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Thursday, May 22, 2008

No tocante a Arquíloco, a investigação erudita descobriu que foi ele quem introduziu a canção popular [ Volkslied ] na literatura e que lhe cabia, por causa desse feito, aquela posição única ao lado de Homero, na apreciação geral dos gregos. Mas o que é a canção popular em contraposição à poesia épica [ epos ] totalmente apolínea? O que mais há de ser exceto o perpetuum vestigium de uma união do apolíneo e do dionisíaco; sua prodigiosa propagação, que se estende por todos os povos e cresce com novos frutos, nos é testemunha de quão forte é esse duplo impulso da natureza, o qual deixou atrás de si, de maneira análoga, o seu rastro na canção popular, assim como os movimentos orgiásticos de um povo se eternizam em sua música. Sim, deveria ser também historicamente comprovável que todo período produtivo no domínio da poesia popular também foi agitado ao máximo por correntes dionisíacas, que nos cumpre sempre encarar como o substrato e o pressuposto da canção popular.
A canção popular, porém, se nos apresenta, antes de mais nada, como espelho musical do mundo, como melodia primigênia, que procura agora uma aparência onírica paralela e a exprime na poesia. A melodia é portanto o que há de primeiro e mais universal, podendo por isso suportar múltiplas objetivações, em múltiplos textos. Ela é também de longe o que há de mais importante e necessário na apreciação ingênua do povo. De si mesma, a melodia dá à luz a poesia e volta a fazê-lo sempre de novo; é isso e nada mais que a forma estrófica da canção popular nos quer dizer: fenômeno que sempre considerei com assombro, até que finalmente achei esta explicação. Quem examinar à luz de tal teoria uma coletânea de canções populares, Des Knaben Wunderhorn [ A corneta mágica do menino ], por exemplo, descobrirá incontáveis exemplos de como a melodia incessantemente geradora lança à sua volta centelhas de imagens, as quais, em sua policromia, em sua abrupta mudança, em sua turbulenta precipitação, revelam uma força selvagemente estranha à aparência épica e ao seu tranqüilo fluir. Do ponto de vista do epos, esse mundo desigual e irregular da lírica deve simplesmente ser condenado: e foi o que, no tempo de Terpandro, os solenes rapsodos épicos das festas apolíneas fizeram.

Friedrich Nietzsche - O Nascimento da Tragédia - tradução: J. Ginsburg