Monday, October 29, 2012

A criança que fui chora na estrada
Deixei-a ali quando vim a ser quem sou
E hoje, quando vejo que o que sou é nada
Volto a buscá-la ali onde ficou

Sunday, October 21, 2012

Apoio conservador garante liderança folgada de Haddad

Ricardo Mendonça, da Folha de São Paulo

Na simulação de segundo turno da eleição paulistana, o candidato do PT, Fernando Haddad, vence o tucano José Serra mesmo entre os eleitores classificados como conservadores numa escala de posicionamento ideológico criada pelo Datafolha.

Nesse grupo, Haddad tem 46% das intenções de voto contra 33% de Serra. No conjunto, vence por 49% a 32%.

O dado chama a atenção porque em pesquisa semelhante feita pelo instituto em setembro o petista tinha o pior desempenho entre os conservadores, com 12%.

Naquela ocasião, o líder isolado nesse grupo, com 41%, era Celso Russomanno (PRB), hoje fora da disputa.

Os que se identificam com valores conservadores representam 33% dos paulistanos, o maior contingente na escala do Datafolha que agrupa os eleitores em cinco grandes lotes ideológicos.

Extremamente liberais são 6%. Liberais, 28%. Medianos (nem conservadores, nem liberais) somam 23%. E extremamente conservadores, 9%.

Haddad bate Serra em 4 dos 5 agrupamentos, principalmente entre os liberais.

Na pesquisa, o Datafolha usou como referência os métodos e a tipologia política do Pew Research Center em estudos sobre o voto americano.

Cada entrevistado na pesquisa de intenção de voto foi convidado a responder questões sobre valores sociais, políticos e culturais.

Os resultados revelam as opiniões dos paulistanos em vários temas da atualidade.

Pendendo ao conservadorismo, 62% acham que a maior causa da criminalidade é a maldade --34% a atribuem à falta de oportunidades iguais para todos.

Para 71%, adolescentes infratores devem ser punidos como adultos. Entre os mais conservadores, a opinião é compartilhada por 95%. Entre os mais liberais, por 17%.

A maioria também é conservadora em questões sobre drogas e religião. Para 79%, acreditar em Deus torna as pessoas melhores. Para 81%, o uso de drogas deve permanecer proibido.

Pendendo ao lado liberal, 68% associam a pobreza mais à falta de oportunidades do que à preguiça, e 69% dizem que o homossexualismo deve ser aceito pela sociedade.


Surge uma nova classe média global

Segundo estudo, quase 3 bilhões de pessoas, ou 40% da população mundial, devem deixar a pobreza, principalmente nos países emergentes

Fernando Dantas, de O Estado de S.Paulo

RIO - Um total de quase 3 bilhões de pessoas, ou 40% da população mundial, ascenderá à classe média até 2050, e elas virão quase exclusivamente dos atuais mercados emergentes. Dessa forma, o consumo dos países emergentes pode saltar de um terço do consumo global para dois terços até 2050. A classe média no estudo é definida como famílias com ganhos anuais entre US$ 3 mil e US$ 15 mil, com US$ 5 mil sendo o divisor entre as classes médias baixa e alta.

Essas projeções estão no relatório "Consumidor em 2050/A alta da classe média dos mercados emergentes", um minucioso estudo sobre os padrões de consumo das massas que estão enriquecendo em países como China, Índia, Filipinas, Peru e México realizado pelo departamento de pesquisa global do HSBC, e divulgado em outubro. O Brasil também aparece no relatório, mas com previsões que não são das mais brilhantes.

Segundo o HSBC, à medida que a renda cresce, a comida e outros produtos básicos param de consumir a maior parte do salário e há mais dinheiro para as coisas "divertidas" da vida. O estudo mostra que as chamadas despesas discricionárias, que são as menos ligadas às necessidades básicas de sobrevivência, sobem de aproximadamente um terço para 60% do consumo total, quando os salários sobem de US$ 1 mil por ano para algo em torno de US$ 15 mil.

O gasto com comida, que é de 43% para rendas anuais de até US$ 1 mil, caem para 10,6%, para ganhos por ano de US$ 15 mil ou mais. Já os restaurantes e hotéis, que respondem por apenas 2,9% na faixa de renda mais baixa, sobem para 8,3% na mais alta.

Um dos países que deve ter um dos crescimentos mais fenomenais de consumo até 2050, pela combinação de expansão econômica, estrutura etária (população jovem) e crescimento populacional, são as Filipinas. Segundo o relatório, o crescimento em restaurantes, recreação e cuidados pessoais deve ser multiplicado por 25.

Consumo

Já a demanda por roupas, que hoje deriva em 65% dos mercados desenvolvidos, e 35% dos países emergentes, deve ter uma reviravolta, como em muitos outros itens de consumo. Em 2050, segundo a previsão do HSBC, 57% da demanda por roupas virá dos mercados emergentes, e a parcela dos mercados ricos cairá para 43%.

Em termos de aparelhos portáteis de alta tecnologia, os mercados emergentes respondem por apenas 24%, e os ricos, por 76%. Em 2050, 55% da demanda virá dos emergentes, e apenas 45% dos desenvolvidos. O padrão se repete com os serviços financeiros, até de forma mais extrema. A parcela dos ricos vai recuar de 82% para 44% entre 2010 e 2050, enquanto a dos emergentes subirá de 18% para 56%.

A revolução de consumo dos emergentes atingirá as mais diversas áreas, como o turismo. Em 2011, 60 milhões de chineses viajaram ao exterior, número que deve subir para 130 milhões em 2015 e 200 milhões em 2020. Este último número é igual a três vezes o atual fluxo de turistas americanos para o exterior.

O estudo mostra ainda o grande espaço para o crescimento do turismo ao exterior das nações emergentes. Enquanto 20% da população americana, 34% da francesa e 13% da japonesa viajam anualmente para fora, na China o porcentual corresponde a apenas 4,3%, e é ainda mais baixo em países como o Brasil, com 2,7%, e a Índia, com 1,2%.

O trabalho mostra ainda que a renda dos trabalhadores emergentes vai crescer velozmente até 2050. No caso dos chineses, o salto será de sete vezes, com a renda individual anual per capita aumentando de US$ 2,5 mil para US$ 18 mil. Como nota o estudo, "com uma população de 1,4 bilhão de pessoas hoje, isto é muita gente se tornando mais rica".

Já a renda da população da Índia (que atingirá 1,6 bilhão de pessoas em 2050) será seis vezes maior que a atual. As Filipinas, cuja população será o dobro da alemã em 2050, vão ter um aumento de renda de nove vezes. Entres os países latino-americanos, um dos maiores destaques do relatório é o Peru, que é considerado uma "estrela". O aumento médio da renda peruana projetado até 2050 é de quase 5% ao ano, comparado com menos de 3% para o Brasil.

Renda

O Brasil, aliás, não aparece muito bem no relatório. A previsão de renda per capita brasileira em 2050 é de US$ 13.547, inferior a de países como México (US$ 21.793), Turquia (US$ 22.630), Argentina (US$ 29 mil), Malásia (US$ 29.247), Chile (US$ 29.523) e até de países como Peru (US$ 18.940), Líbia (US$ 26.182), República Dominicana (US$ 16.406) e El Salvador (US$ 13.729).

Na verdade, o que conta muito contra o Brasil, por ser um dado importante na metodologia do estudo, é a demografia. Segundo o relatório, entre todos os emergentes, o Brasil terá a pior deterioração demográfica entre 2010 e 2050, com uma alta da idade mediana de 29 para 45 anos.

Segundo o trabalho, "os indivíduos tendem a fazer a maior parte do seu consumo durante seu tempo de vida entre as idades de 16 e 40 anos - o período quando os níveis de renda sobem, as casas e as famílias estão sendo construídas, e antes que os consumidores comecem realmente a poupar para a aposentadoria".

As Filipinas, novamente, apresentam a melhor demografia. A idade mediana do país é de apenas 22 anos, e em 2050 será de 32. A pior demografia está no Japão. Em 2050, quase 25% dos japoneses terão mais de 75 anos. Segundo estimativa da fabricante Fujitsu, já neste ano o consumo de fraldas geriátricas no Japão deve ser maior que o de fraldas de bebês.

Tuesday, October 16, 2012

Monday, October 15, 2012

O Fim de um Ciclo Político

Luis Nassif

Coluna Econômica

Semanas atrás escrevi sobre o fim da geração das diretas, o grupo que, a partir de São Paulo, dominou a cena política nacional, através do PSDB e do PT.

Do lado tucano, Covas, Fernando Henrique, Sérgio Motta, entre outros; do lado petista, Lula, Dirceu, Mercadante, Suplicy, Martha. Do lado dos peemedebistas históricos, Ulisses e Tancredo.

De certo modo, foram desbravadores da democracia brasileira, conseguindo definir um padrão de governabilidade que permitiu ao ornitorrinco voar.


Saía-se da ditadura praticamente sem sociedade civil. Os partidos políticos dividiam-se entre posições muito simplórias: contra ou a favor do regime anterior. Não havia maiores definições programáticas. E o equilíbrio do Executivo era constantemente bombardeado pela instabilidade econômica e por dois tipos de demanda: a do Congresso e a da mídia.

Não era tarefa fácil equilibrar a estabilidade democrática em meio a ventos tão implacáveis.

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De Sarney até FHC, o único instrumento de pacificação política foram os pacotes econômicos, mirabolantes, mas que, de tempos em tempos, conferiam algum fôlego político aos governantes. Foi assim com os sucessivos planos econômicos do governo Sarney, Collor, até o derradeiro, o Plano Real.

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A partir daí, consolidava-se a dualidade PSDB-PT paulistas, comandados pelos personagens das diretas-já. E, em cada partido, conviveram dois personagens: o líder (simbólico ou real) e o que botava a mão na massa.

Um conjunto de circunstâncias jogou o PSDB nas mãos de FHC, o líder simbólico, e de Sérgio Motta, o que botava a mão na massa. Figura generosa, impulsiva, Motta era o motor do partido, o que sujava as mãos (como no caso da votação da reeleição), acolhia os desabrigados, mantinha a chama acesa - ao lado do governador Mário Covas, em São Paulo.

Pouco antes de morrer, conhecendo o caráter de FHC, Motta deixou o bilhete histórico, pedindo que não se apequenasse. Apequenou-se. Tornou-se refém dos financistas do partido, abraçou o neoliberalismo mais desbragado, abandonou o discurso social-democrata e deslumbrou-se definitivamente com os salões.

Com isso, escancarou uma rodovia para que entrasse o discurso social do PT.

***

Do mesmo modo que no PSDB, no PT havia o líder, Lula, e o que botava a mão na massa, José Dirceu.

Coube a Dirceu o papel fundamental de consolidar o arquipélago de tendências do PT, muitas vezes com uma objetividade dura que deixou ressentimentos, mas que liberou Lula para montar as estratégias maiores do partido.

Eleito Lula, Dirceu teve papel central na transição. Comandou intenso processo de negociação com o governo que saía, incluindo um pacto de não agressão que varreu para baixo do tapete inúmeros episódios obscuros do governo anterior.

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Tentou, depois, absorver toda a tecnologia de governabilidade do governo que saía, incluindo operadores, lobistas e tudo isso em um momento em que, com os principais quadros do partido indo para o governo, o PT viu-se meio acéfalo.

Mas não foi seguida a principal lição de FHC - aliar-se a um grande partido ônibus, como o PMDB, assim como o PSDB se aliou ao DEM.

O desafio de administrar o varejo acabou resultando no mensalão.

O "mensalão" foi um divisor de águas. E é interessante entender como se comportaram os atores políticos depois dele.

O pós-mensalão e Lula - 1

No início do governo, Lula teve que enfrentar uma enorme crise de mercado, com o dólar explodindo, o aumento da inflação e a inexperiência do novo partido com o poder. Foi nesse período que o trabalho de José Dirceu, junto ao meio político, e Antonio Palocci, junto ao mercado, foi fundamental para garantir a governabilidade. Passada a crise, o poder de Dirceu acabou sendo incômodo para o próprio Lula.

O pós-mensalão e Lula - 2

O "mensalão" acabou provocando a saída de Dirceu e dos demais companheiros que haviam carregado o piano do jogo pesado inicial. A luta pela sobrevivência política exigiu tudo de Lula. E aí apareceu o político fulgurante em sua plenitude. De um lado, passou a colher os frutos das políticas sociais do início do governo. De outro, precisou dar um impulso gerencial sem precedentes ao seu governo.

O pós-mensalão e Lula - 3

Finalmente, o enorme desgaste produzido pelo episódio impulsionou a renovação do PT. A cara do partido não podia ser mais a dos pioneiros, os que ajudaram no trabalho hercúleo de criar um partido nacional. É nesse contexto que a intuição política de Lula leva à indicação de Dilma Rousseff para presidente e de Fernando Haddad para concorrer à prefeitura de São Paulo. Além da aproximação com Eduardo Campos.

O pós-mensalão e FHC - 1

Caminho inverso percorreu FHC. Sem Mário Covas, tornou-se a única referência do PSDB. Sua falta de vontade de governar, a falta de visão de futuro (ao não perceber o tempo social sucedendo o tempo da estabilização), a escassez de ideias (que o levou a adotar acriticamente o receituário neoliberal), e o neodeslumbramento da mídia (para caracterizá-lo como o antiLula)  cobraram sua conta.

O pós-mensalão e FHC - 2

Mais e mais, FHC imbuiu-se do discurso moralizante, de uma retórica que, embora não tão grosseira quanto a de José Serra, empurrava para o conflito. Nas palestras e, principalmente, nos artigos para o Estadão e o Globo, não conseguia desenvolver mais do que bordões soltos, sem nenhuma profundidade. Mais que isso, não preparou o partido para a renovação, para o aparecimento de novos quadros.

O pós-mensalão e FHC - 3

Chega-se, ao final do longo processo político, que vem da redemocratização até os dias atuais, com os resultados conhecidos. No campo das lideranças, Lula conseguiu não apenas reeleger o sucessor como reestruturar o partido; já FHC  saiu derrotado do governo e deixa um partido em ruínas. Mas a história há de se lembrar dos construtores, os que colocaram a mão na massa e pagaram por isso: Sérgio Motta e José Dirceu.

PS - Quando me refiro ao "mensalão", obviamente falo do episódio político. O que não significa nenhum endosso às teses do STF de mesada ou de montagem de coligação para a ditadura - como mencionou um Ministro desinformado.

Sunday, October 14, 2012

OMBUDSMAN

Endurecer Sim, mas Sem Perder a Razão

Em dias especiais, a "Primeira Página" precisa mudar para mostrar que tem notícia importante. Subir o tom sem cair na histeria é um desafio que a Folha não venceu na quarta-feira passada.

A capa com a condenação de José Dirceu no Supremo Tribunal Federal lembrava jornal sensacionalista no dia seguinte à prisão de um assassino conhecido.

A fotografia enorme no alto mostra um Dirceu "fantasmagórico", na definição de um leitor que gostou da capa. A luz vinda por baixo ilumina apenas o rosto do ex-ministro, em uma imagem obtida no domingo passado, quando ele foi votar.

As letras da manchete cresceram muito: de corpo 80 para 174, um aumento de 117%. Em vez de título, apenas uma palavra: "culpados" - e não "condenados", que seria a reprodução fiel do que havia sido decidido no STF e não carregaria um juízo moral.

A composição parecia refletir um clima de comemoração. "Dava para ouvir os fogos de artifício estourando ao fundo", disse outro leitor, este ofendido com a capa.

Quando houve o impeachment de Fernando Collor, fato histórico mais importante que o mensalão, a "Primeira Página" também "falou mais alto" e até deixou transparecer a satisfação com o ocorrido na tarja "vitória da democracia".

O contexto era outro, havia mobilização de rua e a Folha torcia explicitamente pelo impeachment. Mesmo assim, o foco não estava no presidente deposto. A foto principal nem é a de Collor, mas a da festa dos deputados na Câmara.

Usados os mesmos parâmetros da quarta-feira passada, a capa de 30 de setembro de 1992 teria uma daquelas fotos em que Collor parece diabólico e apenas uma palavra em letras gigantescas: "Expulso".

Resumir o escândalo do mensalão às figuras de Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Marcos Valério é reduzir a importância do caso. O fundamental do julgamento no Supremo não é a punição de "fulano", mas ter deixado uma mácula histórica no governo Lula. Seria melhor uma manchete que dissesse "José Dirceu, homem forte do governo Lula, é condenado por corrupção".

A Secretaria de Redação diz que "a importância histórica do julgamento justifica o espaço dado à manchete". "É a condenação por corrupção de políticos de mais alta patente já realizada pelo Judiciário brasileiro, que terá enorme repercussão em decisões futuras."

Foi uma pena o jornal ter derrapado bem no ápice do julgamento, porque houve, durante a cobertura, um esforço de manter a neutralidade, diferenciando-se de outros jornais e revistas que embarcaram em uma campanha condenatória.

Mas, apesar de desastrada, a capa de quarta-feira não prova, como querem muitos, que a Folha persegue o PT. Quem espalha essa tese esquece que o jornal bateu forte no governo Fernando Henrique Cardoso, como se pode aferir revendo as reportagens sobre a denúncia de compra de votos da emenda da reeleição (1997) e sobre o escândalo do leilão da Telebrás (1999).

Nesses 20 anos, o jornal não abriu mão do apartidarismo, mas parece ter se esquecido como ser eloquente sem perder a elegância.

SUZANA SINGER ombudsman@uol.com.br @folha_ombudsman

JANIO DE FREITAS

A Mesada e o Mensalão

A mentira foi a geradora de todas as verdades, meias verdades, indícios desprezados e indícios manipulados que deram a dimensão do escândalo e o espírito do julgamento do "mensalão".

Por ora, o paradoxo irônico está soterrado no clima odiento que, das manifestações antidemocráticas de jornalistas e leitores às agressões verbais no Supremo, restringe a busca de elucidação de todo o episódio. Pode ser que mais tarde contribua para compreenderem o nosso tempo de brasileiros.

Estava lá, na primeira página de celebração das condenações de José Dirceu e José Genoino, a reprodução da primeira página da Folha em 6 de junho de 2005. Primeiro passo para a recente manchete editorializada - CULPADOS -, a estonteante denúncia colhida pela jornalista Renata Lo Prete: "PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson". O leitor não tinha ideia de que Jefferson era esse.

Era mentira a mesada de R$ 30 mil. Nem indício apareceu desse pagamento de montante regular e mensal, apesar da minúcia com que as investigações o procuraram. Passados sete anos, ainda não se sabe quanto houve de mentira, além da mensalidade, na denúncia inicial de Roberto Jefferson. A tão citada conversa com Lula a respeito de mesada é um exemplo da ficção continuada.

A mentira central deu origem ao nome -mensalão- que não se adapta à trama hoje conhecida. Torna-se, por isso, ele também uma mentira. E, como apropriado, o deputado Miro Teixeira diz ser mentira a sua autoria do batismo, cujo jeito lembra mesmo o do próprio Jefferson.

Nada leva, porém, à velha ideia de alguém que atirou no que viu e acertou no que não viu. A mentira da denúncia de Roberto Jefferson era de quem sabia haver dinheiro, mas dinheiro grosso: ele o recebera. E não há sinal de que o tenha repassado ao PTB, em nome do qual colheu mais de R$ 4 milhões e, admitiria mais tarde, esperava ainda R$ 15 milhões. A mentira de modestos R$ 30 mil era prudente e útil.

Prudente por acobertar, eventualmente até para companheiros petebistas, a correnteza dos milhões que também o inundava. E útil por bastar para a vingança ou chantagem pela falta dos R$ 15 milhões, paralela à demissão de gente sua por corrupção no Correio. Como diria mais tarde, Jefferson supôs que o flagrante de corrupção, exibido nas TVs, fosse coisa de José Dirceu para atingi-lo. O que soa como outra mentira, porque presidia o PTB e o governo não hostilizaria um partido necessário à sua base na Câmara.

Da mentira vieram as verdades, as meias verdades e nem isso. Mas a condenação de Roberto Jefferson, por corrupção passiva, ainda não é a verdade que aparenta. Nem é provável que venha a sê-lo.

MAIS DEDUÇÃO

Em sua mais recente dedução para voto condenatório, o presidente do Supremo, Ayres Britto, deu como certo que as ações em julgamento visaram a "continuísmo governamental ".

"Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia que é o republicanismo, que postula renovação dos quadros de dirigentes".

Desde sua criação e no mundo todo, alcançar o poder, e, se alcançado, nele permanecer o máximo possível, é a razão de ser dos partidos políticos. Os que não se organizem por tal razão, são contrafações, fraudes admitidas, não são partidos políticos.

Sergio Motta, que esteve politicamente para Fernando Henrique como José Dirceu para Lula, informou ao país que o projeto do PSDB era continuar no poder por 20 anos.

Não há por que supor que, nesse caso, o ministro Ayres Britto tenha deduzido haver golpe ou plano golpista. Nem mesmo depois que o projeto se iniciou com a compra de deputados para aprovar a reeleição.

ELIO GASPARI

O Desconforto da Nação Petista

Os argumentos do desconforto de comissários, intelectuais e políticos da nação petista diante das sentenças do Supremo Tribunal Federal colocam-nos na situação do sujeito que usa livre-arbítrio para acreditar que a rua Barata Ribeiro é uma transversal da avenida Atlântica. Pode acreditar nisso, mas nunca mais será capaz de achar um endereço em Copacabana.

Oito dos 11 ministros da corte foram nomeados por Lula e Dilma Rousseff. Ao sustentar que esses juízes formaram um tribunal de exceção, os companheiros deslustram o mérito das indicações dos governantes petistas.

Salvo os doutores Toffoli e Lewandowski, a corte teria cedido a uma pressão dos meios de comunicação. Se essa influência fosse infalível, como explicar que a mesma corte, por unanimidade, reconheceu a constitucionalidade das cotas para as vagas nas universidades públicas? Contra elas estava a unanimidade dos grandes meios de comunicação, ressalvada a autonomia assegurada a alguns articulistas.

Dois condenados (José Dirceu e José Genoino), ergueram em suas defesas passados de militância durante a ditadura. Tanto um como outro defenderam projetos políticos que transformariam o Brasil num Cubão (Dirceu) ou numa Albaniona (Genoino).

Felizmente, a luta de políticos como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Paulo Brossard trouxe esses militantes perseguidos para a convivência democrática, e não o contrário. Se tivessem prevalecido as plataformas do PC do B ou do Molipo, Ulysses, Tancredo e Brossard teriam vida difícil.

A teoria da conspiração contra guerrilheiros heroicos estimula construções antidemocráticas de denúncia da justiça e da imprensa a serviço de uma elite. Nos anos 60, muita gente achou que a luta contra a "democracia burguesa" passava pela radicalização e até pelos trabucos. Deu no que deu.

Ficaria tudo mais fácil se os companheiros entendessem que fizeram o que não deviam e foram condenados. Endossaram a teoria da impunidade do caixa dois eleitoral porque acharam que ela os protegeria. O melhor a fazer seria reerguer a bandeira abandonada da moralidade. Assim poderão batalhar pela condenação de mensaleiros de outros partidos e apresentar-se aos eleitores com um projeto livre de capilés.

CARLOS HEITOR CONY

Projeto de Poder

Depois do golpe de 1964, os generais eram candidatos compulsórios a ocupar a Presidência da República, que passou a ser o cargo máximo da carreira. Na hora da sucessão, a briga era decidida pelo maior número de tropas, tanques, canhões e demais apetrechos da caserna.

Um general tinha a 4ª Região a favor, mas a Escola Superior de Guerra tinha outro pretendente. A Vila Militar preferia outro nome. Da contabilidade bélica, surgia o escolhido.

A ditadura caiu - custou, mas caiu. Tanques e canhões foram recolhidos aos quartéis - e que lá fiquem. Em substituição, voltamos a buscar aquilo que santo Agostinho chamou de "excremento do demônio", aquele "metal" que costumam chamar de "vil": o dinheiro.

No atual julgamento do mensalão, gostei da intervenção do presidente do STF, ministro Ayres Britto, que não culpou o governo em si, mas referiu-se ao "projeto de poder" do PT. Projeto formulado, timidamente, a partir do primeiro governo de Lula e revitalizado pela atual cúpula partidária. O mensalão seria uma espécie de laboratório para a conquista do fim.

Contudo tenho de lembrar que o PT não é o primeiro a pretender um projeto de poder. Lá atrás, o finado ex-ministro Sergio Motta, no primeiro governo de FHC, falou também na necessidade desse laboratório, que garantiria 20 anos de poder ao PSDB. E fez por onde: obteve a emenda da reeleição - que garantiu novo mandato ao presidente de então. Por sinal, um presidente que a perspectiva histórica começa a fazer justiça, com méritos maiores do que inevitáveis defeitos.

A emenda que possibilitou a reeleição teve o preço em dólares. Alguns congressistas mais ligados com o esquema tucano chegaram a renunciar ao mandato para não passarem pelo vexame da cassação.

Friday, October 12, 2012

Saturday, October 06, 2012


DRAUZIO VARELLA

Depois de vinte anos


Completou 20 anos a maior tragédia das cadeias brasileiras.

Naquela sexta-feira de outubro, eu havia reunido um grupo de travestis presos na Casa de Detenção para falarmos sobre a transmissão da Aids. A epidemia se espalhava impiedosa entre eles: 72% eram HIV-positivos, número que chegava a 100% entre aqueles detidos há mais de seis anos.

Perto das 11h, o diretor do presídio apareceu na porta, desejou bom dia a todos e me convidou para um café em sua sala quando a palestra terminasse. Era o doutor Ismael Pedrosa - anos mais tarde assassinado numa emboscada em Taubaté -, homem destemido que andava pela cadeia inteira como se estivesse no quintal de casa.

O café durou mais de uma hora. O diretor contava histórias de tentativas de fuga, rebeliões e crimes que dariam para escrever mais de um livro.

Quando dei por mim, passava de 13h30. Expliquei que já estava atrasado e que não tinha cabimento fazê-lo perder tanto tempo.

Ele respondeu que era sexta-feira, dia em que os detentos se ocupavam com a faxina nas celas para receber a visita dos familiares. "Hoje é o dia mais calmo da semana, dá até tédio", acrescentou quando nos despedimos.

No fim da tarde, quando soube que a TV mostrava cenas de uma rebelião no Carandiru, achei que devia haver algum engano.

Passados 20 anos, a consciência nacional continua atormentada pelos fantasmas dos 111 mortos naquele dia. Hoje nos custa crer que vivíamos numa sociedade institucionalmente tão violenta quanto aquela. O assim chamado massacre do Carandiru foi uma carnificina absolutamente gratuita, que enfraqueceu o poder do Estado e abriu espaço para que o crime se organizasse em facções decididas a impor suas leis nas prisões e fora delas.

A confusão começou num jogo de futebol, com uma briga entre dois homens pertencentes a quadrilhas inimigas que há tempos se estranhavam nas galerias do Nove, pavilhão para onde eram encaminhados os presos mais jovens, geralmente novatos no universo prisional.

Do campo, o confronto subiu para os andares do pavilhão, onde os homens tomaram a providência característica dessas horas: desentocaram as facas, medida necessária para defender-se dos desafetos que porventura se aproveitem da balbúrdia para acertar contas antigas.

O enfrentamento das duas quadrilhas provocou algumas mortes e se transformou num quebra-quebra generalizado, com fogo nos colchões e as cenas características das rebeliões em presídios do mundo inteiro.

A inexperiência dos que se achavam detidos no Nove, entretanto, foi causadora de um erro primário: não fizeram reféns; deixaram os funcionários sair do pavilhão.

Várias unidades da Polícia Militar entraram na cadeia.

A partir daquele momento, o diretor foi substituído por seus superiores hierárquicos, que centralizaram as decisões.

Qualquer carcereiro mais velho teria tomado as medidas rotineiras nessas crises: cortaria a água, a comida e a luz do pavilhão. Sem reféns, não havia pressa. Na manhã seguinte, os presos estariam prontos para negociar, como em outras oportunidades.

O próprio doutor Pedrosa insistiu que resolveria o problema se lhe dessem a oportunidade de conversar com os amotinados. Diante da negativa, dirigiu-se ao portão do Nove para tentar fazê-lo mesmo à revelia. Não teve tempo: "Mal cheguei, escancararam o portão. Fiquei prensado contra a parede, enquanto os soldados invadiam".

Agora, leio nos jornais que os policiais militares irão a julgamento. Nenhuma palavra sobre os verdadeiros responsáveis pelas mortes: as autoridades que ordenaram a invasão. É menosprezo à inteligência alheia pretender impor a versão de que um coronel da PM já falecido tomaria por conta própria uma medida com tantas implicações legais, sem consultar seus superiores hierárquicos.

O que pretendiam eles? Que um pelotão de militares com uma metralhadora na mão e um cachorro na coleira entrasse à noite num pavilhão em chamas para dialogar com os prisioneiros? Quem deu a famigerada ordem para que o comandante da tropa "dominasse a rebelião a qualquer preço"?

É provável que alguns soldados acabem condenados, a corda arrebentará do lado deles. Mas os verdadeiros culpados pela tragédia permanecerão no anonimato, impunes para sempre?