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Friday, May 30, 2008

"A bossa nova não foi inventada por ninguém", conta Bebeto Castilho, do Tamba Trio

João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes: esses você conhece. Mas há mais músicos, compositores, cantores, instrumentistas na história da bossa nova do que sonha nossa fã filosofia. Um deles é Bebeto Castilho, baixista, flautista, saxofonista, cantor, compositor que, entre outras coisas, foi um dos integrantes do Tamba Trio, lendário conjunto de bossa e jazz surgido no começo dos anos 60.

Além do Tamba, Bebeto participou de gravações e shows com músicos como João Gilberto, Roberto Menescal, Maysa e dezenas de outros. Em 1976, gravou seu primeiro disco solo. Em 2006, gravou o segundo, sob a produção de Kassin, da Orquestra Imperial, e de Marcelo Camelo, do Los Hermanos - que é seu sobrinho-neto.

Em entrevista ao UOL, Bebeto contou mais detalhes sobre a época da bossa nova, o surgimento do estilo, o impacto no público, as referências anteriores. Se hoje em dia, olhando em retrospecto, parece impressionante a velocidade com que a bossa nova se espalhou pela música brasileira, Bebeto explica melhor: a bossa já vinha sendo semeada há tempos. O lançamento de Chega de Saudade, com João Gilberto - marco que este ano completa meio século -, foi apenas a oficialização do movimento.

UOL - Você faz parte da "turma da bossa nova" desde os primórdios do estilo, tocando baixo, flauta e sax em várias formações. O que acontecia antes de Chega de Saudade?

Bebeto Castilho - Na verdade, a bossa nova não é um movimento: ela foi uma progressão natural dos músicos. Ela não foi inventada por ninguém, todos trouxeram sua contribuição. Se é que ela tem um ponto de partida, ela não começou com o João Gilberto em 1958 - ela começou no início da década de 50, nos bastidores das rádios, com os músicos conversando, tendo idéias e se encontrando pra tocar. Os Cariocas, por exemplo, já cantavam nessa época letras no mesmo espírito da bossa nova, os arranjos de Radamés Gnattali e Zé Menezes já estavam tomando caminhos que tinham a ver com a Bossa.

UOL - E o apartamento da Nara Leão, você freqüentava?

Castilho - Sim, mas isso é outro mito da bossa nova: ela também não nasceu na casa de ninguém. Em 1952, por exemplo, o pessoal se reunia na minha casa, porque lá tinha piano, bateria. Quem ia tocar era o João Donato, o Johnny Alf. Mas a bossa nova também não nasceu lá, ela nasceu naturalmente, por aí. Não houve um momento "está lançada a bossa nova", foi tudo natural. Eram músicos buscando e encontrando outras formas de fazer música, de botar poesia, de dividir a métrica. E o que veio, veio muito bem vindo.

UOL - Mas o surgimento de João Gilberto foi um marco, a oficialização de uma coisa que acontecia espalhada, certo?

Castilho - Com certeza. Os músicos acompanhavam o que acontecia, estavam ligados ao João. Mas o público levou um susto, ninguém nunca tinha ouvido nada semelhante. Era uma musicalidade que vinha amadurecendo no piano do Tom Jobim, do João Donato, em vários músicos. Mas o João definiu o caminho dele e acertou em cheio, a sensação para todos foi de "é esse o caminho". Essa mudança estética foi dada pelo João - e foi maravilhosa. Para os músicos, foi um guia. Para o público, foi um divisor.

UOL - Você participou de algumas dessas gravações iniciais com o João Gilberto. O que você se lembra delas?

Castilho - Eu gravei no segundo disco do João, depois de tocar com ele em uma turnê no Uruguai e em vários pocket shows, que eram muito comuns. Mas acontece que contrabaixo junto com o violão do João vira uma marreta, porque o som dele é muito delicado e o violão já marca os baixos. Então, acabaram tirando muito do meu contrabaixo da gravação. Mas eu já sabia disso e o João também, não me lembro nem porque fui parar dentro do estúdio! (risos)

UOL - Você tocou só contrabaixo ou também sax ou flauta?

Castilho - Eu só toquei baixo. Quem tocou flauta no disco foi o Copinha, que ajudou o João a inventar aquele som típico de flauta na bossa nova. O João sabe sempre muito bem o que ele quer. Ele dizia: "Copinha, faça mais gostoso, mais carinhoso, mais amoroso". E, com aquele som que você ouve nos discos, o Copinha matou a charada.

UOL - Você já contou também que aquele som de bateria da bossa nova na verdade não é uma bateria, não é?

Castilho - Hoje já mudaram tudo, mas na época o Juquinha, que era o baterista, tocava vassourinha com as duas mãos, então não podia tocar o aro - que dá aquele som típico de "batida de bossa nova". Aí o Hélcio Milito [baterista do Tamba Trio] estava de passagem por lá e sugeriu que o Guarani, que era o percussionista, fizesse aquele tec-tec em um instrumento chamado caixeta. É um instrumento de percussão que deu aquele som que você ouve no disco. E eu nunca vi aquele instrumento, só tinha no estúdio da Odeon, que foi onde gravamos.

UOL - Os músicos que depois quiseram copiar aquela batida nunca iam descobrir que som era aquele.

Castilho - Pois é. Essa batida, aquele toc-toc, marcou muito. Os músicos estrangeiros que depois passaram a tocar bossa nova quebraram a cabeça para entender como eles ouviam a vassourinha tocada com duas mãos e ao mesmo tempo o toc-toc do aro - que na verdade era feito pela tal caixeta.

RONALDO EVANGELISTA - Colaboração para o UOL