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Sunday, July 31, 2011



Hiroshima

Hoje à tarde assisti na tv a um documentário sobre nipo-americanos que nasceram e viveram nos EUA antes da 2a. guerra mundial, seus pais sofreram retaliações do governo e vizinhos, perderam emprego, casa, comércios, os filhos foram expulsos da escola e por isso voltaram ao Japão, para vários lugares, mas a entrevista foi com três que voltaram para Hiroshima. 

No dia 6 de agosto de 1945, às 8:15 da manhã, a bomba. 

Mas sobreviveram. 

As entrevistas foram feitas pelo ator japonês Ken Watanabe (O Último Samurai, Cartas de Iwo Jima e A Criação, pra lembrar). 

O mais interessante é que todos voltaram para os EUA nos anos 50 pois tinham readquirido a cidadania americana e o Japão não estava fácil para jovens que também sofreram por serem americanos (!) e terem perdidos amigos e membros da família. 

Todos moravam na zona rural ao redor de Hiroshima. 

Um deles, hoje dono de uma loja de acessórios e oficina para cortadores de grama em Pasadena, California, todo dia 6 de todos os meses, às oito e quinze da manhã, enche dois copos de cerveja, reza em silêncio, toma um dos copos e depois chora. Faz a pequena cerimônia pelos dois amigos que morreram. Eles tinham 14 anos e iam para a escola juntos. Naquele dia ele se atrasou e os dois gritaram "vamos na frente, nos alcance". Nunca mais se viram. Este senhor, ao voltar aos EUA, alistou-se no exército americano. A comunidade e toda a família o chamou de louco, menos o pai. Ele explicou que estava fazendo aquilo para provar aos americanos que ele era americano e que o que eles queriam era a paz. O pai o entendeu. Foi uma forma de apaziguar o preconceito aos japs que ficaram ou voltaram do país vencido. 

A outra entrevista foi com uma senhora que foi ao Japão ainda bebê de colo e voltou aos EUA com 15 anos. Casou-se com um americano e juntos construiram uma pequena vinícola nos arredores de San Francisco. Ela lembra que os pais trabalhavam numa grande plantação de uva e que ela ficava num berço embaixo das parreiras junto com outras crianças japonesas. As crianças maiores cuidavam das pequenas. Quando ela voltou, encontrou uma delas na penúria em San Francisco, a chamou para morar junto com a família e depois ela passou a cuidar da filha dela. 

A última entrevista foi com outra senhora que perdeu toda a família, só ela sobreviveu. Os pais dela tinham uma pequena plantação de morangos na California nos anos 30 e 40. Com a guerra, ninguém mais quis comprar os morangos pois achavam que os japs poderiam envenená-los. Como perderam tudo, os pais voltaram ao Japão no começo de 1945. Ela, pelo fato de ter ficado muito tempo nas plantações de morango com os pais, desenvolveu uma alergia que pegou de um fungo que ataca a fruta. Naquele verão de 1945, como a criança tossia muito e sentia falta de ar na cidade de Hiroshima, resolveram mandá-la para a casa de parentes, num sítio montanhoso ali perto. Ela tinha duas irmãs mais velhas, gêmeas. Todos morreram. Os parentes, quando puderam ver o local onde era a casa dela, só encontraram uma foto de uma das gêmeas. Até hoje tem a foto na parede da sala e durante todos esses anos, além de não comer morangos por causa da alergia, vem se perguntando: qual delas está ali?


Em outubro, mundo chegará a 7 bilhões de habitantes

Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo

No dia 31 de outubro deste ano, em algum lugar da Índia, um parto marcará um ponto crítico na história do planeta: com esse nascimento, o mundo passará a ter 7 bilhões de habitantes. A projeção foi feita pela ONU e, apesar de a data ser apenas uma estimativa e o país apenas uma probabilidade, a realidade é que o ano terminará com um novo marco em termos demográfico que promete aprofundar os desafios sociais e ambientais.

A explosão da população mundial calculada pela ONU está sendo publicada nesta semana pelo jornal Science, em um estudo que mostra que avanços médicos, vacinas mais eficientes, proliferação do uso de antibióticos e um relativo avanço no acesso à saúde permitiram uma elevação na expectativa de vida nos países em desenvolvimento.

Mas, ao mesmo tempo que isso ocorre, a taxa de natalidade desses países ainda é elevada. O resultado não é outro senão a explosão demográfica dessas sociedades.

A escolha da Índia para representar o nascimento da pessoa que marcará os 7 bilhões de habitantes não ocorre por acaso. O país de fato faz avanços na área médica. Mas, sem um controle populacional, passará a China em poucos anos em termos de população. A ONU ainda está convencida de que, diante das taxas de natalidade dos países em desenvolvimento, são eles os responsáveis por ter promovido a elevação da população mundial em 1 bilhão de pessoas em apenas doze anos. Em 1999, o mundo somava seus 6 bilhões de habitantes.

Segundo o estudo, a primeira vez que o planeta registrou 1 bilhão de pessoas foi em torno de 1800. Para chegar a 2 bilhões de pessoas, o mundo precisou de mais 125 anos. Mas, apenas nos últimos 50 anos, a população mundial passou de 3 bilhões para 7 bilhões. Os números de 2011 serão duas vezes maior que a população do planeta em 1960.

O pico da expansão de fato ocorreu nos anos 70, quando o mundo crescia cerca de 2% ao ano. Hoje, essa taxa caiu para 1%. Mas, segundo o estudo, a expansão continuará e ocorrerá nos países mais pobres. Até 2050, o mundo terá 9,3 bilhões de pessoas, das quais 97% do crescimento ocorrerá nas regiões mais pobres.

Os Estados Unidos, em quatro décadas, serão os únicos representantes dos países ricos entre as dez maiores sociedades do mundo. De acordo com o estudo, haverá uma estagnação no crescimento populacional de Europa, Japão e demais países ricos.

"Nos anos 60 e 70, tivemos um boom populacional ", explicou David Bloom, economia da universidade Harvard, que liderou o estudo ao lado da ONU. " O que vemos agora é uma série de mini-booms nas áreas mais frágeis do planeta ", disse. Para ele, a questão da pobreza e desigualdade que virão com o aumento da população nessas áreas promete desestabilizar regiões inteiras.

Desafios

Para a ONU, a marca dos 7 bilhões de pessoas deve despertar um sentimento em governos e na sociedade de que o mundo terá de enfrentar importantes desafios nos próximos anos.

O primeiro deles é o ecológico: como reduzir emissões de CO2 e poluição com uma população cada vez maior e com uma renda melhor. Na avaliação de Achim Steiner, diretor do Programa Mundial da ONU para Meio Ambiente, não há outra solução senão a mudança de padrão de consumo e da base tecnológica. " Precisamos de uma transição para uma economia verde ", disse.

Outro desafio é o dos alimentos. Com a expansão demográfica e maior renda, a população mundial exigirá uma produção de alimentos 75% superior até 2050. Para a FAO, isso exigirá investimentos importantes e a constatação por parte de governos de que os preços de alimentos continuarão elevados.

Em Marcha contra Impunidade, ONG Rio de Paz quer lembrar as mais de 30 mil mortes violentas ocorridas no Estado do Rio, entre 2007 e junho de 2011



Publicado originalmente em dezembro de 2009

"O terrorista que atua sozinho é a nova ameaça"
El País

Fernando Peinado (em Madri)


Lorenzo Vidino, professor especializado em terrorismo e islamismo político na Universidade Harvard (EUA), visitou recentemente Madri para participar de um seminário sobre terrorismo organizado pela Fundação Ortega y Gasset e a Embaixada dos EUA, e aceitou dar esta entrevista por telefone, sobre as perguntas levantadas pelo atentado frustrado na sexta-feira no voo de Detroit.

El País: Que lição as agências de inteligência podem tirar dessa última tentativa terrorista?

Lorenzo Vidino: A estratégia dos jihadistas evoluiu para um novo tipo de terrorismo muito mais difícil de perseguir e interceptar, como demonstra não só esse último caso, mas também o do soldado da base militar norte-americana de Fort Hood, que matou 13 companheiros, e soube-se que havia tido relação com um imame radical. Também houve outros precedentes na Itália ou nos EUA. É o que se denominou ataque de um lobo solitário. Os membros das células são muito mais independentes hoje. Em alguns casos são preparados no manejo de explosivos pela internet, eles mesmos escolhem os alvos e atuam de modo individual. É mais difícil detectar em um aeroporto um único terrorista do que um grupo de 20. Essa nova estratégia foi a reação dos terroristas aos melhores controles de inteligência, e questionam se a estrutura clássica da Al Qaeda ficou obsoleta.

El País: O que os serviços de inteligência podem fazer contra um lobo solitário?

Vidino: É muito mais complexo. É mais difícil descobrir seus propósitos, porque deixa menos rastros. O FBI recorre à estratégia do agente provocador. Uma vez localizado um simpatizante do jihadismo nos bate-papos ou fóruns da internet, um agente se faz passar por um membro da Al Qaeda e o empurra a atuar. Nos últimos meses foram presos dessa forma dois indivíduos que pretendiam atentar contra edifícios federais em Illinois e no Texas. É um método muito polêmico e de legalidade duvidosa na Europa. Além disso, é uma questão de até onde estamos dispostos a reduzir a liberdade de expressão.

El País: O terrorista de Detroit não tinha o perfil de excluído social. Há quem acredite agora que o esforço de integração não serve para conter o jihadismo.

Vidino: Não é verdade. É algo mais complexo. A integração das comunidades muçulmanas é uma peça do quebra-cabeça, mas não uma solução milagrosa. É menos provável que pessoas melhor integradas economicamente e que se sentem parte da sociedade aceitem as mensagens dos radicais.

El País: O Iêmen é o cenário da nova guerra de Obama?

Vidino: Não teria sentido lançar uma nova invasão. Essas redes têm a seu alcance outros santuários alternativos, como a Somália ou o Magreb. Em curto prazo, o mais realista a que podemos aspirar é fortalecer a autoridade desses governos para que realizem operações policiais com êxito.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves


Escrito em 2004, postado originalmente em irajamenezes.blig.ig.com.br e republicado em setembro de 2006


Está em processo no mundo todo uma mudança que ainda não vamos conseguir aquilatar.

A Revolução Industrial de dois séculos e meio atrás inventou a produção em larga escala.

A longevidade humana aumentou, a mortalidade infantil diminuiu e o mundo, cada vez mais populoso, entrou em processo de massificação.

Os meios industriais eram todos de grande custo e com isto a fabricação de bens artesanais tendeu ao desaparecimento.

Adotamos um paradigma de objetos consumidos por grandes massas e produzidos por poucas pessoas. Com o avanço das tecnologias alguns destes mecanismos de produção vêm se democratizando. Não é preciso mais uma fábrica para se copiar discos, por exemplo. Tampouco é preciso gastar fortunas para divulgar um produto pela Internet.

Isto gera, por exemplo, a obsolescência do conceito de "indústria de entretenimento". Fazer um filme caro passa a ser só uma das inúmeras possibilidades que um cineasta pode escolher.

(O modelo de "montagem" de computadores, dominante no mercado brasileiro de informática, não poderia tornar-se factível para fornos de microondas ou geladeiras?)

A mudança, pois, a que me refiro é a que consiste em poder voltar-se em direção a modos de produção artesanais para a obtenção de objetos a serem replicados indefinidamente como discos, livros, filmes, sem depender de investimentos vultosos e de grandes corporações. Embora permaneçam inúmeros produtos que só poderão ser fabricados mediante mecanismos de alto investimento, tudo leva a crer que está em curso uma disseminação generalizada do conceito de indíviduo como detentor prioritário de suas decisões. De compra, venda, vida, morte e crenças.

O terrorismo é uma faceta aberrante deste mesmo conceito. Explodir-se é uma manifestação individualista. Requer tão somente uma bomba e um homem preso a ela. Fica difícil transformar em estatística o homem-bomba. Quantos explodem por mês? São ações, por natureza, pontuais, o oposto exato da indiscriminação do pesadelo atômico, das bombas atiradas de avião ou das armas de destruição em massa.

Isto é coerente com um modo descentralizado de organização social.

O desejo de igualdade de direitos que percorre o mundo todo consolida um avanço sem precedentes na história dos ideais democráticos.

Repito: ideais; mentalidade, desejo, aspiração democrática.

As propostas de manutenção de poder das elites, estas não são mais defensáveis. Um mundo superpovoado não permite ser gerenciado a partir de um centro. Um mundo superpovoado se impõe como teia.

É este fator estrutural que derruba a identificação com a autoridade. Não se reconhece autoridade. Ninguém está autorizado a nada.

Resultado da democratização do mundo, a "desautorização" gera também um processo de rompimento com a idéia de tradição. Campo aberto para a descrença e para o uso das instituições, agora, desautorizadas, em proveito próprio, já que ninguém se sente identificado com elas e, por conseguinte, não há quem tome conta.

Vivemos um eterno presente e, por isso, sem olhos para o futuro, como descreveu o professor Yves de La Taille. E, especificamente no Brasil, ao mesmo tempo, o "eterno retorno" à cordialidade.

Está em andamento um processo de humanização das massas. De "descoisificação" das pessoas. Um processo histórico de reconhecimento das identidades. Que acontece independente das políticas adotadas.

E há, ao mesmo tempo, o impulso gregário que os veículos de comunicação tentam alimentar, mas que as tendências de segmentação desmentem o tempo todo.

E há também, ao contrário, um tribalismo crescente. Grupos se fechando para manter seus métodos e costumes inalterados.

Joseph Campbell disse que uma mitologia para dar conta do nosso tempo, para conseguir simbolizá-lo, teria que surgir como uma mitologia planetária. A metáfora de integração de forças contrárias, típica de toda mitologia, teria o planeta como tema.

Os pequenos grupos tendem a se excluir mutuamente. É característico do grupo de gueto enxergar o outro antes como estrangeiro, estranho e, portanto, passível de ataque.

Meditar a convivência dos opostos, agora em escala planetária, é que poderia gerar novos mitos, afirma Campbell, novas compreensões.

As religiões, de certa maneira, já trazem em seus fundamentos esta vontade. O princípio de um Deus que ultrapassa barreiras e unifica humano e natureza num patamar de identificação, num cosmos.

Paradoxalmente são guerras declaradas religiosas as que estão atualmente em curso à roda toda do planeta. Guerras sectárias, guerras pelo predomínio de concepções que se pretendem excludentes.

Como fazer convergir a nova descentralização que percorre o planeta com a consciência de contexto histórico e com a possibilidade de negociação que permita acordos duradouros para o futuro?


29/07/2011
Radicalizados na Internet, combate a "lobos solitários" é difícil

Peter Apps - Em Londres

Muitas vezes radicalizados, invisíveis e conectados à Internet, agressores considerados "lobos solitários" pelas autoridades, aparentemente o caso do atirador que matou 77 pessoas na Noruega, são difíceis de detectar e podem representar desafio cada vez mais sério para os serviços de segurança.

O norueguês Anders Behring Breivik alega ser parte de uma rede mais ampla de cruzados, os chamados "cavaleiros templários", com células em outros locais da Europa.

Muitos especialistas em segurança duvidam que essa rede exista, mas se existir, seus membros podem estar operando de modo quase completamente independente - e isso representa a mais grave ameaça.

Nos 10 anos transcorridos desde os ataques do 11 de setembro de 2001, as autoridades se concentraram em criar sistemas de vigilância que tornam mais fácil bloquear as ações de "redes terroristas", rastreando as conexões interpessoais dos integrantes, e esses métodos são em larga medida improdutivos contra alguém que trabalhe sozinho.

A boa notícia era que os "lobos solitários" são muitas vezes ineptos e não dispõem dos conhecimentos necessários para executar ataques de grande porte, dizem especialistas em segurança. Agora, Breivik parece ter tornado mais ameaçadora essa categoria de agressor.

"Se ele estava de fato operando sozinho, os agentes de segurança enfrentarão problemas", disse John Bassett, antigo funcionário do GCHQ, o serviço de escuta de comunicações do governo britânico, e hoje pesquisador do Royal United Services Institute.

Hoje em dia, é mais e mais frequente que as atividades extremistas online se refiram menos a grupos militantes que deliberadamente recrutam pessoal para suas causas e mais a indivíduos vulneráveis e isolados que estão em busca de um senso de comunidade que lhes falta.

"Uma pessoa pode se radicalizar na Internet", disse Richard English, diretor do Centro do Estudo do Terrorismo e da Violência Política na University of St Andrews, Escócia. "E é muito mais difícil para as autoridades manter a vigilância quanto a isso".

É difícil prever esse tipo de ameaça, mas não impossível. Scott Stewart, um ex-agente de segurança norte-americano, diz que há momentos decisivos nos quais até os mais solitários dos "lobos" pode ser detectados.
O diário de Breivik na Internet deixa claro que ele sabia que os estava nos quais ele estava mais exposto foram quando procurava por fertilizantes (para fabricação de bombas) e armamento.


31/07/2011
Ação de atirador norueguês foi consciente e reflexo da ascensão da ultradireita na Europa, dizem analistas

Andréia da Silva Martins - Do UOL Notícias - Em São Paulo

País com o melhor IDH (índice de desenvolvimento humano) do mundo, e dono de bons indicadores sociais, sem problemas como fome e desemprego, a Noruega era, para muitos, o último lugar onde poderia se imaginar um ataque como o ocorrido no dia 22 de julho. Mas para analistas, o ato que até então é interpretado como isolado, pode ser resultado de um movimento que está em pleno crescimento na Europa, o da ultradireita.

Enquanto isso, a defesa de Anders Behring Breivik, autor confesso dos atentados que mataram 77 pessoas na Noruega, tenta emplacar a teoria de que o acusado sofre de problemas mentais, o que devido à meticulosidade dos ataques, será um discurso possível na teoria, mas difícil de provar na prática.

“O ato, aparentemente, foi insano, mas consciente se considerarmos que ele preparou um documento de 1.500 páginas com citações históricas e acadêmicas. O fato é que no caso de atrocidades como essa, a defesa tende sempre a tornar o algoz um desqualificado mentalmente”, diz Eduardo Oyakawa professor de Sociologia da Religião, Lógica e Filosofia da ESPM.

Apesar dos bons indicadores e do aparente ambiente perfeito, Oyakawa ressalta que quando “o humano está envolvido, logo há imperfeição”. “Mas ainda assim [o caso] é uma exceção. (...) Não é hábito dessa cultura enfrentar um desastre moral desse tamanho”, completa.

O professor coordenador do Instituto de Relações Internacionais da UnB, Alcides Costa Vaz, acredita que, apesar de ser um caso isolado, ataques como esse "podem voltar a se repetir" na Europa. "Foi um gesto político de reação e consciente. Uma resposta de defesa", do que para ele, o atirador, representaria uma "diluição da identidade", diz Vaz.

Para Oyakawa, a atitude explosiva de Breivik é resultado de um movimento crescente na Europa, o dos partidos de ultradireita, o que justifica o aumento da xenobofia e da islamofobia no continente. Sabe-se que Breivik foi membro do Partido Progressista norueguês, que segue uma linha populista de direita, e chegou a ocupar posições de liderança na ala jovem da agremiação.

“Esses movimentos reforçam a ideia de que o outro é uma ameaça. Hoje, por exemplo, é um problema ser muçulmano na França. Já na Espanha, o preconceito contra imigrantes é alto já que eles são vistos como competidores num mercado de trabalho que já não comporta nem os próprios espanhóis”, diz Oyakawa.

Para Vaz, a existência de grupos intolerantes a diferentes culturas e  pessoas de outras nacionalidades e etnias na Europa, não é  novidade, mas, segundo ele, o que chama atenção é que isso sempre foi mais observado em países como Espanha, França, Itália, do que nos países nórdicos.

Na Alemanha, por exemplo, a tragédia norueguesa trouxe de volta, ainda, o debate sobre a proibição do partido NPD, de tendência neonazista. Os muçulmanos são considerados os principais inimigos pelo movimento de extrema direita da Europa. Por meio da internet, extremistas de países, como Bélgica e a Áustria, criaram uma rede com grupos alemães como o Pro-Köln e o Pro-NRW.

O professor da UnB também destaca a resposta "positiva" do primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg. "A resposta do país foi a reafirmação dos valores que serão mantidos, da tolerância e da abertura".

Esquerda x direita

Para Oyakawa, há diferenças entre os chamados radicais da ala da esquerda e os da direita. Segundo o professor, para os da esquerda a ideia de “liberdade é muito forte, então o alvo será sempre os donos do poder”. No caso dos direitistas, o conceito de liberdade é diferente.

“Você deve respeitar a hierarquia, por isso eles seguem à risca a burocracia. Para eles, a palavra de ordem é segurança. É como ele [Breivik] disse no documento: ‘muçulmanos e marxistas estão ameaçando a pureza da raça’. Para essas pessoas, isso é visto como uma ameaça à segurança nacional”, diz o professor.

Nas eleições de 2009, a presença dos radicais de extrema direita cresceu no Parlamento Europeu. No total, eles têm 39 assentos, mas não estão organizados numa bancada por falta de acordo.


28/05/2006
Le Cocq vive "fim melancólico" no Rio

da Folha de S.Paulo

Famoso grupo formado por policiais e que ganhou estigma de esquadrão da morte nos anos de 1960 e 70, a Scuderie Le Cocq luta para não ser extinta no Rio de Janeiro.

Atualmente, mantém um prédio nas proximidades da favela Paula Ramos, no Rio Comprido (zona norte), conta com menos de 50 associados - na década de 70 eram mais de 7.000 -, que dão uma pequena taxa apenas para manter o grupo, pagar impostos e realizar obras sociais na favela.

Dos policiais com fama de durões que atuavam paralelamente às forças do estado e prendiam criminosos -os chamados "12 homens de ouro" - restou pouco. Hoje, não há mais repressão ao crime.

Seu presidente de honra é o ex-delegado de polícia e atual deputado estadual Sivuca (PSC), 76, autor da célebre frase "Bandido bom é bandido morto". Integrante do grupo dos 12, Sivuca se disse desanimado com a situação da Le Cocq. "Vivemos um fim melancólico", afirmou.

O deputado disse que não freqüenta a Le Cocq há pelo menos oito anos. Quem responde pela presidência do grupo é Antônio Augusto de Abreu, que comanda também a Portuguesa, clube da Ilha do Governador (zona norte).

À frente da Scuderie há seis anos, desde a morte do delegado Luís Mariano, Abreu declarou que o grupo vive um período de dificuldades financeiras e sua principal atuação é realizar projetos sociais na Paula Ramos e dar pequenas contribuições a asilos e orfanatos.

"Distribuímos brinquedos e presentes no Natal, em dia de são Cosme e são Damião. A comunidade nos respeita", disse.

A Le Cocq também cede seu espaço - um terreno de quase 5.000 metros quadrados - para os moradores realizarem atividades esportivas, festas e até campanhas de vacinação.

Segundo Abreu, além de policiais, integram a atual Scuderie comerciantes, jornalistas, cantores e professores.

Combate ao crime

Apesar de os integrantes terem respaldo dos moradores da Paula Ramos, Sivuca disse que uma das razões que levaram a Le Cocq a parar de combater o crime é a proximidade de sua sede com uma área dominada por traficantes de drogas.

Sivuca disse que as camisas com o símbolo da Le Cocq e a inscrição Esquadrão da Morte apreendidas em São Paulo não pertencem ao grupo. Segundo ele, a Le Cocq tem em seu logotipo as iniciais E.M., mas a sigla significaria Esquadrão dos Motociclistas e não Esquadrão da Morte, como vinha escrito nas camisas apreendidas.

O grupo de motociclistas participava da segurança do presidente Getúlio Vargas, explica Sivuca, e tinha, entre seus integrantes, o detetive Mílton Le Cocq, que inspirou a criação da Scuderie, na década de 60. "Não existe Le Cocq em São Paulo desde os anos 70", disse.

Camisas, bonés, adesivos e buttons com símbolos da Le Cocq são comercializados livremente no site de relacionamentos Orkut.

Sivuca contou que a Scuderie Le Cocq nunca foi um esquadrão da morte como falavam. Segundo ele, seus integrantes prendiam criminosos, mas a orientação era agir dentro da lei. "Mas tínhamos uma regra. Se o criminoso reagisse à prisão, era morto, sem dúvida."

O ex-delegado revelou que a fama de matadores surgiu porque muitos associados cometiam excessos. Um deles foi o policial Mariel Mariscot, que, por descumprir regras, acabou expulso do grupo na década de 1970 e foi assassinado em 1981. "Tinha muito le cocquiano que matava e, depois, ligava para a imprensa", disse.

Segundo Sivuca, o grupo que praticou crimes no Espírito Santo nas décadas de 80 e 90 não era vinculado à verdadeira Le Cocq. O grupo foi extinto por determinação da Justiça há cerca de cinco anos. Os policiais que investigaram os envolvidos hoje recebem proteção.

*
31/07/2011
Camiseta de esquadrão da morte é vendida nos Jardins, em SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/952328-camiseta-de-esquadrao-da-morte-e-vendida-nos-jardins-em-sp.shtml



Saturday, July 30, 2011

Cadeias lotadas

DRAUZIO VARELLA

A sociedade quer todos os bandidos atrás das grades, mas não terá recursos para as condições mínimas

Lugar de bandido é na cadeia, diz o povo. Concordo, não tem cabimento deixar solto alguém que mata, assalta ou estupra, mas faço um reparo ao dito popular: lugar de bandido é na cadeia desde que haja lugar.

No sábado passado, o jornalista André Caramante publicou na Folha um relato sobre a superpopulação nos presídios: "Diariamente cem pessoas deixam as prisões paulistas, enquanto outras 137 são encarceradas".

Não é preciso ser gênio em matemática para avaliar as dimensões da bola de neve: se a cada dia a massa carcerária sofre um acréscimo de 37 presos, em um mês serão 1.110 a mais.

Os técnicos recomendam que as cadeias não tenham mais de 800 detentos, para evitar indisciplina, fugas, dificuldade de vigilância, perda de controle e aparecimento de facções dominadoras. Com 1.110 presos a mais a cada mês que passa, deveríamos construir três presídios novos de dois em dois meses, ou seja, 18 por ano.

Sem levar em conta as dificuldades logísticas e a má vontade dos municípios que movem montanhas para impedir a instalação de prisões nas proximidades, analisemos apenas os custos de construção: se uma cadeia nova não sai por menos de R$ 30 milhões, para levantar as 18 gastaríamos R$ 540 milhões por ano. Quantas escolas faríamos com esse dinheiro?

Para não aborrecê-lo com mais números, caríssimo leitor que resistiu até agora, vou deixar de lado as despesas com a folha de pagamento dos funcionários e todos os custos de manutenção.

Graças às medidas tomadas pela Secretaria da Segurança nos últimos anos, a polícia de São Paulo ganhou mais competência. A continuar assim, à medida que esse processo de modernização e moralização se aprofundar, mais gente será presa. Vejam o paradoxo: a sociedade quer polícia atuante e todos os bandidos atrás das grades, mas não terá recursos para aprisioná-los em condições minimamente civilizadas. Como sair do impasse?

Ainda que mal compare: quando um produto abarrota o mercado, o que fazem os produtores? Diminuem a produção.

Violência urbana é doença multifatorial e contagiosa, que nas camadas mais pobres adquire características epidêmicas. Em sua gênese estão implicados fatores tão diversos como escolaridade, consumo de drogas ilícitas, desemprego, impunidade, condições de moradia, falta de espaço para lazer e muitos outros aspectos. 

Os estudos mostram que correm mais risco de se tornar violentos aqueles que viveram pelo menos uma das seguintes situações: 1) falta de afeto e abusos físicos ou psicológicos na primeira infância; 2) falta de orientação familiar e de imposição de limites durante a adolescência; 3) convivência com pares envolvidos em atos de violência.

Na periferia das cidades brasileiras, milhões de crianças vivem nessas três situações de risco. São tantas que é de estranhar o pequeno número que envereda pelo crime.

Nossa única saída é oferecer-lhes alternativas de qualificação profissional e trabalho decente, antes que sejam cooptadas pelos marginais por um salário ridículo e sem direitos trabalhistas. Espalhadas pelo país há iniciativas bem-sucedidas nessa área, mas o número é tímido diante das proporções da tragédia social. Há necessidade de um grande esforço nacional que envolva as diversas esferas governamentais e mobilize a sociedade inteira.

Como parte dessa mobilização, é fundamental levar o planejamento familiar para os estratos sociais mais desfavorecidos. Negar-lhes o acesso ao controle da fertilidade é a violência maior que a sociedade comete contra a mulher pobre.

Toda vez que faço essa afirmação recebo e-mails de religiosos e de acadêmicos revoltados com ela. O argumento dos religiosos é o de sempre, o dos acadêmicos é a ausência de pesquisas que demonstrem a relação entre número de filhos e violência urbana.

Pergunto a você, leitor, e precisa? Há necessidade de evidências científicas para uma conclusão tão óbvia? Na penitenciária feminina em que atendo, é mais fácil achar uma agulha no palheiro do que uma menina de 25 anos que não tenha três ou quatro filhos, quase sempre indesejados. Algumas têm sete ou oito, espalhados em casas de parentes e vizinhos, morando na rua ou sob a tutela do Estado. 


O retorno das Cruzadas

Inácio Araújo

Georges Bernanos achava uma bobagem o processo do marechal Pétain, no fim da Segunda Guerra.

Para quem não sabe, Pétain foi o marechal que liderou o governo títere da França, quando invadida pelos nazistas. Assinou um armistício vergonhoso e iniciou a chamada política da Colaboração.

No fim da guerra, evidente, foi julgado e condenado à morte, mas De Gaulle comutou a pena. De Gaulle que, por sinal, o governo de Pétain condenara à morte por traição.

Bernanos via em Pierre Laval, célebre primeiro-ministro, maestro da Colaboração, não o monstro que todos viam, mas um aventureiro. Seria aventureiro em qualquer circunstância, diz Bernanos.

A execução de Darnand, o líder das Milícias, uma espécie de força paramilitar que perseguia os próprios franceses, também é vista com ceticismo pelo romancista.

Esses artigos, de enorme lucidez, foram escritos pouco depois de voltar à França (estava exilado no Brasil, diga-se), o que é notável.

Naquele momento, os patriotas babavam em busca de sangue dos “colabôs”, como se a vergonha da França viesse deles.

Bem, a visão de Bernanos me parece tão mais interessante porque nos remete a acontecimentos muito atuais. Escreve ele, a horas tantas:

“Para qualquer observador desinteressado, está claro que a mística do Marechal não se originava diretamente do espírito fascista. O fascismo nunca teve esse caráter clerical. A mística francesa do Marechal nasceu de uma outra mística, à qual a propaganda religiosa já havia dado, desde 1935, um alcance universal: a mística da guerra espanhola e da guerra santa entre os Bons e os Maus, os Puros e os Impuros, os Amigos e os Inimigos de Deus, os Vermelhos e os Brancos, breve: a mística da Cruzada.”

É de guerra santa que se trata hoje. Os fanáticos do islamismo alvejam as Torres Gêmeas. Os do cristianismo matam os jovens trabalhistas. Os do anti-israelismo matam em Israel. Os do anti-palestinismo matam em Gaza.

Como cada um tem sua verdade, como sua verdade se assenta na Bíblia ou no Alcorão, com eles não existe negociação possível: é o espírito da Cruzada.

Ele existia na França do pré-guerra com tal intensidade que os Colabôs não estavam infelizes por ver os alemães em seu país, na medida em que eles afastavam do horizonte os esquerdistas.

Mas não existe hoje?

Esse assassino norueguês será alguém tão isolado assim? Longe disso. Os fundamentalistas estão por toda parte. Não conversam senão entre si. Não admitem senão a própria verdade. Matam os outros e acham que está tudo certo.

O que move o norueguês a gente sabe bem o que é (o que move os muçulmanos tipo xiita eu não chego a entender): o ódio ao estrangeiro, ao imigrante, ao judeu, ao homossexual.

Vejamos aqui ao nosso lado mesmo: no momento em que arrancam a orelha do pai que abraçava o filho, onde se esconde o valentão Bolsonaro, de tantas bravatas? Por que ele não tem nada a dizer nessa hora? E o arcebispo? E os pastores evangélicos?

São inomináveis cretinos, é verdade, mas insuflam esse tipo de sub-humanidade que ora pode trucidar gays, ora destruir edifícios.

Bernanos via longe, é incrível. Ele acredita que as forças que haviam produzido coisas como o nazismo estavam longe de ser dissolvidas pela derrota na guerra.

Bom, aí está. Fico aqui e acho que já falei demais.

Na verdade eu queria falar de A Tristeza e a Piedade, o poderoso documentário de Marcel Ophuls sobre a França da Ocupação, que acabou de sair em DVD.

Voltarei a ele.

Sunday, July 24, 2011

Amy Winehouse morre aos 27

A polícia da Noruega divulgou neste sábado que o homem acusado de matar 92 pessoas na véspera se entregou logo após o massacre, sem oferecer qualquer tipo de resistência.

O norueguês Anders Behring Breivik, de 32 anos, está sendo questionado tanto pela explosão de uma bomba na capital, Oslo, que matou sete pessoas, quanto pelo tiroteio na ilha de Utoeya, no qual pelo menos 85 pessoas morreram.

No entanto, a polícia ainda não descartou a possibilidade de que ele teria agido em parceria com outro atirador.

O chefe de polícia Sveinung Sponheim disse que mensagens suas publicadas na internet sugerem que o atirador "tem opiniões políticas voltadas para a direita, anti-islâmicas".

Velório

Em Oslo, o clima era de velório: bandeiras estavam hasteadas a meio mastro e muitas pessoas se reuniram ao redor de igrejas, para prestar homenagem às vítimas acendendo velas e colocando flores.

Vestido de policial, Breivik teria chegado à ilha perto de Oslo e disparado contra jovens que participavam de um acampamento do Partido Trabalhista (do governo) no local. Havia cerca de 600 jovens no encontro.

Breivik também é suspeito de relação com o atentado a bomba ocorrido em Oslo um pouco antes.

Este foi considerado o pior ataque ocorrido na Noruega desde a Segunda Guerra Mundial.

A jovem Emma Christiansen, 16 anos, que participava do acampamento, disse à BBC ter visto o homem vestido de policial sendo abordado por um jovem e atirando contra ele. "Então, corri para dentro de casa. Foi assustador."

As autoridades não confirmaram se estão procurando por mais suspeitos, mas disseram que não tiveram conhecimento de nenhuma ameaça prévia relacionada aos atentados.

"Foi uma grande surpresa, não tínhamos nenhum indicativo de que isso ocorreria", disse o chanceler Store à BBC.

O ministro da Justiça disse que a polícia está usando "todos os recursos disponíveis" para lidar com a crise e investigar os responsáveis.

Ele pediu que a população fique longe do centro de Oslo por enquanto e que evite o uso de celulares, para não sobrecarregar a rede de telefonia do país.

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Thursday, July 14, 2011

O que a Lei Seca dos anos 20 pode ensinar à legalização da maconha

Stephen J. Dubner entrevista Daniel Okrent, autor de Last Call: The Rise and Fall of Prohibition 


Foto de 1921 mostra agentes públicos despejando bebida alcoólica no esgoto

Como alguém que acredita ardorosamente na legalização da maconha e da maioria das outras drogas ilegais nos Estados Unidos, eu estou curioso em saber se você encontra alguma semelhança entre a atual guerra às drogas e a Lei Seca nos anos 20?

O paralelo óbvio entre a Lei Seca e a guerra às drogas é sua futilidade compartilhada –elas provam que não é possível legislar contra os apetites humanos. Também há o consequente enriquecimento daqueles que tentam atender esses desejos fora da lei: os contrabandistas nos anos 20 e os narcotraficantes atuais.

Mas o aspecto comum que sugere, para mim, que as leis americanas para drogas mudarão radicalmente nos próximos anos é a incapacidade do governo de extrair receita da venda de bebidas alcoólicas na época e das drogas atualmente. Nenhum fator exerceu um papel maior na derrubada da Lei Seca em 1933 do que a necessidade desesperada do governo por receita quando o país mergulhou na Grande Depressão. Antes da adoção da Lei Seca em 1919, uma quantia substancial da receita federal vinha do imposto sobre bebidas alcoólicas. Quando a arrecadação de impostos sobre renda e ganhos de capital despencou entre 1930 e 1933, os políticos perceberam que o retorno da venda do álcool ajudaria as finanças federais. De fato, no primeiro ano pós-suspensão, 1934, 9% da receita federal de impostos vieram da venda de bebidas alcoólicas.

No clima político atual, onde ninguém parece disposto a aumentar o imposto de renda, tanto o governo federal quanto os governos estaduais estão cada vez mais empregando impostos e outros tributos que poderiam ser facilmente aplicados à maconha.

Eu soube que a Lei Seca na verdade aumentou o consumo de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos. Você tem alguma estatística sobre o consumo de bebidas alcoólicas antes, durante e depois da Lei Seca?

O que você ouviu está errado. Um dos pontos positivos da Lei Seca foi que ela reduziu o consumo de bebidas alcoólicas. Houve um declínio altamente acentuado após ela entrar em vigor, mas mesmo os anos subsequentes de bares ilegais, produção de fundo de quintal, contrabando e toda forma de violação da lei, não fizeram com que o consumo voltasse aos níveis pré-Lei Seca. Ao final da Lei Seca, os americanos consumiam aproximadamente 70% do que consumiam em 1914. (Historiadores demográficos usam este como ano base, já que muitos Estados começaram a aprovar leis altamente restringindo bebidas alcoólicas por volta dessa época.)

De fato, foi apenas em 1973 que os americanos voltaram os níveis de consumo de bebidas alcoólicas pré-Lei Seca e poucos anos depois o número de consumo per capita começou a cair de novo. Mesmo hoje, os americanos estão apenas caminhando lentamente de volta ao consumo de 1914.

Um número que os americanos nunca atingirão de novo: 28,4 litros de álcool absoluto que o americano médio bebia em 1830 – o equivalente a 663 litros de bebida com graduação alcoólica 40%, quase três vezes mais do que os americanos consomem hoje.

Ouvindo a maioria das pessoas falar, não resultou nada de bom da Lei Seca. Mas ouvi dizer que há evidências de que os índices de violência doméstica e outros problemas ligados ao álcool caíram significativamente após a Lei Seca entrar em vigor. Simplificando, ocorreu algo de bom a respeito da Lei Seca, ou ela foi um desastre do início ao fim?

Além da redução do consumo que mencionei antes, ocorreram alguns outros benefícios, dependendo do seu ponto de vista. Se você acreditar no cumprimento da lei federal, é possível rastrear muitas das leis criminais nacionais pós-suspensão aos exemplos estabelecidos durante a Lei Seca. Se você considerar sábia a decisão Roe contra Wade, a decisão da Suprema Corte em 1973 que concedeu à mulher o direito ao aborto, então você poderia agradecer a dissensão do ministro Louis Brandeis em um famoso caso da Lei Seca, Olmstead contra os Estados Unidos, onde ele escreveu sobre o direito do cidadão de ser deixado em paz –palavras citadas pelo ministro Potter Stewart em Roe.

Meu legado favorito da Lei Seca é a possibilidade de beber na companhia do sexo oposto. Na era pré-Lei Seca, o saloon era uma instituição masculina. Os bares ilegais promoveram uma mudança nos valores sociais permitindo que homens e mulheres bebessem juntos em público pela primeira vez, o que por sua vez levou à música nos bares – o nascimento do clube noturno.

Em um sentido mais geral, entretanto, eu diria que o legado mais positivo da Lei Seca foi nos dizer que proibições ao comportamento individual geralmente não funcionam.

Já foi dito que a Lei Seca nos Estados Unidos não teria chegado ao fim se não fosse pelos esforços do movimento feminista. Quão importantes foram as mulheres para a derrubada da Lei Seca?

Absolutamente essenciais. Quando a socialite proeminente e integrante do Partido Republicano, Pauline Morton Sabin, se manifestou contra a Lei Seca em 1929, o movimento pelo fim da Lei Seca começou a ganhar apoio. Viajando por várias cidades com outras mulheres ricas, socialmente proeminentes, com as quais formou a Organização das Mulheres pela Reforma Nacional da Lei Seca, Sabin atraiu um enorme público feminino. Seu exemplo estabeleceu que era respeitável para as mulheres se oporem à Lei Seca.

Sabin foi uma mulher extraordinária e provavelmente minha personagem favorita entre todas as pessoas sobre as quais escrevo em Last Call. Ela era honesta, franca, destemida e disposta a mudar de ideia – qualidades ausentes demais na vida pública americana atual.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Sunday, July 10, 2011

Rumo a um mundo de 7 bilhões de pessoas

BABATUNDE OSOTIMEHIN

O empoderamento de meninas e de mulheres é um passo importante para erradicar a pobreza e para estabilizar o crescimento populacional

Em 31 de outubro de 2011, a população mundial atingirá 7 bilhões de pessoas. Esse marco apresenta um desafio, uma oportunidade e um convite à ação. Vivermos juntos, num planeta saudável, dependerá de nossas escolhas.

Por isso, amanhã, Dia Mundial da População, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) lança a campanha mundial "7 Bilhões de Ações para um Mundo Mais Justo e Sustentável".

Atualmente, quase 78 milhões de pessoas são adicionados à população mundial a cada ano, aumentando a demanda por recursos naturais e pressionando o planeta.

Enquanto a pobreza, a desigualdade e a pressão por recursos representam grandes desafios, o mundo está mais interligado do que nunca; temos agora uma capacidade, sem precedentes, de compartilhar ideias e de envolver comunidades em todo o mundo para resolver nossos problemas.

Reduzir as desigualdades e melhorar o padrão de vida para as pessoas hoje - bem como para gerações seguintes - exige novas formas de pensamento e cooperação global. O momento de agir é agora.

Os 1,8 bilhão de jovens que vivem hoje podem contribuir com novas ideias e abordagens para a resolução de nossos problemas mais alarmantes. Principalmente os 600 milhões de meninas e de adolescentes, cujas decisões podem mudar o nosso mundo.

Se todas as garotas estivessem na escola, tivessem o número de filhos que desejam e vivessem livres da violência e discriminação, veríamos crianças e famílias mais saudáveis e as mulheres ocupando o seu lugar na sociedade.

A comunidade internacional concorda com a importância dos direitos de meninas e de mulheres. Em 1994, 179 governos se reuniram no Cairo para a histórica Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento.

Eles concordaram que o empoderamento das meninas e mulheres é um passo importante para erradicar a pobreza e estabilizar o crescimento populacional. Saúde reprodutiva e direitos - inclusive o de determinar livre e responsavelmente o número, espaçamento e momento de ter filhos, sem coerção, discriminação e violência - são pilares do empoderamento das mulheres e do desenvolvimento sustentável.

Infelizmente, enquanto o direito à saúde sexual e reprodutiva tem sido proclamado, está longe de ser universalmente respeitado. Estima-se que 215 milhões de mulheres nos países menos desenvolvidos querem evitar ou adiar a gravidez, mas não têm acesso a anticoncepcionais modernos.

A cada dia, mil mulheres morrem de complicações na gravidez e no parto. Mortes que podem ser evitadas. Quando mulheres e casais têm acesso a informações e serviços de saúde reprodutiva adequados, incluindo planejamento familiar, garantimos que cada criança seja desejada e que cada parto seja seguro. Assim, podemos reduzir a pobreza.

De acordo com a projeção mediana da Divisão de População das Nações Unidas, a população mundial chegará a 8 bilhões em 2025, a 9 bilhões em 2043 e a 10 bilhões em 2083. Mas essas projeções dependem do acesso ao planejamento familiar e dos direitos de que mulheres, homens e jovens façam suas próprias escolhas.

Os jovens já estão transformando a sociedade, a política e a cultura.

Com o ativo engajamento das mulheres e jovens, podemos construir um futuro melhor. Aproximamo-nos de uma população mundial de 7 bilhões, e cada um de nós é parte desse grande marco. Nossas pequenas ações individuais, multiplicadas em todo o mundo, podem levar a mudanças exponenciais.

Juntem-se a nós na criação de um mundo mais justo e sustentável. Visite www.7billionactions.org e faça parte desse movimento global. Juntos, somos 7 bilhões de pessoas, contando uns com os outros.

BABATUNDE OSOTIMEHIN é diretor-executivo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Saturday, June 25, 2011

5.

[...]
Hoje a cidade acordou toda em contramão
Homens com raiva, buzinas, sirenes, estardalhaço
De volta à casa, na rua, recolhi um cão
Que, de hora em hora, me arranca um pedaço

[...]
Hoje o inimigo veio; veio me espreitar
Armou tocaia lá na curva do rio
Trouxe um porrete, um porrete a mode me quebrar
Mas eu não quebro, não, porque sou macio, viu?

Chico Buarque - Querido Diário

4.


Saturday, June 04, 2011

Quanto aos homens da revolução ( * ), havia apenas duas lendas de fundação que lhes eram familiares: a história bíblica do êxodo das tribos de Israel saindo do Egito e a história ( * ) de Virgílio sobre as andanças de Eneias depois de fugir de Troia em chamas. Ambas são lendas de libertação, a primeira sobre a libertação da escravidão e a segunda sobre a fuga à destruição, e ambas têm como centro uma promessa futura de liberdade, a conquista de uma terra prometida ou a fundação de uma nova cidade. Quanto à revolução, essas histórias parecem encerrar uma lição importante; numa estranha coincidência, as duas insistem num hiato entre o fim da velha ordem e o início da nova, de forma que não importa muito, neste contexto, se o hiato é preenchido pelas erranças desoladas das tribos de Israel no deserto ou pelas aventuras e perigos que Eneias enfrenta antes de chegar à costa italiana. Se essas lendas ensinam alguma coisa, é que a liberdade não é o resultado automático da libertação, da mesma forma que o novo início não é a consequência automática do fim.

[...] Faz parte da própria natureza de um início que ele traga em si uma dose de completa arbitrariedade. Não só o início não está ligado a uma sólida cadeia de causas e efeitos, uma cadeia em que cada efeito se torna a causa de futuros desenvolvimentos, como ainda não há nada, por assim dizer, a que ele possa se segurar; é como se saísse do nada no tempo e no espaço. Por um momento, o momento do início, é como se o iniciador tivesse abolido a própria sequencia da temporalidade, ou como se os atores fossem lançados fora da ordem temporal e de sua continuidade. O problema do início, claro, aparece primeiramente na reflexão e especulação sobre a origem do universo, e conhecemos a solução hebraica para tais perplexidades - o postulado de um Deus Criador que está fora de sua criação, da mesma forma como o artesão está fora do objeto que fez. Em outras palavras, o problema do início é resolvido com a introdução de um iniciador cujo próprio início não está mais sujeito a indagações pois vai "da eternidade à eternidade".

[...] Por mais que as reações mentais involuntárias dos homens das revoluções ainda pudessem estar dominadas pela tradição hebraico-cristã, não resta dúvida de que o esforço consciente deles em lidar com as perplexidades do início, tais como aparecem no próprio ato de fundação, recorreu não ao "No início Deus criou o céu e a terra", mas sim à "antiga prudência", à sabedoria política da Antiguidade, em especial à Antiguidade romana. [...]  A história romana tinha como centro a ideia de fundação, e é impossível entender qualquer dos grandes conceitos políticos romanos, como autoridade, tradição, religião, lei etc., sem considerar o grande feito que está no início da história e da cronologia de Roma, o fato da urbis condita, a fundação da cidade eterna.

[...] Em nosso contexto, porém, é mais importante observar que (para os próprios romanos) nem mesmo a fundação era entendida como um início absolutamente novo. Roma - ela era o ressurgimento de Troia e o restabelecimento de alguma cidade-estado que existira antes e cujo fio de continuidade e tradição nunca se rompera. [...] O que importa [...] não é tanto a noção profundamente romana de que todas as fundações são restabelecimentos e reconstruções, e sim a ideia em certa medida relacionada, mas distinta, de que os homens estão capacitados para a tarefa, que é um paradoxo em termos lógicos, de criar um novo início porque eles mesmos são novos inícios e, portanto, iniciadores, que a própria capacidade de iniciar se radica na natalidade, no fato de que os seres humanos aparecem no mundo em virtude do nascimento.

Seja como for, ou como tenha sido, quando os americanos decidiram criar uma variante do magnus ordo saeclorum virgiliano, alterando-o para novus ordo saeclorum, admitiam que não se tratava mais de fundar "Roma de novo", e sim de fundar uma "nova Roma", que a linha de continuidade que unia a política ocidental à fundação da cidade eterna e ligava esta fundação, por sua vez, às memórias pré-históricas da Grécia e de Troia tinha se rompido e não poderia ser restaurada. E era inevitável admiti-lo.

[...] Assim, pelo visto, os homens da Revolução Americana, que tinham uma percepção quase obsessiva quanto à absoluta novidade daquele empreendimento, viram-se inevitavelmente apanhados em algo para o qual a verdade histórica e a verdade lendária de suas tradições não podiam oferecer nenhum auxílio ou precedente. E, no entanto, [...] podem ter percebido vagamente que existe uma solução para as perplexidades do início, a qual não requer nenhum absoluto para romper o círculo vicioso em que parecem presas todas as primeiras coisas. O que salva o ato de iniciar de sua própria arbitrariedade é que ele traz dentro de si seu próprio princípio, ou, em termos mais precisos, que o início e o princípio, principium  e princípio, não só estão relacionados entre si, mas são simultâneos. O absoluto do qual o início há de derivar sua validade e que, por assim dizer, deve salvá-lo de sua arbitrariedade intrínseca é o princípio que faz seu aparecimento no mundo junto com ele. A maneira como o iniciador começa o que pretende fazer estabelece a lei da ação para os que se uniram a ele a fim de participar e realizar o empreendimento. Como tal, o princípio inspira os atos que se seguirão e continua a aparecer enquanto dura a ação. E não é apenas nossa língua que ainda deriva o "princípio" do latim principium, sugerindo assim tal solução para o problema que, de outra maneira, seria insolúvel, a saber, o problema de um absoluto na esfera dos assuntos humanos, que é relativa por definição.

[...] Por grandiosas e significativas que sejam tais percepções, elas só passam a se aplicar à esfera política depois de se reconhecer que estão em flagrante oposição com as velhas noções, mas ainda correntes, sobre o papel dominante da violência, necessária para todas as fundações e, portanto, supostamente inevitável em todas as revoluções. Sob este aspecto, o curso da Revolução Americana conta uma história inesquecível e pode ensinar uma lição sem igual; pois essa revolução não eclodiu, mas foi feita por homens deliberando em conjunto com a força dos compromissos mútuos. O princípio que veio à luz naqueles anos cruciais quando foram lançadas as fundações - não pela força de um arquiteto, mas pelo poder somado de muitos - era o princípio da promessa mútua e da deliberação comum; e de fato foi o próprio acontecimento que decidiu, como havia insistido Hamilton, que os homens "são realmente capazes de estabelecer um bom governo a partir da reflexão e da escolha", que não estão "destinados para sempre a depender do acaso e da força para suas constituições políticas".

Hannah Arendt - Sobre a Revolução - capítulo 5. Fundação II: Novus ordo saeclorum

Sunday, May 29, 2011

Podemos dizer que a experiência especificamente americana ensinou aos homens da revolução [ * ] que a ação, mesmo que se inicie no isolamento e seja decidida por pessoas individuais pelos mais variados motivos, só pode ser efetivada com algum esforço conjunto em que a motivação de cada um deixa de contar, de modo que a homogeneidade de origem ou passado, que é o princípio decisivo do Estado nacional, deixa de ser um requisito. O esforço conjunto nivela com grande eficiência as diferenças de origem e qualidade. Aqui, ademais, podemos encontrar a raiz do surpreendente dito "realismo" dos Pais Fundadores [ * ] em relação à natureza humana. Eles podiam ignorar a proposição revolucionária francesa de que o homem é bom fora da sociedade, em algum estado original fictício, que era, afinal, a proposição da era do Iluminismo. Podiam ser realistas e até pessimistas neste aspecto porque sabiam que os homens, como quer que fossem em sua singularidade, eram capazes de se unir numa comunidade, que, embora composta de "pecadores", não precisaria refletir necessariamente esse lado "pecaminoso" da natureza humana. Dessa maneira, o mesmo estado social que, para seus colegas franceses, tinha se tornado a raiz de toda a maldade humana, era para eles a única vida razoável em que poderiam se salvar do mal e da desgraça, vida à qual os homens eram capazes de aceder mesmo neste mundo, e mesmo por iniciativa própria, sem qualquer auxílio divino. Aqui, aliás, também podemos discernir a verdadeira origem da versão americana, sujeita a tantos mal-entendidos, da crença então corrente na perfectibilidade humana. Antes que a filosofia americana comum sucumbisse aos conceitos rousseaunianos a esse respeito - o que só veio a acontecer no século XIX -, a fé americana não se baseava absolutamente numa confiança quase religiosa na natureza humana, mas, ao contrário, na possibilidade de refrear a natureza humana em sua singularidade graças a promessas mútuas e a obrigações comuns. A esperança para o homem em sua singularidade consistia no fato de que não é o Homem, e sim os homens que habitam a terra e formam um mundo entre eles. É a mundanidade humana que salvará os homens das armadilhas da natureza humana. E por isso o argumento mais forte que John Adams [ * ] pôde desferir contra um corpo político dominado por uma única assembleia foi que ele estaria "sujeito a todos os vícios, loucuras e fraquezas de um indivíduo".

A isso se relaciona  intimamente a percepção da natureza do poder humano. À diferença da força, que é dote e posse de cada homem isolado contra todos os outros homens, o poder só nasce se e quando os homens se unem com a finalidade de agir, e desaparece quando, por qualquer razão, eles se dispersam e abandonam uns aos outros. Assim, prometer e obrigar, unir e pactuar são os meios de manter a existência do poder; sempre que os homens conseguem preservar o poder nascido entre eles durante qualquer gesto ou ação particular, já se encontram em processo de fundação, em processo de constituir uma estrutura terrena estável que, por assim dizer, abrigue esse seu poder somado de ação conjunta. A faculdade humana de fazer e manter promessas guarda um elemento da capacidade humana de construir o mundo. Assim como as promessas e acordos tratam do futuro e oferecem estabilidade no oceano de incertezas do porvir, onde o imprevisível pode irromper de todos os lados, da mesma forma as capacidades humanas de constituir, fundar e construir o mundo sempre remetem mais a nossos "sucessores" e à "posteridade" do que a nós mesmos e à nossa época. A gramática da ação: a ação é a única faculdade humana que requer uma pluralidade de homens; a sintaxe do poder: o poder é o único atributo humano que se aplica exclusivamente ao entremeio mundano onde os homens se relacionam entre si, unindo-se no ato da fundação em virtude de fazer promessas, o que, na esfera da política, é provavelmente a faculdade humana suprema. 

Hannah Arendt - Sobre a Revolução - capítulo 4. Fundação I: Constitutio libertatis - pgs. 226, 227, 228

Wednesday, May 25, 2011

O Assessor de Imprensa
(ou, variações sobre o tema do politicamente correto)

Adilson Laranjeira despacha em uma sala claustrofóbica, no Bexiga, com paredes de tinta gasta, uma janela tão pequena que lembra um basculante, e uma televisão que vive ligada. Sobre a mesa jazem jornais amarfanhados, vidros de xarope expectorante e um telefone celular antigo. Aos 69 anos, tem um tom de voz gutural e um corpanzil acima do peso que faz a camisa de botões quase estourar. A calça jeans, presa por um cinto de couro, divide seu abdome em dois hemisférios plutônicos. O cabelo louro-grisalho, penteado para trás, encima um rosto avermelhado. Os óculos de pesada armação transparente realçam os olhos claros e permanentemente arregalados. Laranjeira tem lábios finos e uma risada estrondosa. Parece um personagem bonachão de desenho animado.

do perfil de Adilson Laranjeira, assessor de imprensa de Paulo Maluf por mais de 10 anos, publicado na Piauí nº 36

Outra passagem:

Laranjeira atribui as constantes acusações a Maluf a uma perseguição. [...] Ele também vê a cobertura dos repórteres com reservas. "Jornalista não tem noção de número. Já publicaram que o Paulo teria 1,5 bilhão de dólares no exterior." Fez uma pausa e repetiu, cadenciado: "Veja bem, -la-res. Nem o Bill Gates tem isso depositado em cash. O sujeito escreve e não pára para pensar", afirmou.

Ele fala de jornalismo com autoridade. Foi chefe de reportagem da Folha de S. Paulo. Laranjeira era um chefe à primeira vista atemorizante: enorme, sarcástico, entediado e cheio de perguntas pertinentes e destrutivas aos jovens repórteres que voltavam da rua certos que tinham uma boa matéria. Só levantava da cadeira para discutir a primeira página com o diretor de redação, Boris Casoy. Ambos muito altos, loiros, corpulentos e mancos, eles atravessavam a redação adernando, batendo os ombros um no outro sincopadamente. Com a convivência, Laranjeira se mostrava bem mais agradável. Era louco por cinema americano, conhecia Hitchcock a fundo e tinha um repertório formidável de piadas racistas (agora, nesses tempos politicamente corretos, só conta aos mais chegados), que faziam o seu amigo Paulo Francis ter síncopes de tanto rir.

http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-36/esquina/-nao-tem-nem-nunca-teve-conta-no-exterior

Wednesday, January 05, 2011

NAZILEAKS

Uma exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, convida a nação a se confrontar com sua responsabilidade coletiva na Shoah

PAULO NOGUEIRA - Revista Piauí


Ela é feiosa, amarelecida, sem graça. Tem o tamanho de meia folha de papel ofício e quase 70 anos de idade. Passa facilmente despercebida entre outros mil itens mais vistosos da exposição “Hitler e os alemães: povo e crime”, que há três meses agita Berlim.

Ainda assim, é essa folha de 15 por 21 centímetros, banal, impessoal e burocrática que melhor serve à intenção dos curadores da exposição montada no Museu Histórico Alemão: aprofundar o confronto da nação alemã com o seu passado nazista. Ao contrário do Japão e da Áustria, que optaram por não remexer no passivo moral relativo à Segunda Guerra, a Alemanha, a cada nova geração, mergulha mais e mais nos meandros do mais terrível período de sua história, na expectativa de compreendê-lo e, se possível, exorcizá-lo. 

O item acima referido registra o telefonema de um engenheiro para a sede de sua empresa, cobrando a entrega de uma mercadoria atrasada. Coisa corriqueira, em suma. O telefonema foi atendido em 17 de fevereiro de 1943 por Fritz Sander, engenheiro-chefe da firma J. A. Topf & Söhne. Depois foi transcrito, datado, fichado, numerado, carimbado, encaminhado, rubricado cinco vezes e, por fim, arquivado no fichário da casa. 

A indústria J. A. Topf & Söhne, de porte médio, era dirigida por dois irmãos e tinha sede em Erfurt, cidade central da Alemanha. O autor do telefonema, Karl Schultze, chamara de Auschwitz, a 686 quilômetros dali, na Polônia ocupada. A mercadoria atrasada era um “exaustor número 450 para as câmaras de gás”, que teria sido despachado em 18 de novembro do ano anterior e não chegara. “Dada a urgência de utilização do equipamento”, anotou, metódico, o Oberingenieur Sander, “devemos enviar de imediato uma nova peça para possibilitar a sua rápida instalação.” Schultze fora despachado de Erfurt três vezes para Auschwitz em 1943 a fim de supervisionar a instalação e funcionamento dos crematórios. No telefonema, ele também solicitava providências para que vinte guinchos manuais encomendados a outro fabricante chegassem logo. 

Os curadores da mostra de Berlim optaram por descartar documentos mais chocantes da mesma empresa – como, por exemplo, a carta na qual a Topf & Söhne oferece um método avançado para acelerar o processo de incineração das pilhas de crianças dizimadas nas câmaras de gás. Para pôr os corpos na fornalha, dizia o documento descartado, recomendamos um simples garfo de metal sobre cilindros. Cada fornalha terá um forno medindo 60 centímetros por 45, uma vez que não serão usados caixões. Para transportar os cadáveres dos locais de armazenamento às fornalhas, sugerimos o uso de carrinhos leves, cujo diagrama em escala segue anexo. Heil Hitler! Por extrema, a carta fugiria do ponto de equilíbrio buscado pelos organizadores. 

O tema é chocante, mas, quando se pensa, não deveria propriamente espantar, pois não se monta uma indústria da morte sem engenheiros, organogramas e reclamações. Como diz a narração de Noite e Neblina, o primeiro grande documentário sobre os campos de extermínio, dirigido por Alain Resnais em 1955, “um campo de concentração é construído como se constroem hotéis ou estádios – com orçamentos, concorrências, um ou outro suborno”. 

Há tempos historiadores vêm demolindo a tese de que a Shoah, a política de extermínio de judeus, era um segredo de Estado guardado pela cúpula do nazismo. Ainda assim é perturbador constatar que um reles papelucho burocrático, com cinco assinaturas igualmente burocráticas, trata com naturalidade de fornos de cremação em Auschwitz. E que engenheiros, secretárias e telefonistas voltavam à noite para a casa, comentavam o dia de trabalho e depois iam dormir sem que a Alemanha acordasse diferente. 

Esta é a primeira vez desde a morte do Führer, 65 anos atrás, que um grande museu nacional da Alemanha decide expor a relação entre Hitler e seu povo, jogando luz sobre a sociedade que o nutriu e lhe ofereceu o país para comandar. 

A própria localização da mostra já vem carregada de simbolismo. Instalada nas entranhas de um antigo arsenal prussiano que hoje abriga o Museu Histórico Alemão, a exposição está a poucos metros da praça onde o regime promoveu o auto de fé de livros “antigermânicos”, em maio de 1933. “A era do extremo intelectualismo judeu chegou ao fim”, proclamou na ocasião o chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, enquanto uma população entusiasmada atirava tomos de Kafka, Einstein e Freud na pira.  

No país que considera necessário manter proibidas a saudação nazista, a reimpressão do livro Mein Kampf e a reprodução da suástica, a preocupação em impedir que a mostra se torne local de peregrinação neonazista é clara. Inevitavelmente, o cuidado para que o ditador não vire objeto de fetiche acabou resultando numa anomalia: cassaram-lhe a voz. Na exposição inteira não se ouve um só de seus discursos; sequer uma amostra da voz esganiçada que arrebatou todo um povo. Objetos de uso estritamente pessoal do Führer, ou que ele tenha manuseado, também são raros nas salas do museu. 

O historiador inglês Ian Kershaw, autor de monumental biografia do Führer recém-lançada no Brasil (Hitler, Companhia das Letras), foi uma das autoridades mundiais que trabalharam estreitamente com os curadores alemães. No ensaio que escreveu para o catálogo da exposição, intitulado Carisma e Violência, ele aborda a relação do líder com seus adoradores e cita o célebre discurso de Nuremberg, de setembro de 1936. “É um milagre vocês terem me encontrado no meio de tantos milhões. E é o destino da Alemanha eu ter encontrado vocês.” 

Em outubro de 2010, com o país indo para a terceira geração nascida após a queda do Terceiro Reich, o instituto de pesquisa da Fundação Friedrich Ebert ouviu 2 411 pessoas entre 14 e 90 anos sobre o futuro do país. Um em cada dez alemães respondeu que gostaria de um Führer para, com mão forte, governar em benefício do bem de todos. (Em alemão, a palavra Führer significa “líder” e o seu uso, embora carregado, não deve ser automaticamente compreendido como uma referência a Hitler.) Mais de um terço respondeu que a Alemanha corre o risco de vir a ser controlada por estrangeiros. 

“Estamos longe de ter enterrado Hitler”, adverte com cautela recomendável, mesmo que excessiva, um vídeo à saída da exposição de Berlim, cujas portas ficam abertas ao público até fevereiro.

Ernst-Wolfgang Topf, um dos donos da empresa de Erfurt que em 1943 recebeu a reclamação de Auschwitz, morreu aos 74 anos. Seu irmão Ludwig suicidou-se pouco após o final da guerra. O engenheiro-chefe Sander também.

Friday, December 10, 2010

Deu na Folha. Mas o Lula falou antes.

09 / 12 / 2010

Em discurso no evento de balanço de quatro anos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou solidariedade ao fundador do site WikiLeaks, o australiano Julian Assange. Lula se disse espantado por “não haver nenhuma manifestação” contra a prisão do australiano, acusado de agressão sexual a duas mulheres, e contra as retaliações que tem sofrido após a divulgação de documentos secretos de diplomatas americanos.

“Em vez de culpar quem divulgou, deve se culpar quem escreveu. Então eu presto minha solidariedade ao fundador do WikiLeaks”, afirmou Lula, que ainda criticou a imprensa por não defender o direito de livre expressão de Assange. “O rapaz do WikiLeaks foi preso e eu não estou vendo nenhum protesto contra a ameaça à liberdade de expressão”, disse.

Lula é o primeiro líder internacional a se manifestar de forma veemente contra a prisão de Assange. O presidente deu a entender que, apesar de Assange ser acusado de estupro na Suécia, sua prisão está relacionada à divulgação de dados sigilosos dos Estados Unidos. “Aí aparece o tal de WikiLeaks, desnuda a diplomacia que parecia inatingível, a mais certa do mundo, e começa uma busca. Eu não sei se não colocaram cartazes como no faroeste, de ‘Procura-se, vivo ou morto’, mas prenderam o rapaz”, afirmou.

Luciana Cobucci

editoriais@uol.com.br

Caça ao WikiLeaks 

Num ataque à liberdade de expressão, governos e empresas perseguem o site e seu fundador com o intuito de evitar novos vazamentos 

Está em curso uma cruzada de governos e empresas internacionais contra o WikiLeaks. O site, que existe desde 2007, ganhou fama em meados deste ano ao divulgar um vídeo que mostrava militares norte-americanos fuzilando iraquianos de um helicóptero.

No dia 28 de novembro, um domingo, sua página na internet iniciou a publicação de 251.288 despachos relativos a 274 representações diplomáticas dos EUA. Os "cables" revelam a opinião da diplomacia norte-americana sobre líderes mundiais e trazem à tona informações inéditas sobre a política internacional.

Entre outras revelações, soube-se que a secretária de Estado Hillary Clinton determinou a espionagem de membros da cúpula das Nações Unidas e que os Estados Unidos lançaram mísseis contra o que seriam alvos da Al Qaeda no Iêmen, provocando a morte de 200 civis e 40 terroristas.

Os vazamentos causaram fortes reações de governantes e deflagraram uma caçada ao australiano Julian Assange. Procurado pela Interpol, sob acusação de supostos crimes sexuais praticados na Suécia, o fundador do site entregou-se à Justiça britânica na terça.

A perseguição parece relacionada ao intuito de silenciar um novo meio de divulgar informações que ganhou uma inesperada projeção internacional e tornou-se um incômodo para governos de diversos países.

Espécie de caixa postal criada na rede mundial de computadores para receber e divulgar documentos secretos, o site WikiLeaks não é um órgão propriamente jornalístico, embora conte com profissionais da mídia para avaliar o material que recebe e mantenha acordos com veículos impressos - entre os quais o britânico "Guardian", o norte-americano "The New York Times" e esta Folha, que tem divulgado os "cables" relativos ao Brasil.

O caráter ambíguo do WikiLeaks, aliado à sua inexistente tradição -não há histórico consolidado de seus valores e comportamentos-, gera desconfiança sobre a possibilidade de o site vir a colocar em risco a segurança internacional e a vida de pessoas.

Essas incertezas possivelmente contribuem para as hesitações que se observam em setores que deveriam defender com vigor a liberdade de expressão e o direito da mídia, tradicional ou não, de divulgar informações reservadas.

Quanto a isso, há jurisprudência nos EUA, onde a Suprema Corte, em 1971, decidiu a favor do jornal "The New York Times" contra o governo de Richard Nixon, que determinara censura prévia para impedir a publicação dos chamados Papéis do Pentágono. O tribunal estabeleceu que o governo não pode obstar a publicação de notícias que considere lesivas à segurança ou aos objetivos nacionais.

Num mundo em que governos democráticos inventam mentiras para invadir países, vazamentos como os do WikiLeaks prestam um serviço ao esclarecimento e à verdade. Se a diplomacia exige sigilo, que seus responsáveis o mantenham com eficiência.