Sunday, July 31, 2011



Hiroshima

Hoje à tarde assisti na tv a um documentário sobre nipo-americanos que nasceram e viveram nos EUA antes da 2a. guerra mundial, seus pais sofreram retaliações do governo e vizinhos, perderam emprego, casa, comércios, os filhos foram expulsos da escola e por isso voltaram ao Japão, para vários lugares, mas a entrevista foi com três que voltaram para Hiroshima. 

No dia 6 de agosto de 1945, às 8:15 da manhã, a bomba. 

Mas sobreviveram. 

As entrevistas foram feitas pelo ator japonês Ken Watanabe (O Último Samurai, Cartas de Iwo Jima e A Criação, pra lembrar). 

O mais interessante é que todos voltaram para os EUA nos anos 50 pois tinham readquirido a cidadania americana e o Japão não estava fácil para jovens que também sofreram por serem americanos (!) e terem perdidos amigos e membros da família. 

Todos moravam na zona rural ao redor de Hiroshima. 

Um deles, hoje dono de uma loja de acessórios e oficina para cortadores de grama em Pasadena, California, todo dia 6 de todos os meses, às oito e quinze da manhã, enche dois copos de cerveja, reza em silêncio, toma um dos copos e depois chora. Faz a pequena cerimônia pelos dois amigos que morreram. Eles tinham 14 anos e iam para a escola juntos. Naquele dia ele se atrasou e os dois gritaram "vamos na frente, nos alcance". Nunca mais se viram. Este senhor, ao voltar aos EUA, alistou-se no exército americano. A comunidade e toda a família o chamou de louco, menos o pai. Ele explicou que estava fazendo aquilo para provar aos americanos que ele era americano e que o que eles queriam era a paz. O pai o entendeu. Foi uma forma de apaziguar o preconceito aos japs que ficaram ou voltaram do país vencido. 

A outra entrevista foi com uma senhora que foi ao Japão ainda bebê de colo e voltou aos EUA com 15 anos. Casou-se com um americano e juntos construiram uma pequena vinícola nos arredores de San Francisco. Ela lembra que os pais trabalhavam numa grande plantação de uva e que ela ficava num berço embaixo das parreiras junto com outras crianças japonesas. As crianças maiores cuidavam das pequenas. Quando ela voltou, encontrou uma delas na penúria em San Francisco, a chamou para morar junto com a família e depois ela passou a cuidar da filha dela. 

A última entrevista foi com outra senhora que perdeu toda a família, só ela sobreviveu. Os pais dela tinham uma pequena plantação de morangos na California nos anos 30 e 40. Com a guerra, ninguém mais quis comprar os morangos pois achavam que os japs poderiam envenená-los. Como perderam tudo, os pais voltaram ao Japão no começo de 1945. Ela, pelo fato de ter ficado muito tempo nas plantações de morango com os pais, desenvolveu uma alergia que pegou de um fungo que ataca a fruta. Naquele verão de 1945, como a criança tossia muito e sentia falta de ar na cidade de Hiroshima, resolveram mandá-la para a casa de parentes, num sítio montanhoso ali perto. Ela tinha duas irmãs mais velhas, gêmeas. Todos morreram. Os parentes, quando puderam ver o local onde era a casa dela, só encontraram uma foto de uma das gêmeas. Até hoje tem a foto na parede da sala e durante todos esses anos, além de não comer morangos por causa da alergia, vem se perguntando: qual delas está ali?


Em outubro, mundo chegará a 7 bilhões de habitantes

Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo

No dia 31 de outubro deste ano, em algum lugar da Índia, um parto marcará um ponto crítico na história do planeta: com esse nascimento, o mundo passará a ter 7 bilhões de habitantes. A projeção foi feita pela ONU e, apesar de a data ser apenas uma estimativa e o país apenas uma probabilidade, a realidade é que o ano terminará com um novo marco em termos demográfico que promete aprofundar os desafios sociais e ambientais.

A explosão da população mundial calculada pela ONU está sendo publicada nesta semana pelo jornal Science, em um estudo que mostra que avanços médicos, vacinas mais eficientes, proliferação do uso de antibióticos e um relativo avanço no acesso à saúde permitiram uma elevação na expectativa de vida nos países em desenvolvimento.

Mas, ao mesmo tempo que isso ocorre, a taxa de natalidade desses países ainda é elevada. O resultado não é outro senão a explosão demográfica dessas sociedades.

A escolha da Índia para representar o nascimento da pessoa que marcará os 7 bilhões de habitantes não ocorre por acaso. O país de fato faz avanços na área médica. Mas, sem um controle populacional, passará a China em poucos anos em termos de população. A ONU ainda está convencida de que, diante das taxas de natalidade dos países em desenvolvimento, são eles os responsáveis por ter promovido a elevação da população mundial em 1 bilhão de pessoas em apenas doze anos. Em 1999, o mundo somava seus 6 bilhões de habitantes.

Segundo o estudo, a primeira vez que o planeta registrou 1 bilhão de pessoas foi em torno de 1800. Para chegar a 2 bilhões de pessoas, o mundo precisou de mais 125 anos. Mas, apenas nos últimos 50 anos, a população mundial passou de 3 bilhões para 7 bilhões. Os números de 2011 serão duas vezes maior que a população do planeta em 1960.

O pico da expansão de fato ocorreu nos anos 70, quando o mundo crescia cerca de 2% ao ano. Hoje, essa taxa caiu para 1%. Mas, segundo o estudo, a expansão continuará e ocorrerá nos países mais pobres. Até 2050, o mundo terá 9,3 bilhões de pessoas, das quais 97% do crescimento ocorrerá nas regiões mais pobres.

Os Estados Unidos, em quatro décadas, serão os únicos representantes dos países ricos entre as dez maiores sociedades do mundo. De acordo com o estudo, haverá uma estagnação no crescimento populacional de Europa, Japão e demais países ricos.

"Nos anos 60 e 70, tivemos um boom populacional ", explicou David Bloom, economia da universidade Harvard, que liderou o estudo ao lado da ONU. " O que vemos agora é uma série de mini-booms nas áreas mais frágeis do planeta ", disse. Para ele, a questão da pobreza e desigualdade que virão com o aumento da população nessas áreas promete desestabilizar regiões inteiras.

Desafios

Para a ONU, a marca dos 7 bilhões de pessoas deve despertar um sentimento em governos e na sociedade de que o mundo terá de enfrentar importantes desafios nos próximos anos.

O primeiro deles é o ecológico: como reduzir emissões de CO2 e poluição com uma população cada vez maior e com uma renda melhor. Na avaliação de Achim Steiner, diretor do Programa Mundial da ONU para Meio Ambiente, não há outra solução senão a mudança de padrão de consumo e da base tecnológica. " Precisamos de uma transição para uma economia verde ", disse.

Outro desafio é o dos alimentos. Com a expansão demográfica e maior renda, a população mundial exigirá uma produção de alimentos 75% superior até 2050. Para a FAO, isso exigirá investimentos importantes e a constatação por parte de governos de que os preços de alimentos continuarão elevados.

Em Marcha contra Impunidade, ONG Rio de Paz quer lembrar as mais de 30 mil mortes violentas ocorridas no Estado do Rio, entre 2007 e junho de 2011



Publicado originalmente em dezembro de 2009

"O terrorista que atua sozinho é a nova ameaça"
El País

Fernando Peinado (em Madri)


Lorenzo Vidino, professor especializado em terrorismo e islamismo político na Universidade Harvard (EUA), visitou recentemente Madri para participar de um seminário sobre terrorismo organizado pela Fundação Ortega y Gasset e a Embaixada dos EUA, e aceitou dar esta entrevista por telefone, sobre as perguntas levantadas pelo atentado frustrado na sexta-feira no voo de Detroit.

El País: Que lição as agências de inteligência podem tirar dessa última tentativa terrorista?

Lorenzo Vidino: A estratégia dos jihadistas evoluiu para um novo tipo de terrorismo muito mais difícil de perseguir e interceptar, como demonstra não só esse último caso, mas também o do soldado da base militar norte-americana de Fort Hood, que matou 13 companheiros, e soube-se que havia tido relação com um imame radical. Também houve outros precedentes na Itália ou nos EUA. É o que se denominou ataque de um lobo solitário. Os membros das células são muito mais independentes hoje. Em alguns casos são preparados no manejo de explosivos pela internet, eles mesmos escolhem os alvos e atuam de modo individual. É mais difícil detectar em um aeroporto um único terrorista do que um grupo de 20. Essa nova estratégia foi a reação dos terroristas aos melhores controles de inteligência, e questionam se a estrutura clássica da Al Qaeda ficou obsoleta.

El País: O que os serviços de inteligência podem fazer contra um lobo solitário?

Vidino: É muito mais complexo. É mais difícil descobrir seus propósitos, porque deixa menos rastros. O FBI recorre à estratégia do agente provocador. Uma vez localizado um simpatizante do jihadismo nos bate-papos ou fóruns da internet, um agente se faz passar por um membro da Al Qaeda e o empurra a atuar. Nos últimos meses foram presos dessa forma dois indivíduos que pretendiam atentar contra edifícios federais em Illinois e no Texas. É um método muito polêmico e de legalidade duvidosa na Europa. Além disso, é uma questão de até onde estamos dispostos a reduzir a liberdade de expressão.

El País: O terrorista de Detroit não tinha o perfil de excluído social. Há quem acredite agora que o esforço de integração não serve para conter o jihadismo.

Vidino: Não é verdade. É algo mais complexo. A integração das comunidades muçulmanas é uma peça do quebra-cabeça, mas não uma solução milagrosa. É menos provável que pessoas melhor integradas economicamente e que se sentem parte da sociedade aceitem as mensagens dos radicais.

El País: O Iêmen é o cenário da nova guerra de Obama?

Vidino: Não teria sentido lançar uma nova invasão. Essas redes têm a seu alcance outros santuários alternativos, como a Somália ou o Magreb. Em curto prazo, o mais realista a que podemos aspirar é fortalecer a autoridade desses governos para que realizem operações policiais com êxito.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Escrito em 2004, postado originalmente em irajamenezes.blig.ig.com.br e republicado em setembro de 2006


Está em processo no mundo todo uma mudança que ainda não vamos conseguir aquilatar.

A Revolução Industrial de dois séculos e meio atrás inventou a produção em larga escala.

A longevidade humana aumentou, a mortalidade infantil diminuiu e o mundo, cada vez mais populoso, entrou em processo de massificação.

Os meios industriais eram todos de grande custo e com isto a fabricação de bens artesanais tendeu ao desaparecimento.

Adotamos um paradigma de objetos consumidos por grandes massas e produzidos por poucas pessoas. Com o avanço das tecnologias alguns destes mecanismos de produção vêm se democratizando. Não é preciso mais uma fábrica para se copiar discos, por exemplo. Tampouco é preciso gastar fortunas para divulgar um produto pela Internet.

Isto gera, por exemplo, a obsolescência do conceito de "indústria de entretenimento". Fazer um filme caro passa a ser só uma das inúmeras possibilidades que um cineasta pode escolher.

(O modelo de "montagem" de computadores, dominante no mercado brasileiro de informática, não poderia tornar-se factível para fornos de microondas ou geladeiras?)

A mudança, pois, a que me refiro é a que consiste em poder voltar-se em direção a modos de produção artesanais para a obtenção de objetos a serem replicados indefinidamente como discos, livros, filmes, sem depender de investimentos vultosos e de grandes corporações. Embora permaneçam inúmeros produtos que só poderão ser fabricados mediante mecanismos de alto investimento, tudo leva a crer que está em curso uma disseminação generalizada do conceito de indíviduo como detentor prioritário de suas decisões. De compra, venda, vida, morte e crenças.

O terrorismo é uma faceta aberrante deste mesmo conceito. Explodir-se é uma manifestação individualista. Requer tão somente uma bomba e um homem preso a ela. Fica difícil transformar em estatística o homem-bomba. Quantos explodem por mês? São ações, por natureza, pontuais, o oposto exato da indiscriminação do pesadelo atômico, das bombas atiradas de avião ou das armas de destruição em massa.

Isto é coerente com um modo descentralizado de organização social.

O desejo de igualdade de direitos que percorre o mundo todo consolida um avanço sem precedentes na história dos ideais democráticos.

Repito: ideais; mentalidade, desejo, aspiração democrática.

As propostas de manutenção de poder das elites, estas não são mais defensáveis. Um mundo superpovoado não permite ser gerenciado a partir de um centro. Um mundo superpovoado se impõe como teia.

É este fator estrutural que derruba a identificação com a autoridade. Não se reconhece autoridade. Ninguém está autorizado a nada.

Resultado da democratização do mundo, a "desautorização" gera também um processo de rompimento com a idéia de tradição. Campo aberto para a descrença e para o uso das instituições, agora, desautorizadas, em proveito próprio, já que ninguém se sente identificado com elas e, por conseguinte, não há quem tome conta.

Vivemos um eterno presente e, por isso, sem olhos para o futuro, como descreveu o professor Yves de La Taille. E, especificamente no Brasil, ao mesmo tempo, o "eterno retorno" à cordialidade.

Está em andamento um processo de humanização das massas. De "descoisificação" das pessoas. Um processo histórico de reconhecimento das identidades. Que acontece independente das políticas adotadas.

E há, ao mesmo tempo, o impulso gregário que os veículos de comunicação tentam alimentar, mas que as tendências de segmentação desmentem o tempo todo.

E há também, ao contrário, um tribalismo crescente. Grupos se fechando para manter seus métodos e costumes inalterados.

Joseph Campbell disse que uma mitologia para dar conta do nosso tempo, para conseguir simbolizá-lo, teria que surgir como uma mitologia planetária. A metáfora de integração de forças contrárias, típica de toda mitologia, teria o planeta como tema.

Os pequenos grupos tendem a se excluir mutuamente. É característico do grupo de gueto enxergar o outro antes como estrangeiro, estranho e, portanto, passível de ataque.

Meditar a convivência dos opostos, agora em escala planetária, é que poderia gerar novos mitos, afirma Campbell, novas compreensões.

As religiões, de certa maneira, já trazem em seus fundamentos esta vontade. O princípio de um Deus que ultrapassa barreiras e unifica humano e natureza num patamar de identificação, num cosmos.

Paradoxalmente são guerras declaradas religiosas as que estão atualmente em curso à roda toda do planeta. Guerras sectárias, guerras pelo predomínio de concepções que se pretendem excludentes.

Como fazer convergir a nova descentralização que percorre o planeta com a consciência de contexto histórico e com a possibilidade de negociação que permita acordos duradouros para o futuro?


29/07/2011
Radicalizados na Internet, combate a "lobos solitários" é difícil

Peter Apps - Em Londres

Muitas vezes radicalizados, invisíveis e conectados à Internet, agressores considerados "lobos solitários" pelas autoridades, aparentemente o caso do atirador que matou 77 pessoas na Noruega, são difíceis de detectar e podem representar desafio cada vez mais sério para os serviços de segurança.

O norueguês Anders Behring Breivik alega ser parte de uma rede mais ampla de cruzados, os chamados "cavaleiros templários", com células em outros locais da Europa.

Muitos especialistas em segurança duvidam que essa rede exista, mas se existir, seus membros podem estar operando de modo quase completamente independente - e isso representa a mais grave ameaça.

Nos 10 anos transcorridos desde os ataques do 11 de setembro de 2001, as autoridades se concentraram em criar sistemas de vigilância que tornam mais fácil bloquear as ações de "redes terroristas", rastreando as conexões interpessoais dos integrantes, e esses métodos são em larga medida improdutivos contra alguém que trabalhe sozinho.

A boa notícia era que os "lobos solitários" são muitas vezes ineptos e não dispõem dos conhecimentos necessários para executar ataques de grande porte, dizem especialistas em segurança. Agora, Breivik parece ter tornado mais ameaçadora essa categoria de agressor.

"Se ele estava de fato operando sozinho, os agentes de segurança enfrentarão problemas", disse John Bassett, antigo funcionário do GCHQ, o serviço de escuta de comunicações do governo britânico, e hoje pesquisador do Royal United Services Institute.

Hoje em dia, é mais e mais frequente que as atividades extremistas online se refiram menos a grupos militantes que deliberadamente recrutam pessoal para suas causas e mais a indivíduos vulneráveis e isolados que estão em busca de um senso de comunidade que lhes falta.

"Uma pessoa pode se radicalizar na Internet", disse Richard English, diretor do Centro do Estudo do Terrorismo e da Violência Política na University of St Andrews, Escócia. "E é muito mais difícil para as autoridades manter a vigilância quanto a isso".

É difícil prever esse tipo de ameaça, mas não impossível. Scott Stewart, um ex-agente de segurança norte-americano, diz que há momentos decisivos nos quais até os mais solitários dos "lobos" pode ser detectados.
O diário de Breivik na Internet deixa claro que ele sabia que os estava nos quais ele estava mais exposto foram quando procurava por fertilizantes (para fabricação de bombas) e armamento.


31/07/2011
Ação de atirador norueguês foi consciente e reflexo da ascensão da ultradireita na Europa, dizem analistas

Andréia da Silva Martins - Do UOL Notícias - Em São Paulo

País com o melhor IDH (índice de desenvolvimento humano) do mundo, e dono de bons indicadores sociais, sem problemas como fome e desemprego, a Noruega era, para muitos, o último lugar onde poderia se imaginar um ataque como o ocorrido no dia 22 de julho. Mas para analistas, o ato que até então é interpretado como isolado, pode ser resultado de um movimento que está em pleno crescimento na Europa, o da ultradireita.

Enquanto isso, a defesa de Anders Behring Breivik, autor confesso dos atentados que mataram 77 pessoas na Noruega, tenta emplacar a teoria de que o acusado sofre de problemas mentais, o que devido à meticulosidade dos ataques, será um discurso possível na teoria, mas difícil de provar na prática.

“O ato, aparentemente, foi insano, mas consciente se considerarmos que ele preparou um documento de 1.500 páginas com citações históricas e acadêmicas. O fato é que no caso de atrocidades como essa, a defesa tende sempre a tornar o algoz um desqualificado mentalmente”, diz Eduardo Oyakawa professor de Sociologia da Religião, Lógica e Filosofia da ESPM.

Apesar dos bons indicadores e do aparente ambiente perfeito, Oyakawa ressalta que quando “o humano está envolvido, logo há imperfeição”. “Mas ainda assim [o caso] é uma exceção. (...) Não é hábito dessa cultura enfrentar um desastre moral desse tamanho”, completa.

O professor coordenador do Instituto de Relações Internacionais da UnB, Alcides Costa Vaz, acredita que, apesar de ser um caso isolado, ataques como esse "podem voltar a se repetir" na Europa. "Foi um gesto político de reação e consciente. Uma resposta de defesa", do que para ele, o atirador, representaria uma "diluição da identidade", diz Vaz.

Para Oyakawa, a atitude explosiva de Breivik é resultado de um movimento crescente na Europa, o dos partidos de ultradireita, o que justifica o aumento da xenobofia e da islamofobia no continente. Sabe-se que Breivik foi membro do Partido Progressista norueguês, que segue uma linha populista de direita, e chegou a ocupar posições de liderança na ala jovem da agremiação.

“Esses movimentos reforçam a ideia de que o outro é uma ameaça. Hoje, por exemplo, é um problema ser muçulmano na França. Já na Espanha, o preconceito contra imigrantes é alto já que eles são vistos como competidores num mercado de trabalho que já não comporta nem os próprios espanhóis”, diz Oyakawa.

Para Vaz, a existência de grupos intolerantes a diferentes culturas e  pessoas de outras nacionalidades e etnias na Europa, não é  novidade, mas, segundo ele, o que chama atenção é que isso sempre foi mais observado em países como Espanha, França, Itália, do que nos países nórdicos.

Na Alemanha, por exemplo, a tragédia norueguesa trouxe de volta, ainda, o debate sobre a proibição do partido NPD, de tendência neonazista. Os muçulmanos são considerados os principais inimigos pelo movimento de extrema direita da Europa. Por meio da internet, extremistas de países, como Bélgica e a Áustria, criaram uma rede com grupos alemães como o Pro-Köln e o Pro-NRW.

O professor da UnB também destaca a resposta "positiva" do primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg. "A resposta do país foi a reafirmação dos valores que serão mantidos, da tolerância e da abertura".

Esquerda x direita

Para Oyakawa, há diferenças entre os chamados radicais da ala da esquerda e os da direita. Segundo o professor, para os da esquerda a ideia de “liberdade é muito forte, então o alvo será sempre os donos do poder”. No caso dos direitistas, o conceito de liberdade é diferente.

“Você deve respeitar a hierarquia, por isso eles seguem à risca a burocracia. Para eles, a palavra de ordem é segurança. É como ele [Breivik] disse no documento: ‘muçulmanos e marxistas estão ameaçando a pureza da raça’. Para essas pessoas, isso é visto como uma ameaça à segurança nacional”, diz o professor.

Nas eleições de 2009, a presença dos radicais de extrema direita cresceu no Parlamento Europeu. No total, eles têm 39 assentos, mas não estão organizados numa bancada por falta de acordo.


28/05/2006
Le Cocq vive "fim melancólico" no Rio

da Folha de S.Paulo

Famoso grupo formado por policiais e que ganhou estigma de esquadrão da morte nos anos de 1960 e 70, a Scuderie Le Cocq luta para não ser extinta no Rio de Janeiro.

Atualmente, mantém um prédio nas proximidades da favela Paula Ramos, no Rio Comprido (zona norte), conta com menos de 50 associados - na década de 70 eram mais de 7.000 -, que dão uma pequena taxa apenas para manter o grupo, pagar impostos e realizar obras sociais na favela.

Dos policiais com fama de durões que atuavam paralelamente às forças do estado e prendiam criminosos -os chamados "12 homens de ouro" - restou pouco. Hoje, não há mais repressão ao crime.

Seu presidente de honra é o ex-delegado de polícia e atual deputado estadual Sivuca (PSC), 76, autor da célebre frase "Bandido bom é bandido morto". Integrante do grupo dos 12, Sivuca se disse desanimado com a situação da Le Cocq. "Vivemos um fim melancólico", afirmou.

O deputado disse que não freqüenta a Le Cocq há pelo menos oito anos. Quem responde pela presidência do grupo é Antônio Augusto de Abreu, que comanda também a Portuguesa, clube da Ilha do Governador (zona norte).

À frente da Scuderie há seis anos, desde a morte do delegado Luís Mariano, Abreu declarou que o grupo vive um período de dificuldades financeiras e sua principal atuação é realizar projetos sociais na Paula Ramos e dar pequenas contribuições a asilos e orfanatos.

"Distribuímos brinquedos e presentes no Natal, em dia de são Cosme e são Damião. A comunidade nos respeita", disse.

A Le Cocq também cede seu espaço - um terreno de quase 5.000 metros quadrados - para os moradores realizarem atividades esportivas, festas e até campanhas de vacinação.

Segundo Abreu, além de policiais, integram a atual Scuderie comerciantes, jornalistas, cantores e professores.

Combate ao crime

Apesar de os integrantes terem respaldo dos moradores da Paula Ramos, Sivuca disse que uma das razões que levaram a Le Cocq a parar de combater o crime é a proximidade de sua sede com uma área dominada por traficantes de drogas.

Sivuca disse que as camisas com o símbolo da Le Cocq e a inscrição Esquadrão da Morte apreendidas em São Paulo não pertencem ao grupo. Segundo ele, a Le Cocq tem em seu logotipo as iniciais E.M., mas a sigla significaria Esquadrão dos Motociclistas e não Esquadrão da Morte, como vinha escrito nas camisas apreendidas.

O grupo de motociclistas participava da segurança do presidente Getúlio Vargas, explica Sivuca, e tinha, entre seus integrantes, o detetive Mílton Le Cocq, que inspirou a criação da Scuderie, na década de 60. "Não existe Le Cocq em São Paulo desde os anos 70", disse.

Camisas, bonés, adesivos e buttons com símbolos da Le Cocq são comercializados livremente no site de relacionamentos Orkut.

Sivuca contou que a Scuderie Le Cocq nunca foi um esquadrão da morte como falavam. Segundo ele, seus integrantes prendiam criminosos, mas a orientação era agir dentro da lei. "Mas tínhamos uma regra. Se o criminoso reagisse à prisão, era morto, sem dúvida."

O ex-delegado revelou que a fama de matadores surgiu porque muitos associados cometiam excessos. Um deles foi o policial Mariel Mariscot, que, por descumprir regras, acabou expulso do grupo na década de 1970 e foi assassinado em 1981. "Tinha muito le cocquiano que matava e, depois, ligava para a imprensa", disse.

Segundo Sivuca, o grupo que praticou crimes no Espírito Santo nas décadas de 80 e 90 não era vinculado à verdadeira Le Cocq. O grupo foi extinto por determinação da Justiça há cerca de cinco anos. Os policiais que investigaram os envolvidos hoje recebem proteção.

*
31/07/2011
Camiseta de esquadrão da morte é vendida nos Jardins, em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/952328-camiseta-de-esquadrao-da-morte-e-vendida-nos-jardins-em-sp.shtml



Saturday, July 30, 2011

Cadeias lotadas

DRAUZIO VARELLA

A sociedade quer todos os bandidos atrás das grades, mas não terá recursos para as condições mínimas

Lugar de bandido é na cadeia, diz o povo. Concordo, não tem cabimento deixar solto alguém que mata, assalta ou estupra, mas faço um reparo ao dito popular: lugar de bandido é na cadeia desde que haja lugar.

No sábado passado, o jornalista André Caramante publicou na Folha um relato sobre a superpopulação nos presídios: "Diariamente cem pessoas deixam as prisões paulistas, enquanto outras 137 são encarceradas".

Não é preciso ser gênio em matemática para avaliar as dimensões da bola de neve: se a cada dia a massa carcerária sofre um acréscimo de 37 presos, em um mês serão 1.110 a mais.

Os técnicos recomendam que as cadeias não tenham mais de 800 detentos, para evitar indisciplina, fugas, dificuldade de vigilância, perda de controle e aparecimento de facções dominadoras. Com 1.110 presos a mais a cada mês que passa, deveríamos construir três presídios novos de dois em dois meses, ou seja, 18 por ano.

Sem levar em conta as dificuldades logísticas e a má vontade dos municípios que movem montanhas para impedir a instalação de prisões nas proximidades, analisemos apenas os custos de construção: se uma cadeia nova não sai por menos de R$ 30 milhões, para levantar as 18 gastaríamos R$ 540 milhões por ano. Quantas escolas faríamos com esse dinheiro?

Para não aborrecê-lo com mais números, caríssimo leitor que resistiu até agora, vou deixar de lado as despesas com a folha de pagamento dos funcionários e todos os custos de manutenção.

Graças às medidas tomadas pela Secretaria da Segurança nos últimos anos, a polícia de São Paulo ganhou mais competência. A continuar assim, à medida que esse processo de modernização e moralização se aprofundar, mais gente será presa. Vejam o paradoxo: a sociedade quer polícia atuante e todos os bandidos atrás das grades, mas não terá recursos para aprisioná-los em condições minimamente civilizadas. Como sair do impasse?

Ainda que mal compare: quando um produto abarrota o mercado, o que fazem os produtores? Diminuem a produção.

Violência urbana é doença multifatorial e contagiosa, que nas camadas mais pobres adquire características epidêmicas. Em sua gênese estão implicados fatores tão diversos como escolaridade, consumo de drogas ilícitas, desemprego, impunidade, condições de moradia, falta de espaço para lazer e muitos outros aspectos. 

Os estudos mostram que correm mais risco de se tornar violentos aqueles que viveram pelo menos uma das seguintes situações: 1) falta de afeto e abusos físicos ou psicológicos na primeira infância; 2) falta de orientação familiar e de imposição de limites durante a adolescência; 3) convivência com pares envolvidos em atos de violência.

Na periferia das cidades brasileiras, milhões de crianças vivem nessas três situações de risco. São tantas que é de estranhar o pequeno número que envereda pelo crime.

Nossa única saída é oferecer-lhes alternativas de qualificação profissional e trabalho decente, antes que sejam cooptadas pelos marginais por um salário ridículo e sem direitos trabalhistas. Espalhadas pelo país há iniciativas bem-sucedidas nessa área, mas o número é tímido diante das proporções da tragédia social. Há necessidade de um grande esforço nacional que envolva as diversas esferas governamentais e mobilize a sociedade inteira.

Como parte dessa mobilização, é fundamental levar o planejamento familiar para os estratos sociais mais desfavorecidos. Negar-lhes o acesso ao controle da fertilidade é a violência maior que a sociedade comete contra a mulher pobre.

Toda vez que faço essa afirmação recebo e-mails de religiosos e de acadêmicos revoltados com ela. O argumento dos religiosos é o de sempre, o dos acadêmicos é a ausência de pesquisas que demonstrem a relação entre número de filhos e violência urbana.

Pergunto a você, leitor, e precisa? Há necessidade de evidências científicas para uma conclusão tão óbvia? Na penitenciária feminina em que atendo, é mais fácil achar uma agulha no palheiro do que uma menina de 25 anos que não tenha três ou quatro filhos, quase sempre indesejados. Algumas têm sete ou oito, espalhados em casas de parentes e vizinhos, morando na rua ou sob a tutela do Estado. 


O retorno das Cruzadas

Inácio Araújo

Georges Bernanos achava uma bobagem o processo do marechal Pétain, no fim da Segunda Guerra.

Para quem não sabe, Pétain foi o marechal que liderou o governo títere da França, quando invadida pelos nazistas. Assinou um armistício vergonhoso e iniciou a chamada política da Colaboração.

No fim da guerra, evidente, foi julgado e condenado à morte, mas De Gaulle comutou a pena. De Gaulle que, por sinal, o governo de Pétain condenara à morte por traição.

Bernanos via em Pierre Laval, célebre primeiro-ministro, maestro da Colaboração, não o monstro que todos viam, mas um aventureiro. Seria aventureiro em qualquer circunstância, diz Bernanos.

A execução de Darnand, o líder das Milícias, uma espécie de força paramilitar que perseguia os próprios franceses, também é vista com ceticismo pelo romancista.

Esses artigos, de enorme lucidez, foram escritos pouco depois de voltar à França (estava exilado no Brasil, diga-se), o que é notável.

Naquele momento, os patriotas babavam em busca de sangue dos “colabôs”, como se a vergonha da França viesse deles.

Bem, a visão de Bernanos me parece tão mais interessante porque nos remete a acontecimentos muito atuais. Escreve ele, a horas tantas:

“Para qualquer observador desinteressado, está claro que a mística do Marechal não se originava diretamente do espírito fascista. O fascismo nunca teve esse caráter clerical. A mística francesa do Marechal nasceu de uma outra mística, à qual a propaganda religiosa já havia dado, desde 1935, um alcance universal: a mística da guerra espanhola e da guerra santa entre os Bons e os Maus, os Puros e os Impuros, os Amigos e os Inimigos de Deus, os Vermelhos e os Brancos, breve: a mística da Cruzada.”

É de guerra santa que se trata hoje. Os fanáticos do islamismo alvejam as Torres Gêmeas. Os do cristianismo matam os jovens trabalhistas. Os do anti-israelismo matam em Israel. Os do anti-palestinismo matam em Gaza.

Como cada um tem sua verdade, como sua verdade se assenta na Bíblia ou no Alcorão, com eles não existe negociação possível: é o espírito da Cruzada.

Ele existia na França do pré-guerra com tal intensidade que os Colabôs não estavam infelizes por ver os alemães em seu país, na medida em que eles afastavam do horizonte os esquerdistas.

Mas não existe hoje?

Esse assassino norueguês será alguém tão isolado assim? Longe disso. Os fundamentalistas estão por toda parte. Não conversam senão entre si. Não admitem senão a própria verdade. Matam os outros e acham que está tudo certo.

O que move o norueguês a gente sabe bem o que é (o que move os muçulmanos tipo xiita eu não chego a entender): o ódio ao estrangeiro, ao imigrante, ao judeu, ao homossexual.

Vejamos aqui ao nosso lado mesmo: no momento em que arrancam a orelha do pai que abraçava o filho, onde se esconde o valentão Bolsonaro, de tantas bravatas? Por que ele não tem nada a dizer nessa hora? E o arcebispo? E os pastores evangélicos?

São inomináveis cretinos, é verdade, mas insuflam esse tipo de sub-humanidade que ora pode trucidar gays, ora destruir edifícios.

Bernanos via longe, é incrível. Ele acredita que as forças que haviam produzido coisas como o nazismo estavam longe de ser dissolvidas pela derrota na guerra.

Bom, aí está. Fico aqui e acho que já falei demais.

Na verdade eu queria falar de A Tristeza e a Piedade, o poderoso documentário de Marcel Ophuls sobre a França da Ocupação, que acabou de sair em DVD.

Voltarei a ele.

Wednesday, July 27, 2011

Pilha de livros de julho - consultas e leituras

M. A. Moreira e E. S. Masini - Aprendizagem Significativa: A Teoria de David Ausubel

Hannah Arendt - Responsabilidade e Julgamento

Celso Lafer - Hannah Arendt: Pensamento, Persuasão e Poder

James Joyce - Retrato do Artista Quando Jovem

Maurice Merleau-Ponty - Fenomenologia da Percepção / O Visível e o Invisível

Clement Greenberg - Estética Doméstica

Ricardo Alexandre - Nem Vem que Não Tem: A Vida e o Veneno de Wilson Simonal

Gay Talese - Vida de Escritor

Lorenzo Mammì - Espaços da Arte Brasileira / Volpi

Dashiel Hammett - O Falcão Maltês (para Agosto)

Herman Melville - Billy Budd (para Agosto)

Monday, July 25, 2011

Sunday, July 24, 2011

Amy Winehouse morre aos 27

A polícia da Noruega divulgou neste sábado que o homem acusado de matar 92 pessoas na véspera se entregou logo após o massacre, sem oferecer qualquer tipo de resistência.

O norueguês Anders Behring Breivik, de 32 anos, está sendo questionado tanto pela explosão de uma bomba na capital, Oslo, que matou sete pessoas, quanto pelo tiroteio na ilha de Utoeya, no qual pelo menos 85 pessoas morreram.

No entanto, a polícia ainda não descartou a possibilidade de que ele teria agido em parceria com outro atirador.

O chefe de polícia Sveinung Sponheim disse que mensagens suas publicadas na internet sugerem que o atirador "tem opiniões políticas voltadas para a direita, anti-islâmicas".

Velório

Em Oslo, o clima era de velório: bandeiras estavam hasteadas a meio mastro e muitas pessoas se reuniram ao redor de igrejas, para prestar homenagem às vítimas acendendo velas e colocando flores.

Vestido de policial, Breivik teria chegado à ilha perto de Oslo e disparado contra jovens que participavam de um acampamento do Partido Trabalhista (do governo) no local. Havia cerca de 600 jovens no encontro.

Breivik também é suspeito de relação com o atentado a bomba ocorrido em Oslo um pouco antes.

Este foi considerado o pior ataque ocorrido na Noruega desde a Segunda Guerra Mundial.

A jovem Emma Christiansen, 16 anos, que participava do acampamento, disse à BBC ter visto o homem vestido de policial sendo abordado por um jovem e atirando contra ele. "Então, corri para dentro de casa. Foi assustador."

As autoridades não confirmaram se estão procurando por mais suspeitos, mas disseram que não tiveram conhecimento de nenhuma ameaça prévia relacionada aos atentados.

"Foi uma grande surpresa, não tínhamos nenhum indicativo de que isso ocorreria", disse o chanceler Store à BBC.

O ministro da Justiça disse que a polícia está usando "todos os recursos disponíveis" para lidar com a crise e investigar os responsáveis.

Ele pediu que a população fique longe do centro de Oslo por enquanto e que evite o uso de celulares, para não sobrecarregar a rede de telefonia do país.

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6.

Em consideração às deficiências de minha mãe na cozinha, meu pai muitas noites nos levava ao restaurante de um pequeno hotel em nossa comunidade, a uma pousada do outro lado da baía ou a um de seus restaurantes italianos preferidos em Atlantic City, onde normalmente éramos recebidos, atendidos e servidos de uma maneira que encerrava agradavelmente o dia.

[...] Nos restaurantes ele se tornava outra pessoa, era menos distante, menos tenso, mais amável e comunicativo do que em qualquer outra ocasião, fosse em nosso apartamento ou quando trabalhava nos fundos da butique de minha mãe, na sala de consertos, onde ele passava os dias encompridando ou encurtando vestidos, ou fazendo um terno para alguns dos homens, cada vez mais raros, que valorizavam sua competência e se dispunham a pagar o alto preço de uma roupa feita sob medida.

[...] Nesse período de minha vida eu tive dois pais: um pai de casa e um pai de restaurante. Só com este eu era feliz como filho. E durante meus anos escolares, sobretudo quando me sentia um péssimo estudante, eu me via entrando para o ramo de restaurantes algum dia, dono de um restaurante italiano que atrairia homens como meu pai e poria risos na vida deles [...].

[...] Pelo que eu li nas colunas de jornal de Walter Winchell e Leonard Lyons, ter um restaurante de sucesso era um caminho fácil e seguro para conquistar reconhecimento e prosperidade, uma oportunidade de se tornar uma celebridade entre as celebridades, como fora Toots Shor para os heróis do esporte nos Estados Unidos, Vincenti Sardi para as principais estrelas da Broadway e o que eram os gerentes do Club "21" para os magnatas da nação e suas esposas, exibidas como troféus.

Muito tempo depois que meus sonhos de ser restaurateur se desfizeram e eu me transformei num escritor que ia a restaurantes como meio de fuga da solidão - meu pai certamente sofria do mesmo mal quando costurava - tornei-me um frequentador noturno não só dos lugares da vizinhança, mas de estabelecimentos renomados, como o Club "21", onde logo me habituei aos apertos de mãos e tapinhas nas costas dos proprietários toda vez que eu entrava, pois esse é, sem dúvida, um dos lugares de Nova York onde se cumprimenta com maior efusão. O cliente fiel é acolhido não somente por um simples recepcionista, mas por uma verdadeira comitiva de recepção, integrada por cavalheiros reverentes e bajuladores, que em outros tempos poderiam ter servido ao Rei Sol em Versalhes. No começo eu pensava que o corredor do Club "21" estava sempre povoado de recepcionistas e aduladores, mas logo me ocorreu que esse restaurante não havia prosperado por mais de sessenta anos subestimando a insegurança de seus principais clientes. Na verdade, era provável que seus donos bem soubessem que muitos dos clientes que pagavam contas altas com verbas de representação sentiam que de um momento para outro poderiam perder seus altos postos em grandes empresas, e quando isso acontecesse perderiam sua disputada mesa ao lado da parede esquerda do salão. Mas enquanto  isso não acontecia, eles e os recepcionistas transmitiam segurança recíproca com seus apertos de mãos e abraços, que vinculavam a administração do restaurante à administração do poder e da riqueza da nação.

Assim, no Club "21", eu via em grande escala aquilo que já tinha vislumbrado quando menino em Nova Jersey: restaurantes como salões de deferências, honrarias e autoafirmação. E me abandonei ao prazer do que eles tinham a oferecer, que para mim não era o que aparecia no cardápio, e sim as imagens e sons circundantes, que me transportavam para fora de mim mesmo, o salpico mágico de certa especiaria na gestalt que me elevava a níveis de resposta e fruição que eu muitas vezes experimentava quando ia ao teatro.

Gay Talese - Vida de Escritor

Saturday, July 23, 2011

Friday, July 22, 2011



M.C. Luhan II
Tetrad of media effects
From Wikipedia, the free encyclopedia

Generally speaking, a tetrad is any set of four things. In Laws of Media (1988) and The Global Village (1989), published posthumously, Marshall McLuhan summarized his ideas about media in a concise tetrad of media effects. The tetrad is a means of examining the effects on society of any technology/medium (put another way: a means of explaining the social processes underlying the adoption of a technology/medium) by dividing its effects into four categories and displaying them simultaneously. McLuhan designed the tetrad as a pedagogical tool, phrasing his laws as questions with which to consider any medium:

What does the medium enhance?

What does the medium make obsolete?

What does the medium retrieve that had been obsolesced earlier?

What does the medium flip into when pushed to extremes?

The laws of the tetrad exist simultaneously, not successively or chronologically, and allow the questioner to explore the "grammar and syntax" of the "language" of media. McLuhan departs from his mentor Harold Innis in suggesting that a medium "overheats", or reverses into an opposing form, when taken to its extreme.

Visually, a tetrad can be depicted as four diamonds forming an X, with the name of a medium in the center. The two diamonds on the left of a tetrad are the Enhancement and Retrieval qualities of the medium, both Figure qualities. The two diamonds on the right of a tetrad are the Obsolescence and Reversal qualities, both Ground qualities.

Enhancement (figure): What the medium amplifies or intensifies. For example, radio amplifies news and music via sound.

Obsolescence (ground): What the medium drives out of prominence. Radio reduces the importance of print and the visual.

Retrieval (figure): What the medium recovers which was previously lost. Radio returns the spoken word to the forefront.

Reversal (ground): What the medium does when pushed to its limits. Acoustic radio flips into audio-visual TV.

Thursday, July 21, 2011





M.C. Luhan

FABIO VICTOR - DE SÃO PAULO

A roda é uma extensão do pé, o livro é uma extensão do olho; a roupa, uma extensão da pele, e a internet, uma extensão do cérebro. O canadense Marshall McLuhan, cujo centenário de nascimento se comemora hoje, formulou esses axiomas há mais de 40 anos, quando nem sinal havia da rede mundial de computadores.

Criou-a ligeiramente modificada, é verdade: usando no lugar de internet o conceito "circuitação eletrônica" e, no de cérebro, "sistema nervoso central".

Graças às profecias sobre o que seria a evolução dos meios eletrônicos, a partir dos anos 1990 o teórico da comunicação saiu do limbo a que fora relegado na década anterior (após a euforia de sua descoberta nos 60/70), virou de novo pop e foi chamado de "santo padroeiro da internet" pela Wired.

Os cem anos anos estão aí para ampliar a onda.

A recém-criada Ímã Editorial relança O Meio É a Massagem, livro-jogo ilustrado, publicado por McLuhan em 1967 em parceria com o designer Quentin Fiori e à época lançado também em LP. 

A obra já apontava para fenômenos atualíssimos, como a rediscussão do direito autoral e revoltas populares tonificadas por redes sociais.

Como observa no posfácio o editor e tradutor Julio Silveira, o livro "é um apelo para que as pessoas (...) compreendam que estamos entrando em um novo ambiente, deixando para trás a tecnologia sequencial, especializada e categorizante da imprensa e do livro, e penetrando em um novo ambiente, o de liberdade criativa e informação plena garantidas pela 'circuitação eletrônica'".

AUTISMO

Na América do Norte, foi lançado no fim do ano passado a biografia You Know Nothing of My Work! (você não sabe nada sobre a minha obra), de Douglas Coupland (o mesmo de Geração X), que incomodou parte da família de McLuhan por associar idiossincrasias do intelectual a tiques autistas. 

A universidade brasileira também trata de revigorá-lo. 

"McLuhan ficou muito tempo proscrito na academia. Até quem achava que o conhecia já tinha esquecido dele", diz o filósofo Andre Stangl, do centro Atopos , da ECA/USP, que em maio passado organizou o seminário O Século McLuhan (www.atopos.usp.br/mcluhan).

Ele conta que acadêmicos convidados para o evento tiveram de rever a obra de McLuhan e "ficaram impressionados com a atualidade". Em novembro, a PUC-RS organiza um seminário internacional de comunicação que tem o pensador canadense como tema (eusoufame cos.uni5.net/projetos/sic2011) e trará ao Brasil Eric McLuhan, filho tido como seu herdeiro intelectual.

Na internet, é claro, encontra-se material à farta: o documentário McLuhan's Wake (com legendas em português em vimeo.com/23890132); leituras musicais de O Meio É a Massagem (mcluhan2011.eu/dj-spooky); a página oficial dos herdeiros (marshallmcluhan.com); o perfil no Twitter das atividades brasileiras (@mcluhan100br).

E a cena de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa em que ele surge para dizer que um personagem não conhece nada do trabalho dele (youtube.com/watch?v=OpIYz8tfGjY, em inglês).

Coincidentemente, acontecem em São Paulo três mostras de arte que, ao expandir os limites da linguagem eletrônica, revelam a abrangência das ideias do canadense.

E como ele estaria nesse ambiente que vaticinou: seria blogueiro, usaria Twitter, estaria no Facebook?

"Marshall não tinha paciência para minúcias. Certamente não blogaria nem tuitaria pessoalmente, provavelmente teria alguém para fazer isso por ele. Facebook? Você deve estar brincando", disse à Folha Michael McLuhan, filho do intelectual.


1. Em Inveja e Gratidão, livro de 1957, Melanie Klein estabeleceu o conceito de “inveja em relação ao objeto bom, com o intuito de apossar-se de suas características boas”.
[...] “Tal ambiguidade pareceu ter sido resolvida por Wilfred Bion quando ele descreve as emoções como “vínculos”, descartando as dualidades tradicionais de amor e ódio e substituindo-as por um confronto mais complexo e filosoficamente mais penetrante. Inicialmente ele estendeu o raio de ação dos vínculos passionais, ao incluir o conhecer, juntamente com o amar e o odiar”.
[...] No entanto, Bion não se afasta do vínculo fundamental entre a dor mental e a frustração até (quando) ele introduz a idéia de “mudança catastrófica”. É a “nova ideia” que se abate sobre a mente como uma catástrofe, pois, para ser assimilada, detona o fluxo de toda a estrutura cognitiva. [...] Caso sigamos de perto o pensamento de Bion, vemos que a nova ideia se apresenta como sendo uma “experiência emocional” da beleza do mundo e de sua maravilhosa organização [...].
[...] O panorama descortinado pela formulação de Bion a respeito da dor mental e do prazer mental implica que o conflito intrínseco dos vínculos mentais positivos e negativos, perimetrais ao desejo e ao interesse, sempre se faz presente; em consequência, no nível passional – no qual a vida onírica segue seu curso – o prazer e a dor estão sempre inextricavelmente unidos. No entanto, este conflito essencial (a partir de cuja matriz o “aprender da experiência”, se desenvolve para produzir mudança estrutural por oposição a acréscimo de informação) precisa encontrar sua representação simbólica (função alfa) para tornar-se disponível para os pensamentos oníricos, transformação em linguagem verbal (ou outras formas simbólicas, como nas artes) e elaboração através de abstração, condensação, generalização e outros instrumentos de pensamento sofisticado.
tolerância deste conflito, que forma a essência da força do ego, reside naquilo que Wilfred Bion denominou “capacidade negativa”: a capacidade de permanecer na incerteza sem procurar com irritação o fato e a razão.
Na luta contra a força cínica dos vínculos negativos esta capacidade de tolerar a incerteza, o não-saber, a “nuvem de desconhecimento”, é constantemente solicitada na “paixão das relações íntimas e se situa no centro da questão do conflito estético”.
2. Não há nenhum evento da vida adulta que tenha sido tão calculado para originar nossa admiração frente à beleza e nosso maravilhamento frente aos intrincados mecanismos daquilo que denominamos Natureza quanto os eventos da procriação. Não há flor ou pássaro, por mais chamativa que seja sua coloração ou plumagem, que possa nos impor o mistério da experiência estética como a visão de uma jovem mãe amamentando seu bebê. Adentramos a um berçário como se penetrássemos em uma catedral ou nas florestas do Pacífico, pé ante pé, tirando o chapéu.
[...] A experiência estética da mãe com seu bebê é comum, regular, costumeira, pois tem milênios atrás de si, desde que o homem pela primeira vez viu o mundo “como sendo” lindo. E sabemos que isto data pelo menos desde a última glaciação.
“De modo análogo, deve-se apenas às nossas limitações em poder identificar-nos com o bebê o fato de deixá-lo, em nosso pensamento, privado de mentalidade”.
3. Relações íntimas – [...] A devotada mãe comum apresenta ao seu lindo bebê comum um objeto complexo de enorme interesse, tanto sensorial como infra-sensorial. Sua beleza externa, concentrada, como deve ser, nos seios e na face, complicada em cada caso pelos mamilos e pelos olhos, bombardeia o bebê com uma experiência emocional de qualidade passional, resultando em que o bebê seja capaz de ver estes objetos como “lindos”. Mas permanece desconhecido para o bebê o significado do comportamento de sua mãe; do aparecimento e do desaparecimento do seio e da luz de seus olhos, de uma face na qual as emoções passam como sombras de nuvens sobre a paisagem. Afinal das contas, o bebê veio para uma terra estranha onde ele desconhece a linguagem e também as indicações e comunicações não-verbais costumeiras. A mãe lhe é enigmática; ela exibe um sorriso de Gioconda a maior parte do tempo e a música de sua voz fica constantemente mudando do tom maior para o tom menor. Como “K” de Franz Kafka o bebê precisa esperar por definições advindas do “castelo” – o mundo interno de sua mãe. O bebê fica naturalmente em guarda contra um otimismo e confianças sem brigas, pois ele já dispõe de uma experiência dúbia, da qual escapou ou foi expulso – ou talvez o bebê, e não sua mãe, tenha “parido” perigo! Pois não obstante o fato de tirar de dentro de si o morder, ela também lhe fornece uma coisa que explode e que ele precisa expelir por si mesmo. A rigor ela deu e tirou, tanto as coisas boas como as coisas ruins. O bebê não consegue discriminar se a mãe é Beatrice ou sua Belle Dame Sans MerciIsto é conflito estético, que pode ser enunciado de modo mais preciso em termos do impacto estético do exterior da “linda mãe”, disponível aos sentidos, e do enigmático interior que precisa ser construído por meio da imaginação criativa.
[...] O elemento trágico na experiência estética reside na qualidade enigmática do objeto – não na sua transitoriedade.
É neste aspecto que o conflito estético difere da agonia romântica: sua experiência central de dor reside na incerteza.
[...] através do vínculo K, o desejo de conhecer, e não de possuir o seu objeto de desejo. O vínculo K assinala o valor do desejo enquanto estímulo ao conhecimento, e não apenas um clamor de gratificação e controle sobre o objeto. O desejo torna possível, até essencial, dar ao objeto sua liberdade.
[...] Coloca os valores humanos em mente, olhando para frente, para o desenvolvimento, e para a possibilidade de um objeto enriquecido cuja aquisição é possível justamente graças à sua perda.
[...] Como demonstrou Melanie Klein, é verdade que a mudança envolve a transformação do auto-interesse na própria segurança e conforto para a preocupação com o bem-estar do objeto amado. No entanto, isto não descreve omodus operandi da mudança. Pois é a busca pela compreensão (vínculo K) que salva a relação de um impasse, a interação de alegria e dor que engendrara os vínculos de ambivalência amor (L) e ódio (H). É neste ponto que a Capacidade Negativa se faz presente, onde o Belo e a Verdade se encontram.
Donald Meltzer - A Apreensão do Belo

Wednesday, July 20, 2011


[...] "De tudo o que eu disse até o momento, seria possível inferir que o juízo estético não é voluntário. Na verdade, isso não precisa ser dito. Toda intuição, seja comum ou estética, é involuntária quanto ao seu conteúdo ou resultado. O juízo estético de cada um, por ser uma intuição e nada mais, é acolhido, e não oferecido. Não se escolhe gostar ou deixar de gostar de determinada obra de arte mais do que se escolhe ver o sol como luminoso ou a noite como escura. [...] Por outras palavras: a valoração estética é reflexiva, automática, e jamais se chega a ela por arbítrio, deliberação ou raciocínio". (Clement Greenberg)

[...] Embora considerasse involuntários os juízos de gosto, Greenberg não foi persistente ao ponto de tomá-los como não passíveis de revisão ou aprimoramento. Concebia o gosto como uma faculdade que podia ser "desenvolvida" ou "cultivada" por meio de uma crescente exposição à arte - tanto através de uma ampliação do campo da experiência quanto de repetidos contatos com as mesmas obras - e por meio da reflexão sobre o que foi visto (ou ouvido, ou lido). (Charles Harrison)

[...] "Tudo o que digo é que a história não mostra nenhum caso de inovação significativa em que o artista inovador não conhecesse e dominasse a convenção ou as convenções que modificava ou abandonava. O que significa dizer que submetia sua arte à pressão dessas convenções, enquanto as modificava ou as rechaçava. Que não precisava sair em busca de novas convenções para substituir as que deixava de lado; suas novas convenções emergiriam das antigas simplesmente por meio de seu embate com as antigas. E estas, não importa quão abruptamente descartadas, de algum modo permaneceriam lá, como fantasmas, e como fantasmas governariam". (Clement Greenberg)

[...] Pertencer à vanguarda, na sua visão, jamais significou a realização de um "rompimento radical com o passado",  mas sempre a transformação dos mecanismos de um meio por aqueles diretamente envolvidos com esse meio. (Charles Harrison)

Charles Harrison - Introdução: O Juízo na Arte.
Clement Greenberg - A Intuição e a Experiência Estética / Convenção e Inovação

Clement Greenberg - Estética Doméstica

Tuesday, July 19, 2011

ENTREVISTA PAUL BLOOM

Crenças e preconceitos moldam reação das pessoas a prazer e dor

VAGUINALDO MARINHEIRO - ENVIADO ESPECIAL A EDIMBURGO

Paul Bloom, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Yale (EUA), quer entender por que o conhecimento e as nossas crenças interferem na forma como sentimos prazer, seja ao beber um vinho, ver uma obra de arte ou fazer sexo.

Autor do livro How Pleasure Works (Como o Prazer Funciona), Bloom diz que, ao sentirmos prazer, respondemos a coisas mais profundas do que gosto, cheiro ou aparência. Na verdade, diz, nosso prazer é guiado pelo que sabemos, ou julgamos saber, sobre o objeto ou a pessoa com os quais interagimos.

"Mesmo nos prazeres mais animais, somos influenciados por aquilo em que acreditamos", diz o pesquisador.
Bloom, 47, também estuda o comportamento moral de bebês e diz que a crença de que todas as crianças são anjos está errada. "São humanos como eu ou você. Têm impulsos bons e maus."

O psicólogo, cuja disciplina de introdução à psicologia está disponível de graça para download (oyc.yale.edu/psychology/introduction-to-psychology), esteve na semana passada em Edimburgo, onde participou da TEDGlobal, série de palestras sobre inovação.

Após falar para uma plateia de 850 pessoas, ele conversou com a Folha. Confira os melhores trechos da conversa abaixo.

Folha - Como o prazer funciona? O que afeta a forma como apreciamos as coisas?

Paul Bloom - Ao obter prazer, não respondemos apenas aos aspectos superficiais de um objeto ou pessoa, como gosto, cheiro, aparência. Nosso prazer é afetado pelo conhecimento e pelas crenças que temos. Por exemplo, se achamos que um vinho é caro, teremos mais prazer em tomá-lo. No caso da pintura, você pode amar um quadro se acredita que é um Picasso ou um Chagall e não dá a mínima se pensa que é uma falsificação. Mesmo que o original e a cópia sejam iguais.
No caso das pessoas, juntamos à aparência outros fatores que julgamos conhecer sobre elas, que podem ser idade, vida profissional etc.

E com relação à comida? Por que uma pessoa gosta de queijo e outra não?

Queijo é um bom exemplo. Muitos têm cheiro muito forte. Se você disser a alguém que o cheiro que está sentindo é de um animal, ela ficará enojada. Mas se disser que é de um queijo, e que ele é caro, a pessoa pode salivar.

Como é esse processo dentro do cérebro?

Ninguém sabe. Sabemos pouco sobre o que acontece no cérebro. Mas o conhecimento direciona nossas sensações de uma forma que sejam prazerosas ou não.

É possível ensinar alguém a ter prazer?

Fazemos isso o tempo todo por meio da educação. Poucas crianças apreciam, a princípio, música clássica. Mas algumas desenvolvem o gosto por esse tipo de música. Ninguém nasce com apreço por arte moderna.

É possível controlar esse sistema de prazeres?

Depende. Eu não gosto de queijo. Nada me faz gostar de queijo. Por outro lado, se você quer mesmo desenvolver o gosto por algo, a melhor maneira é adquirir conhecimento sobre essa coisa. Por exemplo, pegue uma pessoa que gosta de música clássica e não goste de rap. Mas essa pessoa, por alguma razão, quer gostar de rap. O melhor caminho é pesquisar, aprender sobre esse movimento cultural.

E os prazeres sexuais, são inatos ou desenvolvidos?

O ser humano, como todos os animais que dependem de reprodução, tem desejo sexual. Mas sexo é outro exemplo interessante de como o conhecimento e as crenças definem o desejo, o prazer. Imagine um homem heterossexual vendo um vulto nu à distância. Se ele acreditar que é uma estrela de cinema, uma modelo, ficará muito excitado. Mas se de repente pensar que é um homem, ou sua mãe, sua irmã, sua filha, o desejo, a excitação, acabará imediatamente.

É possível separar o que já apreciamos ao nascer de prazeres desenvolvidos depois?

Sim. O gosto por açúcar, por exemplo, que já aparece em bebês, aparentemente é algo inato. Já o gosto por música clássica é adquirido. Muitos dos prazeres e desprazeres originais estão relacionados com a evolução, com coisas boas do ponto de vista animal. Por exemplo, animais não gostam de bater a cabeça na parede, porque machuca. Já humanos adultos podem desenvolver prazeres que não estejam ligados ao bem-estar. O masoquismo é um desses casos.

O senhor diz que há a mesma relação entre conhecimento e dor. É possível, então, ensinar alguém a tolerar a dor ou sentir menos dor?

Não há dúvidas de que a dor é influenciada pelo conhecimento. Pesquisas mostram que sentimos mais dor se soubermos que a pessoa que nos causa essa dor o faz de propósito. Por outro lado, há o caso de atletas. Corri uma maratona há alguns anos e senti muita dor, mas sabia por que estava doendo. Porém, suponha que tivesse acordado um dia com as mesmas dores. Seria muito mais intolerável, porque desconheceria a causa.

O senhor também estuda bebês e moralidade. O que já descobriu?

Que mesmo bebês de seis meses fazem escolhas baseadas em conceitos morais. Preferem, por exemplo, pessoas que são amigáveis. Em outros institutos de pesquisa, já mostraram que bebês não gostam de ver pessoas sendo agredidas ou feridas, e que, se já têm mobilidade, tentam ajudar.

Muitos defendem que a moral está relacionada com conceitos religiosos. A pesquisa desmente isso?

Já sabemos que a moral não está diretamente ligada a religiões. Os ateus não são piores que os religiosos. O conceito de Dostoiévski, a ideia de que, se não houvesse Deus, tudo seria permitido, é completamente falso. O fato de uma pessoa não crer em Deus não faz dela um assassino.

Educação, leis e punição são base para um trânsito mais harmônico


CRESO DE FRANCO PEIXOTO - ESPECIAL PARA A FOLHA

Divergências entre motociclistas e motoristas podem ser mitigadas com ações de forte apelo democrático: educação, leis e punição. Ou seja, escolas que ensinem e exijam estudos, leis e punições para quem as desrespeitam.

Há algumas assimetrias na legislação. Foi vetado o artigo 56 do Código de Trânsito, que proibiria a circulação de motos nos corredores entre os carros. Suavizou-se a restrição ao excesso de mais de 20% na velocidade permitida. Promulgou-se a lei seca, que foca a bebida alcoólica, não a qualidade da direção.

Campanhas educacionais intensas em favor da boa convivência podem superar este cenário. Dinheiro para isso? O das multas, conforme determina nossa legislação.

Há também questões mais amplas. No centro delas, o desafio do transporte público: metrô para o transporte de massa; faixas exclusivas de ônibus com serviço integrado; cartões de liberdade total, sem restrições de modo ou número de viagens.

Além disso, criou-se no país um cenário indevido: a excessiva facilidade no financiamento de veículos.
Sem mudar essa lógica, os motoristas de carro continuarão parados, e os motociclistas, em alta velocidade, convivendo com os riscos.

CRESO DE FRANCO PEIXOTO é engenheiro, mestre em transportes e professor da FEI 

Sunday, July 17, 2011

Concluindo o que eu estava falando sobre a beleza, as mais satisfatórias relações do sensível devem, por conseguinte, corresponder às fases necessárias da apreensão artística. Descobre-as e terás descoberto as qualidades da beleza universal. Santo Tomás de Aquino diz: Ad pulcritudinem tria requiruntur integritas, consonantia, claritas. Eu traduzo isso assim: Três coisas são necessárias para a beleza: inteireza, harmonia e radiação. Correspondem essas três às fases da apreensão?

Para ver um cesto, o espírito, antes de mais nada, separa o cesto do resto do universo visível que não é o cesto. A primeira fase de apreensão é uma linha limitando, contornando o objeto a ser apreendido. Uma imagem estética se nos apresenta seja no espaço ou no tempo. O que é audível apresenta-se no tempo, o que é visível apresenta-se no espaço. Mas, tanto temporal como espacial, a imagem estética é em primeiro lugar luminosamente apreendida como autolimitada e autocontida sobre o incomensurável segundo plano do espaço ou do tempo, que não o são. Tu a apreendes como uma coisa. Tu a enxergas como um todo. Apreendes o seu todo. Eis o que é integritas.

Então, depois, tu passas dum a outro ponto, conduzido por suas linhas formais; apreendes cada ponto como parte em função de outra parte dentro dos seus limites; sentes o ritmo de sua estrutura.

Em outras palavras, a síntese da percepção imediata é seguida pela análise de apreensão. Tendo, primeiramente, sentido que é uma coisa, sentes, agora, que é uma coisa. Tu a apreendes como complexa, múltipla, divisível, separável, inteirada pelas suas partes, o resultado de suas partes e a soma harmoniosa. Eis o que é consonantia.

A conotação de claritas é um tanto vaga. Santo Tomás de Aquino emprega um termo que parece ser inexato, que me iludiu durante muito tempo. Tal termo levaria a crer que ele tinha em mente simbolismo ou idealismo, a suprema qualidade da beleza sendo uma luz como que dum outro mundo, a ideia de que a matéria não era senão a sombra, a sua realidade não sendo senão o símbolo. Penso que ele cuidaria que claritas fosse a descoberta e a representação artística da intenção divina nalgumacoisa, ou a força da generalização que faria da imagem estética uma imagem universal, que a faria irradiar as suas próprias condições.

Mas isso não passa de linguagem literária. Pelo menos assim a tomo eu. Quando apreendeste aquela cesta como uma coisa e a analisaste, depois, de acordo com a sua forma e a apreendeste como coisa, fizeste a única síntese que lógica e esteticamente é permissível. Viste que é a coisa que de fato é, e não uma outra coisa. A radiação de que ele fala na escolástica: quidditas, o quê de uma coisa. Tal qualidade suprema é sentida pelo artista quando primeiro a imagem estética é concebida em sua imaginação. O espírito, nesse misterioso instante, Shelley comparou-o lindamente a um carvão se apagando. O instante em que essa suprema qualidade de beleza, a radiação clara da imagem estética, é apreendida luminosamente pelo espírito que foi surpreendido por sua inteireza e fascinado por sua harmonia é o luminoso êxtase silencioso de prazer estético, um estado espiritual muito similar à condição cardíaca que o fisiologista italiano Luigi Galvani, servindo-se duma frase quase tão bonita quanto a de Shelley, chamou de encantamento do coração.

O que eu disse se refere à beleza no mais lato sentido da palavra, no sentido que tal palavra possui na tradição literária. No mercado da bolsa, se bem me exprimo, ela tem outro sentido. Quando falamos em beleza, no segundo sentido do termo, o nosso julgamento é influenciado em primeiro lugar pela arte mesma, bem como pela forma dessa arte. A imagem, é claro, deve ser posta entre o espírito ou os sentidos do artista pessoalmente e o espírito e os sentidos dos demais. Se fixares bem isso na tua memória, verás que a arte, necessariamente, se divide em três formas ligadas progressivamente uma à outra. Tais formas são: a forma lírica, isto é, a forma na qual o artista manifesta a sua imagem em imediata relação com ele próprio; a forma épica, isto é, a forma na qual ele manifesta a sua imagem em imediata relação consigo mesmo e com os outros; e a forma dramática, isto é, a forma na qual ele manifesta a sua imagem em imediata relação com os outros.

É uma cadeira bem feita, trágica ou cômica? É o retrato de Mona Lisa bom, se o desejo ver? O busto de Sir Philip Crampton é lírico, épico ou dramático? Se não é, por que não o é? Se um homem, trabalhando com fúria, um bloco de madeira faz aí a imagem duma vaca, é essa imagem uma obra de arte? Se não, por que não?

A arte, sendo inferior, não apresenta as formas, de que falei, distintamente claras umas das outras. Mesmo em literatura, a arte mais alta e mais espiritual, as formas são muitas vezes confusas. A forma lírica é, de fato, a veste verbal mais simples dum instante de emoção, uma exclamação rítmica, dessas que, há muitos anos, são gratas ao homem que empunhava um remo ou que rolava pedras numa ladeira. 

Aquele que a profere está mais cônscio do instante de emoção do que de si mesmo ao sentir a emoção. A forma épica mais simples é vista emergindo da literatura lírica quando o artista prolonga e se põe a se examinar como centro dum fato épico e essa forma progride até que o centro de gravidade emocional fique equidistante do artista propriamente e dos outros. A narrativa tampouco é meramente pessoal.

A personalidade do artista passa para a narração mesma, enchendo, enchendo de fora para dentro as pessoas e a ação como um mar vital. Tal progressão vê-la-ás facilmente nessa antiga balada inglesa, Turpin Hero, que começa na primeira pessoa e acaba na terceira. A forma dramática é atingida quando a vitalidade que encheu e turbilhonou em volta de cada pessoa enche todas as pessoas com uma força vital tal que ele ou ela acaba assumindo uma vida própria estética e intangível.

A personalidade do artista, no começo um grito, ou uma cadência, ou uma maneira, e depois um fluido e uma radiante narrativa, acaba finalmente se clarificando fora da existência, despersonalizando-se por assim dizer. A imagem estética, na forma dramática, é a vida purificada nela e tornando a se projetar para fora da imaginação humana. O mistério da criação estética, assim como o da criação material, então se realiza. O artista, como o Deus da criação, permanece dentro, junto, atrás ou acima da sua obra, invisível, clarificado fora da existência, indiferente, raspando as unhas dos seus dedos.

James Joyce - Retrato do artista quando jovem. Tradução de José Geraldo Vieira