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Monday, November 01, 2010

VLADIMIR SAFATLE

Lula venceu

Presidente se tornou o primeiro na história do país a fazer seu sucessor em uma eleição realmente livre

Alguns fatos devem ser analisados em sua enunciação bruta, sem "mas", "entretanto", "mesmo assim" ou condicionantes do gênero.

O resultado destas eleições é um destes casos. Lula venceu. Como se não bastasse, transformou-se no primeiro presidente da história brasileira a conseguir fazer seu sucessor em uma eleição realmente livre.

O nível de acirramento social, infelizmente, dificulta reflexões isentas sobre o que foi a era Lula, quais seus maiores legados e desafios. Esta é uma tarefa para a qual será necessário tempo.

Por enquanto, fica óbvio que ao menos duas características fundamentais do governo Lula foram decisivas para seu sucesso eleitoral.

Primeiro, Lula compreendeu claramente que programas de assistência social não são apenas programas de assistência social. Vinculado ao aumento efetivo dos salários, eles têm função decisiva na dinamização econômica de realidades sociais pauperizadas. Tal processo baseado na transferência direta de renda é, de fato, a maneira mais rápida e eficaz de provocar recuo da miséria e da pobreza, além de garantir bases para o desenvolvimento de economias locais. Por outro lado, ele permitiu a Lula ser uma espécie de Mata Hari do capitalismo global, modificando a situação de pauperização social sem colocar em risco os ganhos do sistema financeiro.

Segundo, Lula conseguiu, de uma certa forma, transplantar os conflitos sociais para dentro do Estado. O conflito entre o agronegócio e a reforma agrária virou um embate entre o Ministério da Agricultura e o Ministério da Reforma Agrária. O conflito entre os grupos de defesa dos direitos humanos e as viúvas da ditadura militar, um embate entre o Ministério da Defesa e a Secretaria dos Direitos Humanos; entre desenvolvimentistas e monetaristas, um embate entre Ministério da Fazenda e Banco Central.

O máximo desta lógica de transposição de conflitos ocorreu quando George W. Bush veio ao Brasil. Enquanto fazia um discurso, ao lado de Lula, saudando-o como grande amigo dos EUA, manifestações contra sua presença ocorriam no Brasil... organizadas pelo PT.

Desta forma, havia um reconhecimento das demandas de setores classicamente associados à esquerda, mesmo que esse reconhecimento fosse, em vários casos, muito mais simbólico do que realmente efetivo.

Essa forma de acolhimento conseguiu, no entanto, esvaziar qualquer oposição à esquerda do governo. Basta lembrar do resultado minúsculo de um partido como o PSOL no primeiro turno.

Assim, quando José Serra encampou de vez a agenda conservadora, toda ela centrada em: segurança, defesa dos "valores e crenças nacionais", defesa da "vida", denúncias contra a "república sindicalista", contra o terrorismo (das Farcs) etc., ficou fácil para o governo recompor a base de mobilização do antigo PT nas classes médias, acrescida agora do desenvolvimento do "lulismo" nas classes mais pobres.

Restou, ao menos a essa oposição, ser porta voz de uma agenda conservadora mundialmente presente e que demonstrou ter forte apelo eleitoral. Uma reconfiguração de discursos se anuncia.

VLADIMIR SAFATLE é professor do departamento de filosofia da USP.

Sunday, October 31, 2010

GILBERTO DIMENSTEIN

Os traficantes e o palhaço Tiririca

Traficantes temerosos de uma polícia "mais eficiente" contam mais sobre nosso futuro do que o Tiririca

POR TRÁS DAS COMEMORAÇÕES da queda recorde do número de homicídios em São Paulo, cujas estatísticas oficiais são divulgadas neste fim de semana, convenientemente na véspera da eleição, há um dedinho do crime organizado e um dedinho dos traficantes. Um dos fatos mais marcantes da vida social brasileira, em São Paulo o assassinato está quase deixando de ser classificado, segundo a definição da Organização Mundial de Saúde, de epidêmico. Desde 1999, são 51 vidas poupadas, 26 mil delas na capital.

As taxas caíram tanto e por tanto tempo graças à combinação de uma série de fatores, cada qual com seu peso: eficiência policial, maior envolvimento comunitário, mudanças demográficas (menos jovens proporcionalmente na população), aumento do número de matrículas escolares, elevação do nível de emprego, redução da miséria.

Há tempos, sou alertado por policiais e especialistas para o fato de que traficantes, para não atrapalharem seus negócios, recomendam a seus seguidores evitar matanças. Assim, a polícia não ficaria tão próxima de suas áreas de influência.

Acuados por uma polícia mais eficiente, os traficantes "pacificadores" são um dos ângulos para encarar a eleição deste fim de semana.

O clima ainda quente de campanha dificulta que se analise com mais serenidade o país.

Não há registro de uma eleição presidencial tão chata e tão orientada por marqueteiros. Quase não foram debatidos temas essenciais (câmbio, previdência). Nunca tinha visto um presidente da República ter se rebaixado a chefe de bando.

Um dos que reduziram a chatice, mas poluíram o ambiente, foi o palhaço Tiririca, que vendeu a ideia de que é tudo esculhambação. Sua vitória extraordinária pode sugerir que ele tem razão.

Tiririca foi uma novidade. Mas a lei da Ficha Limpa, uma conspiração popular que os políticos tiveram de aceitar, é uma novidade maior.

O efeito Tiririca é desprezível. O conjunto da obra da democracia, com múltiplos atores, de diferentes partidos e ideologias, fez o país avançar - e não foi pouco.

A chatice, porém, é também sinal de maturidade. Há uma agenda consensual entre todos os candidatos. Dilma e Serra têm, pelo menos no papel, posições semelhantes sobre a importância de controlar mais os gastos públicos e de facilitar a vida dos empreendedores, sobre a continuidade de projetos sociais e sobre a prioridade da educação.

De qualquer ângulo que se olhe, há sinais inusitados de evolução: no Rio de Janeiro, onde os assassinatos também vêm diminuindo, motéis se transformam em hotéis, motivados pela demanda do mercado. Locais que já foram verdadeiras praças de guerra (como Cidade de Deus) hoje registram poucas mortes.

Já se diz que, no próximo verão, a musa será o protetor solar graças ao aumento de renda dos mais pobres. Já comentei aqui outro indicador: uísque importado no caminho da periferia, símbolo não só do aumento da classe C mas da situação de metrópoles como o Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre, que já vivem em pleno emprego.

Quem imaginaria, até pouco tempo atrás, favelados comprando seguro contra incêndio ou bancos disputando clientes em morros?

É difícil não ficar satisfeito, apesar de conhecermos todas as fragilidades e as nuvens carregadas no futuro. Sobram dúvidas sobre a capacidade de Dilma Rousseff de lidar com todos os conflitos que tem pela frente sem o carisma de um Lula.

Sou de uma geração que cresceu no regime militar e viu muito crescimento econômico com pouca democracia, muita democracia e pouco crescimento. Em alguns momentos, nem democracia nem crescimento, tudo isso combinando com inflação e aumento da miséria, entremeado com escândalos de corrupção, enquanto a violência explodia nos grandes centros.

Até pouco tempo, não havia indicadores para administração pública e investimentos sociais. Nunca tinha vivido a combinação de democracia com baixa inflação, redução da miséria e aumento do emprego, em meio ao consenso sobre a importância de estimular o empreendedorismo e o capital humano.

A redução da violência em grandes centros é consequência dessa evolução. Traficantes temerosos da polícia contam mais sobre nosso futuro do que Tiririca.

Até porque o pobre pôs no seu radar o diploma de ensino superior. Muito longe dos palhaços.

PS - A eleição de 2010 será lembrada como marco de uma nova era no país: a era dos educadores.

gdimen@uol.com.br

Saturday, October 30, 2010

Serra em 3 tempos

 Envolto em suaves brumas azuis, o santo candidato busca proteção,

mergulha em transe místico

e derruba as muralhas de Jericó

Friday, October 29, 2010

http://revistapiaui.estadao.com.br/herald/capa.aspx

VATICANO - O papa Bento XVI reuniu bispos brasileiros no Vaticano e cobrou mais empenho na emissão de "juízos de valor sobre os temas que afligem os brasileiros". Segundo o Osservatore Romano, Bento XVI citou o novo namorado de Suzana Vieira, os penteados de Miriam Leitão, a polêmica participação do Sérgio Mallando em A Fazenda e o novo filme de Arnaldo Jabor como casos sobre os quais “era obrigação da Igreja guiar o rebanho”.

No final do encontro, o papa pediu aos bispos que orientem Wanderley Luxemburgo no comando do Flamengo. "Irmãos, não podemos deixar que o Mengão afunde no purgatório da Segunda Divisão. O esquema tático está todo errado. Os meias têm que avançar mais, pô! Aliás, onde anda o Pet? Por que o Val Baiano está no banco?", indagou, atônito, o sumo pontífice.

Bento XVI também perguntou aos prelados “a quantas anda” a beatificação de Dona Canô. “Caetano me ligou ontem perguntando”, explicou.

- Categoria: Internacional

Thursday, October 28, 2010

Assim é, se lhe parece


Esta foto, que circula em e-mails e facebooks, tem deliciado os peessedebistas nos últimos dias.  A capa "ao contrário" continua na mão esquerda de Lula, a lombada e o texto da contra-capa estarão de cabeça para baixo quando o livro for colocado "do lado certo" mas, ainda assim, a imagem comprovaria o sempre alardeado baixo índice de alfabetismo do presidente. Processada com recursos muito simples de photoshop, se fosse invertida horizontalmente melhorava um pouco a ilusão. O trem, abaixo do título, continuaria correndo no sopé das montanhas estranhamente penduradas no céu, mas parece que o pessoal não é muito exigente em matéria de diversão, né? O importante é reunir os amigos e torcer.

Monday, October 18, 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Serra em transe

Não resisto a uma provocação inicial: a blogosfera estaria em polvorosa e os serviços da ombudsman da Folha amanheceriam entupidos de mensagens indignadas contra o jornal se a notícia não dissesse respeito a Monica Serra, mas a Dilma Rousseff.

Isso dito, é claro que é polêmica a publicação do relato de uma ex-aluna da mulher de Serra dando conta de que ela (Monica), em sala de aula, revelou já ter praticado um aborto. Não se trata de uma notícia qualquer. Ela coloca em conflito o direito à informação, de um lado, e o direito à privacidade, de outro.

Haverá, neste caso, bons argumentos a favor e contra a publicação. Penso que a Folha acertou, por duas razões principais: com o aborto alçado a tópico da disputa eleitoral (e por obra de Serra), o episódio passou a envolver evidente interesse público. E, tão importante quanto isso: Monica Serra havia dito, há um mês, em campanha pelo marido no Rio, que Dilma era a favor de "matar criancinhas", numa clara alusão à posição da petista sobre o aborto. Ao assumir como sua, e nos termos que fez, a campanha do marido, Monica fixou para si as regras do jogo que estaria disposta a jogar.

O caso (tão desconfortável, tão cheio de implicações desagradáveis a quem o aborda) permite, ou exige, uma reflexão de ordem mais geral. O PT tem sido acusado, quase sempre com razão, de ser capaz de qualquer coisa para se manter no poder. Isso virou um mantra, a despeito da sua veracidade. Mas Serra não está se revelando, já faz tempo, alguém disposto a pagar qualquer preço para chegar ao poder?

Essa pantomima de devoção e carolice que se apossou da campanha tucana (e que nada tem a ver, como parece óbvio, com respeito efetivo pela religiosidade do povo) é a expressão patética de que tudo (biografia, valores, familiares) está sendo sacrificado em nome de uma ideia fixa. Serra sonha ser presidente. Mas se parece, cada vez mais, com o personagem de Paulo Autran em "Terra em Transe".

Sunday, October 17, 2010

Operação Mãos Limpas

Marina Silva e outras lideranças do Partido Verde levantam suas credenciais para votar pela "independência" do grupo em relação à disputa do segundo turno na corrida presidencial

SUZANA SINGER - ombudsman@uol.com.br

FÉ NA REPORTAGEM

O fato de a candidata escolhida por um presidente com popularidade de mais de 80%, em um momento ótimo da economia, ter sido obrigada a enfrentar um segundo turno de eleição é ainda um mistério.

Duas grandes teorias tentam dar conta da surpreendente reversão de expectativa: as denúncias sobre Casa Civil/Receita Federal e a influência das igrejas.

O Ibope, que pesquisou a religião dos eleitores, aposta que, incitados por pastores e padres, os fiéis abandonaram Dilma Rousseff.

O Datafolha, que teve o mérito de detectar antes a chance de um segundo turno, não perguntou a religião dos entrevistados. Na segunda-feira passada, o instituto e a Folha abraçaram de vez a teoria de que os escândalos sorveram votos essenciais ao PT: a manchete foi "Caso Erenice tirou de Dilma mais votos do que as igrejas".

O título se baseava no fato de que, dos 4% que abandonaram Dilma, 2% citaram o caso Erenice, 1% a quebra de sigilo fiscal de tucanos e 1% a orientação da igreja. Dos 2% que desistiram de José Serra, metade mencionou o caso Erenice e a outra metade a quebra de sigilo fiscal.

É difícil captar em pesquisa razões de mudança de voto. As perguntas eram "fechadas", com opções prontas para o entrevistado - por exemplo: "Você diria que as denúncias envolvendo a ex-ministra-chefe da Casa Civil fizeram você mudar ou não o seu voto para presidente?". Repetia-se a formulação para o sigilo fiscal e a igreja. Não foi feita uma questão aberta, na qual o eleitor pudesse apontar outros motivos.

Causa estranheza também o fato de pessoas desistirem de Serra por causa dos escândalos envolvendo o PT. Podem ser os que não gostam de "denuncismo", mas não é nada racional. Segundo o Datafolha, os escândalos teriam tirado 3% de Dilma e 2% de Serra, ou seja, um efeito quase nulo.

Não se trata de um problema estatístico, mas jornalístico. O texto cabotino que acompanhava os quadros do Datafolha afirmava que "os dois casos que mais pesaram na mudança de votos dos eleitores na reta final do primeiro turno tiveram influência direta de reportagens publicadas pela Folha".

Na terça-feira, o editorial "A fé nos boatos" usava a pesquisa para bater bumbo: "Por mais notável, porém, que seja sua contribuição [da internet] na área das comunicações, é o jornalismo profissional e independente que, seja na forma impressa, seja na eletrônica, vem iluminando a disputa eleitoral".

Em vez de se preocupar em mostrar a própria importância - e responder ao presidente Lula, que disse prescindir dos formadores de opinião -, a Folha deveria concentrar suas energias em desvendar o que de fato aconteceu.

Mesmo que tenha atingido 1% do eleitorado - o que significa 1,35 milhão de pessoas -, a campanha em templos e igrejas mostrou uma força impressionante, num movimento que a imprensa demorou a captar.

Por que pastores evangélicos iniciaram essa onda anti-Dilma? O aborto não parece explicação suficiente. Há outros interesses em jogo? E por que setores da Igreja Católica aderiram?

O padre José Augusto, de Cachoeira Paulista (SP), em longa fala contra o PT, cita uma lei que restringiria a programação religiosa a uma hora por dia - católicos e evangélicos têm canais próprios.

Será isso?

E, se a religião não for determinante, cabe ao jornal investigar outras hipóteses. Explicar o grande número de votos brancos e nulos no Nordeste. Entender se Marina Silva foi um receptáculo de insatisfeitos ou se teve algo a mais. Dizer por que, aparentemente, as mulheres não gostam tanto de Dilma - se dependesse dos homens, a eleição teria terminado no primeiro turno.

Essas perguntas só podem ser respondidas com reportagem. É preciso virar papa-hóstia, ouvir gente, levantar bastidores. Gastar sola de sapato, como se dizia antigamente.

Saturday, October 16, 2010

editoriais@uol.com.br

Girando em falso

Números da pesquisa eleitoral sugerem, mais uma vez, que o fator religioso é menos decisivo do que se imagina na decisão do eleitor

Não se registram oscilações na pesquisa do Datafolha sobre a sucessão presidencial. A candidata Dilma Rousseff, do PT, conta com 54% dos votos válidos, contra 46% de José Serra, do PSDB. São os mesmos índices da pesquisa anterior, feita há uma semana.

A estabilidade nas preferências do eleitorado não deixa de trazer um contraste irônico com o clima de agitação que se tem verificado na campanha. O temor de perder popularidade em setores religiosos motivou, como se sabe, bruscas alterações de opinião, por parte de Dilma Rousseff, enquanto José Serra se empenhou em renovadas exibições de fé.

Vistos ao microscópio, e com a ressalva de que a margem de erro estatística se amplifica conforme se dividem os grupos da amostra pesquisada, os números do Datafolha sugerem, mais uma vez, que a questão religiosa não produz efeitos tão imediatos como se imagina. É curioso notar, por exemplo, que Dilma não perdeu votos entre os católicos, mas caiu seis pontos percentuais na pequena parcela de eleitores que se diz sem religião. Nesse grupo, que responde por 6% apenas do total dos eleitores, a candidatura Serra cresceu cinco pontos.

Entre os evangélicos pentecostais, a proporção dos eleitores de Dilma Rousseff não se alterou significativamente, se comparados os números desta pesquisa com os votos da petista no primeiro turno.

A própria questão do aborto, sobre a qual tanto tergiversou a candidata Dilma, é entendida pela maioria da população sob uma ótica relativamente diversa daquela manifestada pelos setores religiosos mais estritos.

Afinal, a lei em vigor admite a interrupção da gravidez nos casos de estupro e de risco para a gestante; a seguir-se a orientação da Igreja Católica e de outras confissões, nem mesmo essa eventualidade deveria ser admitida. Nem Dilma nem Serra, de todo modo, propõem-se a revogar a lei.

Não é só neste aspecto que a campanha, por assim dizer, gira em falso. Discute-se no campo governista, por exemplo, a conveniência de trazer de volta, com mais ênfase, a figura do presidente Lula nesta fase da disputa. Inventou e propeliu a candidata durante meses - até que se considerou necessário que Dilma, ela própria, mostrasse um mínimo de autonomia pessoal. Declina em alguns pontos a candidata; recorra-se, então, a seu demiurgo.

Lula alcança novos recordes de popularidade: 81% dos entrevistados na pesquisa classificam de "ótimo" ou "bom" seu desempenho. Apenas 40% dos eleitores, entretanto, dizem-se influenciáveis pelo engajamento presidencial numa candidatura.

Pesquisas de opinião, por certo, são um instrumento importante na avaliação de uma estratégia política. A predominância do marketing na condução da campanha tende a atribuir-lhes, talvez, o caráter terrorífico e religioso de um anátema - quando o mínimo que se poderia esperar de candidatos à Presidência, na verdade, é que exponham o que de fato pensam.

Monica Serra contou ter feito aborto, diz ex-aluna

MÔNICA BERGAMO

Reportagem tentou ouvir mulher de candidato tucano por dois dias, sem sucesso

O discurso do candidato à Presidência José Serra (PSDB) de que é contra o aborto por "valores cristãos", que impedem a interrupção da gravidez em quaisquer circunstâncias, é questionado por ex-alunas de sua mulher, Monica Serra. Num evento no Rio, há um mês, a psicóloga teria dito a um evangélico, segundo a Agência Estado, que a candidata Dilma Rousseff (PT), que já defendeu a descriminalização do aborto, é a favor de "matar criancinhas". Segundo relato feito à Folha por ex-alunas de Monica no curso de dança da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a então professora lhes contou em uma aula, em 1992, que fez um aborto quando estava no exílio com o marido.

Depois do golpe militar no Brasil, Serra se mudou para o Chile, onde conheceu a mulher. Em 1973, com o golpe que levou Augusto Pinochet ao poder, o casal se mudou para os Estados Unidos.

OUTRO LADO

A Folha tentou falar com Monica Serra durante dois dias para comentar o relato das ex-alunas, sem sucesso. Um dia depois do debate da TV Bandeirantes, no domingo, 10, a bailarina Sheila Canevacci Ribeiro, 37, postou uma mensagem em seu Facebook para "deixar a minha indignação pelo posicionamento escorregadio de José Serra" em relação ao tema. Ela escreveu que Serra não respeitava "tantas mulheres, começando pela sua própria mulher. Sim, Monica Serra já fez um aborto". A mensagem foi replicada em outras páginas do site e em blogs. "Com todo respeito que devo a essa minha professora, gostaria de revelar publicamente que muitas de nossas aulas foram regadas a discussões sobre o seu aborto traumático", escreveu Sheila no Facebook. "Devemos prender Monica Serra caso seu marido fosse [sic] eleito presidente? "À Folha a bailarina diz que "confirma cem por cento" tudo o que escreveu. Sheila afirma que não é filiada a partido político. Diz ter votado em Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) no primeiro turno. No segundo, estará no Líbano, onde participará de performance de arte. Se estivesse no Brasil, optaria por Dilma Rousseff (PT).

Sheila é filha da socióloga Majô Ribeiro, que foi aluna de mestrado na USP de Eva Blay, suplente de Fernando Henrique Cardoso no Senado em 1993. Majô foi pesquisadora do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da USP, fundado pela primeira-dama Ruth Cardoso (1930-2008). Militante feminista, Majô foi candidata derrotada a vereadora e a vice-prefeita em Osasco pelo PSDB. A socióloga disse à Folha estar "preocupada" com a filha, mas afirma que a criou para "ser uma mulher livre" e que ela "agiu como cidadã".

Sheila é casada com o antropólogo italiano Massimo Canevacci, que foi professor de antropologia cultural na Universidade La Sapienza, em Roma, e hoje dirige pesquisas no Brasil. A Folha localizou uma colega de classe de Sheila pelo Facebook. Professora de dança em Brasília, ela concordou em falar sob a condição de anonimato. Contou que, nas aulas, as alunas se sentavam em círculos, criando uma situação de intimidade. Enquanto fazia gestos de dança, Monica explicava como marcas e traumas da vida alteram movimentos do corpo e se refletem na vida cotidiana. Segundo a ex-estudante, as pessoas compartilhavam suas histórias, algo comum em uma aula de psicologia. Nesse contexto, afirmou, Monica compartilhou sua história com o grupo de alunas. Disse ter feito o aborto por causa da ditadura.Ainda de acordo com a ex-aluna, Monica disse que o futuro dela e do marido, José Serra, era muito incerto. Quando engravidou, teria relatado Monica à então aluna, o casal se viu numa situação muito vulnerável. "Ela não confessou. Ela contou", diz Sheila Canevacci. "Não sou uma pessoa denunciando coisas. Mas [ela é] uma pessoa pública, que fala em público que é contra o aborto, é errado. Ela tem uma responsabilidade ética."

Colaboraram LIGIA MESQUITA e MARCUS PRETO, de São Paulo

OUTRO LADO

Assessoria da psicóloga não responde à Folha

A assessoria da psicóloga Monica Serra, mulher de José Serra, não respondeu aos questionamentos feitos pela Folha a respeito do relato de suas ex-alunas. A Folha procurou Monica Serra pela primeira vez na manhã de anteontem. Segundo sua assessoria, ela havia viajado para o Chile e não seria possível localizá-la naquele momento. Entre quinta-feira e ontem, a reportagem telefonou seis vezes e enviou cinco e-mails para a assessoria. Recebeu uma mensagem com a seguinte afirmação: "Não há como responder".

Friday, October 15, 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Deus: uma regressão política

Boris Casoy - Senador, o senhor acredita em Deus?

FHC - Essa pergunta o senhor disse que não me faria.

Casoy - Eu não disse nada.

FHC - Perdão, foi num almoço, sobre esse mesmo debate.

Casoy - Mas eu não disse se faria ou não faria.

FHC - É uma pergunta típica de quem quer levar uma questão que é íntima para o público, uma pergunta típica de quem quer simplesmente usar uma armadilha para saber a convicção pessoal do senador Fernando Henrique, que não está em jogo. Devo dizer ao senhor Boris Casoy que esse nosso povo é religioso. Eu respeito a religião do povo, as várias religiões do povo, automaticamente estou abrindo uma chance para a crença em Deus.

Casoy - A pergunta não foi respondida. Não se trata de armadilha, nem de convicção pessoal.

O diálogo acima é famoso. Foi travado durante um debate feito a pouco dias da eleição para a prefeitura paulistana, em 1985. Jânio Quadros, que não estava presente, acabou eleito, para surpresa geral. A democracia engatinhava no país.

Hoje, 25 anos depois, podemos deduzir várias coisas dessa viagem no tempo. Uma delas: os progressistas eram menos cínicos. Quem entra no jogo eleitoral hoje está muito mais preparado para mentir. Sobre tudo, inclusive sobre Deus.

FHC foi pego de surpresa pela pergunta. Ela podia ser jornalisticamente legítima, mas a ele parecia evidente que a pauta (uma "armadilha") era politicamente regressiva. Isso também mudou muito.

A despeito das conquistas do país, a campanha hoje está sob o impacto de um intenso cerco conservador, sobretudo nos costumes.

Dilma parece disposta a fazer todas as concessões ao lobby religioso, o que é grave. Mas foi Serra quem arrastou esse cortejo do atraso para o centro da disputa política. Ao vestir a fantasia do neocarola, o tucano age mais ou menos como aqueles que acusavam FHC de ser ateu há um quarto de século.

Sunday, October 10, 2010

JANIO DE FREITAS 

Na porta de entrada

Entre Pré-Sal, Brasil no jogo político planetário, células tronco, construção de foguetes, submarinos nucleares, feitos esplêndidos e silenciosos de laboratórios científicos, liderança mundial em exportação de vários alimentos - enfim uma República presente no século 21 sob tantos aspectos, de repente a eleição de seu presidente reduz-se ao aborto, se crime ou não. Os candidatos tremem, docilizam-se, mentem. Os bispos e pastores, no velho e no novo púlpito da tv, troam passando-se pela voz divina. Um país com meio milênio de atraso.

O caminho para a conquista do eleitor não são os projetos, não são as ideias, não são os circunstantes técnicos e políticos, não é o diagnóstico do presente e a visão de futuro. É a benção. Proveniente de sedes de bispados e cardinalatos, dos palcos e templos onde os que fazem riqueza inventando seitas recolhem os 10% "de dízimo". É a benção não adotada, mas em versão própria, pelos meios de comunicação que se valham desse atraso para estimular eleitores em uma ou ou em outra direção.

Se o eleitor se convence da insinceridade dos candidatos, testemunha que é da submissão oportunista em quem deveria demonstrar inteireza, ignoro a existência de argumento respeitável para convencê-lo do contrário. Ignoro e duvido que haja.

A eleição dita republicana leva o Brasil ao portal do mundo dos fundamentalismos, essa patologia cujos fins e formas variados são idênticos nas marcas deixadas na história: sempre guerras, mortes impiedosas, sofrimento de inocentes em massa, dominação, e atraso -tantas vezes irreparável no possível caminho do crescimento humano.

Na essência, o fundamentalismo que aqui se torna eleitoral tem a ver com o papel subalterno que as religiões médio-orientais e ocidentais atribuem à mulher. Esse ser que nem na arca de Noé teve um lugar, não teve um lugar entre apóstolos e não foi convidada à última ceia. Nasce com as impurezas que a fazem incapaz para o sacerdócio e, ainda hoje, deve esconder-se do mundo sob véus e burcas e hábitos, quando não é apedrejada pelos castigos que isentam os homens. Nesse tratamento aos considerados filhos de Deus, o fundamentalismo encontra no aborto o crime de homicídio na promessa de pessoa que é o feto. A vida acima de tudo. Não, porém, a vida da mulher que não quis ou nem pode ter o encargo de um filho e, entregue à solução única do aborto precário, perde a vida aos milhares e milhões. É vida de mulher, só.

Mas o que os candidatos à Presidência disputam é a sua possibilidade de influir, decisivamente em inúmeros casos, no futuro de quase 200 milhões de pessoas. Adeptos de religião ou não. E a maioria dos adeptos, só para fins de declaração.

ELIO GASPARI 

O debate do aborto, Miriam Cordeiro 2.0

Vinte e um anos depois da noite em que Mirian Cordeiro, a ex-namorada de Lula, surpreendeu o país acusando-o de ter sugerido que abortasse a criança que viria a ser sua filha Lurian, a palavra maldita voltou à agenda da sucessão presidencial. Em 1989 a questão do aborto foi fertilizada pelo comando da campanha de Fernando Collor. Desta vez, reapareceu com o mesmo formato oportunista, trazida pela infantaria do tucanato. Nos dois casos, ninguém mostrou-se interessado em discutir o assunto ao longo dos meses anteriores à eleição. O propósito, puramente eleitoral, sairá da agenda depois do dia 27. Até lá, terá emburrecido o debate, rebaixado a campanha e tisnado a biografia dos beneficiários da baixaria.

Há 19 anos tramita na Câmara um projeto que dá à mulher o direito de interromper voluntariamente uma gravidez. Em 2008, por unanimidade, ele foi rejeitado na Comissão de Seguridade Social e Família. Pelo andar da carruagem, se não morrer antes, levará anos para chegar ao plenário. Se e quando isso acontecer, caberá ao Congresso decidir.

Flertando com a transformação do aborto numa "bala de prata" eleitoral, o tucano José Serra expôs sua posição: "Nunca disse que sou contra o aborto porque eu sou a favor, ou melhor, nunca disse que sou a favor, porque sou contra". Em seguida, expôs a ferida petista: "O que está em questão nessa campanha não é ser contra ou a favor. É a mentira". O comissariado petista e Dilma Rousseff defenderam programática e pessoalmente a descriminalização do aborto.

Chegou-se a um conflito de oportunismos. O dos tucanos, que só lembraram do assunto na reta final da campanha, e o dos petistas que, na mesma reta, mudam de opinião.

Afora o oportunismo, o nível da discussão abortou a inteligência. Dilma Rousseff disse que "as mulheres ricas têm acesso a clínicas, mulheres pobres usam agulha de tricô". Propagou a lenda produzida pelo filme "Pixote", de 1981. Mesmo há 30 anos essa prática era desprezível. Hoje, nem pensar. A forma mais comum de aborto se dá com o uso da droga Cytotec. Em tese, sua comercialização é proibida. Na prática, custa em torno de R$ 400 e pode ser comprada pela internet. Estima-se que, de cada dez abortos, sete sejam feitos com Cytotec.

Em 1990, o professor Laurence Tribe, de Harvard, publicou um livro intitulado "Aborto - O Choque de Absolutos". (Entre os seus pesquisadores estava um estudante de direito chamado Barack Obama.) Tribe mostra que o aborto divide as sociedades e, sem uma certeza religiosa, não há como sair do debate seguro de que um lado está certo e o outro, errado. O aborto não é apenas uma questão de saúde pública, como a dengue. Trata-se de um conflito entre o direito do feto à vida e o direito da mulher à liberdade de interromper sua gravidez. (Sempre até o terceiro mês da gestação.)

Em 1973, a Corte Suprema dos Estados Unidos decidiu, por sete a dois, que as mulheres têm esse direito. No mesmo dia, julgaram dois casos. Uma das mulheres abortou. A outra perdeu o prazo e concebeu uma menina. Passaram-se 37 anos, a mãe mudou de ideia e tornou-se uma militante contra o aborto. A filha defende a decisão da Corte, que teria evitado seu nascimento.

No Brasil de hoje é improvável que o Supremo Tribunal Federal reconheça o direito das mulheres de interromper a gravidez. Também é improvável que o Congresso vote uma lei nesse sentido. A candidata Marina Silva, a única a expor uma posição que faz sentido, é contra o aborto, mas remeteria a questão a um plebiscito, no qual a proposta dificilmente seria aprovada.

Sobrou o lixo: a instrumentalização do tema para satanizar adversários políticos. Collor fez isso com rara maestria.

A baixaria circula na campanha presidencial de um país onde a rede pública de saúde do estado de São Paulo mantém, desde 1986, o Programa de Atenção Integral à Adolescente. Para júbilo internacional, entre 1998 e 2008 a internação de adolescentes por conta de abortos caiu de 10 mil por ano para 8.700. Mais: a gravidez de jovens de 10 a 20 anos caiu 38%, para 94 mil. Reduziu-se à metade os casos de segunda gravidez nessa faixa de idade.

Friday, October 08, 2010

Aborto supera câncer de mama em internações pelo SUS

Em 2010, a cada hora foram 12 internações por interrupção provocada da gravidez

Fernanda Aranda, iG São Paulo | 08/10/2010 10:36

A interrupção da gravidez provocada  – sem ser a espontânea ou por motivos médicos – é um dos procedimentos que mais ocupa leitos dos serviços públicos e privados na área de saúde da mulher.

Nos seis meses primeiros meses de 2010 foram 54.339 internações por este tipo de ocorrência, uma média de 12 casos por hora.

Os números registrados entre janeiro e julho são 41% superiores à soma de internações por câncer de mama e câncer de colo do útero (38.532), duas doenças consideradas pelos governos federais, estaduais e municipais como grandes desafios de assistência ao sexo feminino.

O assunto saiu do anonimato diário de muitas mulheres para virar tema político. Neste segundo turno das eleição presidencial, José Serra (PSDB) e Dilma Roussef (PT) pautaram suas agendas para falar sobre – ou evitar – o tema.

Custos

O levantamento, feito pelo Delas no banco virtual do Ministério da Saúde, mostra ainda os custos do aborto provocado considerado crime pela legislação brasileira. No período analisado, foram gastos R$ 12,9 milhões para internar mulheres com hemorragias, infecções ou perfurações desencadeadas após o procedimento realizado em clínicas clandestinas. Para chegar ao dado, a reportagem excluiu do mapeamento o total de internações por "aborto espontâneo" (66.903 registros em seis meses) e "aborto por razões médicas" (905). Só foi considerada a categoria "outras gravidezes que terminam em aborto".

“São dados que mostram como a criminalização e a manutenção do aborto na clandestinidade são ineficazes do ponto de vista da saúde”, afirma o médico Thomaz Gollop, diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e coordenador do Grupo de Estudo sobre o Aborto (GEA), que reúne médicos, psicólogos e juristas.

“Ainda que a legislação faça com que estas mulheres não possam ser atendidas incialmente nos hospitais (para a realização do aborto) elas chegam depois, machucadas e em estado grave de saúde. Em Pernambuco, o aborto é a principal causa de morte”, diz Gollop, ao explicar porque considera a legislação atual um contrassenso.

Outros números

Além das internações por interrupção provocada da gravidez, outros números conseguem mapear a extensão do aborto no Brasil. Quando o procedimento não é completo, as mulheres submetidas a ele precisam recorrer a alguma unidade de saúde para fazer a curetagem – sucção de restos da placenta, do embrião ou do feto.

Segundo um estudo divulgado pelo Instituto do Coração (Incor) – divulgado este ano – a curetagem é o procedimento hospitalar mais realizado no País. Em média, são feitas 250 mil por ano, em valores que superam R$ 30 milhões.


No banco de dados do Ministério da Saúde, as notificações mostram que as curetagens são numerosas também no sistema privado de saúde. Das 110.483 feitas nos seis primeiros meses de 2010, 45.847 foram em unidades particulares (41,4% do total).

“O que precisa ser levado em conta é a diferença entre a condição de saúde das mulheres que chegam às unidades privadas de saúde e das que chegam às públicas”, afirma Margareth Arrilha, diretora da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR), ligada ao Centro Brasileiro de Análise de Planejamento (Cebrap).

Segundo ela, a experiência mostra que as pacientes da rede pública chegam com sequelas mais graves, em decorrência dos procedimentos mais inseguros, feitos em locais sem a menor garantia de higiene ou pela ingestão de medicamentos sem qualidade.

Remédios falsificados

De acordo com as pesquisas, seminários e levantamentos feitos pela CCR, metade dos abortos realizados no País acontece por meio do uso de medicamentos. Neste processo, avalia Margareth, o procedimento que já acontece de forma insegura fica ainda mais perigoso. “As drogas são adquiridas em camelôs ou produzidas em indústrias de esquina”, diz.

As operações realizadas este ano pelo Ministério da Justiça, em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que 42% dos 700 estabelecimentos fiscalizados este ano (drogarias, farmácias, laboratórios e academias) vendiam medicamentos falsos, contrabandeados ou de procedência duvidosa. No total, foram apreendidas 60 toneladas de cápsulas. Apesar de não existir um ranking da classe destas drogas clandestinas, é sabido pelos técnicos que participam das fiscalizações que os abortivos – ao lado dos usados para disfunção erétil – são os mais falsificados e os mais vendidos ilegalmente.

As mulheres

O Ipas – entidade não governamental que atua na América Latina em favor dos direitos reprodutivos da mulher – fez uma pesquisa para traçar um perfil das que compram estes remédios ou fazem aborto no Brasil. Em sua publicação “O impacto da ilegalidade do aborto na saúde das mulheres e nos serviços de saúde em cinco Estados brasileiros” uma enquete foi aplicada a 2.002 mulheres, de 18 a 39 anos.

Das entrevistadas, 15% declaram já ter feito um aborto alguma vez na vida. “Projetado sobre a população feminina do País nessa faixa etária, que é de 35,6 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse número representaria 5,3 milhões de mulheres”, diz a publicação. Segundo o texto, o perfil é "de casadas, com filhos e religião".

O aborto é criminalizado no Brasil desde a legislação de 1940. No Sistema Único de Saúde (SUS) mulheres vítimas de violência sexual podem fazer o chamado aborto legal. A Igreja Católica e algumas alas da Evangélica recriminam a prática independentemente da circunstância da fecundação.

No ano passado, em Recife, uma menina de 9 anos, grávida de gêmeos após abusos do padrasto realizou o aborto legal. Na época, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, anunciou a excomunhão da garota, da mãe e dos médicos que atenderam a menina. O estuprador não foi excomungado. Pouco tempo depois, o presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Geraldo Lyrio Rocha, anunciou que a intenção era apenas chamar a atenção para um fato relevante e que uma excomunhão não significa uma condenação eterna.

Thursday, October 07, 2010

Maria Rita Kehl: "Fui demitida por um 'delito' de opinião"

Bob Fernandes

A psicanalista Maria Rita Kehl foi demitida pelo jornal O Estado de S. Paulo depois de ter escrito, no último sábado (2), artigo sobre a "desqualificação" dos votos dos pobres. O texto, intitulado "Dois pesos...", gerou grande repercussão na internet e mídias sociais nos últimos dias.

Nesta quinta-feira (7), ela falou a Terra Magazine sobre as consequências do seu artigo: - Fui demitida pelo jornal O Estado de S. Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião (...) Como é que um jornal que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?

Leia abaixo a entrevista

Terra Magazine - Maria Rita, você escreveu um artigo no jornal O Estado de S. Paulo que levou a uma grande polêmica, em especial na internet, nas mídias sociais nos últimos dias. Em resumo, sobre a desqualificação dos votos dos pobres. Ao que se diz, o artigo teria provocado conseqüências para você...

Maria Rita Kehl - E provocou, sim...

Terra Magazine - Quais?

Maria Rita Kehl - Fui demitida pelo jornal O Estado de S. Paulo pelo que consideraram um "delito" de opinião.

Terra Magazine - Quando?

Maria Rita Kehl - Fui comunicada ontem (quarta-feira, 6).

Terra Magazine - E por qual motivo?

Maria Rita Kehl - O argumento é que eles estavam examinando o comportamento, as reações aoque escrevi e escrevia, e que, por causa da repercussão (na internet), a situação se tornou intolerável, insustentável, não me lembro bem que expressão usaram.

Terra Magazine - Você chegou a argumentar algo?

Maria Rita Kehl - Eu disse que a repercussão mostrava, revelava que, se tinha quem não gostasse do que escrevo, tinha também quem goste. Se tem leitores que são desfavoráveis, tem leitores que são a favor, o que é bom, saudável...

Terra Magazine - Que sentimento fica para você?

Maria Rita Kehl - É tudo tão absurdo... A imprensa que reclama, que alega ter o governo intenções de censura, de autoritarismo...

Terra Magazine - Você concorda com essa tese?

Maria Rita Kehl - Não, acho que o presidente Lula e seus ministros cometem um erro estratégico quando criticam, quando se queixam da imprensa, da mídia, um erro porque isso, nesse ambiente eleitoral pode soar autoritário, mas eu não conheço nenhuma medida, nenhuma ação concreta, nunca ouvi falar de nenhuma ação concreta para cercear a imprensa. Não me refiro a debates, frases soltas, falo em ação concreta, concretizada. Não conheço nenhuma, e, por outro lado...

Terra Magazine - ...Por outro lado...?

Maria Rita Kehl - Por outro lado a imprensa que tem seus interesses econômicos, partidários, demite alguém, demite a mim, pelo que considera um "delito" de opinião. Acho absurdo, não concordo, que o dono do Maranhão (senador José Sarney) consiga impor a medida que impôs ao jornal O Estado de S. Paulo, mas como pode esse mesmo jornal demitir alguém apenas porque expôs uma opinião? Como é que um jornal que está, que anuncia estar sob censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?

Terra Magazine - Você imagina que isso tenha algo a ver com as eleições?

Maria Rita Kehl - Acho que sim. Isso se agravou com a eleição, pois, pelo que eles me alegaram agora, já havia descontentamento com minhas análises, minhas opiniões políticas.
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Tuesday, October 05, 2010

Monday, October 04, 2010

Marina Silva em Wall Street

Vladimir Safatle

Com o programa econômico mais liberal entre todos, PV apresentou o novo centro, com roupagem "moderna"

Wall Street é, entre outras coisas, o nome do novo filme do cineasta norte-americano Oliver Stone. Ele conta a história da crise financeira de 2008 tendo como personagem central um jovem especulador financeiro que parece ter algo semelhante ao que um dia se chamou pudor.

Sua grande preocupação é capitalizar uma empresa, que visa produzir energia ecologicamente limpa, dirigida por um professor de cabelos brancos e ar sábio. O jovem especulador é, muitas vezes, visto pelos seus pares como idealista. No entanto, ele sabe melhor que ninguém que, depois do estouro da bolha financeira, os mercados irão em direção à bolha verde. Mais do que idealista, ele sabe, antes dos outros, para onde o dinheiro corre. Enfim, seu pudor não precisa entrar em contradição com sua ganância.

Neste sentido, Wall Street foi feliz em descrever esta nova rearticulação entre agenda ecológica e mundo financeiro. Ela talvez nos explique um fenômeno político mundial que apareceu com toda força no Brasil: a transformação dos partidos verdes em novos partidos de centro e o abandono de suas antigas pautas de esquerda.

A tendência já tinha sido ditada na Europa. Hoje, o partido verde alemão prefere aliar-se aos conservadores da CDU (União Democrata-Cristã) do que fazer triangulações de esquerda com os sociais-democratas (SPD) e a esquerda (Die Linke). Quando estiveram no governo de Schroeder, eles abandonaram de bom grado a bandeira pacifista a fim de mandar tropas para o Afeganistão. Com o mesmo bom grado, eles ajudaram a desmontar o Estado do bem-estar social com leis de flexibilização do trabalho (como o pacote chamado de Hartz IV). Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do partido verde francês, fez de tudo para viabilizar uma aliança com os centristas do Modem. Algo que soaria melhor para seus novos eleitores que frequentam as praças financeiras mundiais.

No Brasil, vimos a candidatura de Marina Silva impor-se como terceira via na política. Ela foi capaz de pegar um partido composto por personalidades do calibre de Zequinha Sarney e fazer acreditar que, com eles, um novo modo de fazer política está em vias de aparecer. Cobrando os outros candidatos por não ter um programa, ela conseguiu esconder que, de todos, seu programa era o economicamente mais liberal. O que não devia nos surpreender. Afinal, os verdes conservaram o que talvez havia de pior em maio de 68: um antiestatismo muitas vezes simplista enunciado em nome da crença na espontaneidade da sociedade civil.

Não é de se estranhar que este libertarianismo encontre, 40 anos depois, o liberalismo puro e duro. De fato, a ocupação do centro pelos verdes tem tudo para ficar. Ela vem a calhar para um eleitorado que um dia votou na esquerda, mas que gostaria de um discurso mais "moderno". Um discurso menos centrado em conflitos de classe, problemas de redistribuição, precarização do trabalho e mais centrado em "nova aliança", "visão integrada" e outros termos que parecem saídos de um manual de administrador de empresas zen. 

Alguns anos serão necessários para que a nova aliança se mostre como mais uma bolha.

VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP

PT, agora, espera que voto para "assustar" Lula volte para Dilma

Valdo Cruz - DE BRASÍLIA

Para uma neófita no mundo da política como Dilma Rousseff, chegar à frente dos adversários no primeiro turno seria motivo de comemoração. Mas para quem chegou a ter chances de vitória já na primeira fase da eleição, o segundo turno tem gosto de derrota e de apreensão.

Duas semanas atrás, Dilma estava com a eleição na mão. Perdeu a oportunidade de liquidar a fatura porque subestimou Marina Silva e não conseguiu identificar e/ ou neutralizar seus pontos fracos na reta final.

O principal, a onda de boatos no eleitorado religioso que a fez perder votos em setembro. Sua equipe demorou a acordar para o ataque viral, que começou na internet e chegou às igrejas e templos.

A queda de Erenice Guerra também lhe tirou votos, mas nesse caso o governo agiu rápido. A operação, contudo, teve um custo. Fez parte da estratégia para abafar o caso Erenice a subida de tom das críticas do presidente Lula à imprensa. Com isso, ele desviou a atenção para si.

Só que, na avaliação do comando de campanha, Lula exagerou no tom e fez Dilma perder votos principalmente na classe média e nas regiões metropolitanas. Tanto que, aconselhado por assessores, amenizou suas críticas.

Por fim, a equipe dilmista passou a campanha poupando Marina. Contava que ela ficaria nos 10%. Termina na faixa dos 20%, atraindo votos de Dilma tanto de religiosos como da classe média.

Agora, os petistas esperam que boa parte desse voto que migrou para Marina tenha tomado esse rumo para dar um "susto" em Lula, diante do seu tom arrogante dos últimos dias. Voltaria para Dilma no segundo turno.

A conferir.