Wednesday, August 30, 2006

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O DESENVOLVIMENTO DE UMA CRIANÇA
(1921)
Nota explicativa da Comissão Editorial Inglesa

Melanie Klein apresentou seu primeiro artigo, cujo título era “O desenvolvimento de uma criança”, à Sociedade Psicanalítica Húngara em 1919. Dois anos mais tarde, leu seu segundo artigo, sobre “A Resistência da criança ao esclarecimento”, à Sociedade Psicanalítica de Berlim. Estes dois artigos formam as partes I e II do todo hoje conhecido como “O desenvolvimento de uma criança”. Cada parte é um complemento da outra: a Parte I demonstra como a educação sem esclarecimentos pode causar a repressão excessiva na mente da criança e a Parte II mostra que a mente da criança já possui por si só fortes tendências para a repressão.
Essas conclusões, é claro, já eram conhecidas. A novidade estava em examiná-las através do estudo direto de uma criança, estudo que Melanie Klein descreve não como tratamento, mas como um caso de “educação com feições analíticas”. No entanto, quando voltou a examinar sua obra 35 anos mais tarde, em “A técnica psicanalítica do brincar, sua história e significação”, ela observou esse caso – e não o trabalho de 1922 e 1932, como afirma no prefácio de 1948 a A Psicanálise de Crianças – como o início de sua técnica psicanalítica do brincar.
As marcas características da obra de Melanie Klein já estão presentes nesse artigo. Aqui se pode ver seu sério comprometimento com as descobertas de Freud: ela acredita na ampla influência do inconsciente e das fantasias inconscientes, além de seguir o princípio da continuidade psíquica e da determinação dual do desenvolvimento pela constituição e o ambiente. Outro aspecto típico é a aceitação da fala, da brincadeira, da ação e dos sonhos como meios equivalentes, muitas vezes intercambiáveis, de expressão do inconsciente, a que se somam os relatos numerosos e detalhados da fala e da brincadeira da criança.
Esse, assim como seus outros artigos iniciais, demonstram uma grande esperança de que a análise de crianças possa evitar e curar a doença mental. No Apêndice de A Psicanálise de Crianças, escrito dez anos mais tarde, esse otimismo já está mais atenuado e foi ainda mais restringido em Inveja e Gratidão.

KLEIN, Melanie. AMOR, CULPA E REPARAÇÃO e outros trabalhos (1921 - 1945)

SOBRE A IDENTIFICAÇÃO
(1955)

Em Luto e Melancolia, Freud (1917) mostrou a conexão intrínseca entre identificação e projeção. Sua descoberta posterior do superego, que ele atribuiu à introjeção do pai e identificação com ele, levou ao reconhecimento de que a identificação, como uma seqüela da introjeção, faz parte do desenvolvimento normal. A partir dessa descoberta, introjeção e identificação desempenharam um papel central no pensamento e na pesquisa psicanalíticos.
O desenvolvimento do superego pode ser reportado à introjeção nos estágios mais iniciais da infância; os objetos primários internalizados formam a base de complexos processos de identificação; a ansiedade persecutória, surgida da experiência do nascimento, é a primeira forma de ansiedade, logo seguida por ansiedade depressiva; a introjeção e a projeção operam desde o início da vida pós-natal e interagem constantemente. Essa interação constrói o mundo interno bem como modela a imagem da realidade externa. O mundo interno consiste de objetos – sendo o primeiro de todos a mãe – internalizados em vários aspectos e situações emocionais. As relações entre essas figuras internalizadas, e entre elas e o ego, tendem a ser vivenciadas, quando a ansiedade persecutória é dominante, como essencialmente hostis e perigosas; são sentidas como sendo amorosas e boas quando o bebê é gratificado e prevalecem sentimentos positivos.

Esse mundo interno, que pode ser descrito em termos de relações e acontecimentos internos, é o produto dos próprios impulsos, emoções e fantasias do bebê. Sem dúvida, esse mundo é profundamente influenciado pelas boas e más experiências do bebê, provindas de fontes externas.(1)
Mas, ao mesmo tempo, o mundo interno influencia sua percepção do mundo externo de uma maneira não menos decisiva para seu desenvolvimento.

A mãe – e antes de tudo seu seio – é o objeto primário tanto para os processos introjetivos como para os processos projetivos do bebê.
Desde o começo, o amor e o ódio são projetados sobre ela, e simultaneamente, ela é internalizada com essas duas emoções primordiais contrastantes, o que fundamenta o sentimento do bebê de que existe uma mãe (seio) boa e outra má.
Quanto mais a mãe e seu seio são investidos – e a extensão do investimento depende de uma combinação de fatores internos e externos, entre os quais a capacidade inerente de amar é da maior importância -, mais seguramente o seio bom internalizado, protótipo dos objetos bons internos bons, será estabelecido na mente do bebê. Isso, por sua vez, influencia tanto a força como a natureza das projeções; em particular, determina o que irá predominar nelas, se sentimentos de amor ou impulsos destrutivos.(2)

(1) Entre elas, desde o começo da vida, a atitude da mãe é de importância vital, e continua sendo um dos principais fatores no desenvolvimento da criança.
(2) Colocando isso em termos das duas pulsões, a questão é saber se, na luta entre as pulsões de vida e de morte, prevalece a pulsão de vida.

KLEIN, Melanie. INVEJA E GRATIDÃO e outros trabalhos (1946 - 1963)

Limeiriques

Quando eu pego a cantar meus limeirique
As canguéla rotunda se estrepole
não tem trinca-de-boy nem mula-mole
que achinchele a peixeira do cacique!
Eu me escoro no meu mamultiplique
e as danuta do Cão vai se ofendendo,
no pendura imbrecado vai-não-vendo
rolimã dos cunhão de Zé Limeira:
quando eu pego a cantar minhas besteira
Cristo desce da cruz e sai correndo!

Quando eu baixo o baião do bate-boca
emputeço o sarau das concubina
esfrangalho o cabaço da retina
com a sancanca danida e porra-louca.
Tripanóssoma-cruz na tripa oca
e os contróle da mãe se escafedendo
debandar com as cutruca estremecendo
e embolar merda abaixo na ladeira!
Quando eu pego a cantar minhas besteira
Cristo desce da cruz e sai correndo!

Eu trapaço o anzol da pindaíba
e amufambo carniça nos antonte
sou caruncho e cupim no pé da ponte
só trabalho com o tronco da tubiba.
Sou o entorta-punhal da Paraíba,
era, fui, sou, serei, inda tou sendo;
trinco bala, os milico sai fedendo,
gudibái, mais de mil na buraqueira!
Quando eu pego a cantar minhas besteira
Cristo desce da cruz e sai correndo!

Eu sou raio-reverso no escuro
com uma estrela na testa e o Cão no couro;
sou curinga, corisco e pau-de-ouro,
sou madeira de dar em dedo-duro.
Chapulêto escarcéu no sacamburo
e espicaço as ponteira, cego e vendo;
esculápio da mãe do escolopendro
dez mil réis de glaucoma na algibeira...
Quando eu pego a cantar minhas besteira
Cristo desce da cruz e sai correndo!

Zangarreio no cós da eternidade
sarrafeio a fulô inculta e bela
runimol ruminando a clientela
teimosia de luz na escuridade.
Todo dia eu consumo a mocidade
rapadura que a vida vai roendo
com os caninos, que a cárie vai comendo
com o açúcar da morte traiçoeira...
Quando eu pego a cantar minhas besteira
Até eu tenho medo e saio correndo!

TAVARES, Bráulio. Os Martelos de Trupizupe - 2004 - www.engenhodearte.com.br

Monday, August 28, 2006

A Dupla Expulsão da Subjetividade

A capacidade para eliminar a subjetividade e todo tipo de viés na busca do conhecimento não tem o caráter de um fiat instantâneo. Trata-se de um processo de conquista de graus crescentes de objetividade: um movimento progressivo e assintótico, embora não linear, visando alcançar a verdade objetiva como um ponto móvel no infinito. Muitas das principais descontinuidades na história da ciência resultaram de avanços, mais ou menos repentinos, na capacidade humana de transcender os limites de sua condição epistêmica natural e revolucionar o modo de abstração e a concepção de objetividade vigentes.
Por outro lado, é preciso lembrar também que diferentes tradições na evolução da ciência moderna desenvolveram estratégias distintas de aproximação do alvo comum do conhecimento objetivo. Um mapeamento dessas estratégias , ainda que inevitavelmente sumário e esquemático, permite identificar as duas correntes centrais na evolução de uma concepção objetiva da realidade: o empirismo baconiano e o racionalismo cartesiano.
A mente humana na epistemologia baconiana é um covil de erros, fantasias, ilusões e refrações insidiosas. Tudo conspira para afastá-la do conhecimento verdadeiro. Vale aqui o alerta cautelar de um fragmento atribuído a Heráclito: "Os olhos e ouvidos são maus testemunhos para os homens quando eles possuem almas bárbaras". É por isso que todo cuidado é pouco para evitar que os "ídolos" tomem conta da mente, "pervertendo e infectando todas as previsões do intelecto".
Os ídolos baconianos - da caverna (preconceitos locais), do teatro (sistemas filosóficos), do mercado (termos da linguagem) e da tribo (paixões sub-racionais da natureza humana) - são ameaças permanentes à objetividade do saber. Podemos derrotá-los em batalhas isoladas, mas nossas vitórias sobre eles - e sobre os ídolos da tribo em particular - jamais serão definitivas. O imperativo maior da filosofia baconiana é identificar e suprimir tudo aquilo que desvie a mente de uma apreensão objetiva do mundo, ou seja, a determinação de transcender todos os vieses, idiossincrasias, desejos subterrâneos, dogmas filosóficos, fetiches lingüísticos e fraquezas humanas-demasiado-humanas que grassam soltos em nossa vida subjetiva. As evidências empíricas abertas ao escrutínio público são a grande salvaguarda da mente contra os seus vícios bárbaros e mazelas naturais.
Nas mãos do cientista baconiano em seu laboratório ou no campo de pesquisa, a experimentação agressiva é uma arma que vexa a natureza, cutuca-a de todos os lados e a faz confessar seus segredos. Como dizia Bacon: "A faculdade do sábio interrogar é metade do conhecimento". As observações e evidências recolhidas pelos sentidos são o princípio do saber e a garantia de que produzirá os frutos práticos que o legitimam. A utilidade do conhecimento na solução de problemas e na melhoria da vida humana - e não algum tipo de aderência ou verificacionismo ingênuo - é o teste definitivo da verdade. É pelos frutos que se prova a árvore do saber. Mas o fantasma onipresente do engano e do auto-engano na coleta, processamento e interpretação das evidências empíricas acossa o experimentador baconiano com a mesma intensidade que, como veremos, ele atormenta o cogito cartesiano.
Na tradição racionalista, o nem tudo é o que parece do empirismo dá lugar à tese radical de que nada parece o que realmente é. Foi esse passo decisivo, esboçado originalmente pelos atomistas gregos pré-socráticos e elaborado pela filosofia cartesiana a partir dos avanços e conquistas da física do século XVII, que revolucionou as bases da concepção científica de objetividade.
O que é real? Na filosofia atomista de Demócrito, o mundo tal como nós o apreendemos pelos sentidos não é o mundo tal como ele é. Todas as nossas impressões e percepções sensoriais são causadas pela ação das coisas sobre os nossos sentidos, mas o conhecimento assim gerado é de qualidade inferior ("bastardo") em relação ao conhecimento "legítimo", baseado na completa abstração do que é sensível e transitório.
O real, segundo essa perspectiva, é o que permanece quando ninguém lá está. É tudo aquilo que continuaria existindo no universo mesmo que não houvesse filósofos ou seres dotados de sentidos para apreendê-lo. A análise da base física das percepções mostra que os nossos sentidos, não importa quão disciplinados, são como bárbaros, ou seja, excitáveis e enganadores, e que subjacente às informações ilusórias que eles nos trazem está a realidade objetiva dos átomos em movimento. (Uma lenda antiga reza que Demócrito teria cegado os seus próprios olhos para poder pensar melhor.) Embora diferindo entre si quanto ao tamanho e formato, os átomos ("partículas indivisíveis") de que o mundo é feito são destituídos de qualidades sensíveis (cores, sons, cheiros, texturas etc.). No seminal princípio democritiano - "A opinião diz quente ou frio, mas a realidade são átomos e espaço vazio" - está contido o embrião a partir do qual nasceria, 22 séculos mais tarde, a concepção de objetividade do racionalismo cartesiano.
A filosofia cartesiana retoma, radicaliza e potencia a teoria do conhecimento dos atomistas gregos. A exigência da máxima certeza e da mais absoluta objetividade na busca do conhecimento demanda em primeiro lugar a "remoção do entulho". O cogito cartesiano arma-se da dúvida sistemática e bane da mente tudo aquilo que possa conduzi-la ao erro ou à obscuridade . Ao duvidar de sua própria existência, toca-se o fim da linha e o princípio do saber: a certeza certa de estar duvidando. A dúvida acerca da natureza do mundo, por sua vez, conduz à busca de uma concepção da realidade que evite a armadilha das aparências enganosas e supere a limitação dos pontos de vista parciais e idiossincrasias individuais. O projeto cartesiano visa à elaboração de uma concepção do real que seja ao máximo isenta das noções e juízos irrefletidos que nos circundam e livre das peculiaridades e conteúdos particulares (memórias, desejos, sensações etc.) que povoam a mente de cada um.
O resultado desse esforço de abstração é um conceito de realidade no qual os objetos do mundo físico são dotados de extensão, figura, peso e movimento - as "qualidades primárias" irredutíveis de tudo o que existe ocupando espaço - enquanto tudo o mais é recolhido à vala comum das "qualidades secundárias" que povoam a subjetividade de cada um.
Não é só a beleza que está nos olhos de quem a vê. Todas as sensações de dor e prazer, tudo o que pensamos, sentimos e sonhamos, todas as nossas percepções sensoriais de luz, cor, som, gostos, cheiros, calor e frio, em suma, tudo o que é mental não pertence à realidade objetiva e está para ela assim como, para retomar a analogia sugerida por Descartes em Le monde, o nome das coisas está para as próprias coisas. O calor não está na chama, a doçura não está no doce. Se alguém roçar levemente uma pluma em sua axila ou sola do pé, você sentirá uma sensação formigante de cócegas. A realidade, dirá Descartes, é a ação da pluma sobre a pele e o nervo e toda a cadeia de processos neurológicos mensuráveis que essa ação deflagra. Os efeitos subjetivos dela - nossa experiência íntima dessa fricção inocente - não passam de cócegas mentais.
Nada é o que parece. O medo de ser enganado por aparências falsas e o temor de se deixar enganar por sua própria mente levaram Descartes a erigir a dúvida como método e a certeza indubitável como alvo. O que garante que toda essa empresa cognitiva não seja, também ela, outro engano? O garantidor da confiabilidade da razão humana, segundo o autor das Meditações, seria em última instância uma divindade não enganadora cuja existência e perfeição poderiam ser a priori demonstradas. Mas, se a fonte de legitimidade da estratégia cognitiva cartesiana estivesse limitada a essa (in)certeza teológica, sua concepção de objetividade não teria passado de uma hipótese especulativa entre outras ou mera curiosidade filosófica. Não foi o caso. O modelo de abstração radical esboçado pelos atomistas gregos e aperfeiçoado pela filosofia moderna revelou-se uma abordagem espantosamente fértil na história da ciência.
Uma das chaves do sucesso científico da abstração cartesiana foi o seu encontro e feliz cruzamento com a recém-descoberta geometria analítica. De um lado, as qualidades primárias da res extensa - extensão, figura, peso e movimento - prestam-se admiravelmente à mensuração e manipulação matemática. Ao mesmo tempo, a descoberta da geometria analítica (em larga medida fruto do gênio matemático do próprio Descartes) demonstrou a possibilidade de relacionar de modo rigoroso a esfera dos números e equações, na álgebra, com o universo das formas espaciais, na geometria.
Isso permitiu que, pela primeira vez, fórmulas numéricas funcionassem como duas linguagens, capazes não só de se comunicarem entre si mas, o que é crucial, de serem traduzidas uma na outra, com a geometria analítica servindo de chave mestra da tradução. O encontro da res extensa faminta de quantificação, de um lado, com a aptidão voraz do instrumental da geometria analítica, de outro, inaugurou um caminho prodigiosamente frutífero na busca do conhecimento. O impulso à objetividade deflagrado por essa conquista revelou-se uma das forças mais vigorosas e indomáveis já descobertas pela humanidade. As repercussões práticas e intelectuais do tipo particular de abstração no qual ela se apóia estão longe de se esgotarem.
A concepção particular de objetividade do racionalismo cartesiano é claramente mais ambiciosa e reducionista do que a do empirismo baconiano. A vertente experimental na ciência moderna não tem a sofisticação formal da tradição matemática nem a pretensão de reduzir tudo que existe no universo à física e tudo o que é físico às suas qualidades irredutíveis. Sua forte vocação reducionista, contudo, ainda que menos ambiciosa em termos teóricos e de corte mais pragmático, é inequívoca. Também ela persegue - ao seu modo e com suas armas - o mesmo ideal de máxima objetividade e completa publicidade dos resultados. O denominador comum entre a parábola dedutiva do racionalismo matemático cartesiano, de um lado, e a lâmina indutiva do experimentalismo pragmático baconiano, de outro, é a dupla expulsão da subjetividade do domínio do saber científico.
Primeiro porque, em ambas as vertentes, a mente do sujeito do conhecimento precisa ser disciplinada e depurada de todos os vestígios de sua subjetividade, isto é, de tudo aquilo que a afaste do caminho da mais absoluta objetividade no ato cognitivo. Nosso mundo mental - subjetivo e pessoal - é uma pedra no caminho do conhecimento do mundo.
E segundo porque, nas duas tradições, a abstração que preside à busca do conhecimento resulta numa concepção de realidade na qual não há lugar para o mental, ou seja, na constituição de um universo objetivo que é regido por leis próprias, indiferente à vontade humana e desprovido de subjetividade. O publicamente observável tem de ser explicado pelo publicamente observável. O passível de demonstração tem de ser demonstrado a partir de premissas aceitas e por meio de procedimentos publicamente examináveis. Não há nada externo à nossa mente que corresponda às nossas experiências subjetivas do que se passa nela. Nosso mundo não cabe no mundo.

Autoconhecimento: limites do reducionismo científico

Até aqui examinamos a questão do conhecimento do mundo externo à nossa mente. O autoconhecimento transforma o sujeito em objeto. O alvo é a busca da verdade objetiva não sobre aquilo que se apresenta para ser conhecido, mas sobre aquele que se debruça sobre o desconhecido: o sujeito que conhece, reconhece desconhecer e deseja conhecer mais. O que acontece quando o sujeito do conhecimento volta-se da natureza externa para si próprio? (...)

GIANETTI, Eduardo. Auto-engano (capítulos 2.2 e 2.3)

Saturday, August 26, 2006





27 de agosto de 2006
01:15

O que Tivesse de Ser, Somente Sendo
Estilo anfigúrico (à maneira de Guimarães Rosa)


No contravisto do caminho, Capuchinho Purpúreo ia à frente, a com légua de andada, no desmedo da floresta.
O bornoz estornava demasias de gula, carnalidades, guleimas, bebeiras e pitanças pra boca de pessoa, a vó, sem nem aviso antes. Sente o muito bicho retardar, ponderado. Hora de poder água beber, esses escondidos. Por ali sucuri geme. O céu embola no brilho de estrelas, cabeça de Chapeuzinho vai que esbarra nelas. É um escurão que peia e pega. Dali vindo, um senhor Lobo, na frente da boca todos os demais dentes de caso quisesse.
- Se é, sê, linda menina, que parece dispor de muita virtude na pressa desse aonde.
- Nada, nada vezes – disse, e pensou Capuchinho, deve ser o Incapacitado, no irreconhecível do demônio. E nem indagou nonada, mas Lobo no após, santificado de maldade, ensoou que só estava na busca do significante de sua indagação. Consoante falou soez, amiudado, com propósito de voz.
Capuchinho arrenegou e, suspendida no fôlego, atravessou o Pardo e o Acari, pela Vereda do Alegre, no célere do pressentido. O lobo, coração quejando nas esquerdas foi pelo Piratinga, que é fundo, mas subindo beira desse, se passava. Chegou em inhantes, não muitos, com tempo de assinalar à vó outros caminhos, só você entende, compadre Quelemém, e se botou, assim deitado coberto, na espera que o que viesse vinha – o que não é de Deus, é estado do Demônio.
Capuchinho foi chegando, mostrou papanças e pitanças, salivas de goelas, bocas e queixadas, e daí deu-se ver na vó sinais discordes.
- A ser, avó querida, no desarranjo da forma, sem falar feieza, suas orelhas desmandam.
O velho lobo, no entendido da hora disse que na velhice os sons se vão-se e a orelha sai em busca, o nariz dá no mesmo de comprido tentando tragar cheiro esfugido. E que os dentes vão crescendo pro Vups, que ele deu logo na garganta da carótida salutar da carne doce doçura.
E pois, pelos entretantos, dito Zé Bebelo, provedor da estúrdia forca de enforcar no morrote de São Simão do Bá, se apareceu, ele mesmo em sua pessoa, de laço e baraço devido restante enforcamento. Capuchinho, agora pois, no choro. Nem todo mundo carece, mas tem os que. No mais, nada. O que termina acaba.
Viver é muito perigoso, compadre meu Quelemém.

Oruro Diablada

A Lenda das Minas de Prata

Havia um índio chamado Hualpa. Como qualquer índio, Hualpa vivia do que plantava, do que caçava.

Todos os dias, quando o Sol ia se pondo, Hualpa sentava-se à sombra de uma árvore, a Pachamama, para olhar as montanhas.

Certa vez, quando observava o vôo dos pássaros no topo das pedras mais altas, percebeu algo, lá em cima, que brilhava. Sentiu tanta curiosidade, que quando deu por si, já havia subido até o lugar de onde vinha aquela luz. O brilho era cada vez mais intenso e agora Hualpa podia ver que ele brotava de uma abertura na pedra da montanha, uma gruta, um socavão, uma caverna.

Entrou e imediatamente ficou deslumbrado! O teto, as paredes, as pequenas pedras no chão, tudo era feito da mais pura prata.

Hualpa estava embriagado de imaginar quanta riqueza havia naquele lugar quando à sua frente surgiu um ogro enorme de chifres pontudos e dentes afiados. Seus olhos possuíam um estranho brilho.

O monstro era Huari, o gigante que habita as profundezas. Aproximou-se e disse, com sua voz tonitruante:

- Tudo que há nas profundezas pertence a Huari. Porém, quero propor, Hualpa, um acordo. Quero que trabalhes nestas minas. Há tanta riqueza nestas cavernas que nem eu mesmo seria capaz de retirá-la toda. Vem, esquece tua vida no campo. Em pouco tempo estarás coberto de prata.

Hualpa podia sentir o calor das narinas de Huari, de tão próximos que eles estavam. Teve muito medo. Ali, perto, porém, foi que entendeu o brilho dos olhos do monstro. Eles eram de uma prata tão lustrosa que Hualpa podia se ver refletido nela. E vendo-se assim, nos olhos do demônio, todo prateado, achou-se bonito e resolveu ficar.

Hualpa trouxe sua mulher e passou a morar na caverna. Cavavam incessantemente, tirando da mina tudo que podiam. Huari havia prometido transportar a prata e guardá-la na casa de Hualpa.

Assim muitas vezes a Lua desceu para descansar no grande lago e o Sol iluminou muitas vezes o alto da cordilheira, mas ao contrário do fulgor das estrelas, que precisa do escuro para ser visto, na caverna Hualpa e sua mulher viam luzir um brilho eterno. O tempo todo era dia.

Um dia Hualpa sentiu seu corpo cansado, percebeu que seus dentes estavam fracos, olhou-se refletido na prata e soube que havia envelhecido. Teve vontade de sair da caverna, olhar como ia o mundo. Quando chegou do lado de fora, achou estranho o que viu. No lugar onde antes estavam suas plantações, erguia-se agora uma cidade.

Desceu até lá, curioso, e ao procurar sua antiga casa viu que ela já não existia. Pensou consigo: - Se não há mais casa, onde Huari guardou a prata?

Voltou para a caverna. Na entrada encontrou o ogro, acompanhado de cinco sapos enormes, tão horríveis quanto ele.

Huari disse então: - Fora daqui. Assim velho como estás não me serves para o trabalho.

Hualpa sentiu-se enganado e ficou furioso, mas os sapos fizeram um barulho enorme e ele, de medo, fugiu.

Muito triste e humilhado, Hualpa caminhou sem direção. Reconheceu, certa hora, o lugar onde costumava descansar quando era jovem, recostado à Pachamama. No lugar da grande árvore restavam apenas raízes, já apodrecidas.

Descrente de tudo, Hualpa chorou. Suas lágrimas molharam as raízes da Pachamama e como mágica, brotou de lá uma folhagem.

Quando Hualpa saboreou os frutos da Pachamama, duas asas muito brancas cresceram em suas costas. Ao lado da árvore ele encontrou um escudo, reluzente como se fosse de prata. Revigorado, subiu novamente a montanha.

Na entrada da caverna, lá estavam os cinco sapos. Raios caíram do céu nesse instante e o índio refletindo-os com seu escudo prateado transformou, um a um, os cinco inimigos em pó. O mesmo ele fez com uma enorme cobra, um lagarto e uma legião de formigas que Huari enviou das profundezas do socavão.

Tendo vencido a todos, Hualpa agora precisava enfrentar o gigante, em pessoa. Eis que o ogro surgiu da caverna, numa roupa de guerra, mais horrível do que nunca. Hualpa não olhava para os olhos da besta-fera, pois sabia que eles possuíam o poder da sedução. Lutou guiando-se pela imagem do monstro que o escudo refletia. Quando os dois estavam muito perto um do outro Huari não resistiu e olhou para seu reflexo no escudo e o que ele viu foram seus próprios olhos de espelho refletindo a si mesmo formando a imagem de uma caverna sem fim. Ficou tão aterrorizado que se enfiou gruta adentro e deve estar lá até hoje, pois nunca mais ninguém o viu.

Hualpa tirou sua mulher da caverna e construiu uma nova casa, fora da mina. E sabendo que Huari ainda vive nas profundezas eles sempre tomam muito cuidado e contam esta história para as novas gerações.


Filósofo, historiador e crítico literário, o italiano Benedetto Croce (1866 - 1952) produziu obras importantes em todas essas áreas. Mas é como teórico da estética que sua reflexão alcança o ponto mais alto e permanente. Capaz de integrar pensamento e ação, Croce foi senador e ministro da Instrução Pública no período pré-Mussolini. Mais tarde, devido às suas convicções democráticas, tornou-se alvo da perseguição fascista.
Breviário de Estética (1912) e Aesthetica in nuce (1928) contêm as linhas essenciais e as formulações definitivas de sua estética. Segundo o próprio Croce, estas duas exposições sistemáticas dão continuidade às idéias já contidas em sua Estética, de 1902.


A arte é visão ou intuição. O artista produz uma imagem ou fantasma; e quem aprecia a arte dirige o olhar para o ponto que o artista lhe apontou, olha pela fresta que ele lhe abriu e reproduz em si aquela imagem.
"Para Croce, a intuição, drasticamente separada das esferas da percepção e do conceito, constitui o elemento substancial do ato de criação artística, ao mesmo tempo em que afirma a autonomia da arte como forma do conhecimento. A intuição é vista como síntese que integra sentimento e imagem; por sua vez, a expressão implica a contemplação artística do próprio sentimento." (Breviário de Estética, orelha da edição brasileira, ed. Ática)
(...) que arte é intuição, extrai ao mesmo tempo seu significado e sua força de tudo aquilo que nega implicitamente, e de que a arte se distingue.
(...) [que arte é intuição] nega em primeiro lugar que a arte seja um fato físico.
(...) os fatos físicos não têm realidade, enquanto a arte, (...) é sumamente real; de modo que ela não pode ser um fato físico, que é uma coisa irreal. À primeira vista, isso resulta paradoxal, porque nada parece mais sólido e seguro ao homem do vulgo do que o mundo físico. (...) a demonstração da irrealidade do mundo físico não só é feita e admitida de modo irrefutável por todos os filósofos (...), mas é professada pelos próprios físicos (...) quando concebem os fenômenos físicos como o produto de princípios que se subtraem à experiência, (...) ou como manifestação de um Incognoscível: a própria Matéria dos materialistas é, de resto, um princípio supramaterial. Com o que os fatos físicos se revelam, por sua lógica interna e por consenso geral, não como uma realidade, mas como uma construção de nosso intelecto para os fins da ciência.
(...) a arte pode ser construída fisicamente. (...) isso é certamente possível, e acontece de fato sempre que, distraindo-nos do sentido de uma poesia, renunciando à sua fruição, nos pomos, por exemplo, a contar as palavras de que a poesia é composta, e a dividi-las em sílabas e letras, ou sempre que, distraindo-nos do efeito estético de uma estátua, a medimos e pesamos: coisa sobremaneira útil para os que constroem embalagens para as estátuas;
(...) Portanto, (...) quando nos propomos penetrar sua natureza e seu modo de operar, de nada nos vale construí-la fisicamente.
(...) Há uma outra negação, implícita na definição de arte como intuição: a saber, que, se ela é intuição, e se intuição vale por teoria no sentido originário de contemplação, a arte não pode ser um ato utilitário; e como um ato utilitário visa sempre a alcançar um prazer e portanto a afastar uma dor, a arte, considerada em sua própria natureza, não tem nada a ver com o útil, nem com o prazer, nem com a dor, enquanto tais. (...) nossos interesses práticos, com os prazeres e dores correlatos, se misturam e confundem por vezes com ele, perturbam-no, mas não se fundem nunca com nosso interesse estético.
(...) a doutrina hedonista tem seu eterno motivo de verdade no fato de dar evidência ao acompanhamento hedonista, ou seja, ao prazer, que é compartilhado pela atividade estética e por todas as outras formas de atividade espiritual, e que não pretendemos de modo algum negar quando negamos radicalmente a identificação da arte com o agradável, e quando distinguimos a arte do agradável, ao definirmos a arte como intuição.
Uma terceira negação que se realiza graças à teoria da arte como intuição é que a arte seja um ato moral: vale dizer, aquela forma de ato prático que, embora se unindo necessariamente ao útil, ao prazer e à dor, não é imediatamente utilitária e hedonista, mas se move numa esfera espiritual superior. Mas a intuição, enquanto ato teorético, opõe-se a qualquer prática. E, na verdade, a arte, de acordo com uma observação antiqüíssima, não nasce por obra da vontade: a boa vontade, que define o homem de bem, [onest' uomo], não define o artista. E, porque não nasce por efeito da vontade, subtrai-se igualmente a toda outra discriminação moral, não porque lhe seja outorgado um privilégio de isenção, mas simplesmente porque a discriminação moral não encontra maneira de aplicar-se a ela. Uma imagem artística representará um ato moralmente louvável ou reprovável; mas a imagem, enquanto imagem, não é nem louvável nem reprovável moralmente. (...) seria como julgar moral o quadrado e imoral o triângulo.
(...) os estetas moralistas (...) outras vezes pensavam em valer-se dela como instrumento didático, porque não apenas a virtude é coisa áspera - mas também a ciência - e a arte podia tirar aquela aspereza e tornar ameno e atraente o acesso ao edifício da ciência, e até conduzir por ele os homens como por um jardim de Armida: alegre e voluptuosamente, sem que atinassem para o alto proveito que logravam e para a crise de renovação que preparavam para si mesmos.
A doutrina moralista da arte foi, é e sempre será um esforço, ainda que infeliz, por separar a arte do meramente agradável (...)
(...) ela também tem seu lado verdadeiro, porque, se a arte está além da moral, nem além nem aquém, mas sob o domínio da moral está o artista, enquanto homem, que não pode faltar aos deveres do homem, e deve considerar como uma missão e exercer como um sacerdócio a própria arte - que não é e não será nunca a moral.
Ainda (...) ao definir a arte como intuição, nega-se que ela tenha um caráter de conhecimento conceitual. O conhecimento conceitual, em sua forma pura, que é a filosófica, é sempre realista, visando a estabelecer a realidade em face da irrealidade, incluindo-na na realidade como momento subordinado da própria realidade. Mas intuição significa, precisamente, indistinção de realidade e irrealidade, a imagem em seu valor de mera imagem, a idealidade pura da imagem; e ao contrapor o conhecimento intuitivo ou sensível ao conhecimento conceitual ou inteligível, a estética à noética, visa-se a reivindicar a autonomia desta forma de conhecimento, mais simples e elementar, que foi comparada ao sonho (ao sonho, bem entendido, não ao sono) da vida teorética, relativamente ao qual a filosofia seria a vigília.
(...) É inútil retrucar que a individualidade da imagem não subsiste sem uma referência ao universal, de que aquela imagem é individualização; porque não se nega aqui que o universal, como o espírito de Deus, esteja por toda parte e tudo anime de si, mas nega-se que na intuição enquanto intuição o universal esteja logicamente explícito e pensado.
(...) Mas a distinção entre a arte e a filosofia (esta entendida em sua amplitude, que compreende todos os pensamentos do real) traz consigo outras distinções, entre as quais, em primeiro lugar, a distinção entre a arte e o mito. Porque o mito, para quem nele acredita, se apresenta como revelação e conhecimento da realidade contra a irrealidade, afastando de si as crenças que dele se distinguem como ilusórias ou falsas. (...) Considerado, pois, na realidade legítima, no ânimo do crente e não do incrédulo, o mito é religião e não simples fantasia. Pode tornar-se arte somente para aquele que já não acredita, e usa a mitologia como uma metáfora, o mundo austero dos deuses como um mundo belo, Deus como uma imagem de sublimidade. (...) À arte, para ser mito e religião, falta precisamente o pensamento, e a fé por ele gerada; o artista não crê ou deixa de crer em sua imagem: a produz.
(...) Por outra razão, o conceito de arte como intuição exclui também a concepção da arte como produção de classes e tipos e espécies e gêneros, ou mesmo como exercício de aritmética inconsciente; ou seja, distingue a arte das ciências positivas e das matemáticas, em ambas as quais está presente a forma conceitual, embora privada - de caráter realístico, como mera representação geral, ou mera abstração. Mas aquela identidade, que a ciência natural e matemática pareceria assumir em face do mundo da filosofia, da religião e da história, e que pareceria aproximá-la da arte, é ganha à custa de uma renúncia do pensar concreto, de uma generalização e uma abstração que são arbitrariedades, decisões impostas pela vontade, atos práticos e, como tais, estranhos e hostis ao mundo da arte. Ocorre, pois, que a arte mostra muito mais aversão pelas ciências positivas e matemáticas que pela filosofia, a religião e a história, porque estas se apresentam como concidadãs no mesmo mundo da teoria ou do conhecimento, ao passo que aquelas a ofendem com a rudeza da prática para com a contemplação. Poesia e classificação, e, pior ainda, poesia e matemática, aparecem assim pouco afins, como o fogo e a água: o esprit mathématique e o esprit scientifique, os inimigos mais declarados do esprit poétique; as épocas em que prevalecem as ciências naturais e a matemática (...) as mais estéreis para a poesia.
(...) Mas ao pé da verdade (...) nasce a dúvida (...). A doutrina da arte como intuição, como fantasia, como forma, dá lugar a um ulterior (...) problema, que não é mais de contraposição e distinção com respeito à física, à hedonística, à ética e à lógica, mas interior ao próprio campo das imagens; e, pondo em dúvida que a imagem baste para definir o caráter da arte, gira na realidade em torno ao modo de discernir a imagem genuína da imagem espúria e acaba enriquecendo por essa via o conceito da imagem e da arte. Que papel (pergunta-se) pode ter no espírito do homem um mundo de meras imagens, destituídas de valor filosófico, histórico, religioso ou científico, destituídas até mesmo de valor moral ou hedonista? O que pode ser mais vão do que sonhar de olhos abertos, na vida que exige abertos, não só os olhos como também a mente, e atento o espírito?
(...) ou seja, a intuição não pode consistir meramente em imaginar.
(...) Na realidade, a intuição é a produção de uma imagem, e não de uma acumulação incoerente de imagens, que se obteria evocando imagens antigas, deixando que se sigam umas às outras por um ato de arbítrio, combinando uma imagem com outra por outro arbítrio semelhante, juntando a cabeça humana com uma cerviz eqüina, numa brincadeira de crianças.
(...) Acumular imagens, escolhê-las com atenção, recortá-las, combiná-las pressupõe no espírito a produção e a posse de imagens singulares; e a fantasia é produtiva, ao passo que a imaginação é parasita, apta para combinações extrínsecas e não para gerar o organismo e a vida. O problema mais profundo que se agita por baixo da fórmula bastante superficial com que o apresentei de início é, pois: que papel cabe à mera imagem na vida do espírito?
(...) A melhor maneira de preparar esse aprofundamento é (...) diferençar a intuição artística da mera imaginação incoerente, e estabelecer em que consiste o princípio da unidade, e justificar o caráter produtivo da fantasia.
(...) essa necessidade (...) leva, com efeito, a um refinamento da teoria da intuição: (...) a teoria da intuição como símbolo; porque no símbolo a idéia não está mais presente por si, pensável separadamente da representação simbolizadora, e esta não está presente por si, representável de maneira viva, sem a idéia simbolizada. A idéia se dissolve toda na representação (...), como um torrão de açúcar em um copo de água, que está e opera em cada molécula da água, mas já não encontramos como torrão de açúcar. Contudo, a idéia que desapareceu, a idéia que se tornou toda representação, a idéia que não se consegue mais colher como idéia (a não ser extraindo-a como se extrai o açúcar da água açucarada) não é mais idéia: é somente o sinal do princípio de unidade - ainda não encontrado, da imagem artística. Por certo a arte é símbolo, toda símbolo, isto é, toda significante; mas símbolo de quê? A intuição é verdadeiramente artística, é verdadeiramente intuição, e não amontoado caótico de imagens, somente quando tem um princípio vital, que a anima formando uma unidade com ela; mas qual é esse princípio?
(...) podem resumir-se teoricamente na fórmula de que o que dá coerência e unidade à intuição é o sentimento: a intuição é verdadeiramente intuição porque representa um sentimento, e só dele e sobre ele pode surgir. Não a idéia, mas o sentimento é o que confere à arte a aérea leveza do símbolo: uma aspiração fechada no círculo de uma representação, eis a arte; e nela a aspiração está somente pela representação e a representação só pela aspiração.
(...) O que admiramos nas autênticas obras de arte é a perfeita forma fantástica que nelas assume um estado de alma: a isso chamamos vida, unidade, coesão, plenitude da obra de arte.
(...) O que nos desagrada nas obras falsas e imperfeitas, é o contraste não unificado de estados de alma plurais e distintos, sua estratificação ou mistura, ou seu proceder aos solavancos, que recebe uma unidade aparente do arbítrio do autor (...)
(...) Série de imagens as quais, uma por uma, parecem ricas em evidência, mas nos deixam em seguida decepcionados e suspeitosos, porque não as vemos geradas de um estado de alma, de uma "mancha", de um motivo, se sucedem e se aglomeram sem aquela justa entoação, sem aquele acento que provém do centro.
(...) Épica e lírica, ou drama e lírica, são divisões didáticas do indivisível: a arte é sempre lírica ou, se quisermos, épica e dramática do sentimento.
(...) "todas as artes tendem para a condição de música"; e seria preciso dizer mais exatamente que todas as artes são música, se, dessa forma, se pretende dar realce à gênese sentimental das imagens artísticas, excluindo de seu rol as imagens construídas mecanicamente ou realisticamente pesadas.

Wednesday, August 16, 2006

Eros e Psique


Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

PESSOA, Fernando.


Eros e Psiqué

Protocolos Ficcionais

1. Quando se torna fácil atribuir uma vida real a uma personagem de ficção? Não aconteceu com Gargantua, com dom Quixote, com Madame Bovary, com Long John Silver, com Lord Jim ou com Popeye (nem o de Faulkner, nem o dos quadrinhos). Mas aconteceu com Sherlock Holmes, Sidarta, Leopold Bloom e Rick Blaine. Acredito que a vida extratextual e intratextual das personagens coincide com fenômenos cult. Por que um filme se torna cult? Por que um romance ou um poema se tornam cult?
Algum tempo atrás, tentando explicar porque Casablanca se tornou um cult movie, propus a hipótese de que um fator importante para o surgimento de um culto ao redor de uma obra específica é a "desconexão" da obra. Mas desconexão também implica a possibilidade de "desconjuntamento" - o que demanda alguma explicação. Hoje é do conhecimento geral que Casablanca foi rodado dia a dia sem ninguém saber como a história ia terminar. Ingrid Bergman está encantadoramente misteriosa porque não sabia com qual dos dois homens ficaria e, assim, brindou a ambos com seu sorriso terno e ambíguo. Também é do nosso conhecimento que, para incrementar o enredo, os roteiristas colocaram no filme todos os clichês da narrativa cinematográfica, transformando-o, por assim dizer, num museu para aficionados. Por essa razão, o filme pode ser usado como um kit para montar arquétipos. De certo modo, a mesma coisa se aplica a The Rocky Horror Picture Show, que é o cult movie por excelência precisamente porque não tem forma e, assim, pode ser deformado e desconjuntado sem cessar. No entanto devemos assinalar também que, num famoso ensaio, T. S. Eliot ousou dizer que aí estava o segredo do sucesso de Hamlet.
Segundo Eliot, Hamlet resultou da mistura de três fontes distintas nas quais o motivo era a vingança, nas quais os adiamentos se deviam à dificuldade de assassinar um rei cercado de guardas e nas quais a loucura era o meio deliberado e eficiente de Hamlet evitar suspeitas. Shakespeare, ao contrário, trabalhou com o efeito da culpa de uma mãe sobre o filho e não conseguiu impor muito bem seu tema ao material "intratável" de suas fontes. Assim,

"o adiamento da vingança é inexplicado em termos de necessidade ou conveniência; e o efeito da 'loucura' não é aplacar as suspeitas do rei, e sim incitá-las (...) E provavelmente mais pessoas consideraram Hamlet uma obra de arte porque a acharam interessante (e menos pessoas) a acharam interessante porque é uma obra de arte. É a Mona Lisa da literatura."

A imensa e antiga popularidade da Bíblia se deve a sua natureza desconexa, resultante do fato de ter sido escrita por muitos autores diferentes. A Divina Comédia não é desconexa, mas por causa de sua complexidade, do número de personagens e dos fatos relatados (tudo que ao céu e à terra diz respeito, como Dante afirmou), pode-se desconjuntar cada frase dessa obra e usá-la como fórmula mágica ou artifício mnemônico. Alguns fanáticos chegaram ao ponto de tomá-la como base de jogos triviais, da mesma forma que, na Idade Média, a Eneida de Vírgilio servia de manual para profecias e adivinhações, como as Centúrias de Nostradamus (outro exemplo excelente de sucesso devido à desconexão radical e irremediável). Entretanto, se a Divina Comédia pode ser desconjuntada, o Decameron não o pode, pois cada história deve ser tomada em sua inteireza. O quanto se pode desconjuntar determinada obra não depende do valor estético desta.
Hamlet
ainda é uma obra fascinante (e nem mesmo Eliot pode nos convencer a gostar menos dela), porém não acredito que os próprios fãs de Rocky Horror estejam dispostos a atribuir-lhe uma grandeza shakespeariana. Contudo, tanto Hamlet quanto Rocky Horror são cult objects, pois o primeiro é "desconjuntável" e o último é tão desconjuntado que permite toda espécie de jogos interativos. Para se tornar sagrado, um bosque tem de ser emaranhado e retorcido como as florestas dos druidas, e não organizado como um jardim francês.

2. De qualquer modo, não deixamos de ler histórias de ficção, porque é nelas que procuramos uma fórmula para dar sentido a nossa existência. Afinal, ao longo de nossa vida buscamos uma história de nossas origens que nos diga por que nascemos e por que vivemos. Às vezes procuramos uma história cósmica, a história do universo, ou nossa história pessoal (que contamos a nosso confessor ou a nosso analista, ou que escrevemos nas páginas de um diário). Às vezes, nossa história pessoal coincide com a história do universo.
Aconteceu comigo, conforme atesta a seguinte narrativa natural:
Há alguns meses fui convidado a visitar o Museu da Ciência de La Coruña, na Galícia. Ao final da visita, o curador anunciou que tinha uma surpresa para mim e me conduziu ao planetário. Um planetário sempre é um lugar sugestivo, porque, quando se apagam as luzes, temos a impressão de estar num deserto sob um céu estrelado. Mas naquela noite algo especial me esperava.
De repente a sala ficou inteiramente às escuras, e ouvi um lindo acalanto de Manuel de Falla. Lentamente (embora um pouco mais depressa do que na realidade, já que a apresentação durou ao todo quinze minutos) o céu sobre minha cabeça se pôs a rodar. Era o céu que aparecera sobre minha cidade natal - Alessandria, na Itália - na noite de 5 para 6 de janeiro de 1932, quando nasci. Quase hiper-realisticamente vivenciei a primeira noite de minha vida.
Vivenciei-a pela primeira vez, pois não tinha visto essa primeira noite. Provavelmente nem minha mãe a viu, exausta como estava depois de me dar à luz; mas talvez meu pai a tenha visto, ao sair para o terraço, um pouco agitado com o fato maravilhoso (pelo menos para ele) que testemunhara e ajudara a produzir.
O planetário usava um artifício mecânico que se pode encontrar em muitos lugares. Outras pessoas talvez tenham passado por uma experiência semelhante. Mas vocês hão de me perdoar se durante aqueles quinze minutos tive a impressão de ser o único homem que havia tido o privilégio de se encontrar com seu próprio começo. Eu estava tão feliz que tive a sensação - quase o desejo - de que podia, deveria morrer naquele exato momento e que qualquer outro momento teria sido inadequado. Teria morrido alegremente, pois vivera a mais bela história que li em toda a minha vida. Talvez eu tivesse encontrado a história que todos nós procuramos nas páginas dos livros e nas telas dos cinemas: uma história na qual as estrelas e eu éramos os protagonistas. Era ficção porque a história fora reinventada pelo curador; era História porque recontava o que acontecera no cosmos num momento do passado; era vida real porque eu era real e não uma personagem de romance. Por um instante fui o leitor-modelo do Livro dos Livros.
Aquele foi um bosque da ficção que eu gostaria de nunca ter deixado.
Mas, como a vida é cruel, para vocês e para mim, aqui estou.

ECO, Umberto; Seis Passeios Pelos Bosques da Ficção.

Tuesday, August 15, 2006

(...) Era este livro que eu estava escrevendo quando a campainha da porta tocou. Era isto que eu queria contar. Eu estava chegando na grande trepada da página quarenta quando a campainha tocou.
- Dona Maria, a porta!
Dona Maria não ouviu. Para sair da minha cadeira preciso colocar a máquina de escrever que fica no meu colo sobre uma mesinha, pegar minha muleta, levantar da cadeira - "Dona Maria, a porta!" -, atravessar a sala lentamente para não derrubar nenhuma pilha empoeirada de livros...
- Dona Maria, abaixa esse rádio!
Era um homem que se apresentou como inspetor Macieira, "como o conhaque". Mandei-o entrar. Ele mancava. Era ruim da outra perna, o que devia ter me advertido de alguma coisa. Pedi para ele sentar, mas ele preferiu esperar que eu sentasse primeiro. Disse:
- O senhor é Stephen Eliot!
Respondi que bem, hm, ahn, mas ele continuou, dizendo que era meu leitor constante e admirador. Uma mentira, já que eu só usara aquele pseudônimo no último livro. Disse que tinha grande prazer em me conhecer.
- Então sente - disse eu, como se só meus admiradores pudessem sentar, na minha casa.
- Desculpe a indiscrição... - começou ele, apontando para a minha perna.
- Não quero falar disso.
- Desculpe. É que eu também perdi um pé, mas fiz uma prótese e hoje me movimento normalmente. O senhor não...
- Dona Maria, abaixa esse rádio!
O grito o assustou e ele, prudentemente, aproveitou a interrupção para mudar de assunto. Era um homem da minha idade, pequeno, magro, bem vestido e tinha os olhos saltados, como se o colarinho apertado os tivesse empurrado para fora das órbitas.
- Como disse - continuou -, sou seu leitor atento.
- Pensei que ninguém lesse meus livros - disse eu, mentindo também. Sabia que eles vendiam razoavelmente bem, e regularmente, nas bancas. Vivia deles. Perguntei de qual ele gostara mais. Ele hesitou, depois respondeu:
- Do último.
- Fúria assassina? - perguntei, para testá-lo.
- Ritual Macabro.
O filho da puta me lia mesmo. Ele continuou:
- Aliás, é sobre esse livro que quero conversar com o senhor. Me deram seu endereço na editora.
- Pois não.
- Antes de mais nada, gostaria de perguntar... De onde o senhor tira suas idéias?
Pensei em sacudir a cabeça, para que ele ouvisse a quinquilharia solta. Respondi que tirava minhas idéias da minha cabeça. Ele fez "Hmm", como se a resposta o desagradasse. Talvez esperasse que eu dissesse que tinha um fornecedor. Um contrabandista de idéias. De confiança. Idéias legítimas. Se quiser eu lhe apresento.
- A figura do Grego, é pura imaginação?
Hesitei. Era? Era.
- É.
- Não é baseado em ninguém? Alguém que o senhor conheceu? Alguém de quem o senhor ouviu falar?
- Não.
- Tem certeza?
- Por quê?
- Porque, senhor Eliot, existem algumas, como direi, coincidências engraçadas. Perdão, engraçadas, não. Trágicas, na verdade.
- Que coincidências?
- O senhor não leu no jornal sobre a morte daquela mulher, no Jardim Paraíso?
Mês passado?
- Não leio jornais.
- Ela foi esfaqueada várias vezes. A cama ficou ensopada de sangue. Ainda não sabemos quem é o assassino. Ou a assassina. Ou os assassinos.
- E daí?
Olhei, ostensivamente, para a máquina de escrever, onde eu deixara Conrad, no meio de uma linha, introduzindo a sua mão bronzeada pelo sol e o sal de muitos mares na blusa de Linda, seus dedos buscando o bico daquele seio que durante toda a tarde o desafiara através do tecido fino da blusa e que agora ia ver o que era bom. Eu preciso trabalhar, inspetor!
- Tem uma coisa que a imprensa não deu porque os repórteres não ficaram sabendo. O assassino - ou a assassina, ou os assassinos - usou o sangue da vítima para escrever coisas na parede. Coisas... em grego, sr. Eliot.
Ele ficou me olhando, esperando uma reação. Esperou em vão. Continuou:
- O assassino agiu exatamente como o assassino do seu livro. O Grego.
- E eu com isso?
- Bem, eu...
- Não me responsabilizo pelo que os meus leitores fazem!
- Não era um leitor imitando o livro.
- Por que não?
- Porque o livro saiu depois do crime.
Agora era a minha vez de perguntar se ele tinha certeza. Tinha.
- Na editora, muitas pessoas lêem o livro antes dele ser publicado - insisti. - Pode ter sido um revisor. Os revisores são capazes de tudo. (...)
Ele sorriu tristemente. Eu o estava decepcionando. Abri os braços.
- Então é uma coincidência.
- Claro que é uma coincidência. Mas o senhor...
- Não me chame de senhor - disse eu. Era uma advertência.
- Você há de convir que eu precisava investigar esta coincidência. Nós, da polícia, desconfiamos das coincidências.
- Nós, os escritores, não podemos viver sem elas.
- O fato de nós dois não termos um pé, por exemplo...
- Não quero falar disso.

VERÍSSIMO, L. F.; O Jardim do Diabo.


Monday, August 14, 2006

Eu era um jovem louro e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Teresa. Ao ouvir cantar Teresa, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos. A escrita me saía espontânea, num ritmo que não era o meu, e foi na batata da perna de Teresa que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No princípio ela até gostou, ficou lisonjeada quando eu lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúme, deu para me recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou. Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Teresa. Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não era tão bom, então fui a Copacabana procurar as putas. Pagava para escrever nelas, e talvez lhes pagasse além do devido, pois elas simulavam orgasmos que me roubavam toda a concentração. Toquei na casa de Teresa, estava casada, chorei, ela me deu a mão, permitiu que eu escrevesse umas breves palavras enquanto o marido não vinha. Passei a assediar as estudantes, que às vezes me deixavam escrever nas suas blusas, depois na dobra do braço, onde sentiam cócegas, depois na saia, nas coxas. E elas mostravam esses escritos às colegas, que muito os apreciavam, e subiam ao meu apartamento e me pediam que escrevesse o livro na cara delas, no pescoço, depois despiam a blusa e me ofereciam os seios, a barriga e as costas. E davam a ler meus escritos a novas colegas, que subiam ao meu apartamento e me imploravam para arrancar suas calcinhas, e o negro das minhas letras reluzia em suas nádegas rosadas. Moças entravam e saíam da minha vida, e meu livro se dispersava por aí, cada capítulo a voar para um lado. Foi quando apareceu aquela que se deitou em minha cama e me ensinou a escrever de trás para diante. Zelosa dos meus escritos, só ela os sabia ler, mirando-se no espelho, e de noite apagava o que de dia fora escrito, para que eu jamais cessasse de escrever meu livro nela. E engravidou de mim, e na sua barriga o livro foi ganhando novas formas, e foram dias e noites sem pausa, sem comer um sanduíche, trancado no quartinho da agência, até que eu cunhasse, no limite das forças, a frase final: e a mulher amada, cujo leite eu já sorvera, me fez beber da água com que havia lavado sua blusa.

BUARQUE, Chico; Budapeste.

Saturday, August 12, 2006

(...) Na época, muitas vezes fazíamos teatro à noite e filmávamos de dia.
Não acontece muito, agora...
Estou tentando lembrar... eu estava fazendo A Tempestade em Stratford, com uma companhia e havia uma fala assim:

I bring you bats...
and hornet
toads...
and beetles

e a platéia de "school-girls" imediatamente explodia. Em Stratford-on-Avon! Era divertido. Muito divertido.

(...) E havia outra fala: "She loves you". E a platéia: "yeah, yeah, yeah". Ficava difícil, para o elenco, continuar.

Kenneth Haig, ator em A Hard Day's Night.

(... os Beatles) tinham uma aura, um impacto na vida de todos; então, acho que a exuberância nos motivava. Tive a sorte de tomar parte daquele momento. Por causa disso me enviaram um pergaminho que, você conhece a história, dizia que eu era o pai da MTV. Eu escrevi de volta solicitando um exame de DNA.

Richard Lester, diretor de A Hard Day's Night.

Friday, August 11, 2006


No one would have believed in the last years of the nineteenth century that this world was being watched keenly and closely by intelligences greater than man's and yet as mortal as his own; that as men busied themselves about their various concerns they were scrutinised and studied, perhaps almost as narrowly as a man with a microscope might scrutinise the transient creatures that swarm and multiply in a drop of water. With infinite complacency men went to and fro over this globe about their little affairs, serene in their assurance of their empire over matter. It is possible that the infusoria under the microscope do the same. No one gave a thought to the older worlds of space as sources of human danger, or thought of them only to dismiss the idea of life upon them as impossible or improbable. It is curious to recall some of the mental habits of those departed days. At most terrestrial men fancied there might be other men upon Mars, perhaps inferior to themselves and ready to welcome a missionary enterprise. Yet across the gulf of space, minds that are to our minds as ours are to those of the beasts that perish, intellects vast and cool and unsympathetic, regarded this earth with envious eyes, and slowly and surely drew their plans against us. And early in the twentieth century came the great disillusionment.

WELLS, H. G. The War of The Worlds