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Saturday, October 05, 2024

Ele está entre nós


Bruno Mars chegou ao Brasil para uma série de 15 shows em 5 cidades.

O primeiro deles, fechado e beneficente, aconteceu terça-feira, no Tokio Marine Hall em São Paulo e arrecadou R$ 1 milhão para as vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul.

Ontem teve o primeiro show 'de arena', um dos seis que vão lotar o estádio do Morumbi.

Lotar, aqui, significa que todos os ingressos postos à venda foram vendidos. O Morumbi, que em dia de jogo pode receber 85 mil pessoas, para espetáculos musicais deixa entrar até 65 mil.

O Engenhão, no Rio, suporta 40 mil pessoas. Três noites.

O Mané Garrincha, em Brasília, 72 mil. Duas noites.

No Couto Pereira, de Curitiba, 40 mil. Mais dois shows.

No Mineirão, 61 mil.

Tudo SOLD OUT.

Feitas as contas, quase 800 mil brasileiros vão ver o Bruninho.

O Rock in Rio, com 750 artistas, levou 730 mil pagantes ao longo de sete dias e 500 horas de programação.

É um fenômeno, não resta dúvida.

Um fenômeno mundial. Bruno lotou o Tokyo Dome cinco vezes em outubro de 2022 e voltou em janeiro de 2024 para outras sete apresentações. O Tokyo Dome tem 55 mil cadeiras.

Em todo lugar, o resultado é mais ou menos o mesmo. A turnê mundial, já há quase dois anos, está concentrada nos países asiáticos, provavelmente uma demanda que ficou represada dos tempos de pandemia. Sempre em estádios gigantescos. Sempre superlotado.

Um fenômeno que, curiosamente, não alcança com a mesma força a que estávamos acostumados, décadas atrás, os chamados 'grandes meios de comunicação' e, portanto, passa, muitas vezes, longe dos radares de quem não tem o 'perfil' de apreciador do Bruno Mars.

Veja o que estou querendo dizer: no tempo da Madonna, do Frank Sinatra, do Michael Jackson ou da Whitney Houston, quem gostasse ou odiasse um deles, se via exposto quase que em igual proporção à divulgação de seus nomes, acontecimentos, imagens, etc.

O diferencial acontecia entre quem gostava e quem não.

O empresário do Elvis mandou fazer e comercializou bótons escrito I HATE ELVIS para faturar em cima da parcela da população que detestava o Elvis. Ganhou uma grana considerável.

Agora, a diferença está entre quem já ouviu falar e quem não. Porque os 'meios de comunicação' passaram por um processo de pulverização. Sendo assim, um cara que arrasta quase 800 mil pagantes paras seus shows aqui pertinho das nossas casas, ainda continua sendo um artista 'de nicho'. Apenas porque, no atual modelo de negócios da indústria de entretenimento, só existem nichos. Nichos enormes e pequenos nichos. Mas tudo, e cada qual, em seus nichos.

Só pra fechar o raciocínio: Bruno gravou há poucos meses uma música em 'colab' com a Lady Gaga. O 'tamanho' da Lady Gaga na indústria é muito menor do que o 'tamanho' do Bruno. E, provavelmente, mais gente sabe quem é a Lady Gaga do que sabe quem é o Bruno. Provavelmente porque a Lady Gaga é, além de cantora, atriz de cinema e o cinema ainda está longe da pulverização que caracteriza a indústria fonográfica atual.

Um artista de cinema ainda é mais 'universalmente' conhecido do que um artista de música. Talvez, uma hipótese, porque os canais de produção e disseminação da música sejam muito - incomparavelmente - mais numerosos do que os do cinema.

Saturday, July 16, 2022

A dor da gente não sai no jornal


Qualquer pessoa que tenha amor pela música popular está familiarizada com a figura do zé-ninguém, o ser humano corriqueiro, quase sempre sem nome, que protagoniza as letras das inúmeras composições que há quase um século e meio povoam o imaginário coletivo mundo afora.

O leitor atento também saberá localizar a presença do 'homem comum' na literatura, de Balzac a Joyce, de Machado a Bandeira e a Nelson Rodrigues. Mais ainda, talvez, no cinema.

A 'Joana-de-Tal' do samba, que "tentou contra a existência num humilde barracão" e cuja dor o jornal não se mostra capaz de dar a público, configura-se, assim, como ícone de um tempo voltado para as chamadas minudências, as insignificâncias e tudo que é mais banal.

O 'jornal', a 'Joana', as notícias que saem e as que deixam de sair, fazem parte também de um período histórico em que o 'desvelamento' desfruta de grande apreço. Um tempo das pesquisas e das metodologias em busca dos segredos 'da matéria'.

Esse espírito de época que dá valor ao comum e à banalidade, foi capturado com clareza pelo filósofo Jacques Rancière, numa pequena passagem de seu A Partilha do Sensível, livrinho publicado originalmente na França na virada do milênio.

Diz ele, na página 50 da edição brasileira, traduzida por Mônica Costa Netto:

(...) "o banal torna-se belo como rastro do verdadeiro. E ele se torna rastro do verdadeiro se o arrancarmos de sua evidência para dele fazer um hieróglifo, uma figura mitológica ou fantasmagórica. Essa dimensão fantasmagórica do verdadeiro (...) teve um papel essencial na constituição do paradigma crítico das ciências humanas e sociais. A teoria marxista do fetichismo é seu testemunho mais fulgurante: é preciso extirpar a mercadoria de sua aparência trivial, transformá-la em objeto fantasmagórico, para que nela seja lida a expressão das contradições de uma sociedade".

Saturday, September 28, 2013

O Capitalismo é Moral?

No ensaio Da Dignidade da Política, Celso Lafer mostra que Hannah Arendt localiza na contemporaneidade o aguçamento de uma crise descrita como a "lacuna" que se abriu - com o advento dos chamados tempos modernos - entre o "não-mais" e o "ainda-não", ou seja, a quebra, como ela diz, na continuidade entre o passado e o futuro.

Parte da originalidade da argumentação de Hannah Arendt é demonstrar que os grandes pensadores do XIX, diante do fato de que "os padrões e as categorias políticas que compunham a continuidade da tradição ocidental se tornaram inadequados", buscaram entender "a realidade histórica e os acontecimentos que criaram o mundo moderno" e fornecer novas "regras para a ação", utilizando, no entanto, ferramentas herdadas daquela mesma tradição. Da previsível obsolescência das ferramentas decorreu, segundo Arendt,  que o pensamento que Nietzsche, Kierkegaard e Marx nos legaram não se provou eficaz para "inserir" as perguntas relevantes no "quadro de referência da perplexidade contemporânea".

Sem dúvida, faz parte desse raciocínio a constatação arendtiana de que "pertence à própria natureza da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo", ou seja, o envelhecimento e seu concomitante turvamento cognitivo para o que lhe é inédito são componentes indispensáveis do permanente movimento que garante que o mundo possa ser "salvo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e jovens".

André Comte-Sponville, em seu O Capitalismo é Moral?, contribui para essa reflexão quando aponta um "retorno da moral" ao centro dos debates propriamente políticos à partir dos anos 80 do século passado e ao propor, como ele diz: "três explicações diferentes, complementares, pertencentes a três "durações" diferentes, a saber, uma breve, uma média e uma longa duração. O livro é do início da década passada e não presenciou as múltiplas "primaveras" dos últimos anos. Sinal, sem dúvida, de envelhecimento.

A seguir trecho em que Comte-Sponville trata da "breve duração".

O Retorno da Moral

Compreendamos primeiro do que se trata. Quando falo de um "retorno da moral" ou quando se fala disso na mídia, não quer dizer que as pessoas seriam hoje mais virtuosas do que eram seus pais ou avós. É um retorno da moral essencialmente no discurso. Não é que as pessoas sejam, de fato, mais virtuosas; é que, de moral, elas falam mais - e podemos emitir pelo menos a hipótese de que falam tanto mais quanto mais, a bem dizer, falta moral na realidade dos comportamentos humanos... É possível. Em todo caso, falam de moral. E esse retorno da moral na primeira linha dos discursos e das preocupações já é um fenômeno da sociedade que merece ser levado em conta.

Por que esse retorno da moral? Eu anunciava três explicações complementares, pertencentes a três durações diferentes... A primeira explicação que eu gostaria de lhes submeter pertence ao que um historiador chamaria de "breve duração": vinte anos, trinta anos, o espaço de uma geração.

1. DUAS GERAÇÕES, DOIS ERROS

De fato, parece-me que esse retorno da moral será percebido com particular nitidez se tomarmos certo recuo, especificamente se compararmos os jovens de hoje, os que têm uns vinte anos nestes anos de 1990-2000, com os jovens que éramos, muitos de nós, trinta ou trinta e cinco anos atrás, digamos, para dar uma data de referência, os que tinham uns vinte anos por volta de 1968. É o que se chamou de "geração 68". Faço parte dela; e se isso não me dá nem orgulho nem vergonha, guardo desse pertencimento algumas das minhas mais belas lembranças. Mas, afinal, a saudade, quando existe, não pode fazer as vezes da reflexão.

Há trinta, trinta e cinco anos, lembrem-se os que viveram essa época, com a moral nós geralmente nos preocupávamos muito pouco. A moda, naqueles anos, era muito mais o imoralismo, a libertação geral e irrestrita. Os mais filosóficos dentre nós reivindicavam Nietzsche: queríamos viver além do bem e do mal. Quanto aos que não eram filosóficos, contentavam-se com pichar os muros da faculdade - ou com ler, e quase sempre aprovando - os belos lemas de então. Vocês se lembram? "É proibido proibir" ou "Vivamos sem tempos mortos, fruamos sem limites".

Como era lindo, e que bom se fosse possível! Foram necessários uns vinte anos para compreender que não era. Muitos poderão se espantar por termos necessitado de tanto tempo (se bem que alguns tenham levado menos tempo que outros) e até que tenhamos podido acreditar, nem que por uma só primavera e com a desculpa da juventude, que era possível libertar-se a tal ponto de qualquer preocupação propriamente moral. Mas o que explica essa crença ou essa ilusão é que reinava naqueles anos, especificamente na juventude estudantil, uma ideologia particular, que eu chamaria de ideologia do tudo política. Isso não valia apenas para os militantes. Estes davam o tom, muito além do seu pequeno círculo, a toda uma geração. O apoliticismo, então, era quase inimaginável. O engajamento, quase uma evidência. Naqueles anos de 60-70, tudo era política, como dizíamos, e não só tudo era política (o que no fundo era verdade e continua sendo), como a política era tudo - o que é bem diferente (continuo acreditando que tudo é política, mas não creio mais que a política seja tudo). Na época, porém, era assim que víamos as coisas: tudo era política, a política era tudo, a tal ponto que uma boa política  nos parecia ser a única moral necessária. Uma ação nos parecia moralmente válida se fosse, como dizíamos, politicamente justa. Moral de militante, cheia de boa consciência e de entusiasmo. Mas será que ainda era uma moral?

Vejo meu melhor amigo daqueles anos, do curso preparatório para a École Normale Supérieure, me dizendo, com o olhar límpido: "Meu chapa, não tenho moral!" A estima que eu tinha por ele cresceu subitamente ouvindo isso... Era um rapaz encantador, e continua sendo. Não fazia mal a uma mosca (a não ser, talvez, a uma mosca de extrema direita). Mas a moral lhe parecia uma ilusão inútil e nefasta. Ele era ao mesmo tempo nietzschiano e marxista, como muitos de nós. Essa mistura duplamente contrária à natureza (um Nietzsche de esquerda! um Marx imoralista!) nos dispensava de interrogar demais. A moral? Ideologia servil e judaico-cristã. O dever? Idealismo pequeno-burguês. Disparávamos flechas incendiárias contra o estado-maior da consciência. Abaixo a moralina, como dizia Nietzsche, viva a Revolução e a liberdade! Ingenuidade dos jovens... Cumpre dizer que os mais velhos, aqueles que admirávamos, não faziam muito esforço naqueles anos para nos desenganar. O próprio Sartre havia renunciado a fazer uma moral. Quanto a Althusser ou Foucault, que eram mais importantes para nós, na época a simples palavra os teria feito sorrir. Deleuze celebrava Espinosa? Sim, e com que talento! Mas era para saudar nele, antes de mais nada, o "imoralista"... Era o ar do tempo, generoso e paradoxal: a moral - repressiva, castradora, culpabilizadora - parecia-nos imoral. Não precisávamos dela. A política a substituía e bastava para tudo.

Vinte anos depois, trinta anos depois, a mudança de cenário é espetacular. A política não interessa mais a muita gente, muito menos aos jovens. Quando ainda falam de política, na maioria das vezes é para debochar dela - porque agora só a percebem sob o ridículo aspecto que lhe dão os humoristas da tevê. Enquanto esses mesmos jovens que abandonaram em massa o terreno político empreendem um notável retorno a certo número de preocupações morais, muitas vezes rebatizadas, é claro (porque a palavra "moral" soa meio antiquada: os jovens preferem falar de direitos humanos, humanitarismo, solidariedade...), mas nem por isso deixam de ser morais.

André Comte-Sponville - O Capitalismo é Moral?

Sunday, August 04, 2013

25 - 52 = 624


Longa vida aos 25 policiais militares da tropa de elite paulista acusados da morte de 52 presos que estavam no terceiro pavimento do pavilhão 9 do Carandiru no dia 2 de outubro de 1992 para que possam desfrutar cada minuto das 24 horas dos 365 dias de cada um dos 624 anos de reclusão a que cada um foi condenado. Endereço garantido, depois disso, para eles, no Maranhão do Inferno que terá, finalmente, governo de José Sarney em pessoa e onde, como se sabe, o Bumba-Meu-Boi é tocado com levada de tecno-brega, todas as toadas começam com a palavra "Prepara!" e o IDH é igualzinho ao do Maranhão aqui da Terra. Que as pulgas de mil camelos infestem desde já o cu de cada um dos 25, dos outros 23 condenados em abril, do Sarney e dos que, como ele, ainda não foram a julgamento e que seus braços sejam muito curtos para coçar, por toda a eternidade.

Tuesday, July 23, 2013

Hannah Arendt - o filme


No programa Roda Viva, o filósofo e psicanalista Slavoj Zizek, que expele palavras como de uma espécie de metralhadora giratória, referiu-se três vezes ao filósofo Martin Heidegger. Na primeira, a legenda saiu "Hildegard"; nas outras duas, variações um pouco mais próximas do original não foram suficientes para esconder o fato de que o responsável pela tradução, muito provavelmente, não sabia de quem se falava.

Mas, sendo honesto, quem sabe quem foi Martin Heidegger? Quem seria capaz de reconhecê-lo numa foto?

Em caso de resposta negativa, é preciso cuidado com o filme mais recente de Margarethe Von Trotta, em que a bela Barbara Sukowa interpreta uma Hannah Arendt adentrando a meia idade, envolta em permanente fumaça de cigarro, madura como pensadora e cheia de afetos.

O filme usa como fio condutor o julgamento do criminoso de guerra Adolf Eichmann pelo recém fundado Estado de Israel e a escrita e publicação da série de reportagens para a revista New Yorker que posteriormente Arendt transformou em livro, Eichmann em Jerusalém, saído em 1964.

Heidegger surge três ou quatro vezes no roteiro em mais de um momento de sua vida, portanto, com mais de uma aparência. A quem não conheça o histórico do filósofo no partido nazista, o que temos é um professor e sua aluna aparentemente apaixonados que se encontram anos depois (no "presente" do filme) e se referem a um obscuro "Discurso da Reitoria". A maneira como a encenação se dá indica que "Discurso da Reitoria" é uma senha para algo revelador. Impossível de se entender, infelizmente.

Em princípio, as ideias fundamentais de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, que o livro Eichmann em Jerusalém celebrizou, o filme sabe, sim, tocar. O problema está em que é indispensável ser, no mínimo, familiarizado com vida e obra da escritora para que tais ideias façam sentido. Sem dúvida um desacerto cinematográfico que veda boa parte do entendimento dos diálogos a quem não tenha feito a "lição de casa".

De bom, o filme oferece um reconhecimento do instante em que Arendt formula, para si própria, o conceito de banalidade do mal. Esse verdadeiro susto (também registrado no Eichmann, assim como no ensaio Verdade e Política escrito como resposta pública ao que ela chamou ironicamente de "controvérsia" em torno do livro e, ainda, nas biografias), o filme consegue captar: a urgência de ter que admitir que se estava diante de algo que não havia sido vislumbrado. É isso e não (como quiseram vários dos que a atacaram) qualquer arrogância ou "trauma" antigo que a leva a enfrentar, ao preço de ser politicamente estigmatizada por seus próximos, o repúdio público e o ódio judeu que se manifestam de imediato e com toda a clareza, dos anfitriões em Jerusalém aos editores da New Yorker.

O que fica é que roteiro e direção demonstram fluência nos conceitos básicos da obra da autora, acrescentam detalhes interessantes a sua vida afetiva, mas a quem não a conheça, resta preencher com temáticas pessoais as várias gavetas deixadas abertas ao longo do filme, "adivinhando" certos sentidos.

Uma dessas gavetas poderia ser, diagnosticar o carrasco nazista como portador de um distúrbio de caráter, hipótese menos "complicada". Despreza-se, no entanto, assim, parte importante da descoberta: não se encontra traço de desequilíbrio psíquico em Eichmann. O que há é um vazio moral tão fundo que obriga a uma viravolta do eixo que norteara o exame do fenômeno totalitário formulado por Arendt até ali. Pois, pior que um evento, ainda que gigantesco, circunscrito a uma patologia singular e, no limite, intransferível, Adolf Eichmann revelava a possibilidade do mal mais extremo ser praticado por qualquer um. Daí, o adjetivo "banal". Não para perdoar ou minimizar os horrores cometidos e sim para circunscrever os campos de extermínio entre as consequências possíveis das ações humanas, não as raras, mas as mais ordinárias ações humanas.


Thursday, May 30, 2013

RECEITA PARA FAZER MERDA
Coloque no mesmo teatro 600 (seiscentas) crianças de... 10 (dez) a 12 (doze) anos e o André Mehmari tocando... "uma suíte de maxixes nazarethianos abraçando uma ária de ópera".

Não prepare o Mehmari, nem as crianças.

Cogite seriamente que isso pode dar certo.

Sirva o resultado ainda quente para as redes sociais. Não esqueça de polvilhar tudo com fartas doses de moralismo.

Dá para centenas de pessoas.


os menino pira!

Tuesday, April 16, 2013

Tristeza não tem fim, Feliciano também não.

http://www.caetanoveloso.com.br/blog_post.php?post_id=1397

Caetano começa seu artigo com

"nem estou acreditando que volto ao assunto do pastor/deputado/presidente da CDHM".

Parece que temos aí um problema, esse de não querer acreditar na existência do Marcos Feliciano. Querer transformá-lo num erro epistemológico que, tão logo submetido aos rigores da crítica, da dialética, da lógica,  dissipar-se-á, finalmente esclarecido.

Marcos Feliciano que 'não nos representa' foi eleito com 211 mil votos. O partido ao qual está ligado prevê que sua votação triplique na próxima eleição. Ele é real. Representa pessoas reais. Que ao contrário da classe média letrada dispõem de uma representação de si mesmas atualizada. Representação no sentido de imagem de si. A classe média letrada tenta "pensar" o pastor na chave da invisibilidade reservada aos garis. Pretende manter o diferente no lugar daquele que não tem existência. O pastor e seus representados estão se negando a permanecer na invisibilidade. "O que não se vê tá aí como tudo que há" dizia a letra do Djavan. Obscurantista? Fanático? Pero que las hay, las hay. E o truque do Diabo sempre foi o de fazer a gente pensar que ele não existe. Quer brigar? Conhece bem teu inimigo.

Sunday, September 23, 2012


Marcus Preto, crítico da Folha, resenhou o disco novo do Djavan assim:

[...] O álbum tem, de cara, meia dúzia de faixas com todos os elementos que reconhecemos como o "estilo Djavan": a batida sincopada do violão, o alongamento no final das frases melódicas, as letras que valorizam tanto o sentido das palavras quanto seu som.
Djavan está em sua zona de conforto, é o que parece.
Mas é tudo mentira. São muitos os temas menos "djavaneanos" no trabalho. Ares Sutis, Quinze Anos e Rua dos Amores, por exemplo, fogem completamente disso.
O problema é que eles só surgem lá para o final da audição, depois de a impressão de "mais do mesmo" ter se cristalizado nos ouvidos. [...]

Mas é mentira.

Ares Sutis, na verdade, é um retorno a temas e contornos melódicos de fases antigas, do disco Alumbramento, por exemplo, ou Álibi, ou A Ilha, ou Morena de Endoidecer. Essas sonoridades são recessivas ao longo da carreira do Djavan. Mas são encontráveis ao longo dela toda.

Mais do mesmo é a maneira de distorcer a obra do artista para deixar mais palatável aos olhos do leitor (pretensamente jovem). Que só conhece o Djavan "Jorge Avercillado" dos funks picantes e baladas apaixonadas de duas décadas pra cá. O crítico poderia ser aquele que localiza o antigo no novo, o novo no antigo. Se não estivesse tão desinformado quanto seu público.

Sunday, June 17, 2012



Calhou de eu estar lendo o Nelson Rodrigues enquanto repercute o caso Elize Matsunaga.

Essas horas de horror, a imprensa dá espaço aos seus explicadores do mundo profissionais. E eles se põem a tentar explicar. Já falei disso uma outra vez: difícil é explicar o, por definição, inexplicável. Por isso o Nelson Rodrigues vale a pena ser mencionado. Entendeu?

Renato Janine Ribeiro, uma vez, arrastaram um menino de seus oito anos de idade, ou menor, não lembro, preso do lado de fora de um carro em fuga, até o menino morrer despedaçado. O Janine disse: nessas horas eu sinto vontade de ver aplicada a pena capital. Falou "nessa hora", não era uma campanha pela aprovação da pena de morte. Era um desabafo. Mas, como o Janine, justamente, faz carreira como explicador do mundo, outros colegas dele de ofício, caíram de pau. Decepcionados com a passionalidade.

Agora o Contardo Calligaris escreve coluna sobre o Matsunaga e a Elize. Tenta explicar. Entendeu? E meio que bota a culpa no Matsunaga, na linha do "quem mandou mexer no vespeiro". Uma pérola de reacionarismo, daquelas que fazem a gente pensar, como o Nelson Rodrigues, que o psicanalista é uma comadre bem paga.

E depois vem a Danuza Leão. Em geral ela escreve obviedades. E escreve um pouco sem domínio da palavra escrita, meio sem estilo, tipo meia boca. Mas, na sua sinceridade de se saber não ser reconhecida como explicadora, acerta em cheio. Só na conclusão, na última frase, é que dá uma filosofada e aí, filosoficamente falando, produz um sofisma e só. Perdoável pela regra do jogo de escrever em jornal e pela já citada falta de domínio estilístico. Pior o Calligaris que toma os termos da "confissão" de Elize como verdadeiros. Se a mulher é fria a ponto de cortar alguém em pedaços, não seria o caso de desconfiar do que ela diz na hora de relatar o que aconteceu? Ainda mais porque, do ponto de vista do estilo, são só lugares comuns. Mas sobre isso a Danuza já conseguiu explicar com bastante riqueza de detalhes.

Eu agora deveria fechar essa abertura com alguma coisa que levasse ao Nelson Rodrigues. Mas não vou, não. E também não vou repetir o "entendeu?".

CONTARDO CALLIGARIS

Uma linda mulher

Se você ama uma mulher por ela ser prostituta, tente entender a fantasia que está atrás de seu amor

Numa cobertura da Vila Leopoldina, em São Paulo, na noite de 19 de maio, Elize Araújo Matsunaga, 30, assassinou o marido, Marcos Matsunaga, 42, com um tiro na cabeça. Na manhã seguinte, com uma faca de cozinha, Elize esquartejou o cadáver, de modo a poder transportar os pedaços em três malas. Logo, ela foi se desfazer das malas e da faca.

Esse fato de crônica tem tudo para se tornar literatura de cordel. Há o sangue frio de Elize depois do crime. Há a diferença social entre Marcos, empresário e herdeiro da Yoki, que acaba de ser vendida por R$ 1,7 bilhão, e Elize, enfermeira e bacharel em direito, mas de origem bem humilde.

Além disso, o ciúme foi um dos motivos: na noite do crime, Marcos acabava de ser confrontado por Elize, que conseguira a prova da infidelidade do marido. Mais: o horror aconteceu depois de seis ou sete anos do que foi, ao que tudo indica, uma genuína paixão; a filha, de um ano, estava no apartamento, dormindo, durante o crime; foi Marcos que transmitiu a Elize o interesse pelo tiro e pelas armas (havia 30, todas registradas, no apartamento).

Mas, acima de tudo, o que transforma a história do casal em matéria de cordel é o fato de que Marcos encontrou Elize, em 2004, num site de garotas de programa.

A informação parece ser repetida pela imprensa como uma mensagem aos homens: olhe o risco que você corre, se você amar uma prostituta e casar com ela.

Ora, quero corrigir esse lembrete. Se você se apaixonar por uma prostituta (ex ou não, tanto faz) e quiser se casar com ela, recomendo apenas uma cautela, que não tem nada a ver com sua futura mulher e tudo a ver com você.

Claro, a culpa do crime de 19 de maio é só de Elize, mas o lembrete preventivo é para os homens, embora chegue tarde para Marcos.

Se você ama uma mulher que por acaso é prostituta, aí, tudo bem; mas, se você ama essa mulher POR ELA SER prostituta, atenção: nesse caso, seria sábio você se familiarizar com a fantasia que sustenta seu amor. Qual é, em geral, a fantasia em questão?

Todo mundo se lembra de Uma Linda Mulher, filme adorável de Garry Marshall, em que o rico Edward (Richard Gere) se apaixona por Vivian (Julia Roberts), uma prostituta que ele "levantou" na rua. Será que a história de Marcos e Elize é Uma Linda Mulher sem o final feliz? De fato, sempre pensei que, depois dos sorrisos do fim do filme, Edward e Vivian acabariam mal - talvez não tão mal quanto Marcos e Elize, mas mal. Por quê?

Logo quando Edward decide trazer Vivian para o seu mundo, ele "acha graça" confessar a um amigo que aquela linda mulher que está com ele é uma prostituta de rua.

Prognóstico inelutável. Um dia, Edward não resistirá à fantasia que lhe fez escolher Vivian: ele a humilhará (e se humilhará), lembrando, eventualmente diante de amigos e parentes, que Vivian vem da sarjeta e que ele poderia jogá-la de volta para lá.

Na noite do dia 19, segundo a confissão de Elize, Marcos a ameaçou: "Vou te mandar de volta para o lixo de onde você veio". Ele também declarou que, se a mulher quisesse se separar, a filha ficaria com ele, pois será que um juiz daria a guarda da menina a uma prostituta? (Eu aposto que sim, mas sou otimista...).

Em regra, o desejo de um homem que se apaixona por prostitutas (e planeja "redimi-las") é sustentado por uma fantasia (inconsciente) de vingança - contra a mulher e contra ele mesmo, por ter se deixado seduzir. Explico.

A sexualidade de muitos homens é patologicamente neurótica: eles olham para o sexo pelo buraco da fechadura do quarto dos pais. Nessa ótica infantil, não se salva ninguém: é "puta" qualquer mulher que vai com os outros, ou seja, todas as mulheres são "putas", inclusive a mãe (surpreendentemente), porque ela vai com pai, padrasto e companhia - enquanto, para a gente, ela só tem carinho contido.

Para o homem de calça curta, ajoelhado diante da fechadura, a "puta" é um paradoxo: vergonhosamente acessível a todos, salvo a ele.

É nessa infantilidade que nascem a misoginia básica, o gosto da violência contra as prostitutas, a ideia de que todas as mulheres, se não são prostitutas, sonham com isso e uma preferência amorosa quase exclusiva por meretrizes.

Quando um desses homens ama uma prostituta e se casa com ela, seu ressentimento pode se calar em nome do amor, mas só por um tempo: ainda ele vai puni-la por ter sido e ser para sempre a "puta" que vai com os outros.

DANUZA LEÃO

Sobre o assassinato

Na vida real, muitas mulheres que se sabem traídas têm vontade de matar. Algumas até matam

A imprensa tem sido amável e discreta, com Elize Matsunaga; reproduziu o diálogo entre ela e seu (ex?) marido do jeito que ela contou, claro, já que não havia ninguém presente, além dos dois. Ok, jornais e revistas devem ser imparciais, mas existe limite para tudo; em certos casos, até para a imparcialidade.

Marcos Matsunaga estava traindo Elize? Estava, e se todas as mulheres tivessem o direito de matar os maridos que as traem, sobrariam poucos para contar a história.

Ele ameaçou tirar a guarda da filha dela? Todos dizem isso na hora da separação. Foi encontrar a nova namorada no carro (dado por ele) de Elize? Razão para uma certa simpatia pela mulher traída: um absurdo ele usar o carro da própria mulher para sair com a outra. Ela estava visitando a família no Paraná, com a filha e a babá, enquanto ele a traía? Mais digna de simpatia ainda. Seu marido presenteou a nova namorada com um carro? Repetiu o que havia feito com Elize quando a conheceu, ainda casado.

Na hora da briga ele a chamou de prostituta? É melhor mesmo que ninguém se lembre nem do que ouviu, nem do que falou nessa hora, tudo faz parte. Não costumam ser coisas amáveis, mas há muitos que esquecem e até fazem as pazes depois.

Ele a agrediu fisicamente? Nenhuma novidade, também costuma acontecer.

Na vida real, muitas mulheres que se sabem traídas - e sobretudo as que têm uma prova, como o vídeo feito pelo celular - têm vontade de matar. Algumas até matam, a maioria não, mas que muitas têm vontade, isso têm. As que matam costumam ser rápidas; mulher não gosta de ver sangue.

Segundo os jornais, Elize vai ser acusada de assassinato e ocultação de cadáver; não por esquartejamento - esse detalhe não deve existir no Código Penal, como também não deve existir a antropofagia, coisas inadmissíveis na cabeça dos que fazem as leis.

A morte de uma pessoa querida é sempre dolorosa; se for uma morte violenta, mais dolorosa ainda. Se seguida de esquartejamento, nem dá para imaginar o que deve ter sentindo a família de Marcos Matsunaga na hora do enterro. Não existem palavras para avaliar essa dor.

A frieza de Elize é monstruosa. Eu teria medo de deixá-la sozinha com a própria filha, pois ela parece capaz de tudo, e não sei se existe um nome para definir uma doença tão, tão - nem sei o quê. Crimes como esse, confessados e comprovados, não merecem nem julgamento. Não gosto de pensar no que seus advogados vão dizer, na tentativa de absolvê-la; nessa hora, advogados são capazes de tudo. E choca ver que as pessoas não estão dando muita importância ao caso, e que estão tratando Elize como uma pessoa quase normal, com o respeito que se deve dar a qualquer ser humano; só que ela não é um ser humano, é um monstro, e monstros devem ser tratados como tal.

Em outros tempos, certos crimes davam manchetes, e até nomes aos assassinos; quem já era nascido deve lembrar da "fera da Penha".

Nem lembro mais quem ela matou, mas de como ela era chamada não esqueci. Por que será que um crime tão hediondo como o de Elize quase não mobiliza ninguém, nem numa conversa entre amigos?

Está faltando a capacidade de se indignar, e isso é preocupante.

Sunday, July 31, 2011


Escrito em 2004, postado originalmente em irajamenezes.blig.ig.com.br e republicado em setembro de 2006


Está em processo no mundo todo uma mudança que ainda não vamos conseguir aquilatar.

A Revolução Industrial de dois séculos e meio atrás inventou a produção em larga escala.

A longevidade humana aumentou, a mortalidade infantil diminuiu e o mundo, cada vez mais populoso, entrou em processo de massificação.

Os meios industriais eram todos de grande custo e com isto a fabricação de bens artesanais tendeu ao desaparecimento.

Adotamos um paradigma de objetos consumidos por grandes massas e produzidos por poucas pessoas. Com o avanço das tecnologias alguns destes mecanismos de produção vêm se democratizando. Não é preciso mais uma fábrica para se copiar discos, por exemplo. Tampouco é preciso gastar fortunas para divulgar um produto pela Internet.

Isto gera, por exemplo, a obsolescência do conceito de "indústria de entretenimento". Fazer um filme caro passa a ser só uma das inúmeras possibilidades que um cineasta pode escolher.

(O modelo de "montagem" de computadores, dominante no mercado brasileiro de informática, não poderia tornar-se factível para fornos de microondas ou geladeiras?)

A mudança, pois, a que me refiro é a que consiste em poder voltar-se em direção a modos de produção artesanais para a obtenção de objetos a serem replicados indefinidamente como discos, livros, filmes, sem depender de investimentos vultosos e de grandes corporações. Embora permaneçam inúmeros produtos que só poderão ser fabricados mediante mecanismos de alto investimento, tudo leva a crer que está em curso uma disseminação generalizada do conceito de indíviduo como detentor prioritário de suas decisões. De compra, venda, vida, morte e crenças.

O terrorismo é uma faceta aberrante deste mesmo conceito. Explodir-se é uma manifestação individualista. Requer tão somente uma bomba e um homem preso a ela. Fica difícil transformar em estatística o homem-bomba. Quantos explodem por mês? São ações, por natureza, pontuais, o oposto exato da indiscriminação do pesadelo atômico, das bombas atiradas de avião ou das armas de destruição em massa.

Isto é coerente com um modo descentralizado de organização social.

O desejo de igualdade de direitos que percorre o mundo todo consolida um avanço sem precedentes na história dos ideais democráticos.

Repito: ideais; mentalidade, desejo, aspiração democrática.

As propostas de manutenção de poder das elites, estas não são mais defensáveis. Um mundo superpovoado não permite ser gerenciado a partir de um centro. Um mundo superpovoado se impõe como teia.

É este fator estrutural que derruba a identificação com a autoridade. Não se reconhece autoridade. Ninguém está autorizado a nada.

Resultado da democratização do mundo, a "desautorização" gera também um processo de rompimento com a idéia de tradição. Campo aberto para a descrença e para o uso das instituições, agora, desautorizadas, em proveito próprio, já que ninguém se sente identificado com elas e, por conseguinte, não há quem tome conta.

Vivemos um eterno presente e, por isso, sem olhos para o futuro, como descreveu o professor Yves de La Taille. E, especificamente no Brasil, ao mesmo tempo, o "eterno retorno" à cordialidade.

Está em andamento um processo de humanização das massas. De "descoisificação" das pessoas. Um processo histórico de reconhecimento das identidades. Que acontece independente das políticas adotadas.

E há, ao mesmo tempo, o impulso gregário que os veículos de comunicação tentam alimentar, mas que as tendências de segmentação desmentem o tempo todo.

E há também, ao contrário, um tribalismo crescente. Grupos se fechando para manter seus métodos e costumes inalterados.

Joseph Campbell disse que uma mitologia para dar conta do nosso tempo, para conseguir simbolizá-lo, teria que surgir como uma mitologia planetária. A metáfora de integração de forças contrárias, típica de toda mitologia, teria o planeta como tema.

Os pequenos grupos tendem a se excluir mutuamente. É característico do grupo de gueto enxergar o outro antes como estrangeiro, estranho e, portanto, passível de ataque.

Meditar a convivência dos opostos, agora em escala planetária, é que poderia gerar novos mitos, afirma Campbell, novas compreensões.

As religiões, de certa maneira, já trazem em seus fundamentos esta vontade. O princípio de um Deus que ultrapassa barreiras e unifica humano e natureza num patamar de identificação, num cosmos.

Paradoxalmente são guerras declaradas religiosas as que estão atualmente em curso à roda toda do planeta. Guerras sectárias, guerras pelo predomínio de concepções que se pretendem excludentes.

Como fazer convergir a nova descentralização que percorre o planeta com a consciência de contexto histórico e com a possibilidade de negociação que permita acordos duradouros para o futuro?

Saturday, May 21, 2011

Neste counter é uma dezena
Já naquele, centena e meia
É que de um gadget pro outro, nenêm,
As conta vareia

após uma explosão inaudita de visualizações e comentários no dia 18 de maio

Thursday, May 19, 2011

Uma coisa é uma coisa
Outra é outra, isso é ok
A questão é que o Caetano
Não concorda com o Nei

(Redondilhas com molho lusitano pro corsário )

Friday, April 22, 2011

Lançadores de mísseis Scud* serão usados na segurança do casamento do príncipe William, a ser realizado na Abadia de Westminster, em Londres

*Mísseis tradicionalmente usados em conflitos armados no Oriente Médio

Sunday, April 03, 2011


Anotações do ano de 2004 para um projeto de Música e Ética

1. Aceitemos a função simbólica como substrato do pensamento.

No plano privado símbolos se comunicam através dos sonhos, no plano público através da arte.

A arte, portanto, como o mecanismo humano de comunicar símbolos. O mecanismo intermediador dos planos.

Se a ética intermedeia os impulsos egocentrados e sociais, a psicologia amplia a gama de gradações que vão da possibilidade à impossibilidade de realizar as demandas culturais/sociais, enfim, do entorno. Os objetos artísticos, por habitarem essa região de trânsito entre o afetivo e o racional, podem servir como veículo de transporte entre um nível e outro.

Por sua natureza auto-suficiente não se limitam a traduzir situações de um nível ao outro mas permitem, isto sim, a apreensão de realidades subjetivas que se oferecem de maneira palpável - já que a arte dispõe de materialidade; tem forma; ela se materializa - e, portanto, passíveis de se tornarem, efetivamente, pensamento, pronto agora para uso descentrado, partilhado.

A arte permite - abre, assim, uma possibilidade de partilhamento da experiência subjetiva.

Num projeto de formação de cidadania os objetos artísticos podem estar a favor de um trabalho de mapeamento de motivações profundas dos indivíduos.

2. A experiência da apreciação pressupõe descentramento.

A obra é fora do indivíduo. Tem materialidade própria.

Ao mesmo tempo revela, atualiza a experiência subjetiva do autor e, como salienta Stokes, exige uma "adesão" do apreciador, ou, nas palavras de Fernando Pessoa "chegar a sentir que é dor a dor que nós - leitores - não sentimos".

Há aí um momento em que dois seres humanos podem se encontrar em um espaço imaterial - a dor é sempre fingida - o da comunicação artística e mudar de posição: assumir um o ponto de vista do outro.

O autor ao atingir temas universais ( seus e de muitos outros ), o apreciador ao ver-se refletido na obra.

O lugar de acontecimento de tal encontro imaterial é em torno da obra de arte, ela, intensamente material.

Sunday, March 27, 2011

Tento aqui resumir uma história que aparece no livro O Círculo dos Mentirosos, que é uma coletânea de histórias tradicionais organizada pelo roteirista de cinema Jean Claude Carriére:

Certa vez um homem que queria aprender a ser joalheiro procurou alguém que lhe ensinasse o ofício. O mestre escolhido deu a ele como primeira lição uma ametista e orientou-o para que a segurasse na mão o tempo todo, durante um mês inteiro.

O homem evidentemente considerou a tarefa um absurdo mas, mesmo que a contragosto, cumpriu à risca as determinações.

Trinta dias depois, voltando para a aula seguinte, foi recebido pelo mestre que lhe ofereceu uma segunda ametista que deveria ser carregada por mais um mês.

Ao final daquele mês recebeu uma terceira ametista e ao devolvê-la, uma quarta.

Na quinta aula, muito irritado e enquanto discursava sem parar sobre a inadequação daquele método de ensino, o homem estendeu a mão para receber a pedra que o outro lhe oferecia e, ao segurá-la, exclamou: Mas isto não é uma ametista!

Entrou por uma porta e saiu pela outra e quem quiser que conte outra.

Tuesday, March 08, 2011


O que diferencia o artista da pessoa comum? A vaidade.

Evidente que gênios também os há. Às vezes, simultaneamente, artistas e gênios. Estes, quando o são, assim como os matemáticos, fotógrafos, carpinteiros gênios, passam pela vaidade, levam-na consigo ou não, mas sua obra é que permanece. Aos que não somos gênios, resta a semelhança na vaidade e a possibilidade de tê-los como inspiração. Fingir o gênio, como se fôssemos. Se vaidade já a temos que nos venha também o rigor, a obstinação, a grande paciência do gênio. Como por esse meio não se adquire um grande talento - o aspecto do gênio ao qual não teremos acesso - tenhamos pois a humildade de reconhecer nossa insignificante pequenez (ainda que vaidosa) e, quem sabe, advenha daí, justamente, qualquer experiência iluminatória.

Na Aurora, de Murnau, o personagem que sonha com uma vida nova precisa retornar à origem de sua auto-imagem, volta mítica, retorno à idéia primeira de identidade. Sua "vida nova" é desejo transposto em fantasia, no sentido psicanalítico, desejo não sublimado, realizado apenas em imaginação e que, inevitavelmente, se confrontado com a realidade, deteriora, distorce. Este o aprendizado da maturidade: resignar-se aos limites do real, estar conforme, separar realidade da fantasia. Resulta daí o conformismo, sintoma na maturidade do luto não resolvido da infância perdida.

E o artista, que precisa resguardar em si o jogo lúdico do faz-de-conta, o mundo mental que se transporta para o mundo concreto através de seus pequenos objetos-idéias, castelos de sonho, sob pena, caso contrário, de enrijecer-se perante a realidade que pretende realçar, desvelar? Como amadurecer, enquanto artista? Talvez todo artista, gênio ou medíocre, possa ter isto para partilhar, a experiência infantil preservada. Se a vaidade é a onipotência infantil arraigada no adulto, o artista, na tentativa de amadurecer, corre permanente risco de, como na piada, jogar fora a criança junto com a água da bacia. Estátua de pedra que olhou nos olhos a realidade, o homem comum carece da experiência artística que lhe forneça as sandálias aladas e o escudo de Perseu. A imagem projetada da Medusa é o que o artista tem para oferecer em tempos pós-míticos. Mas, dilema! perigo! trágico destino, a ele mesmo cabe a travessia que o pode levar ou não ao outro lado do labirinto e uma Górgona inteiramente sua para o flerte. Que espessura tem o fio de Ariadne onde terá de se dependurar o grosseiro artista? Como entender o mecanismo do mundo e não cair vítima do funcionamento de sua engrenagem, nós, paupérrimos artistas, nós que não somos, nem nunca seremos, gênios? 12 / 10 / 2001

Irajá Menezes

Saturday, January 22, 2011

Um amigo meu, sabido e compositor diz assim: o Caetano está para o Chico assim como eu estou para o Caetano. Um outro amigo, também sabido mas, cientista político, ouviu e comentou: essa proposição põe um monte de coisas no seu devido lugar.

Tem um negócio a se reparar entre Chico e Caetano: enquanto Caetano adotou para sua música popular a persona de um filósofo, Chico escolheu a do narrador.

A partir dessas opções, Chico se colocou numa posição segura, de onde vem se lançando - ininterruptamente - à aventura de tentar encontrar a mais depurada expressão de seu talento.

Caetano, ao contrário, assumiu - também ininterruptamente - posição de risco. Pode-se dizer que se a posição é sempre de risco e não muda, então ela é segura. Mas, não, porque ao preferir a persona do filósofo, Caetano acabou por tentar traficar para a música popular a busca intrínseca à filosofia, a busca pela... verdade. É aí que ele dá sempre a cara pra bater. Essa coragem, sem dúvida, é admirável. Apesar de muito pouco artística.

Chico, como narrador, não quer revelar verdade nenhuma. Paradoxalmente, por isso, é muito mais moderno e "de vanguarda" que Caetano: se há uma movimentação interessante neste princípio de milênio é o valor crescente que vêm ganhando os saberes narrativos. Os saberes singulares, não redutíveis ao espaço dos grandes arcos teóricos. O saber do vivido em oposição ao saber cientificamente presumido. Os heróis de Chico Buarque montam cavalinhos-de-pau que falam inglês. Não se indagam sobre a dor e a delícia do ser. Antes, são. E tentam se entender com isso.

Chico se colocou neste lugar seguro, este lugar factível. De lá ele tem tentado construir uma obra significativa.

Caetano parece preso à própria armadilha, esforçando-se em demonstrar, por exemplo, que a retórica concretista era, como se pretendia, manifestação da verdade. Que se você tiver uma ideia incrível é, mesmo, melhor fazer uma canção. Que quando você junta qualquer coisa com qualquer outra coisa e lasca uma epígrafe, aquilo ali dá liga. Não dá. Às vezes cola. Mas sentido, não faz.

Monday, December 20, 2010

1. O último filme-cabeça que fui ao cinema pra ver foi Fale com Ela, do Almodóvar. Saí da sessão com uma vontade enorme de ler o filme. Explico: o mood da história, os personagens, a linha da direção me convidavam a um tipo de introspecção que não consigo mais preservar tendo que enfrentar fila, compra de ingressos, barulho de pipoca. Mentem aqueles que dizem frequentar cinemas em que a plateia não mastiga sem parar, não atende o telefone sem parar, não põe o pé nas costas do seu assento. Eu sou capaz de aguentar isso tudo. Mas alguma coisa na tela precisa explodir. E não estou falando do final de Zabriskie Point. Já cumpri minha cota de filmes-com-mensagem. Aquele cara bacana que passava horas de sua juventude ouvindo línguas exóticas em montagens arrastadíssimas ainda vive dentro de mim. Mas, hoje em dia, ele lê.

Fale com Ela é um filme bonito? Sem dúvida. Tem momentos antologicamente duvidosos? Sem sombra de dúvida. Mas isso não é exclusivo do Almodóvar ou de Fale com Ela. Toda grande obra de arte padece dessa ambiguidade entre plenitude e carência. O que incomoda é a possibilidade de, quase sem esforço, a pessoa sair do cinema com a sensação garantida de que acabou de participar de uma experiência fundante, fundamental. E ainda sobrar espaço pra um jantarzinho, depois.

Tenho a impressão de que o Almodóvar é um romancista que não teve culhões pra escrever romance. Que encontrou naquela bizarrice de cores, humores e tipos sobre, ou sub humanos, um jeito mais cômodo de dar vazão a seu projeto de artista. Um processo semelhante ao de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Cuidaram tanto do contexto em que estavam inseridos que acabaram deixando de lado o principal, o rigor na construção da obra, que é - sempre - pessoal e intransferível.

2. Ler filmes não significa o mesmo que uma outra experiência minha dos últimos meses: li O Vendedor de Armas, escrito por Hugh Laurie, o ator/criador do Doutor House da série de TV. Li, em seguida, O Diário de Bridget Jones.

Laurie escreveu um filme. A narrativa é devedora direta da narrativa clássica comercial de Hollywood. É, literalmente, um filme.

Não há nenhuma intenção reflexiva na escolha do estilo. O livro de Laurie é apenas um reflexo de nosso tempo. E não passa disso. Diferente do House, uma sacada de gênio.

Já o Diário de Bridget Jones, saído em 1996, é como ler, pior, um sitcom... brasileiro!

Ouço dizer que o filme é uma delícia. Que Renée Zellweger rouba a cena. Tomara. Lido, o Diário de Bridget Jones faz lembrar os piores momentos de Débora Bloch ou Fernanda Torres em seus sketchs didaticamente engraçados. Ou explica de quem as brasileiras andaram copiando.

3. Outras adaptações que vêm à lembrança: Na Natureza Selvagem e os toques moderninhos que Sean Penn quis dar à edição. O livro, jornalístico, abre mais portas para entender o moço que se "enterra" no Alaska selvagem; o filme escolhe menos recortes, é menos profundo, menos dialético. E é mais tocante. Talvez seja isso: quem quer ser tocado, vai ao cinema. Quem quer tocar a questão, lê o livro. As duas necessidades são humanas. Diferentes e complementares. Duro é o esforço de vencer trezentas páginas do humor espertinho de Helen Fielding e dar com os cornos em nada.

4. Onde Os Fracos Não Têm Vez. Espantoso ver o filme e ler o livro. O filme é o livro. Os Coen pegaram um filme pronto e, reverentemente, mexeram o mínimo. Dois socos no estômago é o que você leva quando se mete com eles. Mcarthy escreve filmes. Mas, há, em sua escolha, um propósito de estilo. Porque não é vantagem ser um homem de seu tempo. Qualquer trabalhador da construção civil que despenca do andaime é um homem do seu tempo.

Wednesday, July 21, 2010

Pensando em rede

Digito mais um trecho da Arendt aqui nestas Leituras. Um amigo, leitor assíduo (e eu dele), comenta e, assim, me linka para a Morte e Vida Severina, texto do João Cabral, música do Chico, que eu nunca me havia disposto a ler. Percorro o google e, em segundos, estou diante de um estudo do tal auto de natal em questão. Leio só o início, o prólogo, e já é bastante para entender a intuição do amigo próximo distante que escreve à noite, eu o leio de dia, e, como pode? simultaneamente. Vai daí que envio por e-mail o texto da Arendt para um outro brother, que responde ter gostado. Me animo e copio o prólogo da Morte e Vida; nesse momento ele linka com outra memória, do colunista da revista e costura mais um ponto. Ponto com. Trocadilho infame mas, em princípio, real. E, por fim, todo esse enredamento me levou a reler o post inaugural do blog. Porque ele, também, ecoa.

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto e a questão das máscaras permutáveis, nem "inalienáveis", nem "anexadas" ao eu. "Iguais em tudo e na sina" os Severinos partem, ainda assim, em busca de se descrever em sua particularidade: "para que me conheçam melhor / e melhor possam seguir a história de minha vida".

O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

Severino Cavalcanti, atual prefeito de João Alfredo, estado de Pernambuco, flagrado na boca do caixa da botija dos esquemas de propinas traz no nome a marca da contradição. Ou se é Severino ou se é Cavalcanti. Os cavalcantes costumam cavalgar os severinos. São as partes que lhes cabem nesse latifúndio.


Saturday, July 17, 2010

Coisas que a gente lê na internet III

Tem os blogs de pessoas conhecidas, próximas (se bem que no ambiente virtual, próximo passou a ter um significado muito amplo). Visita-se sempre. Não uso os "avisadores" de postagem, apesar de saber que são úteis, vou na unha, um por um, todo dia.

Tem a ronda de notícias, os portais jornalísticos. Tem os links que vão surgindo. Um amigo, 15 anos atrás, nos primórdios, dizia: na internet você acha que está navegando, vai ver, você é o peixe. Tem o google! Os temas que surgem. As redes sociais.

E tem os endereços que capturam. A página do Zanini achei porque queria pesquisar sobre o Sudão, o genocídio na região do Darfur e o problema das crianças soldados. Achei tanta coisa que o Leituras ficou parecendo um espelho do Pé na África. O plano era publicar a série toda do Sudão, mas eram posts demais para reproduzir. Pela primeira vez na vida deste blog fiquei achando que tinha que pedir permissão para reproduzir os textos. Sinto que é pela quantidade mas, também, pela qualidade. O material do Pé na África me pareceu bom demais! precioso. Gozado, né? deu vontade de pagar :)

Aí entra o Manual do Minotauro. Laerte é um daqueles que eu não canso de seguir. Está colocado, pra mim, na lista dos pensadores geniais do Brasil contemporâneo. Minha lista é rigidíssima, coisa de gente muito mau humorada, no panteão da música sobraram um ou dois vivos, no cinema mundial poucos mais e assim por diante. Tenho dúvidas se o Laerte é reconhecido no tamanho de sua importância. Enfim, achei essa série Desenhar e, paciência, vou copiar ela toda. A partir da ideia de crise diante do papel em branco, o cara vai desenvolvendo uma penca de quadrinhos, um melhor do que o outro. Super manjado dentro do que ele sempre faz. Muito perto do maneirismo. E por esse próprio cinismo auto-cítrico e doce, coisa simples - do caralho!



continua