pessoal" individual, indicando para o espectador o papel e a parte do ator na peça. Mas nessa máscara, que era criada e determinada para a peça, havia uma abertura larga no lugar da boca, pela qual soava a voz individual e sem disfarce do ator. É desse soar através que a palavra persona derivou originalmente: per-sonare, "soar através", é o verbo do qual persona, a máscara, é o substantivo. E os próprios romanos foram os primeiros a usar o substantivo num sentido metafórico; na lei romana, persona era alguém que possuía direitos civis, em contraste agudo com a palavra homo, que denotava alguém que não passava de um membro da espécie humana, diferente, sem dúvida, de um animal, mas sem nenhuma qualificação ou distinção específica, de modo que homo, como o grego anthropos, era frequentemente usado de modo desdenhoso para designar pessoas não protegidas pela lei.

Considerei útil para as minhas considerações essa compreensão latina de pessoa, porque ela convida a outros usos metafóricos, as metáforas sendo o pão de cada dia de todo pensamento conceitual. A máscara romana corresponde com grande precisão ao nosso modo de aparecer em sociedade, onde não somos cidadãos, isto é, onde não estamos igualados pelo espaço público estabelecido e reservado para o discurso e atos políticos, mas em que somos aceitos como indivíduos por nossos próprios méritos, e, no entanto, de modo algum como seres humanos enquanto tais. No palco que é o mundo, sempre aparecemos e somos reconhecidos segundo os papéis que nossas profissões nos designam, como médicos ou advogados, como autores ou editores, como professores ou estudantes, e assim por diante. É por meio desse papel, como que soando através dele, que alguma outra coisa se manifesta, algo inteiramente idiossincrático e indefinível e, mesmo assim, inequivocamente identificável, de modo que não ficamos confusos por uma repentina mudança de papéis, quando, por exemplo, um estudante atinge o seu objetivo que era tornar-se professor, ou quando a anfitriã, a quem conhecemos socialmente como médica, serve os drinques em vez de cuidar de seus pacientes. Em outras palavras, a vantagem de adotar a noção de persona para as minhas considerações reside no fato de que as máscaras ou papéis que o mundo nos atribui, e que devemos aceitar e até adquirir se desejamos fazer parte do teatro do mundo, são permutáveis; não são inalienáveis, no sentido em que falamos de "direitos inalienáveis", e não são um acessório permanente anexado a nosso eu interior, no sentido em que a voz da consciência, como acredita a maioria das pessoas, é algo que a alma humana carrega constantemente consigo.

É nesse sentido que consigo entrar num acordo com o fato de aparecer aqui como uma "figura pública", para fins de um evento público. Significa que, findos os eventos para os quais a máscara foi criada, e eu tiver acabado de usar e abusar do meu direito individual de soar através da máscara, tudo voltará ao seu lugar mais uma vez. Então eu, extremamente honrada e profundamente agradecida por esse momento, estarei livre, não apenas para trocar os papéis e as máscaras que a grande peça do mundo venha a me oferecer, mas livre até para me mover por essa peça no mundo na minha hecceidade (thisness) nua, identificável, espero, mas não definível e não seduzida pela grande tentação do reconhecimento que, não importa de que forma, só pode nos reconhecer como isto e aquilo, isto é, como algo que fundamentalmente não somos.

Hannah Arendt - Trecho final de conferência apresentada em Copenhague em abril de 1975, durante a entrega do Prêmio Sonning, atribuído pelo governo da Dinamarca, por sua contribuição à civilização européia. Esse discurso, completo, figura como Prólogo à Responsabilidade e Julgamento, edição de Jerome Kohn.

Desenhar
continua

Monday, July 19, 2010

Rodrigo Souto comenta sobre Bruno (preso)

Sunday, July 18, 2010




Dizem as más línguas que o logo foi copiado...


+ coisas que a gente vê na internet

Saturday, July 17, 2010

Coisas que a gente lê na internet III

Tem os blogs de pessoas conhecidas, próximas (se bem que no ambiente virtual, próximo passou a ter um significado muito amplo). Visita-se sempre. Não uso os "avisadores" de postagem, apesar de saber que são úteis, vou na unha, um por um, todo dia.

Tem a ronda de notícias, os portais jornalísticos. Tem os links que vão surgindo. Um amigo, 15 anos atrás, nos primórdios, dizia: na internet você acha que está navegando, vai ver, você é o peixe. Tem o google! Os temas que surgem. As redes sociais.

E tem os endereços que capturam. A página do Zanini achei porque queria pesquisar sobre o Sudão, o genocídio na região do Darfur e o problema das crianças soldados. Achei tanta coisa que o Leituras ficou parecendo um espelho do Pé na África. O plano era publicar a série toda do Sudão, mas eram posts demais para reproduzir. Pela primeira vez na vida deste blog fiquei achando que tinha que pedir permissão para reproduzir os textos. Sinto que é pela quantidade mas, também, pela qualidade. O material do Pé na África me pareceu bom demais! precioso. Gozado, né? deu vontade de pagar :)

Aí entra o Manual do Minotauro. Laerte é um daqueles que eu não canso de seguir. Está colocado, pra mim, na lista dos pensadores geniais do Brasil contemporâneo. Minha lista é rigidíssima, coisa de gente muito mau humorada, no panteão da música sobraram um ou dois vivos, no cinema mundial poucos mais e assim por diante. Tenho dúvidas se o Laerte é reconhecido no tamanho de sua importância. Enfim, achei essa série Desenhar e, paciência, vou copiar ela toda. A partir da ideia de crise diante do papel em branco, o cara vai desenvolvendo uma penca de quadrinhos, um melhor do que o outro. Super manjado dentro do que ele sempre faz. Muito perto do maneirismo. E por esse próprio cinismo auto-cítrico e doce, coisa simples - do caralho!



continua

Friday, July 16, 2010

Coisas que a gente lê na internet II


Aquecimento Global

Coisas que a gente lê na internet

ALDEIA GLOBAL

Se a Terra fosse uma aldeia com 100 habitantes: 57 eram asiáticos, 21 europeus, 14 americanos e 8 africanos.

52 eram mulheres e 48 homens; 70 eram de cor e 30 brancos; 89 eram heterossexuais e 11 homossexuais.

6 pessoas seriam donas de 59 por cento de toda a riqueza da Terra e eram todas norte-americanas. 20 consumiam 86 por cento dos bens da aldeia.

80 pessoas viviam em condições difíceis, 70 não frequentaram a escola e 50 passavam fome.

21 teriam que viver com 80 cêntimos por dia e 50 com pouco mais de um euro e meio.

33 não tinham electricidade e 21 viviam sem água limpa. 50 não teriam acesso a cuidados de saúde.

Apenas uma pessoa teria um computador e outra teria frequentado um curso superior.

Wednesday, July 14, 2010

03/05/2010
Fome, como eu nunca tinha visto

Fábio Zanini

Juba (Sudão) – Fome. Eu já andei razoavelmente pela África para ver gente obviamente com fome, prostrada e sem energia nem mais para mendigar. Em Juba, eu vi algo novo, que só conhecia por imagens de TV. Crianças esqueléticas, obviamente com parcas chances de sobreviver, com moscas passeando pelo seu rosto, corpo curvado e pernas que parecem varetas. Aquelas crianças famosas da Etiópia, do Live Aid, do We are the World.

Elas existem ainda na África, é certo, mas são bem menos frequentes agora do que há 15 ou 20 anos. Para chegar às crianças famélicas, é preciso enfiar-se em terras de ninguém, vilarejos colados a desertos, aonde não chegam estradas, a centenas de quilômetros das cidades mais próximos. E ainda assim há uma época certa para esse macabro turismo da fome. A colheita tem de ter fracassado. Uma guerra precisa ter estourado. A chuva precisa não ter aparecido.

Juba, a cidade que em um ano mais ou menos será a capital do mais novo país do planeta, muda os conceitos de qualquer um bitolado nesses paradigmas. Em Juba eu vi a fome como nunca havia visto. No centro, a 10 minutos do aeroporto, ao lado de hotéis, lojas e restaurantes.

Só não foi uma surpresa completa porque a mulher responsável pela coordenação da ajuda humanitária da missão da ONU, Lise Grande, já havia me alertado. Altos funcionários da ONU geralmente morrem de medo de jornalistas e respondem platitudes qualquer que seja a pergunta, mas essa senhora, uma norte-americana, foi direto ao ponto. Mal havia começado a entrevista ela sacou um folheto com o título de “scary statistics”. Estatísticas assustadoras.

Sinta o drama:

- mais de 90% da população do sul do Sudão vivem com menos de US$ 1 por dia, o índice considerado a linha de pobreza;

- a fome atinge 45% da população. Destes, 18% sofrem de fome “crônica”, um estado mais perigoso;

- uma em cada sete mulheres grávidas morre por falta de assistência;

- um em cada dez bebês morre antes do primeiro aniversário; um em cada 7 morre antes do quinto aniversário;

- menos de 10% das crianças são vacinadas;

- apenas 6,4% da população têm acesso a esgoto tratado;

- apenas 1,9% das crianças completa a educação primária;

- 92% das mulheres são analfabetas.

E, para ela a pior das piores estatísticas: uma garota de 15 anos tem mais chance de morrer dando à luz do que de completar o primeiro grau na escola.

Assustou? Esse é o futuro novo país, que já nascerá o mais pobre do mundo. E que muito provavelmente desabará num ciclo destrutivo de pobreza e guerra civil, se não houver ajuda externa.

Mas estatísticas são apenas estatísticas, e era preciso ver esse quadro de perto. Encontrei as pessoas que dão vida a esses números no Al-Sabah Children Hospital, no centro de Juba.

São apenas cem leitos, insuficientes para a demanda. Não há máquina de raio-x. A ventilação é insuficiente, então o jeito é passar as tardes calorentas no pátio, sentados embaixo de árvores, ou nos corredores.


Lá se reúnem mães com seus filhos esquálidos. Alguns de tão magros rejeitam a receita do Unicef para a desnutrição crônica, um composto de leite enriquecido com vitaminas e uma pasta de amendoim. Eles desenvolveram anorexia e choram toda vez que pinga uma gotinha em suas bocas.

Amuna, 45 anos, segura seu filho Lege, de 2 anos, no colo. “Não tenho comida nem trabalho”, diz, numa frase que se repete pelo ambiente.

Um garotinho de nome Emanuel, 1 ano, está assustadoramente desnutrido, o crânio inchado e os membros sem força para se manterem rígidos. Chora o tempo todo no colo da mãe, Mary, 30.


“Ele sofria de malária. Eu vivo sozinha desde que meu marido morreu”, afirma ela. O bracinho dele mede 6,5 cm de circunferência. Qualquer coisa abaixo de 12 cm já é estágio crítico de desnutrição.

Ronia Okote, um garoto de 1 ano de idade, teve, além da desnutrição, o acervo completo de doenças tropicais: febre amarela, malária, tifo. Mesmo assim, está há três semanas “internado” sobre um lençol no chão do hospital. Milagrosamente, sobreviveu e está melhorando. Já ganhou peso e deve ter alta em breve. Mas nunca se sabe quando precisará voltar.


Em um ano, volto a dizer, Juba deve ser capital de um novo país, se os habitantes dos dez Estados do sul do Sudão disserem “sim” à independência num plebiscito. Uma nação com dez milhões de habitantes, com área equivalente ao Estado de Minas Gerais, deve nascer.

Que país será esse?

Sunday, July 11, 2010





Pra baixo da medalhinha não é falta



Uma-Uma tradição nas finais da Copa do Mundo

Saturday, July 10, 2010

E o pessoal ainda reclama dos estádios na África do Sul...

Credo!

Mãe do goleiro Bruno tentou matar uma mulher em Rondônia em 1996
Estelita Hass Carazzai - de São Paulo

A mãe do goleiro Bruno, Sandra Cássia Souza de Oliveira Santos, esteve envolvida numa tentativa de homicídio na cidade de Cacoal (RO), em 1996. Segundo o Tribunal de Justiça de Rondônia, ela atirou contra uma conhecida, com quem estivera numa festa um dia antes "regada a álcool e drogas". Os tiros não acertaram a mulher.

Santos prestou depoimento à polícia, mas fugiu da cidade dias depois do crime. Ela chegou a ser denunciada à Justiça pelo Ministério Público, mas o caso prescreveu antes do julgamento, em 2008.

A mãe de Bruno não é considerada foragida da Justiça - sua prisão foi decretada em 1998, mas era válida por dez anos (tempo de prescrição do crime).

Segundo o Ministério Público de Rondônia, a promotoria avalia que não há como desarquivar o processo, uma vez que o crime já prescreveu.

Vem aí um novo Estado fracassado?
26/04/2010

Fábio Zanini

Juba (Sudão) – A primeira reação que tive ao chegar a Juba foi me perguntar: como uma cidade assim aspira a ser capital de um país independente em menos de um ano?

Não há nada ali, além de duas avenidas asfaltadas, alguns hotéis que brotaram não sei de onde e muitos prédios do governo, agências humanitárias e órgãos ligados à ONU. Comércio? Dois postos de gasolina, um ou outro mercadinho e só. Dois hospitais (se bem que um deles, vou te falar, só com muita boa vontade para chamar de hospital), uma ponte metálica sobre o rio Nilo, um porto que na verdade é um barranco para balsas enferrujadas e mais nada digno de nota.

O aeroporto é um casebre, com um sistema “revolucionário” de entrega de bagagem. Na falta de uma esteira, um funcionário empurra as malas no chão, uma a uma, de um canto a outro do “terminal” de desembarque.

Mas é verdade, essa cidade poderá muito em breve ser a capital do 193º Estado soberano do mundo, o Sudão do Sul (se bem que desconfio que vão arrumar um outro nome para o lugar).

Para janeiro, está previsto um plebiscito sobre a independência de dez Estados do sul do Sudão, que na prática já formam uma outra nação.


Suas 10 milhões de pessoas são negras, em nada parecidas com seus compatriotas árabes do norte. Têm muito mais relação com a África central. Também não seguem o Islã. Preferem o cristianismo e religiões tradicionais africanas.

Durante duas décadas, sul e norte guerrearam, tendo em mente, como não poderia deixar de ser, riquezas naturais. O sul tem jazidas inexploradas de petróleo. Dois milhões de pessoas morreram, num dos conflitos mais feios do feio século 20 africano. Em 2005, finalmente um acordo de paz, e o sul conseguiu extrair do norte a promessa de que, se quisesse, poderia se separar. Daí o plebiscito, marcado para janeiro de 2011.

Num continente em que a integridade dos Estados é sacrossanta, e que casos raros de independência são arrancados na marra, a perspectiva de uma secessão pacífica, baseada na vontade do povo, é boa demais para ser verdade.

Tão boa que custa a crer. Como escrevi na matéria publicada ontem na Folha de S. Paulo, Juba será em breve uma nova capital ou o palco de uma nova guerra. Talvez as duas coisas. É difícil imaginar o norte aceitando perder 25% de seu território e incontáveis riquezas sem uma atitude mais drástica, embora prometa respeitar a decisão popular.

Não há muita dúvida de que um voto seria pró-independência. O sul se sente “colonizado” pelo norte – e totalmente abandonado à sua própria sorte. Quando comentei com um alto funcionário da missão da ONU que havia muito ressentimento com o governo central, ele me deu uma sacaneada. “Esse é o eufemismo do ano”.

É fácil perceber de onde vem tanta insatisfação. A ONU fala em “estatísticas assustadoras” e há décadas de negligência no desenvolvimento da região. Mais de 90% estão abaixo da linha de pobreza. Ridículos 2% de mulheres sabem ler e escrever. Uma garota de 15 anos tem mais chances de morrer no parto que de concluir o ensino secundário. Nada menos do que 45% da população passam fome.

Nos próximos posts, falarei mais sobre esse novo candidato a um “Estado fracassado” que surge nos confins da África.

Thursday, July 08, 2010

O Sudão e a sombra
20/04/2010

Fábio Zanini

Cartum (Sudão) – O sudanês tem uma relação interessante com a sombra e a água fresca. Não é difícil entender por quê. Em quase duas semanas no país, transitando entre o centro, o sul e o oeste deste gigantesco país, nunca peguei temperatura abaixo de 40 graus.

Descobri também que o pior sol não é o de meio-dia, como pareceria lógico, mas o do meio da tarde. Às 15h, o calor machuca a pele, e é obrigatório se refugiar numa sombrinha.

Cartum, a capital, é uma cidade brotada no meio do deserto, com poucos espaços para um refresco na moleira. As várias pontes sobre o rio Nilo são uma providencial exceção. No meio do dia, dezenas de pessoas buscam nas sombras formadas às suas margens um descanso.


Alguns sentam em banquinhos improvisados, outros namoram, amigos simplesmente batem papo.


A confusão dessa metrópole árabe, congestionada e opressiva, parece estar longe. A praia de sudanês é embaixo de uma ponte.

No Sudão, a água faz as vezes de cafezinho. É sinal de boa educação oferecer ao visitante um copo, uma caneca, uma tigela ou até uma garrafa d´água antes de qualquer conversa séria começar. Ninguém quer saber de chá, café ou suco. É água e ponto.

Em Juba, no sul do país, fui surpreendido ao ser presenteado com uma garrafa de plástico, fechada e provavelmente recém-comprada de um supermercado, por uma deputada que eu ia entrevistar.

Num campo de refugiados em Darfur, foi tocante a cena de um senhor quase sem dentes entrando no seu barraco para pegar uma tigela com água para oferecer a mim e a meu tradutor.

Homens se protegem com um pano branco (que lembra uma toalha) enrolada na cabeça. Mulheres cobrem-se com tecidos coloridos, que protegem do calor e do poeirol. De alguma maneira, todos conseguem evitar que seus miolos derretam.

Eu? Usei um bonezinho e passei protetor solar diariamente. Obviamente, de pouco adiantaram para evitar que a cada final de dia chegasse ao hotel mais parecendo uma uva passa.


Wednesday, July 07, 2010

07/07/2010
Ricardo Teixeira, dinossauro "africano"

Fábio Zanini

Johannesburgo (África do Sul) – Lula falou uma boa ontem.

Sugeriu, assim meio indiretamente, que Ricardo Teixeira está há tempo demais no comando da CBF. Para o presidente da República, a entidade deveria trocar de chefe a cada oito anos.

"Eu não posso falar da CBF porque é uma entidade particular e eu não posso votar, não posso dar palpite. Eu acho que, se a CBF adotasse o que eu adotei quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, a cada oito anos a gente trocava a direção da CBF. No sindicato, a gente trocava", disse.

A declaração tem peso, não só porque seu autor é quem é, mas também porque Lula, para seu imenso crédito, abriu mão de tentar uma terceira eleição que, convenhamos, seria um passeio. Ou seja, ele tem moral.

Teixeira está há 21 anos no poder.


Nesse aspecto, é um verdadeiro “africano”.

Comporta-se como um dos líderes eternos de nações desse continente, que não sabem abrir mão do poder. Recusam-se a formar um sucessor e a criar condições minimamente saudáveis para uma possível alternância de ocupante da cadeira presidencial, uma das condições para a verdadeira democracia.

Se a CBF fosse um país africano, Teixeira, estaria em décimo lugar entre os dinossauros do continente, atrás apenas de:

1-) Muammar Gaddafi, da Líbia, desde 1969

2-) Teodoro Obiang, de Guiné Equatorial, desde agosto de 1979

3-) José Eduardo dos Santos, de Angola, desde setembro de 1979

4-) Robert Mugabe, do Zimbábue, desde 1980

5-) Hosni Mubarak, do Egito, desde 1981

6-) Paul Biya, de Camarões, desde 1982

7-) Yoweri Museveni, de Uganda, desde janeiro de 1986

8-) Rei Mswati 3º, da Suazilândia, desde abril de 1986

9-) Blaise Compaore, de Burkina Fasso, desde 1987

Todos ditadores, diga-se de passagem.

Sua gestão na CBF é mais duradoura que a dos líderes dos outros 44 países africanos. Por alguns meses, Teixeira, que tomou posse em janeiro de 1989, bate inclusive um dos mais notórios dinossauros africanos, o ditador do Sudão, Omar al-Bashir, que assumiu em junho de 1989. Também está há mais tempo no poder do que dois reis, os do Lesoto e de Marrocos.

Nosso presidente da CBF já disse mais de uma vez que pretende se inspirar na África, que até agora faz uma Copa muito bem-sucedida, para o evento do Brasil, daqui a quatro anos. Pelo visto, o continente já é uma grande inspiração para ele.


Tuesday, July 06, 2010

Para Luiz e Nei, homens de leituras. Não pela paixão, ou pela fé. Pela sofisticação.

O ovo de Gaddafi
15/04/2010

Fábio Zanini

Cartum (Sudão) – É difícil não perceber o Burj el-Fateh no horizonte de Cartum. Quem gosta acha um símbolo da modernidade de um novo Sudão, próspero e, por que não dizer, livre e democrático. Empresas o colocam em seus anúncios, e o governo publica sua silhueta em folhetos turísticos.

Quem não gosta é cruel: “ovo” e “dedão inchado” são duas das expressões que eu ouvi por aqui.

Na verdade, quando se fala em “ovo”, adiciona-se sempre o qualificativo “do Gaddafi”. O Burj é um empreendimento líbio, um país socialista que aparentemente sabe ganhar dinheiro de forma bem capitalista.

É o principal hotel de Cartum, com diárias a partir de US$ 450 e um restaurante com uma espetacular vista do rio Nilo, com bufê a US$ 50. A idéia era que se parecesse não com um ovo ou um dedão, mas com uma vela de barco. Tire suas próprias conclusões.


Todo envidraçado e ultramoderno, o Burj atende aos bacanas do pedaço e a dignitários estrangeiros. O pessoal da União Europeia que veio observar as eleições ficou hospedado lá, assim como a turma do Carter Centre, do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter.

“Nossa clientela é internacional”, afirma Sabir Hassanein, gerente de reservas do hotel. Além de organismos multilaterais, vem muita gente interessada em ganhar dinheiro com o petróleo. Chineses e árabes são presença fácil nos corredores.

Os 230 quartos costumam ficar lotados durante eventos do setor petrolífero, a maioria realizados no centro de convenções do próprio hotel. Só há alguma facilidade de achar um quarto durante os piores meses do duríssimo verão sudanês (junho e julho), quando as temperaturas beiram os 50 graus.

O investimento no prédio de 21 andares é da Lybia Arab Foreign Investment, um braço do governo líbio que investe alguns dos petrodólares do regime de Gaddafi. No Burj foram despejados US$ 80 milhões.

Não é a única novidade na capital sudanesa. Duas outras torres de design heterodoxo estão subindo ali perto, uma para a Greater Nile Petroleum Operating Company (à esquerda na foto abaixo) e outra para a PetroDar. Ambas operando, claro, no setor petrolífero, e controladas (além de construídas) por chineses.


Outras cinco torres serão iniciadas dentro de um ano, fazendo dessa parte de Cartum uma pequena Dubai. Se você é arquiteto e tem projetos malucos para prédios, tente a sorte por aqui.


Tecnologia – produto – Mercado

1. O trabalho e seu produto, o artefato humano, emprestam certa permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano.

[...] o desgaste não é o destino dos objetos, no mesmo sentido em que a destruição é o fim intrínseco de todas as coisas destinadas ao consumo. O que o uso desgasta é a durabilidade.

É esta durabilidade que empresta às coisas do mundo sua relativa independência dos homens que as produziram e as utilizam, a "objetividade" que as faz resistir, "obstar" e suportar, pelo menos durante algum tempo, as vorazes necessidades de seus fabricantes e usuários. Desse ponto de vista, as coisas do mundo têm a função de estabilizar a vida humana; [...] os homens, a despeito de sua contínua mutação, podem reaver sua invariabilidade, isto é, sua identidade no contato com objetos que não variam, como a mesma cadeira e a mesma mesa.


2. A antiguidade [...] conhecia perfeitamente certos tipos de comunidade humana nos quais não era o cidadão da polis nem a res publica em si que estabelecia e determinava o conteúdo da esfera pública; [...] A característica dessas comunidades apolíticas era que o logradouro público, a agora, não constituía lugar de encontro para os cidadãos, e sim mercado, no qual os artífices podiam exibir e trocar produtos. Além disto, na Grécia, os tiranos nutriam a ambição, sempre frustrada, de persuadir os cidadãos a não se imiscuírem em assuntos públicos, a deixar de desperdiçar o tempo em agoreuein e politeuesthai, e de transformar a agora num conjunto de lojas semelhantes aos bazares do despotismo oriental.

[...] Ao contrário do 
animal laborans, cuja vida é gregária e alheia ao mundo e que, portanto, é incapaz de construir ou habitar uma esfera pública e mundana, o homo faber é perfeitamente capaz de ter a sua própria esfera pública, embora não uma esfera política propriamente dita. A esfera pública do homo faber é o mercado de trocas, no qual ele pode exibir os produtos de sua mão e receber a estima que merece. Esta inclinação para a exibição pública tem muito a ver com a "propensão de negociar, permutar e trocar uma coisa por outra" que, segundo Adam Smith, distingue os homens dos animais [...] "Ninguém jamais viu um cão trocar um osso com outro cão honesta e propositalmente" (Wealth of Nations).

[...] O erro básico [...] é ignorar a inevitabilidade com que os homens se revelam como sujeitos, como pessoas distintas e singulares, mesmo quando empenhados em alcançar um objetivo completamente material e mundano.

3. [uma das funções] da 
polis, estreitamente relacionada com os riscos da ação tal como experimentada antes que a polis passasse a existir, era remediar a futilidade da ação e do discurso; pois não era muito grande a possibilidade de que um ato digno de fama fosse realmente lembrado e "imortalizado". Homero não foi somente um brilhante exemplo da função política do poeta e, portanto, "o educador de toda a Hélade"; o próprio fato de que um empreendimento grandioso como a guerra de Tróia pudesse ter sido esquecido sem um poeta que o imortalizasse centenas de anos depois, era um lembrete do que poderia ocorrer com a grandeza humana, se esta dependesse apenas dos poetas para garantir sua permanência.

Não nos interessam aqui as causas históricas do surgimento da cidade-estado grega; os próprios gregos deixaram bem claro o que dela pensavam e qual a sua raison d'être. A acreditarmos nas célebres palavras de Péricles na Oração Fúnebre, a polis era uma garantia aos que haviam convertido mares e terras no cenário do seu destemor de que não ficariam sem testemunho e não dependeriam do louvor de Homero nem de outro artista da palavra; sem a ajuda de terceiros, os que agiam podiam estabelecer, juntos, a memória eterna de suas ações, boas ou más, e de inspirar a admiração dos contemporâneos e da posteridade. Em outras palavras, a convivência dos homens sob a forma de polis parecia garantir a imperecibilidade das mais fúteis atividades humanas – a ação e o discurso – e dos menos tangíveis e mais efêmeros "produtos" do homem – os feitos e as histórias que deles resultam. A organização da polis, fisicamente assegurada pelos muros que rodeavam a cidade, e fisionomicamente garantida por suas leis – para que as gerações futuras não viessem a desfigurá-las inteiramente – é uma espécie de memória organizada. Garante ao ator mortal que sua existência passageira e sua grandeza efêmera terão sempre a realidade que advém de ser visto, ouvido e, de modo geral, aparecer para a platéia de seus semelhantes que, fora da polis, só podiam assistir a um desempenho de curta duração e, portanto, precisavam de Homero e de "outros do mesmo ofício" para conhecer os que já haviam morrido.

Segundo esta auto-interpretação, a esfera política resulta diretamente da ação em conjunto, da "comparticipação de palavras e atos". A ação, portanto, não apenas mantém a mais íntima relação com o lado público do mundo, comum a todos nós, mas é a única atividade que o constitui. É como se os muros da 
polis e os limites da lei fossem erguidos em torno de um espaço público preexistente, mas que, sem essa proteção estabilizadora, não duraria, não sobreviveria ao próprio instante da ação e do discurso. Falando metafórica e teoricamente (e não historicamente, é claro), é como se os que regressaram da guerra de Tróia desejassem tornar permanente o espaço da ação decorrente de seus feitos e sofrimentos, e impedir que esse espaço desaparecesse com a dispersão e o regresso de cada um a seu lar.

A rigor, a 
polis não é a cidade-estado em sua localização física; é a organização da comunidade que resulta do agir e falar em conjunto, e o seu verdadeiro espaço situa-se entre as pessoas que vivem juntas com tal propósito, não importa onde estejam. "Onde quer que vás, serás uma polis": estas famosas palavras não só vieram a ser a senha da colonização grega, mas exprimiam a convicção de que a ação e o discurso criam entre as partes um espaço capaz de situar-se adequadamente em qualquer tempo e lugar. Trata-se do espaço da aparência, no mais amplo sentido da palavra, ou seja, o espaço no qual eu apareço aos outros e os outros a mim; onde os homens assumem uma aparência explícita, ao invés de se contentar em existir meramente como coisas vivas ou inanimadas.

Nem sempre este espaço existe; e, embora todos os homens sejam capazes de agir e de falar, a maioria deles - o escravo, o estrangeiro e o bárbaro na antiguidade, o trabalhador e o artesão antes da idade moderna, o assalariado e o homem de negócios da atualidade - não vive nele. Além disso, nenhum homem pode viver permanentemente nesse espaço. Privar-se dele significa privar-se da realidade que, humana e politicamente, é o mesmo que a aparência. Para os homens, a realidade do mundo é garantida pela presença dos outros, pelo fato de aparecerem a todos: "pois chamamos de Existência àquilo que aparece a todos; e tudo que deixa de ter essa aparência surge e se esvai como um sonho - íntima e exclusivamente nosso, mas desprovido de realidade" (Aristóteles, Ética a Nicômaco).


Hannah Arendt - A Condição Humana – 1958