Sunday, November 18, 2012


1.

A respeito do trato negreiro, frei Antônio de São Domingos ensinava na Universidade de Coimbra no final do século XVI: "Ou consta que o rei nenhum cuidado tem neste negócio, ou não consta. Se consta, ninguém pode comprar estes negros, salvo quem quiser fazer essa diligência; se não consta, então deve presumir-se que tudo se faz retamente, pois esse múnus só a eles pertence e deve crer-se que eles o cumprem perfeitamente, doutro modo faz-se-lhe uma injúria manifesta. Por consequência, podemos comprar negros, com a consciência tranquila, enquanto as coisas assim estiverem", d. A. de C. X. MONTEIRO, "Como se ensinava o direito das gentes na Universidade de Coimbra no século XVI", Anais, 2ª sér., vol. 33, 1993, Lisboa, pp. 9-36, pg. 26.

2.

Patterson observa que todas as sociedades estratificadas nascem da apropriação violenta de indivíduos por outros indivíduos. Na maioria dos casos, esse ato de "acumulação original" se restringe à pré-história das sociedades e se perde nela. Mas, no sistema escravista, o ato de reificação dos dominados é continuamente renovado. Sobretudo no Brasil, ajunto eu, onde o sistema escravista - unido de 1550 a 1850 ao circuito atlântico negreiro - permaneceu inteiramente baseado na pilhagem das aldeias africanas. Daí a importância de se atinar com os sucessivos argumentos teológicos e jurídicos que, ao longo desses três séculos, legitimam a etapa inicial, africana, do trato negreiro, momento decisivo da fundamentação legal do escravismo.

No quadro de contínua violência que envolvia a escravização dos africanos, os documentos epístolares traem, por vezes, os sentimentos ambíguos suscitados pelas razias. Com tintas vivas, padre Baltazar Afonso descreve uma das entradas de Dias Novais.

Nesse tempo [1580] tinha já o governador 300 portugueses consigo e alguns 200 escravos de portugueses, e havendo falta de mantimentos os começaram de buscar pela ponta de espingarda, onde deram 4 ou 5 assaltos em que faziam grande destruição, queimando e assolando tudo, e trazendo infinidade de mantimento que a todos fartou. Aqui aconteceu que indo um pai com um filho fugindo dos nossos, vendo que não podia salvar seu filho, se virou para os nossos e despediu quantas frechas tinha, até que o mataram sem se querer bulir de um lugar, para o filho se esconder. E o pai acabou e se foi ao inferno".

Vocabulário direto, narrativa realista, operação de rapina explícita e gesto extremado de heroísmo paternal. A emoção vertida quase até o fim do texto pela luta desesperada do pai ambundo é, entretanto, estancada pelo juízo sem remissão: "E o pai acabou e se foi ao inferno". Não para este nosso inferno fuleiro, cujas fornalhas apagadas a Igreja wojtyliana e os pregadores pentecostais tentam debalde reacender. Mas o inferno quinhentista, imaginado pela ruralidade ibérica, pelas labaredas da Inquisição, mortalha dos infiéis, heréticos, idólatras e canibais combatidos pelo mundo afora pelos cabos de esquadra e missionários.

A ânua da província de Portugal de 1588 enfatiza a preeminência da guerra colonial sobre a catequese em Angola: "Convém que o reino todo se sujeite para mais seguramente e de raiz enformar esta gentilidade e arrancar a idolatria". Enformar, plasmar os nativos na sociedade colonial. No mesmo diapasão, o relatório do visitador Pero Rodrigues mandava os missionários não batizarem nenhum nobre do reino do Dongo até que a terra inteira estivesse toda avassalada.

Entretanto, a substituição dos sobas angolanos pelos capitães e padres na tutela dos sobados fora interrompida pela ordem régia de 1592, extinguindo o regime dos amos. O próprio Filipe II, e não só clérigos inconformistas ou moradores invejosos, recusava a posse e o trato de "peças" empreitado pelos jesuítas. A resposta inaciana veio num duplo registro. Por um lado, os missionários desafiam a autoridade régia e promovem o motim dos amos. Por outro lado, os argumentos pró-escravistas dos jesuítas ajustam-se ao pensamento mercantil coevo, como o demonstra um texto emblemático redigido pelos jesuítas de Angola, depois de discussão com seus correligionários do Brasil.

Não há escândalo nenhum em padres de Angola pagarem suas dívidas em escravos. Porque assim como na Europa o dinheiro corrente é o ouro e prata amoedada, e no Brasil o açúcar, assim o são em Angola e reinos vizinhos os escravos. Pelo que, quando os padres do Brasil nos mandam o que lhe de cá pedimos, como é farinha [de mandioca], e madeira para portas e janelas, e quando os donos das fazendas que vêm a esta parte nos vendem biscoito, vinho e outras coisas, não querem receber de nós a paga em outra moeda, senão na que corre pela terra, que são escravos. Dos quais se carregam cada ano para o Brasil e Índias.

3.

"Marca", em quimbundo, se diz karimuKarimbo era o ferrete oficial de prata ou ferro esquentado na brasa com que se marcavam os negros no momento do embarque, no ato da cobrança dos direitos de exportação. Daí as palavras carimbo e carimbar. Dessa sorte, o substantivo e o verbo - mais usados na língua portuguesa do Brasil - definindo as hierarquias, o escopo da propriedade, a validade dos documentos, a autoridade pública exercida pelo Império e pela República brasileira, derivam do gesto, do instrumento que imprimiria chancela legal ao comércio de humanos. Da palavra que situa o momento preciso da reificação do africano.

4.

Formado em Direito em Coimbra e estabelecido na Bahia, o padre Ribeiro Rocha dedica parte de seu tratado "teológico-jurídico", Ethiope resgatado (1758), cuja edição foi inteiramente vendida no Brasil, aos éditos doutrinários sobre o papel evangelizador reservado aos donos de escravos. Sobretudo quando estes vinham diretamente dos sertões africanos: "Tudo quanto os teólogos dizem da Doutrina Cristã, que os pais devem ensinar a seus filhos, declaram que procede igualmente nos senhores a respeito de seus escravos e, especificamente falando, dos que saíram da infidelidade [na África]". Rebatendo a crença de que os escravos pareciam faltos de entendimento e, por isso, infensos ao cristianismo, o padre Ribeiro Rocha retrocede à doutrina pré-tridentina para afirmar o caráter mágico da oração: um papagaio a quem ensinaram rezas "valeu para livrar milagrosamente a vida, o repetir a ave-maria em ocasião que nas unhas o levava o gavião". Se até as aves americanas recebiam "milagrosamente" a proteção do manto divino ao papaguear orações, os africanos também podiam habilitar-se a tanto, bastando para isso que os senhores empregassem diligência e perseverança. Dessa forma, a teoria negreira jesuíta ajuda a compor o patriarcalismo senhorial luso-brasileiro.


Luiz Felipe de Alencastro - A Teoria Negreira Jesuítica - O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul.

Tuesday, November 13, 2012



Pesquisa revela, em números, realidade carcerária do país 

Nos últimos 20 anos, a população carcerária do país cresceu 350% até chegar a mais de meio milhão de presos, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia

Por Natasha Pitts, da Adital 

O Brasil tem hoje a 4ª maior população carcerária do mundo, são 514.582 pessoas privadas de liberdade por crimes como tráfico de drogas e roubo. A informação é de “Direito Direito”, equipe que presta serviço de informação jurídica para leigos, e foi divulgada no infográfico O Brasil atrás das grades, na última semana.

Nos últimos 20 anos, a população carcerária do país cresceu 350% até chegar a esta cifra de mais de meio milhão, que fica atrás apenas dos Estados Unidos, com 2,2 milhões de presos; da China, com 1,6 milhão e da Rússia, com 700 mil presos.

Devido a este crescimento na quantidade de presidiários/as, o Brasil também ampliou a quantidade de vagas nas penitenciárias nos últimos anos. Em 1990 havia 60 mil vagas, agora em 2012 são 306 mil, aumento de 410%. Mesmo com esta ampliação, a carência é de 208.085 vagas nas 1.312 unidades prisionais brasileiras.

O infográfico mostra que destas quase 515 mil pessoas 93,7% são homens e 6,3% são mulheres. Quanto à escolaridade dos detentos, 275,9 mil terminaram o ensino fundamental, 89,2 mil terminaram o ensino médio, 58,4 mil são apenas alfabetizados, 26,6 mil são analfabetos e 5,6 mil concluíram o ensino superior.

“Direito Direito” revela que quase 135 mil presos estão na faixa etária de 18 a 24 anos; 117,7 têm entre 25 e 29 anos e 84,4 mil têm entre 30 e 34 anos. Outro dado divulgado pela equipe é que, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os negros representam quase 60% (275 mil) do total de detidos.

Os motivos que levam estes milhares de pessoas para trás das grades são quase sempre os mesmos: tráfico de drogas (125 mil presos) e crimes patrimoniais, como furto, roubo e estelionato (240 mil presos). Em suma, o infográfico revela que apenas nove modalidades criminosas são responsáveis por 94% das prisões.

O Artigo 1º da Lei de Execução Penal diz que a função da prisão é proporcionar condições harmônicas para a integração social do condenado. No entanto, sabe-se que este papel não é cumprido por conta das péssimas condições encontradas nestes locais. Um exemplo é a superlotação. Por lei, cada condenado tem direito a 6 metros de cela, mas na prática, nas prisões mais superlotadas, eles acabam tendo disponíveis apenas 70 cm.

E muitos enfrentam esta realidade por anos a fio, chegando até mesmo a cumprir pena sem terem sido julgados, nem sequer em primeira instância, o que é o caso de 30% dos/as detentos. No total, são 173 mil presos provisórios que aguardam uma decisão sobre suas vidas.

Muitos não estão dispostos a esperar e tentam fugir. Nos últimos 12 meses, apenas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas, Goiás, Pernambuco, Ceará, Maranhão e Pará foram registradas mais de 354 fugas. Na outra ponta, os estados com menor índice de fugas foram Rio de Janeiro e Sergipe, com menos de 19 fugas no último ano.


Para mais informações, acesse: http://www.direitodireto.com/

http://revistaforum.com.br/blog/2012/11/pesquisa-revela-em-numeros-realidade-carceraria-do-pais/

Leia também:

Carandiru – a tragédia, 20 anos depois - http://revistaforum.com.br/blog/2012/11/a-tragedia-20-anos-depois/

Um sistema que não funciona - http://revistaforum.com.br/blog/2012/11/um-sistema-que-nao-funciona/

Sunday, November 11, 2012



Nascimento no meio do oceano

Roberto Pompeu de Toledo - 05 de Julho de 2000 - VEJA

Prepare-se o leitor interessado em História do Brasil para um festim. O Trato dos Viventes, de Luiz Felipe de Alencastro (Companhia das Letras; 525 páginas; 36 reais) oferece uma exibição de inteligência, erudição, visão e domínio seguro do assunto em níveis de virtuose. O tempo do livro são os séculos XVI e XVII, os dois primeiros do país que começava a ser o Brasil. O espaço vai além do que hoje configura o Brasil: é o Atlântico Sul como um todo, África e América somados. O Trato dos Viventes é fruto de 25 anos de pesquisa e meditação sobre o tema. Alencastro, que se graduou na França e ali se doutorou, já expunha algumas de suas idéias básicas em artigos que publicou em Paris no final da década de 70. Hoje professor de História do Brasil na Universidade de Paris (Sorbonne), além de colunista de VEJA, ele afirma que se sentirá recompensado se "a imensidade de anos" que dedicou ao trabalho vier mostrar a jovens historiadores que "dá para costurar um livro devagarinho, sem perder as estribeiras, as universitárias e outras".

Como todo livro com uma proposta clara, O Trato dos Viventes é fácil de descrever. Esqueça o mapa do Brasil, eis a primeira providência que se sugere ao leitor. Tomar o mapa atual e transpô-lo às origens, privilegiando-o como o espaço em que se formou o país, é, diz o autor, um anacronismo. Lembremo-nos de que, antes de descobrir o Brasil, Portugal andou descobrindo (no sentido que se dava à palavra na época) a África. E ali não tardou a descobrir (no sentido atual) as maravilhas de uma mercadoria que viria a se inscrever no cerne de suas atividades ultramarinas: os seres humanos. Comprar seres humanos de um lado e vendê-los do outro, manter um lado (a África) como reserva de mão-de-obra e o outro (o Brasil) como a fazendona onde empregá-la: eis o modo como Portugal integrou as duas margens do Atlântico e o viabilizou como espaço econômico. Daí nasce o Brasil. Não no seu mapa atual, mas no mar.

Ou, por outra: nasce do tráfico. O empreendimento escravagista, no qual Portugal foi pioneiro, na era moderna, e do qual desde logo assumiu a liderança, iria revelar-se um dos melhores negócios do mundo, capaz de atrair grandes capitais, públicos e privados. E a via que se firmaria como a mais movimentada, entre as percorridas pelo tráfico, mais do que a que escoava para o Caribe, a América do Norte ou o Prata, era a que ligava a África – particularmente Angola – ao Brasil. Doze mil viagens, segundo cálculos do livro, foram realizadas, ao longo dos três séculos de escravidão, entre uma costa e outra, trazendo 4 milhões de negros ao país. Tão vultoso se revelou o negócio escravagista, em si, que é difícil dizer se o Brasil importou escravos porque suas culturas precisavam deles – a da cana-de-açúcar, em primeiro lugar – ou se, ao contrário, implantou culturas para abrir mercados ao negócio dos escravos. Tão abundante e ativo se apresentava o tráfico que era mais negócio comprar escravos novos do que contar com a reprodução dos antigos. Ou, como escreve Alencastro: "Convinha mais fazer açúcar para vender na Europa e obter meios de compra de (...) africanos adultos do que investir na produção de alimentos, estimular uniões entre os cativos, preservar as mulheres grávidas e as crianças nos engenhos e nas fazendas na expectativa de recolher, a médio prazo, novos trabalhadores cativos nascidos e criados no local".

Engana-se, porém, quem pensa que o tráfico era só o tráfico. Ou, melhor dizendo, que era só um negócio. Era também uma estratégia. Era a maneira de Portugal segurar as pontas de seu império atlântico, e aqui se dá à expressão um sentido literal – segurar as duas pontas, a americana e a africana, do espaço sob seu controle. Do abraço entre as duas costas da bacia sul-atlântica, por mais que seja esse um abraço tétrico, baseado, como diz o título do livro, no trato dos viventes, vale dizer, no comércio de seres humanos, surgem as condições nas quais seria criado o Brasil. "De conseqüências decisivas na formação histórica brasileira, o tráfico extrapola o registro das operações de compra, transporte e venda de africanos para moldar o conjunto da economia, da demografia, da sociedade e da política da América portuguesa", escreve o autor.

A complementaridade entre África e Brasil não escapava aos contemporâneos. "Sem ela (Angola) não tem Vossa Majestade o Brasil", avisava o governador-geral no Brasil Telles da Silva ao rei português dom João IV em 1643. E não escapava igualmente às potências rivais. A Holanda, depois de se apoderar do Nordeste brasileiro, cruza o oceano e toma Angola. Maurício de Nassau, humanista convertido ao escravismo, cedo compreendeu o alcance da frase tão repetida de que "sem Angola, não há Brasil". Sem o braço negro, nada feito. O domínio holandês da colônia africana dura pouco. A reação luso-brasileira contra o domínio holandês dá-se simultaneamente – e vence – em Pernambuco e em Angola. Não é que o Atlântico Sul fosse um Mare Nostrum, como o Mediterrâneo foi para os romanos, tanto que se abria para as lasquinhas deste e de outros rivais europeus, mas o império comandado por Lisboa conseguiu dar as cartas por longo período.

O livro de Alencastro, ao mesmo tempo que percorre seu leito central, desdobra-se em subveios que desvendam aspectos pouco conhecidos do leitor brasileiro. Há uma História de Angola nele embutida. Portugal não teria tido o sucesso que teve, no comércio escravista, se tal prática já não estivesse estabelecida na África. O trato dos viventes existia, ali, antes dos europeus. O politicamente correto, hoje, como escreve Alencastro, é imaginar uma África unida contra o agressor. Engano. Africanos guerreavam africanos para cativá-los. Antes dos europeus, os mouros do norte da África foram bons fregueses das feiras de seres humanos do interior do continente. Portugal se apodera das redes de tráfico com uma política que misturava a força bruta e a sedução. Os guerreiros jagas, temidos em toda a África Central, dividiram-se. Uma parte resistia aos portugueses, outra colaborava.

História emblemática é a da rainha Jinga, do Reino de Matamba. Enquanto resistiu aos portugueses, com os jagas que lhe eram fiéis, era pintada como uma das mais perversas figuras do continente, encarnação dos poderes do demônio sobre os povos pagãos. Segundo o primeiro historiador de Angola, Antônio de Oliveira Cadornega (século XVII), Jinga mantinha um harém de homens transformados em mulheres, "até em o seu vestir", como se "eles fossem fêmeas e ela, varão". Seria antropófaga, além disso, e infanticida. Convertida ao cristianismo pelo capuchinho italiano Antônio de Gaeta, passa a ser tratada como beneficiária de um milagre. Morreu aos 81 anos, e foi enterrada com o hábito dos capuchinhos, além de coroa de ouro e jóias, e escoltada por doze irmãos do Rosário. Nem seria preciso dizer, mas, vá lá, diga-se, que, ao converter-se ao cristianismo, a rainha, numa outra obra de maravilha, converteu-se ao tráfico. Isso não impede, lembra Alencastro, que Jinga seja hoje identificada, tanto nas congadas brasileiras quanto nas celebrações dos negros dos Estados Unidos e do Caribe, em raps e reggaes, como símbolo da resistência da cultura africana.

O livro de Alencastro não pretende ter personagens centrais – seu centro é o oceano e o que se traficava por cima dele –, mas, se fosse para ter, dois ressaltam como evidentes candidatos ao posto de artífices maiores do império luso sul-atlântico, ambos, não por acaso, luso-brasileiros. O primeiro é o Padre Antônio Vieira, dono de uma das maiores inteligências do tempo, cuja influência alcançava cortes e dioceses ao redor do mundo, e cujo domínio do idioma e elegância de expressão fez Fernando Pessoa honrá-lo com o título de "imperador da língua portuguesa". Se a Igreja forneceu uma ideologia ao escravismo e ao tráfico, ao apresentá-los como fatores de evangelização, e se os jesuítas, dentro da Igreja, foram os que mais propagaram tal conceito, entre os jesuítas foi Vieira quem o apresentou com mais audácia. Ele aparece no livro um pouco por toda parte, mas com mais destaque quando Alencastro cita o sermão XIV, em que, dirigindo-se aos africanos, defende que foi Nossa Senhora quem os trouxe ao Brasil, para que encontrassem a verdadeira fé. "Oh", diz Vieira, "se a gente preta tirada das brenhas de sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus, e Sua Santíssima Mãe, por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça, e não é senão milagre, e grande milagre!"

O outro personagem é Salvador de Sá e Benevides, governador do Rio de Janeiro e mais poderoso membro da dinastia dos Sá, que por longo período dominou a capitania fluminense. Sua fortuna era tão grande que fez construir para si, na ilha onde hoje se encontra o Aeroporto do Galeão, assim chamado exatamente por isso, o galeão Padre Eterno, navio portentoso – "o maior que há hoje, nem se sabe que houvesse nos mares", segundo nota na imprensa lisboeta. Salvador de Sá, cuja fortuna – é preciso dizer? – vinha do tráfico, foi quem comandou, em 1648, a expedição de retomada de Angola das mãos dos holandeses. Consolidou-se, com essa ação, um dos mais curiosos fenômenos da era colonial, sobre o qual os historiadores se têm debruçado ultimamente com insistência: uma espécie de subcolonialismo brasileiro. Na verdade, os brasileiros, ou, antes, portugueses do Brasil, eram os principais agentes do tráfico. O trato com Angola era bilateral, Rio–Luanda, Salvador–Luanda ou Recife–Luanda. Só por exceção compunha um triângulo, passando também por Lisboa. Angola era mais colônia do Brasil do que de Portugal, se se pode assim dizer, e se se pode tomar a liberdade de dar por existente uma entidade chamada "Brasil". O livro de Alencastro, ao ampliar as fronteiras da História do Brasil, abre a cabeça do leitor. Uma face oculta da formação brasileira lhe é desvendada.

Wednesday, November 07, 2012

The Romney family misspells their own name in what might be the greatest Freudian slip in US history.

Sunday, November 04, 2012


FERREIRA GULLAR

Arte sem Sombra

Faz pouco, escrevi aqui acerca da experiência estética de Lygia Clark, a propósito da exposição de sua obra realizada no Itaú Cultural. Fui convidado a dar um depoimento acerca de sua experiência estética no recinto da exposição, ilustrando minhas observações com as obras expostas.

Esse convite naturalmente me levou a voltar a refletir sobre a experiência radical, realizada pela artista ao longo de sua vida. Pois bem, muito embora tenha escrito muito e refletido sobre seus trabalhos em tantas ocasiões, deparei-me agora com uma nova observação que, se não me engano, ainda não foi feita por nenhum dos analistas de sua obra. É isso que me traz de novo a escrever sobre ela.

Para que o leitor entenda o que desejo expor, é necessário retomar algumas das observações feitas na crônica anterior. Como tenho observado, a experiência de Lygia Clark tem afinidade com a arte de Kasimir Malevitch, muito embora ele a tenha realizado nas duas primeiras décadas do século 20, ou seja, 50 anos antes da artista brasileira.

Trata-se, evidentemente, de uma leitura minha, que toma por base a contradição figura-fundo, que levara Malevitch, após o seu célebre quadro Branco sobre Branco, a abandonar a tela e a passar a construir no espaço real as suas famosas Construções Suprematistas.

Lygia, por outros caminhos, chegou ao mesmo impasse e, como ele, também abandona a tela para construir no espaço real. Essas construções são os Bichos, esculturas manuseáveis, que constituem o momento limite de sua experiência.

O fator essencial dos Bichos é a participação do espectador na obra de arte, o que a diferencia fundamentalmente de Malevitch. Essa participação é uma inovação da arte neoconcreta que, com Lygia Clark, ganha um significado especial. E aqui começa a nova observação que fiz a propósito de sua experiência estética.

A participação do espectador na obra de arte, possibilitando-lhe manusear a obra, implica uma mudança radical dessa relação obra-espectador: ele deixa de ser mero espectador e sai da relação visual com a obra para estabelecer com ela um relacionamento corporal.

Até aqui nada de novo. Tenho dito que a participação do espectador foi a resposta dos neoconcretistas ao concretismo, que reduzira a experiência estética à exploração das possibilidades do campo visual. Max Bill observou, certa vez, que seu objetivo era explorar as tensões do campo visual, ou seja, estava mais interessado em realizar uma experiência ótica do que criar uma obra de arte.

Noutras palavras, o concretismo elimina da pintura toda e qualquer subjetividade, levando-a a tornar-se apenas uma experiência ótica.

O neoconcretismo, se não buscou reintroduzir o fator subjetivo na expressão pictórica, realizou uma radical subversão ao tornar a experiência estética um corpo a corpo do espectador com a obra. Isso está não apenas nas obras de Lygia e Oiticica, como também nos poemas-objeto.

Essa era a minha compreensão da experiência neoconcreta, entendendo a participação do espectador -o manuseio da obra- como elemento complementar da experiência visual. Por exemplo, um "Bicho" da Lygia é manuseável, mas não deixa de ter também uma estrutura visual que, ao ser manuseada, muda, revela suas potencialidades.

A minha descoberta atual consiste em ter percebido que Lygia abandonou essa forma -ou seja, a obra de arte- para mergulhar numa aventura sem obra, isto é, numa atividade que não visava criar uma obra de arte, manipulável ou não.

A partir daquele momento, ela não pretendia mais, como todo artista, criar um objeto estético. Ela diz então que "o ato é a obra". Noutras palavras, se a pessoa corta a fita de Moebius com uma tesoura, esse ato já é a obra. Sucede que ela vai adiante: cria um túnel de seda onde a pessoa entra. Esse entrar é o que importa. Noutras palavras, o que importa são as sensações que a pessoa experimenta, mediante as situações que Lygia provoca.

No extremo a que chegou, tenta apreender as significações, jamais traduzíveis em formas ou palavras, do que o corpo sente enquanto corpo. Não pretende nem criar uma obra de arte nem conceitualizar a experiência: ela quer experimentar o mistério do corpo, anterior a toda formulação. Isso é, na verdade, desistir da arte. Resta, depois disso, reinventá-la, porque sem ela a vida é mais pobre.


Friday, November 02, 2012

Se você ganha:

$5.000,00 por mês

Existem 8 milhões de pessoas que ganham mais do que você no Brasil, o que representa 8% da população com rendimento.
.
Existem 103 milhões de pessoas que ganham menos do que você no Brasil, o que representa 92% da população com rendimento.


$10.000,00 por mês

Existem 3 milhões de pessoas que ganham mais do que você no Brasil, o que representa 3% da população com rendimento.

Existem 108 milhões de pessoas que ganham menos do que você no Brasil, o que representa 97% da população com rendimento.


$15.000,00 por mês

Existem 2 milhões de pessoas que ganham mais do que você no Brasil, o que representa 2% da população com rendimento

Existem 109 milhões de pessoas que ganham menos do que você no Brasil, o que representa 98% da população com rendimento.


$20.000,00 por mês

Existem no máximo 561 mil pessoas com renda maior do que a sua, o que representa 0,5% ou menos da população com rendimento.

Existem pelo menos 112 milhões de pessoas com renda menor do que a sua, o que representa 99,5% ou mais da população com rendimento.


Famílias com renda igual ou inferior a R$ 70 por pessoa são consideradas "extremamente pobres".

Nessa situação de miséria encontram-se 16,2 milhões brasileiros, o equivalente a 8,5 % da população do país.


Fontes

http://economia.estadao.com.br/especiais/voce-pode-ser-mais-rico-do-que-imaginava,161035.htm

http://www.observatoriodorecife.org.br/?p=3044