Sunday, April 24, 2011

O poder não é um meio, é um fim. Não se instaura uma ditadura para se salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para se instaurar a ditadura. O objectivo da perseguição é a perseguição; o da tortura é a tortura; o do poder, o poder (...).

Estás a pensar que eu falo de poder, e nem sequer consigo evitar a ruína do meu próprio corpo. Será que não entendes, Winston, que o indivíduo não passa de uma célula? O cansaço da célula é o vigor do organismo. Porventura morres quando cortas as unhas?

(...) Somos os sacerdotes do poder. (...) Deus é o poder. (...) Sozinho, livre, o ser humano acaba sempre derrotado. E tem que ser assim, porque cada ser humano está condenado a morrer, o que constitui o maior de todos os fracassos. Mas se o homem for capaz de aceitar uma submissão total, absoluta, se for capaz de fugir à sua própria identidade, se for capaz de se fundir no Partido a ponto de ser o Partido, então será omnipotente e imortal.

A segunda coisa que tens de perceber é que o poder é poder sobre os seres humanos. Sobre o corpo, claro, mas acima de tudo sobre o espírito. O poder sobre a matéria (sobre a realidade exterior, como tu dirias) não é importante. O nosso domínio sobre a matéria tornou-se já absoluto.

(...) Começas agora a ver que tipo de mundo estamos a criar? Precisamente o oposto das estúpidas utopias hedonistas que os antigos reformadores imaginaram. (...) Não restará lealdade, senão a lealdade ao Partido. Nem amor, senão o amor pelo Big Brother. Nem riso, senão o riso da vitória sobre um inimigo aniquilado. Nem arte, literatura ou ciência. (...) Mas haverá sempre (não te esqueças disto, Winston), haverá sempre a embriaguez do poder. (...) Se queres uma imagem do futuro, pensa numa bota a pisar um rosto humano. Para sempre.

George Orwell - Mil Novecentos e Oitenta e Quatro - Lisboa, Edições Antígona, 1991

Friday, April 22, 2011

Lançadores de mísseis Scud* serão usados na segurança do casamento do príncipe William, a ser realizado na Abadia de Westminster, em Londres

*Mísseis tradicionalmente usados em conflitos armados no Oriente Médio

Tuesday, April 19, 2011


''Pobres não são petistas, são governistas''

Cientista político vê efeito eleitoral 'muito grande' do Bolsa Família e diz que apoio a programa não está relacionado às contrapartidas exigidas pelo governo

18 de abril de 2011 | 0h 00
Lucas de Abreu Maia e Daniel Bramatti - O Estado de S.Paulo

Entrevista - Cesar Zucco

O Bolsa Família tem efeito eleitoral "muito grande", mas favoreceu mais Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 que Dilma Rousseff em 2010. O programa é bem avaliado por todas as classes sociais, e essa imagem positiva tem pouco a ver com a exigência de contrapartidas dos beneficiários.

As afirmações, feitas em artigos publicados recentemente ou ainda inéditos, são do cientista político Cesar Zucco, brasileiro que leciona na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. Não são meras opiniões ou palpites, mas constatações embasadas em pesquisas de opinião ou estudos estatísticos sobre a correlação entre programas sociais e tendência de voto.

Zucco é um dos coordenadores de uma equipe que, com apoio do Banco Mundial, promoveu três rodadas de pesquisa de opinião sobre programas sociais em 2010 - a última delas ouviu 1.221 pessoas em 16 Estados.

Ele também cruzou dados das eleições com os da cobertura do Bolsa Família em cada município. Constatou que, em 2006 e em 2010, quanto maior o porcentual da população atendida pelo programa em municípios de perfil semelhante, maior a probabilidade de voto no candidato do PT. Mas adverte: não há evidências de que os mais pobres tenham aderido ao partido. "O povão é governista."

Os estudos do pesquisador também apontam que os brasileiros não se incomodam com o caráter assistencialista do Bolsa Família. Para ele, isso indica que os brasileiros não se importam tanto com as chamadas "portas de saída", enfatizadas no discurso de setores da oposição.

Quais são os principais resultados de suas pesquisas sobre o Bolsa Família?

O apoio do público em geral ao Bolsa Família e a outros programas desse tipo é alto, e não varia muito com o nível de renda - o que me surpreendeu, porque eu imaginaria uma variação maior entre os mais pobres e os mais ricos. Há mais apoio ao Bolsa Família e ao Benefício de Prestação Continuada (BPC, que garante o pagamento de um salário mínimo a idosos sem fonte de renda) que a pensões e Seguro Desemprego - programas menos redistributivos e que beneficiam os mais ricos.

Por que isso acontece?

Trabalho com duas possíveis explicações: a primeira é que a gestão razoavelmente competente de um programa complexo contribui para a boa imagem do governo; e a segunda é que pode ser simplesmente uma aceitação de que esses programas são "justos", no sentido de que favorecem aqueles que mais precisam. Existem outras possibilidades, como a existência de condicionalidades (contrapartidas como a frequência escolar dos filhos, por exemplo). Dos programas que estudamos, o Bolsa Família é o único que impõe condicionalidades e é o que tem mais aceitação. Mas um resultado preliminar mostra que não parece ser esta a causa - e as condicionalidades eram a hipótese mais forte. Um dos argumentos apresentados na década de 90 pelo Banco Mundial era justamente de que as condicionalidades tornariam o programa mais aceitável para quem paga por ele. Mas achamos poucas evidências disso.

As condicionalidades não ajudam a explicar o apoio ao BPC, não é? Afinal, o programa não impõe condições aos beneficiados.

Precisamente. São resultados preliminares, mas o principal fator parece ser o público alvo de cada programa. Quando você diz que esse é um programa que beneficia primordialmente crianças de famílias pobres - e idosos pobres, no caso do BPC -, as pessoas tendem a achar que ele deve ser feito. Dentro desta explicação, há ainda duas possibilidades: as pessoas podem achar que é uma coisa justa, ou o apoio pode ser explicado por estes programas serem relativamente baratos - bem mais baratos que a Previdência, por exemplo.

Por que o senhor afirma que os resultados são preliminares?

Eu e mais cinco professores conduzimos uma pesquisa nacional no ano passado que, por três vezes, entrevistou um grupo de pessoas - em março, agosto e dezembro. Para medir a variação do apoio em função das condicionalidades, fizemos, na última etapa do estudo, uma pergunta sobre o Bolsa Família. Em metade dos questionários, a pergunta não falava em condicionalidades. Na outra metade, a questão enfatizava o fato de que, para receber o Bolsa Família, os pais precisam manter as crianças na escola. Os resultados mostram que não há variação no apoio ao programa nos dois grupos. Por um lado, pode-se argumentar contra o experimento, afirmando que as pessoas já sabem bastante sobre o Bolsa Família e enfatizar as condicionalidades não faz diferença. Por outro lado, o único grupo em que há variação é entre quem recebe mais de cinco salários mínimos - ou seja, as pessoas que tendem a ser mais bem informadas.

Estes resultados enfraquecem as críticas ao Bolsa Família e o enfoque na necessidade de haver "portas de saída"?

As críticas ao Bolsa Família têm mudado com o tempo. Num primeiro momento, criticava-se o suposto assistencialismo. Num segundo momento, passou-se a se criticar fraudes na seleção dos beneficiados. E, por fim, à medida em que o governo resolvia os problemas apontados, tem início a discussão em torno das portas de saída. Acho totalmente legítimo discutirmos o assunto. Agora, ao que me consta por esse estudo, o apoio ao Bolsa Família é muito maior do que se esperava para um programa que tira dos ricos para dar para os mais pobres. Isso indicaria que não cola o discurso da oposição de que o programa seria assistencialista ou de que os beneficiados não são merecedores.

No seu estudo, o senhor afirma que o Bolsa Família pode enfraquecer o clientelismo.

Programas de distribuição de renda foram implementados em vários países da América Latina. Em alguns casos, como na Argentina, eles são apenas clientelismo com um nome diferente. Mas em outros, como no Brasil, no Chile e no México, são realmente novos paradigmas - e quando estão livres da barganha por votos podem, sim, enfraquecer o clientelismo a médio e longo prazo.

O senhor se surpreendeu com a correlação entre o recebimento do Bolsa Família e a tendência de votar no candidato governista nas eleições presidenciais?

O efeito é muito grande. Em 2002 (quando o governo federal distribuía o Bolsa Escola), existiu um efeito pró-Serra. Desde então, existiu um efeito pró-Lula em 2006 e pró-Dilma no ano passado. Nas últimas eleições, já havia uma propensão de apoiar o governo, porque a economia estava indo bem. O fato de você encontrar uma propensão ainda maior entre quem recebe o Bolsa Família é surpreendente - o efeito é grande, porque você está passando do alto para o muito alto. Dizer se a correlação é alta ou baixa é sempre relativo, mas eu fiquei surpreso. Não é sempre que encontramos um resultado tão contundente.

Em artigo recente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que o PSDB não deve buscar seu eleitorado no "povão", porque ele já teria sido conquistado pelo PT. O senhor concorda?

No Brasil, e isso vem de muito antes do Bolsa Família, os pobre sempre votaram no governo - simplificando muito, é claro. Nesse sentido, a oposição sempre começa a ganhar terreno a partir da classe média e da classe média alta. Parte do problema é que a oposição tem mais dificuldade de atingir os mais pobres, enquanto o governo tem os programas sociais. Sob esse ponto de vista, o Fernando Henrique Cardoso está certo. Pense na história do PT, no caminho que o próprio PSDB fez e no MDB da década de 70: a oposição começa nas classes médias e vai comendo pelas beiradas até ganhar uma eleição e passar a ser o partido do povão. Por outro lado, não é evidente para mim que o povão seja petista. O povão é governista. O Bolsa Família (Bolsa Escola, na época) ajudou o governo quando o candidato governista era o José Serra, em 2002. Antes de mais nada, a oposição precisa se organizar. O PSDB não tem um núcleo duro ou organização partidária. O PT é o partido com o maior nível de identificação em todas as camadas da sociedade. É organizado para além do lulismo, com estrutura e núcleos de poder Estamos caminhando para um sistema de partido único e isso, em grande parte, é culpa dos outros partidos, que não conseguem se organizar. Assim teremos um partido e vários nanicos. 


Sunday, April 17, 2011

Os Melhores Contos de Jack London


"Doutor Ratão" é o terror dos roedores do metrô há 35 anos

O veterinário Angelo Boggio, 72, é o responsável pelo controle de pragas nos 60 km de trilhos de São Paulo

Quando ele começou, eram milhões de ratos nas linhas do metrô; hoje Boggio e sua equipe matam três por mês

CRISTINA MORENO DE CASTRO (DE SÃO PAULO)

Em 1975, uma pane parou o metrô de São Paulo por horas. Motivo: os milhões de ratos que infestavam os túneis comeram cabos elétricos importantes e o sistema travou.

Naquela época, aos 36 anos, o higienista Angelo Boggio, que trabalhava na então Secretaria Municipal de Higiene e Saúde, foi chamado às pressas para exterminar a praga urbana.

Ali se iniciava a carreira do "Doutor Ratão" (apelido recebido dos colegas) no metrô. 

Desde então, nenhum rato causou qualquer outra pane.

Hoje o metrô de São Paulo é considerado um dos mais limpos do mundo. "Agora matamos três por mês, no máximo. Quando comecei, eram milhões. Dava para ver a fila de ratos, a perder de vista."

Não é exagero. Os roedores faziam fila debaixo do trilho eletrizado com 750 volts de corrente contínua, com o único propósito de se eriçarem, e dessa forma se livrarem dos carrapatos e piolhos que habitavam seus pelos.

O metrô era muito menor.

Tinha cerca de sete quilômetros de extensão. Mas Doutor Ratão era um só. Hoje, conta com uma tropa de 33 homens. 

Formado em veterinária e com cursos de bioquímica, química macromolecular, ecotoxicologia médica, entre outros no currículo, ele diz que foi o primeiro a montar um serviço de controle de roedores e vetores do Brasil e criar o primeiro Centro de Controle de Zoonoses.

Mas Boggio nunca foi atacado por um rato? "Só uma vez, em Belo Horizonte. Um rato de mais de um quilo me mordeu aqui (mostra o calombo no dedão direito) e arrancou um pedaço", conta. 

"Tomei mais um pouco de conhaque, joguei [o conhaque] em cima, coloquei um esparadrapo e fui dormir", continua, às gargalhadas.

Não se sabe se foi graças ao álcool, mas "Doutor Ratão" não pegou nenhuma doença.

Mesmo assim, não usa equipamentos de proteção - máscaras, botas, luvas etc -, para trabalhar. Hoje, aos 72 anos, faz um trabalho de vistoria surpresa, duas ou três vezes por semana.

VENENO SECRETO

A equipe do "Doutor Ratão" usa três tipos de veneno, alternados, para evitar que os ratos se acomodem.
Ele não conta a receita dos remédios. Diz apenas que são anticoagulantes que matam os ratos com a perda de sangue, depois de sete dias, a tempo de outros roedores levarem os sachês para a toca e morrerem também. "Eu não escolho os produtos, quem escolhe são os ratos."

Sachês com venenos são trocados a cada 60 dias, a desinsetização é feita a cada 90 dias e o controle do mosquito da dengue, a cada 20.

Toda noite, as cinco equipes se dividem e fazem o trabalho em trechos: dentro dos trens, nas estações, nos trilhos ou na área externa, num raio de 50 metros da estação.

"Se o metrô parar de fazer isso vai ter invasão de rato e barata até dizer chega. É um trabalho sem fim." (Os três roedores cinzentos que cruzaram com a repórter na praça da Sé devem concordar.)

Colaborou ALENCAR IZIDORO

Saturday, April 16, 2011

- Como foi que a senhora ficou sabendo que éramos casados? - perguntou Dinah.

Miss Marple esboçou um sorriso suplicante.

- Oh, querida! - disse ela.

Dinah insistiu.

- Como foi que a senhora soube? A senhora não foi... não foi à Somerset House?

Os olhos de Miss Marple cintilaram momentaneamente.

- Somerset House? Oh, não. Mas era muito fácil de se imaginar. Tudo corre pela aldeia, sabe. A espécie de brigas que vocês têm... típicas dos primeiros dias do casamento. Muito... muito diferente das relações ilícitas. Já se disse, a senhora sabe, (e eu acho que é uma verdade), que um casal só pode brigar de verdade quando é realmente casado. Quando não há nenhum vínculo legal, as pessoas são muito mais cuidadosas, têm que se convencer de que tudo é feliz e sereno. Elas têm, sabe, de se justificar. Não ousam discutir. As pessoas casadas, já notei, gostam muito de brigar e também das reconciliações.

Fez uma pausa, piscando os olhos benignamente.

- Bem, eu... - Dinah parou e deu uma risada. Assentou-se e acendeu um cigarro. - A senhora é maravilhosa.

E continuou:

- Mas, por que a senhora quer que confessemos a verdade e aceitemos a respeitabilidade?

A expressão de Miss Marple tornou-se sombria.

- Porque, a a qualquer momento, seu marido poderá ser preso por assassinato.

Agatha Christie - Um Corpo na Biblioteca

Friday, April 15, 2011


Idioma pode ser extinto porque dois únicos falantes se odeiam

Do UOL Notícias
Em São Paulo

O ayapaneco era um idioma falado por milhares de pessoas por séculos, na região de Tabasco, no México. A língua sobreviveu à conquista dos espanhóis, guerras, enchentes e pestes, mas pode não conseguir passar por um desafio final: a briga entre os dois únicos falantes do idioma no mundo.

Segundo o jornal inglês "The Guardian", Manuel Segovia, 75 anos, e Isidro Velazquez, 69 anos, vivem a 500 metros de distância um do outro em Ayapa. No entanto, eles não se comunicam em ayapaneco porque, simplesmente, se odeiam. 

“Quando eu era jovem todos falavam ayapaneco. Aos poucos, o idioma foi sumindo e, agora, acho que vai morrer comigo”, disse Segovia, que costumava bater papo no idioma com seu irmão, que morreu há dez anos. 

Segovia continua conversando com a mulher e os filhos que não são bem fluentes em ayapaneco.

Para evitar a extinção do idioma, o linguista Daniel Suslak, na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, pretende fazer um dicionário de ayapaneco, com a ajuda dos dois falantes turrões.

Além disso, o Instituto Nacional Indígena, do México, pretende organizar aulas de ayapaneco com Segovia e Velazquez, que terão de se entender para evitar a morte do idioma.

Thursday, April 14, 2011

Tuesday, April 12, 2011


Que Napoleão é esse?


Chefe de praticamente todas as guerras em andamento nos quatro cantos do mundo, Nicolas Sarkozy pode ter bombardeado a Líbia, a Costa do Marfim e o Afeganistão mirando numa dúvida cruel dos franceses: afinal de contas, o atual presidente da República se parece mais com Napoleão I ou com Napoleão III?

O gosto pela guerra que vem demonstrando ultimamente aproxima Sarkozy da imagem do fundador do império, o Bonaparte famoso pelo gênio estrategista militar. O presidente quer ser comparado a Napoleão I, e nem se importa que lembrem do 1,68m de altura, comum aos dois. Prefere ser reconhecido como um baixinho dinâmico e guerreiro a se celebrizar na França, como querem alguns historiadores, pela estatura moral semelhante a de Napoleão III.

Conhecido como “Napoleão, o Pequeno”, o sobrinho de “Napoleão, o Grande” teria em comum com Sarkozy o narcisismo, o populismo, a gabolice, a hiperatividade, o ilusionismo político, a ostentação e a submissão aos amigos ricos.

Por muito menos, convenhamos, a França declarou guerra a praticamente toda a Europa na virada do Século XIX.

Monday, April 11, 2011

O país do passado 

MARCELO NERI 

O Brasil começa a se libertar da herança escravagista que vigorou até o final do século 19

Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), entre 2001 e 2009 a renda per capita média brasileira subiu 23,7% em termos reais. Isto é, descontando a inflação e o crescimento populacional, o desempenho médio tupiniquim esteve longe de ser um espetáculo de crescimento. 

O cálculo da renda média assume pesos maiores para as rendas maiores. Cada um vale o que ganha. Se apontarmos o binóculo para a plateia, quem se sentou na primeira fila, e quem perdeu o show do crescimento? 

A renda dos 10% mais pobres no Brasil subiu 69,1% no período. Esse ganho vai caindo paulatinamente à medida que nos aproximamos do topo da distribuição, atingindo 12,8% entre os 10% mais ricos, taxa de crescimento mais próxima da média do que a dos mais pobres. 

Existe outra hipótese forte subjacente ao cálculo da renda per capita que referencia a maior parte das pesquisas acerca do binômio pobreza e desigualdade. 

Tudo se passa como se, numa espécie de socialismo doméstico, cada membro do domicílio deixasse seu respectivo quinhão de renda num pote e de onde cada familiar depois retira uma parcela igual da renda. Tendemos a zerar a desigualdade que não enxergamos. 

O conceito de renda domiciliar per capita elimina - por construção - toda desigualdade existente entre os diferentes membros de uma mesma família. Por exemplo, se a mulher recebe menos que o marido no âmbito domiciliar, a perda delas é compensada pelo ganho deles.

Nesse sentido, a desigualdade entre brasileiros e brasileiras está subestimada na renda per capita. Agora, como se comportou no período 2001 a 2009 a desigualdade de renda média entre indivíduos que compõem diferentes segmentos da sociedade? Gênero: a renda delas sobe 37,7%; a deles, 16,6%. Reportamos também a razão de rendas colocando a dos mais pobres no numerador. 

Nesse caso, a razão de rendas por sexo - mulheres por cima - sobe de 0,49 para 0,58 entre 2001 e 2009. 
Raça: a renda de pessoas que se identificam como pretos e pardos sobe 43,1% e 48,5%, respectivamente, ante 20,1% dos brancos. A razão de renda entre pretos e brancos sobe de 0,53 para 0,62. 

Escolaridade: a renda de pessoas sem nenhuma escolaridade sobe 53,5%, ante queda de 9% daquelas com pelo menos o nível superior incompleto. Essa conjunção de movimentos faz com que a razão de rendas dos menos em relação aos mais educados suba de 0,09 para 0,17. 

Espacial: a renda da região mais pobre, o Nordeste, sobe 41,8%, ante 15,8% do Sudeste maravilha. A razão de rendas sobe de 0,43 para 0,53. Detalhando o perfil espacial, a renda sobe 46,8% no Maranhão, inicialmente o Estado mais pobre, ante 7,2% de São Paulo, o mais rico. 

Em Sergipe, a renda sobe 58%. Fazendo um zoom nos municípios das capitais, a maior taxa de crescimento foi a de Teresina, com 56,2%. O destaque das periferias das metrópoles brasileiras foi Fortaleza, com 52,3%. Já a capital e a periferia da Grande São Paulo subiram 2,3% e 13,1%, respectivamente. 

 Esse padrão, em que a periferia cresceu mais do que a capital, foi observado em sete das nove grandes metrópoles brasileiras. 

Similarmente, a renda cresceu mais nas áreas pobres rurais, com 49,1%, ante 16% das metrópoles e 26,8% das demais cidades. Os setores de atividade com desempenho acima da média incluem aqueles que abrigam a parcela mais pobre do país, como o de serviços domésticos, agricultura e construção (vide www.fgv.br/cps/construcao). 

De maneira geral, a renda de grupos tradicionalmente excluídos, como negros, analfabetos, mulheres, nordestinos, moradores das periferias, campos e construções, cresceu mais no século 21. Tendência contrastante com a de países desenvolvidos e a de emergentes, como os demais Bric, onde a desigualdade cresce a olhos vistos. 

Mais do que o país do futuro entrando no novo milênio, o Brasil começa a se libertar da herança escravagista aqui vigente até o final do século 19. 

MARCELO NERI, 48, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, na Fundação Getulio Vargas. 

Sunday, April 10, 2011


O ser humano é o ser para o qual o mundo, tal como está, não basta. Isto decorre do fato de que ele nasce prematurado e, portanto, incompleto e, em consequência, incompatível com o meio-em-torno que o rodeia. O ser humano, ao nascer, em virtude da prematuração, sofre um corte para cujo preenchimento ele não tem equipamentos. O animal, ao nascer, traz consigo uma trama de instintos capazes de costurá-lo ao meio que o rodeia. Ele não vive a experiência de aguda insuficiência biológico-ontológica na qual o nascimento precipita o ser humano. O animal tem ganchos de abordagem aptos a costurá-lo à realidade. Tendo vindo de casa - do útero - ele continua em casa, já que o Cosmo é a sua casa. Ele marcha para o real e se conecta a ele, sem precisar simbolizá-lo. Ao animal, não lhe falta nada. A leitura que faz do mundo corresponde, simetricamente, à estrutura de suas necessidades. O mundo é a concha que o envolve e na qual ele se perde, extático. O animal faz, desde o nascimento, uma experiência de pertinência cósmica que o torna parte do real, íntimo do coração da matéria, filho dileto - e inocente de Deus.

[...] Por não ter nascido - ou partejado - pelo Cosmo, por não ter dado o salto da natureza para a cultura, por não carregar em seu centro a liberdade - essa fraqueza no coração do ser, como a define Merleau-Ponty -, o animal não precisa dar testemunho da sua passagem no mundo, não precisa falar porque é falado pelo acontecer cósmico, é parte do real, do oceano incomensurável, em movimento, que abarca as constelações mais remotas, e a erva mais modesta - e mais próxima. O animal digere o Cosmo, que o atravessa todo, sem precisar imaginarizá-lo - ou simbolizá-lo.

Hélio Pellegrino - Édipo e a Paixão - Os Sentidos da Paixão / Funarte 1998

Cega-Rega

É difícil. Isto de começar num montouro e só parar na crista dum castanheiro, tem que se lhe diga. É preciso percorrer um longo caminho. Embrião, larva, crisálida... Todas as estações do íngreme calvário da organização. Animada pelo sopro da vida, a matéria necessita do calor de um ventre. Antes dessa íntima comunhão, desse limbo purificador, não poderá ter forma definitiva. Custa. Mas a lei natural é inexorável. Exige consciência de cosmos antes da consciência de ser. O calor dá no ovo. Aquece-o e amadurece-o. A casca quebra. Depois... Ah, depois é essa descida ao húmus, essa existência amorfa, nem germe, nem bicho, nem coisa configurada. Largos dias assim. Até que finalmente em cada esperança de perna nasce uma perna, e cada ânsia de claridade é premiada com dois olhos iluminados. Cresce também uma boca onde a fome a reclama, e surgem as asas que o sonho deseja...

Miguel Torga - Bichos

Saturday, April 09, 2011

... e o grito do homem-voador ao cair em si

Wednesday, April 06, 2011


Com a vara curta

Tiririca já paga resort com dinheiro público

Deputado apresentou à Câmara pedido de reembolso de R$ 660 por hospedagem em Fortaleza (CE), a 3 mil quilômetros de sua base eleitoral

01 de abril de 2011 | 23h 00

Leandro Colon, de O Estado de S. Paulo, e Eduardo Bresciani, do estadão.com.br

BRASÍLIA - Com apenas dois meses de mandato como deputado, o palhaço Tiririca (PR-SP), eleito por São Paulo, já usou o dinheiro da Câmara num resort em Fortaleza (CE), capital de seu Estado natal, que fica a 3 mil quilômetros de sua base eleitoral. Ele apresentou à Câmara em março o pedido de reembolso de notas fiscais de R$ 660 de hospedagem e R$ 311 de alimentação no Porto d’ Aldeia Resort, hotel que fica em meio a dunas, com piscina e vista para o mar na capital cearense.

O ato n.º 43 de 2009 da Câmara dos Deputados é claro sobre a utilização da cota parlamentar que cada deputado tem direito para efetuar despesas relacionadas com o desempenho do mandato. Por ser representante do eleitorado paulista, Tiririca recebe cerca de R$ 27 mil mensais de benefício, além do próprio salário.

Segundo a norma interna, essa verba extra deve ser "destinada a custear gastos exclusivamente vinculados ao exercício da atividade parlamentar".

O gerente do resort, Décio Girão, confirmou ao Estado a presença de Tiririca como hóspede há cerca de duas semanas. A diária do hotel custa, no mínimo, R$ 165 - a despesa com hospedagem ficou em R$ 660.

Noticiário da imprensa local informou que, entre 19 e 21 de março, Tiririca esteve em Fortaleza para visitar parentes.

Sunday, April 03, 2011


Anotações do ano de 2004 para um projeto de Música e Ética

1. Aceitemos a função simbólica como substrato do pensamento.

No plano privado símbolos se comunicam através dos sonhos, no plano público através da arte.

A arte, portanto, como o mecanismo humano de comunicar símbolos. O mecanismo intermediador dos planos.

Se a ética intermedeia os impulsos egocentrados e sociais, a psicologia amplia a gama de gradações que vão da possibilidade à impossibilidade de realizar as demandas culturais/sociais, enfim, do entorno. Os objetos artísticos, por habitarem essa região de trânsito entre o afetivo e o racional, podem servir como veículo de transporte entre um nível e outro.

Por sua natureza auto-suficiente não se limitam a traduzir situações de um nível ao outro mas permitem, isto sim, a apreensão de realidades subjetivas que se oferecem de maneira palpável - já que a arte dispõe de materialidade; tem forma; ela se materializa - e, portanto, passíveis de se tornarem, efetivamente, pensamento, pronto agora para uso descentrado, partilhado.

A arte permite - abre, assim, uma possibilidade de partilhamento da experiência subjetiva.

Num projeto de formação de cidadania os objetos artísticos podem estar a favor de um trabalho de mapeamento de motivações profundas dos indivíduos.

2. A experiência da apreciação pressupõe descentramento.

A obra é fora do indivíduo. Tem materialidade própria.

Ao mesmo tempo revela, atualiza a experiência subjetiva do autor e, como salienta Stokes, exige uma "adesão" do apreciador, ou, nas palavras de Fernando Pessoa "chegar a sentir que é dor a dor que nós - leitores - não sentimos".

Há aí um momento em que dois seres humanos podem se encontrar em um espaço imaterial - a dor é sempre fingida - o da comunicação artística e mudar de posição: assumir um o ponto de vista do outro.

O autor ao atingir temas universais ( seus e de muitos outros ), o apreciador ao ver-se refletido na obra.

O lugar de acontecimento de tal encontro imaterial é em torno da obra de arte, ela, intensamente material.

Friday, April 01, 2011