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Tuesday, November 09, 2010

Qual oposição?

José Álvaro Moisés

O ESTADO DE S. PAULO

Os resultados da competição eleitoral provocaram, como seria de esperar, euforia e júbilo do lado dos vencedores, e perplexidade e mal-estar do lado dos derrotados, mas enquanto no primeiro caso a presidente eleita se esforça para emitir sinais sutis de que pode introduzir mudanças na orientação do novo governo, no caso da oposição são ainda tênues e insuficientes as indicações de que o recado das urnas foi assimilado. Satisfeitos, de alguma maneira, com o fato de que o PSDB e o DEM conquistaram dez governos estaduais, representando mais da metade do eleitorado do país, as primeiras manifestações dos dirigentes desses partidos não mostraram se e como eles avaliam as causas de suas derrotas em 2002, 2006 e 2010 na disputa pelo comando do Estado. A necessidade de se reinventar para estabelecer novas bases de diálogo com os eleitores está demorando para sensibilizar os dirigentes da oposição.

A questão não é simples e envolve uma preocupação relevante: a democracia não pode funcionar adequadamente sem uma oposição robusta, vigorosa e competente. Como observaram Robert Dahl e Giovanni Sartori, entre outros, a democracia é o regime da participação popular e da contestação política, mas além de supor eleições livres e competitivas, ela depende também da existência de uma oposição suficientemente autônoma e forte para ser capaz de limitar o poder e controlar o desempenho da maioria. A oposição não pode impedir a maioria de existir e agir, mas ela tem de ter acesso a meios institucionais adequados para avaliar a legitimidade da atuação do governo e ser capaz de defender os direitos das minorias. Mais do que isso, a oposição tem de ser capaz de sinalizar para a sociedade a qualidade das alternativas que ela defende, de modo que os cidadãos, em sua condição de eleitores, possam avaliar e julgar os governos a que estão submetidos; isso, no entanto, não pode ser apresentado apenas durante as campanhas eleitorais, tem de ser parte do cotidiano da política.

Importante em qualquer democracia, isso é mais ainda em uma sociedade marcada por tantas diversidades sociais, culturais e políticas como o Brasil, em que o vencedor das eleições presidenciais se elege com pouco mais da metade dos votos válidos, mas tem de governar também para a outra metade da nação que opta tanto por alternativas políticas diferentes, como pela não-escolha (abstenções somadas aos votos brancos e nulos no 2° turno deste ano foram mais de 28%, representando mais de 36 milhões de eleitores). Assim, se envolve cooperação entre forças políticas distintas, a democracia também depende de que posições conflitantes sejam toleradas, possam se expressar e estejam representadas no sistema político. Essa exigência depende de que a lei e as instituições a assegurem, mas a garantia de seu funcionamento depende muito da existência de uma oposição ativa.

Nas democracias consolidadas, o sucesso da oposição está associado a fatores como a sua coesão interna, a preservação de sua identidade e a capacidade de sinalizar que se constitui em alternativa, ao mesmo tempo, viável e melhor do que a oferecida pela coalizão governante. Nos últimos oito anos, no entanto, a oposição ao governo Lula e ao PT, centrada no PSDB, no DEM e no PPS, não conseguiu atender direito a esses requisitos: a disputa interna por posições de poder, a dificuldade de assumir um perfil político diferente da coalizão governante e a ausência de projetos capazes de sinalizar as mudanças econômicas, políticas e sociais necessárias ao estágio atual do País não ajudou a oposição a conquistar o coração e as mentes da maioria dos eleitores brasileiros. Exemplos disso foram as três últimas campanhas presidenciais: como sugeriu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o PSDB virou as costas para a sua história, deixou de lado as conquistas alcançadas em seus dois governos e foi incapaz de explicar por que a estabilidade econômica, o controle da inflação e as privatizações eram parte de um mesmo projeto de desenvolvimento e bem-estar da sociedade. Menos transparente ainda foi a posição quanto a programas como o Bolsa-Família: primeiro, pareceu que a oposição recomendava abandonar o programa por seu caráter assistencialista, sem apontar o caminho para se enfrentar a dependência política que ele de fato cria; depois, na campanha, o programa foi objeto de promessas de expansão, agora sem indicar como romper com o assistencialismo e torná-lo parte de um projeto social e econômico mais abrangente.

Muitas das dificuldades para se constituir em alternativa política competitiva se devem ao fato de os partidos de oposição não terem se enraizado na sociedade, sendo incapazes de captar os sentimentos e os anseios de seus diferentes segmentos. Diferentemente do PT, o PSDB, o DEM e o PPS não conseguiram mobilizar e recrutar a classe média, os estudantes, os intelectuais e os artistas, os empresários - para citar apenas setores usualmente mais interessados na participação política; mais espantoso ainda é o caso do PSDB, partido auto-definido como social-democrata, mas que nunca se esforçou para formar uma base sindical sólida que lhe permitisse disputar com as demais forças a condução do movimento; nem mesmo quando os sindicatos brasileiros foram recooptados pelo Estado, no governo Lula, as vozes da oposição foram fortes o suficiente para mostrar à sociedade civil as implicações antidemocráticas dessa tendência neo-corporativista.

Preferindo agir quase que exclusivamente no âmbito do Congresso Nacional (na produção de leis, normas jurídicas e políticas públicas), a oposição tampouco se esforçou em trazer para o debate público o fato de que, diante das enormes prerrogativas reservadas ao Executivo pela Constituição de 1988, ela tem as suas mãos atadas. Não são apenas as MPs que travam a ação do Congresso, mas também as prerrogativas presidenciais únicas de iniciar leis, pedir urgência urgentíssima para suas matérias e elaborar o orçamento da união; por isso, o Executivo tornou-se o grande legislador da democracia brasileira, limitando muito o exercício das funções de fiscalização e controle do parlamento. A atuação da oposição, em anos recentes, foi insuficiente para enfrentar esse nó institucional, tendo faltado suas iniciativas para debater a questão com a sociedade - o que, em parte, deixou o Congresso Nacional isolado e objeto de enorme desconfiança pública.

Um grande desafio ronda, portanto, a oposição nos próximos anos: a sua capacidade de se reinventar. PSDB, DEM, PPS, e agora também o PV, terão de encontrar os seus pontos de convergência e cooperação, mas como ocorreu outras vezes na história terão de ir ao povo se não quiserem desaparecer. A questão não pode, no entanto, ser simplificada por uma razão conhecida: em muitos aspectos, a coalizão liderada pelo presidente Lula se apropriou em políticas que tinham sido introduzidas pelo governo FHC, deixando a oposição em uma situação difícil, como se não tivesse bandeiras próprias. A oposição não soube explicar isso ao País e um dos seus desafios, agora, será reconhecer que parte das bandeiras social-democratas está sendo realizada pelo PT e descobrir, nessa situação complexa, o seu papel diferencial: que políticas econômicas e sociais de longo prazo podem ser apresentadas pela oposição? Quais as suas vantagens e viabilidades? E como traduzir isso para uma maioria de eleitores aparentemente satisfeita com as políticas desenvolvidas pelas coalizões dirigidas por Lula e o PT?

Essas questões serão, por certo, objeto de novas propostas de gestão de parte da oposição, uma vez que apontem para o projeto de sociedade que se deseja construir, mas talvez o modo mais eficaz dela se reapresentar à sociedade seja avançar também em um terreno em que o PT e o presidente Lula têm deixado a desejar: na defesa e no aprofundamento da democracia representativa. Não há dúvida de que temos democracia no Brasil, mas em várias áreas a qualidade do regime é de baixa intensidade: o império da lei ainda não está plenamente estabelecido, alguns direitos de cidadania valem mais para alguns segmentos do que para outros e os mecanismos de avaliação e controle do desempenho dos governos (accountability horizontal e vertical) ainda funcionam precariamente. Além disso, há áreas de claro déficit de representação: o sistema de eleição proporcional não assegura uma relação adequada entre representantes e representados, e os mecanismos de financiamento de campanhas eleitorais, além de torná-las excessivamente caras, são fonte de corrupção e de desconfiança dos cidadãos. A oposição pode mostrar como essas distorções contrariam os princípios de liberdade e igualdade; e empunhar, entre outras propostas, a bandeira do voto distrital e da recuperação da autonomia do Legislativo, propugnando, sem medo de acusações de udenismo, pela introdução de mecanismos mais rigorosos de combate à corrupção. Sua identidade se definiria, assim, pelas propostas de aprofundamento da democracia e pelas implicações disso para a expansão dos direitos de cidadania.

A palavra está com os novos governadores, senadores e deputados eleitos; eles têm a densidade eleitoral necessária para reinventar a oposição e surpreender o País. Esperemos que façam isso.

José Álvaro Moisés é professor de Ciência Política da USP e autor, entre outros livros, de Democracia e Confiança - Por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas (Edusp, 2010)

Monday, November 08, 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA

O futuro do PSDB

Apesar da derrota, ou por causa dela, José Serra alimenta a pretensão de se tornar presidente do PSDB na convenção que o partido realiza entre maio e junho de 2011. Seria a maneira de se manter vivo no jogo, contra a ameaça de se tornar um retrato na parede.

Ocorre que, desta vez, Serra vai encontrar resistência bem maior à sua pretensão. Está disseminada a percepção de que o futuro da tucanolândia passa pela capacidade de entender e sinalizar desde já que Serra pertence ao seu passado. Ou seja, de que a fila agora andou.

Na presidência do partido, o ex-governador representaria uma espécie de terceiro turno contra Dilma Rousseff, em prejuízo da construção de um consenso partidário em torno do nome de Aécio Neves.

Não é à toa que o mineiro acaba de propor uma "refundação" do PSDB, a fim de "atualizar o programa" e "recuperar sua identidade partidária". Como diria Serra, essa história de refundação não passa de trololó. Quando Aécio fala em "atualizar" e "recuperar a identidade", nos dois casos quer dizer: Serra, até logo, chegou a minha vez.

O candidato de Aécio para presidir o PSDB hoje é Tasso Jereissati. Ele e Serra nunca se bicaram, todos sabem. Mas imagina-se que Tasso seja o nome capaz de fazer a ponte entre Aécio e Geraldo Alckmin, evitando que a relação entre os PSDBs de Minas e de São Paulo caminhe para um esgarçamento perigoso.

Aécio, neste momento, movimenta-se para disputar a presidência do Senado, num esforço claro para demonstrar que tem bom trânsito entre os partidos, inclusive os da base aliada de Dilma. Foi Cid Gomes (PSB), irmão de Ciro e governador do Ceará, quem defendeu em público o nome do mineiro para o comando da Casa.

A Alckmin, no entanto, pode interessar uma aliança tática com Serra para evitar que Aécio se projete desde já no horizonte como líder incontestável do novo PSDB. Apostar nisso é o que resta a Serra, às voltas com a ruína.


FERNANDO RODRIGUES

Futurologia

Dois nomes se consolidaram na eleição deste ano no campo governista e na oposição.

O governador de Pernambuco reeleito, Eduardo Campos (PSB), é o emergente mais vistoso entre os dilmistas. E o senador eleito por Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) lidera o lado oposto.

Se moverem as peças corretas no tabuleiro, não é um exagero dizer que ambos estão habilitados para concorrer com chances reais de ganhar o Palácio do Planalto algum dia. Pode ser em 2014, 2018 ou 2022. Aécio tem 50 anos. Eduardo Campos, 45. O tempo está a favor deles. Jovens, podem esperar a fila andar e o momento certo.

No caso do tucano, tudo dependerá de como se sairá depois da transição de poder em curso no PSDB. Os aliados tradicionais da legenda, DEM e PPS, também precisam ser devidamente cooptados de maneira mais perene. Há alguns anos ouve-se a hipótese de fusão dessas siglas para criar uma agremiação análoga ao Partido Republicano dos EUA aqui no Brasil.

Essa eventual incorporação é vital para Aécio. O PSDB passa por um processo de raquitismo. Sem músculos partidários, o mineiro não terá uma caminhada suave.

No caso de Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes (1916-2005), a conjuntura é semelhante. Ele comanda um partido que terá em 2011 seis governadores, 34 deputados e três senadores. É a força de centro-esquerda mais saliente depois do PT. Por que não fundir as duas siglas e construir a maior agremiação de apoio a Dilma Rousseff a partir de 2011?

Juntos, PT e PSB teriam 11 governadores, 122 deputados e 18 senadores. Nasceria a maior sigla desde o PMDB anabolizado artificialmente nos anos 80 por causa do Plano Cruzado. Esse é um cenário improvável. Impossível talvez. Mas certamente seria uma aposta robusta para viabilizar um projeto presidencial competitivo de Campos nessa espécie de neo-PT.

Sunday, November 07, 2010

‘Até logo’ de Serra desagrada a tucanos, que defendem renovação no partido

Integrantes do PSDB avaliam que ele foi personalista e não ajudou a promover os novos passos da legenda

01 de novembro de 2010

Roberto Almeida e Julia Duailibi, de O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - A declaração do candidato derrotado à Presidência da República, José Serra (PSDB), que em discurso sobre o resultado de anteontem disse que não dava um "adeus", mas um "até logo", causou polêmica entre tucanos e aliados, que reservadamente defendem uma renovação dos quadros da oposição nos próximos anos.

Serra, ao reconhecer a vitória da candidata do PT, Dilma Rousseff, sinalizou que não sairá da vida pública, embora não tenha mencionado se pretende voltar a disputar algum cargo eletivo. Houve repercussão negativa da declaração junto a aliados que se incomodaram com a frase "o povo não quis que fosse agora", usada por ele para falar da derrota.

No bastidor, integrantes do PSDB avaliam que Serra foi personalista na colocação e não promoveu o que deveriam ser os novos passos do partido, no momento em que sofre a segunda derrota na disputa pela Presidência da República. Há uma cobrança pela reconstrução do PSDB e a adoção imediata de uma bandeira para defender, como a reforma política, durante os quatro anos de administração Dilma.

Na visão desses tucanos, o posicionamento de Serra manifestado ontem impede a criação de um novo canal de interlocução com a sociedade, o que, segundo eles, pode ser decisivo para o fortalecimento da legenda e da oposição no País. E questionam qual espaço político será utilizado pelo candidato derrotado para ser um "militante produtivo".

O pano de fundo para o descontentamento interno de parte do PSDB é a briga, ainda discreta, por espaço político na legenda. Os principais protagonistas dessa disputa velada são os serristas e os entusiastas do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do senador eleito Aécio Neves (MG).

Com musculatura política renovada, Alckmin tem pela frente uma nova geração de tucanos, além de colaboradores tradicionais, que defendem o seu nome como principal liderança no Estado. Do lado mineiro, há descontentamento com a supremacia paulista na escolha dos presidenciáveis, além do entendimento de que São Paulo perdeu a vez com as duas derrotas de Serra e a de Alckmin, em 2006.

Tucanos serristas culpam Aécio pela derrota na eleição, já que o mineiro não conseguiu obter a vitória de Serra em seu Estado, apesar de ter emplacado um "novato" em eleições, o seu ex-vice e agora governador Antonio Anastasia, que conseguiu se reeleger. No discurso de anteontem, Serra não citou Aécio, mas conversou com ele por telefone à noite.

Para tentar evitar que o partido rache, como ocorreu às vésperas da disputa presidencial deste ano, com a indefinição em torno de quem seria o presidenciável, Serra ou Aécio, o presidente nacional do PSDB, senador Sergio Guerra (PE), tem defendido que a escolha do nome que disputará a Presidência da República em 2014 deve ser feita nos próximos dois anos.

Discurso

Para aliados de Serra, o discurso de ontem foi importante para mandar um sinal para o eleitor que o escolheu."Serra demonstrou responsabilidade com as pessoas que votaram nele. Elas não podem ser esquecidas", afirmou o deputado Jutahy Junior (BA). "A realidade é que Serra tem mais de 40 anos de vida pública. Não tem motivo para abandonar isso, o que não significa, necessariamente, disputar um cargo eletivo. Fiquei satisfeito de ver que ele continuará na vida pública. É muito bom ver que alguém como ele está disposto a isso", completou o tucano.

Um dos coordenadores da campanha de Serra, José Henrique Reis Lobo, que reassumirá nesta semana a presidência do diretório municipal do partido, avalia que, em seu discurso, Serra "assumiu a tarefa de ser uma das lideranças da oposição". "Ele vai ser uma das grandes expressões e um oráculo das oposições, não só em estratégia, como em discurso", afirmou Lobo.

O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), disse que "não se pode exigir um discurso perfeito", no momento em que o candidato derrotado foi falar da derrota. "Foi um discurso que demonstrou sua maturidade aos 68 anos e experiência. Se deixou de citar um ou outro, é porque não estavam presentes", declarou.

*

Aécio defende refundação do PSDB e oposição propositiva

Senador eleito afirma que partido não pode se envergonhar de privatizações

VALDO CRUZ - Folha

Ex-governador de Minas e senador eleito, Aécio Neves defende a "refundação do PSDB" para recuperar sua "identidade". Para isso, propõe refazer o programa partidário até maio de 2011.

O novo texto defenderia sem "constrangimentos" as privatizações de FHC e, ao mesmo tempo, fugiria de armadilhas eleitorais fixando que empresas como Banco do Brasil e Petrobras devem ser mantidas como estatais.

Ele promete uma "oposição generosa" a Dilma nas discussões sobre reformas e "aguerrida" na defesa da democracia e da ética. Aécio diz que o presidente Lula "atropelou" algumas instituições na campanha, mas Dilma "foi eleita legitimamente".

Folha - Qual será o papel do PSDB no governo Dilma? 

Aécio Neves - Existiu um pensador inglês que deixa um ensinamento tanto para o governo que assume como para a oposição. Benjamin Disraeli, primeiro-ministro da Inglaterra (1804-1881), dizia que para haver um governo forte é preciso haver oposição forte. É esse papel que temos de desempenhar.

O PSDB precisa de mudanças após as últimas três derrotas? 

Estamos no momento de refundar o PSDB para recuperar nossa identidade partidária. Por isso estarei propondo ao partido que, daqui até maio, quando teremos nossa convenção partidária, possamos refazer e atualizar o nosso programa partidário.

Vou sugerir um grupo de três notáveis do partido para coordenar essa refundação.

Quem seriam os notáveis? 

O presidente Fernando Henrique, o candidato José Serra e o ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati.

Qual a linha da refundação?

Que fale da nossa visão sobre privatização sem constrangimentos. Temos de mostrar como foi importante para o país a privatização das telecomunicações, Embraer, Vale. Ao mesmo tempo assegurar, de forma clara, que existem empresas estratégicas do Estado que não estarão sujeitas a qualquer discussão nessa direção, como o Banco do Brasil, a Petrobras.

O sr. quer acabar com as armadilhas eleitorais em que o partido caiu nas eleições? 

Temos de falar disso com altivez, reconhecendo e assumindo o nosso legado. Não existiria o governo Lula com seus resultados se não tivesse havido os governos Itamar Franco e FHC.

FHC disse que não mais apoiará um PSDB que não defenda seu passado. 

Eu compreendo a angústia do presidente, mas não vou, numa hora dessas, olhar para trás. Vou olhar para a frente. O governador Serra defendeu com extrema altivez e coragem pessoal as teses que achava que deveria defender. Foi um guerreiro nesta campanha, defendeu valores extremamente importantes.

E sobre lançar daqui a dois anos o candidato do PSDB a presidente em 2014? 

Não sei se é hora de pensar nisso. A vida é feita por etapas. Não podemos é correr o risco de ter um processo atropelado no final.

O momento é mais de a "luta continua", fala de Serra após a derrota, ou de estender a mão, de Dilma Rousseff? 

Temos como exercer uma oposição aguerrida na defesa das nossas instituições, da própria democracia e na fiscalização permanente das ações do governo, colocando limites em eventuais excessos. E, ao mesmo tempo, exercermos uma oposição propositiva, que apresente propostas em torno de uma agenda de Estado, e não de governo. Aí entra na pauta a agenda das grandes reformas. Devemos estar dispostos a sentar à mesa na busca de construção de consensos em torno dessas reformas.

Quais? 

Começo pela política, que reorganize nosso sistema político-partidário. A tributária, que aponte na direção da redução da carga tributária. Reforma do Estado, que fortaleça Estados e municípios; a construção de uma política industrial racional, que nos tire da armadilha em que entramos, que nos transforma em exportadores de produtos primários e importadores de manufaturados. Na discussão desses temas a próxima presidente encontrará uma oposição generosa e ao mesmo tempo firme na defesa das instituições democráticas, nos limites éticos.

O presidente Lula pediu à oposição que não seja raivosa em relação ao governo Dilma. 

Não vamos fazer a oposição raivosa exercida pelo PT ao governo FHC, votando contra tudo. O próprio PT deve ter aprendido com isso. O Brasil está maduro para ter outro tipo de oposição.

Na eleição, sua relação com Lula ficou desgastada. 

Temos de compreender isso como parte do processo eleitoral. Passado o calor eleitoral, todos temos de ter a disposição para conversar. Só uma oposição frágil e insegura se negaria a discutir com o governo temas essenciais à vida nacional.

Lula extrapolou na eleição? 

A eleição está passada. Quem tem de fazer esse juízo é a sociedade. A presidente foi eleita legitimamente.

A fila andou no PSDB? O sr. é o candidato a presidente? 

[rindo] O PSDB nunca teve dificuldades de quadros. Continua não tendo. Só alguém neófito em política se lança candidato de si próprio. Eu estarei à disposição do partido para cumprir o papel que me designar.

Quem foi o personagem da eleição de 2010? 

O presidente Lula. Construiu uma candidatura à revelia do seu partido e venceu. Essa é a marca que fica. Atropelando em determinados momentos algumas das nossas instituições, mas venceu as eleições e temos de reconhecer essa vitória, não nos fragilizarmos a partir dela.

O sr. pode sair do PSDB? 

Meu destino é no PSDB.

Defende a abertura de uma janela partidária para troca de partidos no próximo ano? 

Não acho que seja o essencial. Deveríamos discutir a cláusula de desempenho. 

06/11/2010

Caso Erenice provocou 2º turno, diz marqueteiro de Dilma

FERNANDO RODRIGUES / ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Dilma Rousseff ganhou a eleição para presidente da República, a primeira de sua vida. Mas seu marqueteiro, João Santana, venceu sua terceira disputa desse gênero. Ele é o profissional latino-americano mais bem-sucedido na área de comunicação política-eleitoral em anos recentes.

Em uma de suas raras entrevistas, Santana, 57 anos, falou à Folha na última quarta-feira, em sua casa de veraneio próxima a Salvador, na Bahia. Fez uma ampla análise do processo eleitoral brasileiro e da última campanha.

Sobre as razões de a disputa ter sido remetida ao segundo turno, aponta como principal fator o escândalo de suspeita de tráfico de influência na Casa Civil, envolvendo Erenice Guerra, sucessora de Dilma naquela pasta:

"O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso a Casa Civil."

Pesquisas mostraram, diz Santana, que a onda religiosa e o debate sobre aborto tiveram efeito limitado. Ele faz uma autocrítica: "Erramos quando, no primeiro momento embarcamos nessa onda, e erraram mais eles que insistiram nessa maré hipócrita. Isso, aliás, foi um dos maiores fatores de desgaste e inibição do crescimento de [José] Serra [PSDB, adversário de Dilma] no segundo turno".

Contratado eventual do PT, Santana também atuou como consultor de imagem de Lula nos últimos quatro anos. Jornalista de formação, o marqueteiro baiano foi o criador de algumas das marcas e siglas mais famosas do lulismo, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Minha Casa, Minha Vida (cujo nome inicial proposto pela burocracia do governo era o anódino "Casa para Todos").

Assim como Lula, faz algumas metáforas futebolísticas. "A substituição de Lula por Dilma foi como a troca de Pelé por Amarildo na Copa de 1962. Mas o Amarildo entrou e deu conta do recado", diz ele, evocando o episódio em que a seleção brasileira de futebol ficou sem seu principal jogador na disputa que rendeu o segundo título mundial ao país.

Gosta de elucubrar sobre a troca de poder de Lula para Dilma. "As paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O povo é, por natureza, sincretista e politicamente polígamo", diz Santana. Para ele, haverá um "vazio oceânico" com a saída de Lula. Mas haveria "na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia" que ele chama "metaforicamente de 'cadeira da rainha', e que poderá ser ocupada por Dilma". E arrisca um conselho aos políticos em geral: "Não subestimem Dilma Rousseff. Este alerta vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente".

O marqueteiro lembra que "a República brasileira não produziu uma única grande figura feminina, nem mesmo conjugal" até hoje. "Dilma tem tudo para ocupar esse espaço", apesar da sua proverbial falta de carisma.

Logo após o caso Erenice, Santana relata ter sido necessária uma reaproximação entre Lula e Dilma 'de emergência'. Mas a superexposição do presidente, de maneira exaltada, em comícios no final do segundo turno mereceu reprovação do marqueteiro: "Alguém quando está no palanque esquece que trechos editados de sua fala podem aparecer em telejornais de grande audiência".

Muito próximo tanto de Lula como de Dilma durante os últimos 12 meses, ele fala também com um pouco de ironia sobre a mudança estética e o treinamento da candidata neófita em disputas eleitorais: "A decisão de fazer a operação plástica, por exemplo, foi dela. Como toda mulher, quando se trata de estética, ela gosta de ela mesma tomar iniciativa. Ou, pelo menos, de pensar que foi dela a decisão".

Na semana passada, o marqueteiro fez mais um trabalho para Lula: dirigiu o depoimento do presidente à nação que foi transmitido na sexta-feira à noite em cadeia de rádio e de TV. Agora, pretende tirar alguns dias de férias. Estudar propostas de trabalho que recebeu para atuar em eleições presidenciais em cinco países: Peru, Argentina, Guatemala, República Dominicana e México.


Folha - O sr. fez o marketing das duas últimas campanhas presidenciais vitoriosas no Brasil. Quais as diferenças e semelhanças?

João Santana - Foram campanhas profundamente dessemelhantes.

Destaco alguns dos pontos que tiveram em comum: o profundo desdém da oposição aos candidatos Lula e Dilma nas pré-campanhas; o susto que eles tomaram no início dos dois primeiros turnos com o crescimento rápido e vigoroso dos nossos dois candidatos; a falsa ilusão de vitória que eles criaram na passagem do primeiro para o segundo turno, e a desilusão e desfecho finais.

Entre os vários pontos de dessemelhança, eu gostaria de frisar apenas um, e que diz respeito diretamente à minha área: apesar das aparências, a campanha de 2010 foi de uma complexidade estratégica, e principalmente tática, imensamente maior do que a de 2006. Eu diria, até, que do ponto de vista do marketing, esta talvez tenha sido a campanha presidencial mais complexa dos últimos tempos no Brasil.

Folha - A percepção da oposição, então, segundo sua avaliação, foi equivocada?

Na pré-campanha de 2006, a oposição imaginou, erroneamente, que Lula estivesse destruído com o escândalo do mensalão. Imaginou que um discurso udenista, neurótico e tardio, pudesse influenciar amplas camadas da população na campanha. Não perceberam o incipiente, porém já vigoroso, movimento de ascensão social e de gratificação simbólica e material que vinha sendo produzido pelo governo Lula.

Na pré-campanha de 2010, houve um erro porque menosprezaram o valor pessoal e o potencial de crescimento de Dilma e, também, a capacidade de transferência de Lula. É o período da arrogante, equivocada e elitista 'teoria do poste'.

O grande crescimento que Lula, em 2006, e Dilma, em 2010, tiveram no final das pré-campanhas, e especialmente no início do primeiro turno, deixou-os atordoados. Só se recuperaram um pouco quando foram favorecidos por fatores extracampanhas, o caso dos aloprados e o escândalo Erenice.

Folha - Por que Dilma não venceu no 1º turno? Lembro-me que as previsões internas eram de que ela teria de 56% a 57% dos votos...

Por vários fatores, alguns já facilmente percebidos e explicados. Outros que levarão ainda algum tempo para serem corretamente analisados. Começo indo na contramão da maioria dos analistas: o eleitorado brasileiro é, hoje, um dos mais maduros do mundo. E cada dia sabe jogar melhor.

Uma das provas desse amadurecimento é a consolidação, cada vez maior, da "cultura de segundo turno" nas eleições presidenciais. E ela atua, paradoxalmente, junto com a consolidação de um outro comportamento aparentemente antagônico: a consagração do princípio da reeleição. O de deixar um bom governo continuar, mas, ao mesmo tempo não aceitar passivamente tudo o que ele faz. Este conflito é uma forte demonstração de amadurecimento do eleitor brasileiro. No fundo é aquele maravilhoso conflito humano entre a reflexão e a decisão, entre a fé a descrença, entre a confiança e a suspeita, entre a entrega e a autodefesa.

Nas últimas eleições, parte do eleitorado tinha um fabuloso atalho, que era a candidatura Marina, para praticar o "voto de espera", o voto reflexivo. E utilizou este ancoradouro, este auxílio luxuoso que era a candidatura Marina, para mandar alguns recados para os dois principais candidatos. Por essas e por outras razões houve segundo turno.

Folha - Que recados foram estes que os eleitores mandaram para Dilma e para Serra?

No nosso caso foi: "Olha, eu aprovo o governo de vocês, mas não concordo com tudo que acontece dentro dele; adoro o Lula mas quero conhecer melhor a Dilma".

No caso do Serra: "Seja mais você mesmo, porque desse jeito aí você não me engana; mas afinal, qual é mesmo esse Brasil novo que você propõe?; me diga lá: você é candidato a prefeito, a pastor ou a presidente?".

Folha - Os candidatos, no segundo turno, deram respostas eficientes a esses recados dos eleitores?

Nenhuma campanha, em nenhum lugar do mundo, responde a todas as perguntas, preenche todas dúvidas, nem atenua, completamente, os conflitos racionais e emocionais dos eleitores. Uma campanha será sempre um copo com água pela metade, meio vazio pra alguns, meio cheio pra outros.

No nosso caso, acho que respondemos algumas perguntas. A prova é que não apenas crescemos quantitativamente, como houve uma melhoria, mais que significativa, na percepção dos atributos da nossa candidata.

Folha - Em que se sustenta a tese de que essa foi a mais complexa campanha, estratégica e taticamente dos últimos tempos?

Por várias características atípicas, originais e exclusivas desta campanha. Para não me alongar muito, vou comentar apenas alguns fatores do nosso lado. Nós tínhamos um presidente, em final de mandato, com avaliação recorde, paixão popular sem limite e personalidade vulcânica.

Uma caso único não só na história brasileira como mundial. Uma espécie de titã moderno.

Do outro lado, tínhamos uma candidata, escolhida por ele, que era uma pessoa de grande valor, enorme potencial, porém muitíssimo pouco conhecida.

Tínhamos o desafio de transformar em voto direto, e apaixonado, uma pessoa que chegava à primeira cena por força de uma escolha indireta, quase imperial. Tínhamos que transformar a força vulcânica de Lula em fator equilibrado de transferência de voto, com o risco permanente da transfusão virar overdose e aniquilar o receptor.

Tínhamos a missão de fazer Dilma conhecida e ao mesmo tempo amada; uma personagem original, independente, de ideias próprias e, ao mesmo tempo, uma pessoa umbilicalmente ligada a Lula; uma pessoa capaz de continuar o governo Lula mas também capaz de inovar.

Tudo isso dentro de um curtíssimo prazo e dentro do cenário de uma das maiores, mais vibrantes e maravilhosamente mal construída democracias do mundo, que é a democracia brasileira. E que tem um dos modelos de propaganda eleitoral, ao mesmo tempo, mais permissivo e restritivo do mundo; um calendário eleitoral hipocritamente dos mais curtos, e, na prática, dos mais longos do mundo. Isso é dose. É um coquetel infernal.

Folha - O que mais facilitou e atrapalhou o trabalho?

Acho que o que mais nos ajudou foram as lendas equivocadas que a oposição, secundada por alguns setores da mídia, foi construindo sistematicamente. E se aferrando desesperadamente a elas, mesmo que os fatos fossem derrotando uma após outra.

No início, construíram quatro lendas eleitorais: que Lula não transferia voto, que Dilma ia ser péssima na TV, que Dilma ia ser um desastre nos debates e que Dilma, a qualquer momento, iria provocar uma gafe irremediável nas entrevistas. Nada disso ocorreu, muito pelo contrário.

Construíram, pelo menos, quatro lendas biográficas: que Dilma tinha um passado obscuro na luta armada, que era uma pessoa de currículo inconsistente, que teve um mau desempenho no governo Lula, e que o fato de ter tido câncer seria fatal para a candidatura. Nada disso se confirmou.

E construíram lendas políticas. As principais eram que Dilma não uniria o PT, não teria jogo de cintura para as negociações políticas e que não saberia dialogar com a base aliada. Outra vez, tudo foi por terra.

Ora, com tantas apostas equivocadas, o resultado não podia ser outro. Se você permitir, eu gostaria adiante de comentar sobre novas lendas equivocadas que já estão começando a construir em relação ao futuro governo Dilma.

Folha - Na fase final, a oposição apostou numa guerra moral e religiosa, no mundo da ética e dos valores. Isso não atrapalhou?

De forma irreversível, não. Acho, inclusive, que no final o feitiço virou mais contra o feiticeiro. As questões do aborto e da suposta blasfêmia foram apenas vírgulas que ajudaram a nos levar para o segundo turno. Repito, apenas vírgulas.

O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso a Casa Civil.

Por motivos óbvios, vínhamos ressaltando, com grande ênfase, a importância da Casa Civil. Na cabeça das pessoas, a Casa Civil estava se transformando numa espécie de gabinete paralelo da presidência. E o escândalo Erenice abalou, justamente, esse alicerce.

Voltando à questão da moral religiosa: como a oposição abusou da dose, provocou, no final, rejeição dos setores evangélicos que interpretaram o fato como jogada eleitoral e afastou segmentos do voto independente, principalmente de setores da classe média urbana, que se chocou com o falso moralismo e direitização da campanha de Serra.

Folha - Mas essa opção às vezes à direita da oposição, em certa medida, era algo esperado. Ou não?

Eu alertei sobre isso, inclusive, em um seminário interno da Folha que participei em maio. Este é um fenômeno que infelizmente vem acontecendo, na América Latina, com alguns setores desgarrados, que antes de autointitulavam de socialdemocratas e se inclinaram perigosamente para a direita.

Passaram a utilizar, em suas campanhas, um mix de técnicas do Partido Republicano americano, mais ferramentas da direita espanhola e de operadores antichavistas da Venezuela.

Eu me defrontei com este aparato na campanha que fiz para o presidente Mauricio Funes, em El Salvador. Fomos vítimas de uma das mais insidiosas e obscuras campanhas negativas. Mas vencemos. O ideário é o mesmo, os conceitos manipulados semelhantes, as técnicas de medo iguais. O que varia é a dosagem e os instrumentos.

Aqui a direitização ficou mais circunscrita a certos tabus morais e religiosos. Mas também trafegou, principalmente na internet, no obscurantismo político de pior extração. Quem estuda este fenômeno e viu um vídeo que circulou na internet, intitulado a 'Dama de Vermelho', sabe do que estou falando. Por sinal, este vídeo é uma réplica de alguns que foram produzidos contra Mauricio Funes, em El Salvador, e a favor da campanha de Felipe Calderón no México.

Folha - No início da entrevista, o sr. disse que iria comentar o que considera 'novas lendas equivocadas' projetadas para o governo Dilma. Do que se trata?

Eu acho necessário um humilde alerta: não subestimem Dilma Rousseff. Este alerta vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente.

Dentro e fora do Brasil já começam a pipocar análises apressadas de que Dilma dificilmente preencherá o grande vazio sentimental e simbólico que será deixado por Lula. E que este será um problema intransponível para ela. Bobagem.

Não há dúvida de que a ausência de Lula deixa uma espécie de vazio oceânico. Lula é uma figura única, que uma nação precisa de séculos pra construir. Mas Dilma, em lugar de ser prejudicada por este vazio, será beneficiada por ele. Basta saber aproveitar - e acho que ela saberá - a oportunidade única e rara, que tem nas mãos, de se tornar conhecida e amada ao mesmo tempo.

É preciso também estar atento para o fato de que as paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O povo é, por natureza, sincretista e politicamente polígamo. E há na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia, que chamo metaforicamente de "cadeira da rainha", e que poderá ser ocupada por Dilma.

A República brasileira não produziu uma única grande figura feminina, nem mesmo conjugal. Dilma tem tudo para ocupar esse espaço. O espaço metafórico da cadeira da rainha só foi parcialmente ocupado pela princesa Isabel. Para um homem sim, seria uma tarefa hercúlea suceder a Lula. Para uma mulher, não. Em especial, uma mulher como Dilma. Lula sabia disso e este talvez seja o conteúdo mais genial da sua escolha.

Folha - Quando ficou claro que haveria 2º turno? No dia?

No dia da apuração. Havia fortes indícios de perda de substância da nossa candidata, porém, os indicadores nos davam uma relativa segurança de que ganharíamos no primeiro turno.

Ao contrário da eleição de 2006, quando eu fui o primeiro a alertar o presidente Lula de que iríamos para o 2o turno, desta vez eu fui um dos últimos a admitir isso. Acompanhando a apuração no Alvorada, ao contrário de 2006, eu era um dos poucos que ainda acreditava que ainda ganharíamos por uma margem estreita.

Folha - A receita do 2º turno deste ano se assemelha à de 2006: acusar os tucanos de serem privatistas e contra o patrimônio nacional. Mas desta vez o efeito não foi tão forte como há quatro anos. Essa fórmula está perto do esgotamento?

É reducionismo dizer que a receita do segundo turno foi a de acusar os tucanos de privatistas. Se você rever os programas e comerciais, vai constatar que discutimos modelo de política econômica, políticas sociais, modelo de desenvolvimento, entre outros temas.

Fui o responsável pela introdução do tema privatizações em 2006. Na verdade, não estava muito apaixonado pela ideia de utilizá-lo outra vez nesta campanha. Inclusive porque, ao contrário de certos homens de marketing, não gosto de repetir fórmulas. Mas havia um consenso, na cúpula da campanha, de que o tema ainda estava vivo. Meu convencimento final veio quando decidimos acoplá-lo, de forma mais que justa, ao futuro do pré-sal.

Folha - Essa abordagem sobre 'tucanos privatistas X petistas defensores do patrimônio nacional' não seria uma exploração indevida do imaginário popular?

Já falei sobre isso e não fui muito bem interpretado. Tucanos e petistas divergem, de fato, profundamente neste tema. A sociedade brasileira sempre acompanhou com o máximo de interesse, receio e com muita cautela essa discussão.

O debate continua vivo. Por que é manipulação reacender ou esquentar esse debate? A propaganda eleitoral brasileira é um espaço bastante democrático, e mais que apropriado para este tipo de discussão. Nela, cada um pode expor seu pontos de vista e estabelecer o contraditório. Com fatos e argumentos. Sem medo e sem timidez.

Folha - Por que o Vox Populi, contratado pela campanha de Dilma, não captou a queda nas pesquisas de maneira mais precisa?

Essa é uma pergunta que o instituto pode responder melhor do que eu.

Folha - Quando as pesquisas diárias ('trackings') começaram as ser feitas? E os grupos de análise qualitativa? Dilma assistiu a alguns desses grupos?

Os trackings começaram uma semana antes da propaganda eleitoral. Os grupos de pesquisas qualitativas começaram também nesse período, e eram quase diários.

No segundo turno, os grupos de qualis eram diários. Eram 12 grupos, distribuídos pelas várias regiões do país. Em São Paulo, eram sempre quatro grupos, variando entre capital e interior. Duas empresas faziam esse trabalho. Em São Paulo, a Oma Pesquisas. No restante do país, a Síntese. A candidata Dilma não assistiu aos grupos por falta de tempo e de interesse direto.

Folha - Foi um erro a forma como Lula fez alguns comícios na parte final do 1º turno, falando em extirpar o DEM da política e dizendo que 'a opinião pública somos nós'?

Como eu já disse, o presidente tem uma personalidade vulcânica. Sua intuição emocional faz com que ele acerte bastante, e às vezes cometa erros. Mas o saldo nesta e em outras campanhas sempre foi muito positivo.

Folha - Mas houve uma certa overdose de Lula no final do 1º turno, com ele aparecendo não de forma exaltada em comícios?

Na propaganda eleitoral, não. Desde o início, eu sabia que uma das coisas mais difíceis era a modulação da presença de Lula. Fiz um desenho estático que considero correto. Dividi a campanha com base nos 45 dias de TV e rádio em três fases iguais de 15 dias cada. A primeira, consistiu em colar bastante Lula a Dilma. Depois, seria preciso atenuar um pouco a presença dele no meio da campanha. E, por fim, voltar a colá-los fortemente no final.

Na primeira fase, era preciso mostrar aos eleitores que havia afinidade, respeito e confiança entre eles. Consumado isso em 15 dias, como eu esperava, com êxito, era então necessário reforçar a identidade própria de Dilma. Isso só seria possível se as pessoas conseguissem enxergá-la sem a sombra luminosa de Lula. Assim, os segundos 15 dias da campanha tiveram a troca da persona Lula pela intensificação da representação simbólica do governo Lula.

Só que no final dessa segunda fase ocorreu uma trágica coincidência: o escândalo Erenice.

Folha - E o que foi feito?

Fomos forçados a fazer uma reaproximação entre Lula e Dilma de emergência.

Folha - Mas Lula não se excedeu nos comícios?

De certa forma, sim. Mas isso é até explicável. A presença de um político no palanque permite certo tipo de arroubo que a propaganda eleitoral não comporta. Acontece que alguém quando está no palanque esquece que trechos editados de sua fala podem aparecer em telejornais de grande audiência.

Folha - Na passagem do 1º para o 2º turno, ele deu uma sumida. Por quê?

Foi por um período muito curto. Foi intencional por dois motivos. Primeiro, porque era necessário dar um certo refresco para a imagem do presidente por causa do uso excessivo em todas as campanhas em todas as unidades da Federação. Os candidatos em todos os níveis usaram e abusaram da imagem de Lula de forma excessiva e até irresponsável como nunca ocorrera antes.

Segundo, estávamos fazendo um reposicionamento estratégico, e antes que as transições conceituais ficassem claras, era importante preservar o nosso principal trunfo, que era o presidente. Foi uma operação tão delicada e corajosa que o próprio presidente Lula, na passagem do primeiro para o segundo turno, chegou a me questionar a respeito.

Folha - Muitos temeram a derrota nessa fase?

Temer a derrota é inerente a qualquer um envolvido em uma campanha. Sobretudo quando há uma quebra de expectativa, que foi o que ocorreu com a ida para o segundo turno.

De certa maneira, esse mesmo sentimento perpassou a campanha de 2006, no início daquele segundo turno.

Folha - Quando Dilma teve câncer, o que a área de marketing da pré-campanha fez?

Primeiro, foi um susto. Uma situação insólita. Iniciar uma campanha com uma candidata pouco conhecida e enfrentando um desafio dessa magnitude. Só havia então um caminho que era buscar o máximo de transparência. Todo o tratamento foi ampla e livremente noticiado pela mídia. Num caso como este não se pode, nem se deve inventar ou maquiar nada. A verdade é o melhor remédio. Até porque ela sempre prevalece.

Folha - A sua contratação ocorreu a partir de quando?

O PT me contratou para dar consultoria e fazer as propagandas partidárias em 2009.

Folha - Como Dilma reagiu à necessidade de fazer operação plástica no rosto e na região do pescoço, mudar o vestuário, treinar oratória, aceitar cabeleireiro e maquiadora sempre perto?

Variou. A decisão de fazer a operação plástica, por exemplo, foi dela. Como toda mulher, quando se trata de estética, ela gosta de ela mesma tomar iniciativa. Ou, pelo menos, de pensar que foi dela a decisão.

Folha - Por que Dilma tem dificuldade para falar em público, às vezes não completando um raciocínio?

Durante toda a sua vida, Dilma foi treinada mais para fazer do que para falar. Além disso, ela é daquelas pessoas que tem raciocínio mais rápido do que a verbalização. E algo ainda mais complexo: imagine uma pessoa que nunca foi candidata a nada inaugurando sua vida eleitoral sendo candidata a presidente de um país do tamanho do Brasil?

Tudo isso provoca um tipo de tensão e ansiedade que obviamente repercute na maneira de se comunicar. Porém, o mais surpreendente, é que Dilma superou todos esses obstáculos de maneira brilhante. O mérito maior é dela.

Folha - Como era sua equipe na campanha?

Tive a felicidade de formar um "dream team". Cerca de 200 pessoas estiveram envolvidas. Alguns já trabalhavam comigo há muito anos como Eduardo Costa, meu braço direito e um dos grandes responsáveis pelo sucesso da campanha. Outros se reaproximaram e foram fundamentais como Marcelo Kértesz, Lô Politi e Giovani Lima, como diretores de vídeo. Sem falar da presença essencial de Mônica Moura, minha mulher e sócia.

Folha - Como o presidente Lula interagiu com Dilma durante a campanha?

Em termos presenciais, o contato foi muito menor do que quando ela estava no governo.

Folha - Haveria alguma forma de o PSDB usar de maneira positiva, em nível nacional, a imagem de FHC em uma campanha presidencial?

Num período muito curto de campanha, seria muito difícil, quase impossível. Se eu estivesse no lugar de Luiz Gonzalez [publicitário da campanha de José Serra], que considero um dos melhores marqueteiros do Brasil, talvez eu fizesse o mesmo que ele fez.

O uso da imagem de FHC só seria viável eleitoralmente depois de um trabalho consistente ao longo de um período de vários anos. Seria preciso recuperar uma narrativa do governo tucano, que teve méritos, mas ficou com a imagem avariada por causa do final da administração FHC.

Creio ter havido um desleixo da parte do próprio Fernando Henrique, com uma atitude olímpica. Quem sabe, por vício acadêmico, ele esperava um resgate histórico que viesse apenas por gravidade. Mas, no seu caso, seria necessário mais do que isso. Ele e seu partido teriam de se esforçar para defender a imagem daquela administração, deixando de lado a timidez ou o medo que demonstram ter.

Folha - Teria sido possível neste ano eleger José Serra ou algum candidato de oposição? Com qual estratégia?

Muito improvável. A menos que cometêssemos alguns erros e a oposição milhões de acertos

Folha - Aécio Neves teria tido condições de vencer Dilma?

Poderia ter feito uma campanha mais bonita e mais vibrante do que Serra. Mas mesmo assim seria derrotado.

Folha - Como foi e com qual frequência se deu neste ano sua relação com o publicitário de Serra, Luiz González?

Sempre tivemos uma boa relação. Admiro o González tanto por sua competência como por seu caráter. E é sempre uma parada dura enfrentá-lo numa campanha. Nos falamos várias vezes durante esta campanha para negociarmos regras de debates e outros detalhes envolvendo participações dos nossos candidatos.

A negociação mais insólita foi quando liguei, pra ele, na véspera do Círio de Belém, sugerindo que abríssemos mão da propaganda eleitoral na TV no dia da festa, no Pará. Ele pediu pra consultar o Serra e topou. Tenho certeza que os paraenses gostaram muito desta atitude e Nossa Senhora de Nazaré, com certeza, abençoou os dois candidatos.

Folha - Esta eleição teve dez debates. Quais foram os mais úteis eleitoralmente? Os da Globo, pela alta audiência?

Todos foram importantes, mas nenhum decisivo.

Folha - Todos os debates foram engessados por regras impostas pelos candidatos e seus assessores. O que seria necessário para haver debates mais livres?

Os debates, como algumas regras da propaganda eleitoral, têm de ser revistos. O problema dos debates é que dependem da vontade dos candidatos. E vontade dos candidatos é a coisa mais difícil de administrar.

Folha - E no caso do horário eleitoral, o que pode ser feito?

Eu acho que a lei de propaganda eleitoral é uma das mais modernas do mundo. Porém, há situações anômalas que devem ser corrigidas. Por exemplo, a legislação sobre pré-campanha. Outra, a legislação do segundo turno.

No caso do segundo turno, como está concebido, é uma violência contra os candidatos, contra os partidos, contra os eleitores e contra as equipes que produzem os programas eleitorais. Deveria haver menos propaganda, mais debates obrigatórios, mais liberdade de entrevistas nos meios de comunicação eletrônicos e a eleição em si ser mais próxima da do primeiro turno.

Folha - Qual foi a importância da internet na campanha?

Ao contrário do que se fala, a internet teve um papel importante nesta eleição. Pena que tenha sido usada, muito fortemente, para veicular campanha negativa raivosa, anônima e, muitas vezes, criminosa. Isso terminou por diminuir muito a credibilidade do material que circulava na web. Mas a cada dia o papel da internet será maior nas eleições brasileiras. E isso é muito bom para a disputa eleitoral e para o avanço democrático.

Folha - Nos EUA, a web é usada na difusão de propaganda negativa, mas também na arrecadação de fundos. Quando haverá isso aqui?

Como já disse, houve um predomínio de propaganda negativa. Mas a mobilização nas redes sociais foi também intensa. Esta é a grande chave, no futuro, para aumentar o impacto da web nas eleições.

Folha - Qual foi o saldo da contratação de técnicos que trabalharam na campanha da web de Barack Obama?

A participação deles ficou praticamente restrita à transferência de tecnologia e de ferramentas. Não participaram da estratégia nem da conceituação da campanha em nenhum nível. Mas são profissionais bem competentes em sua área.

Folha - Teria sido possível eleger algum outro ministro técnico como Dilma usando a mesma estratégia?

Acho que seria muito difícil. A escolha de Dilma foi uma das maiores provas da intuição e da genialidade política do presidente Lula. Eu tive o privilégio de ser uma das primeiras pessoas a saber da decisão do presidente e a fazer estudos sobre isso, a pedido dele.

Desde o início ficou claro que a transferência de votos se daria de forma harmônica e fluídica. Está provado que a transferência, na maioria das vezes, se dá mais pelas características do receptor do que do doador. De todos os possíveis candidatos, Dilma reunia as melhores condições para isso. Era mulher, ocupava um papel-chave no governo, tinha passado e presente limpos, era competente, firme, corajosa, combativa e tinha fidelidade absoluta ao presidente.

Além disso, por causa do tipo de personalidade de Lula, era muito mais natural e com maior poder de sedução junto ao seu eleitorado, ele pedir voto para uma mulher do que para um homem.

Folha - Em 2014, os parâmetros de exigência da população estarão elevados para outro patamar e o Bolsa Família terá menos importância?

Primeiro é bom esclarecer, que no campo da psicologia do voto, o Bolsa Família é percebido pelos seus beneficiários como um detalhe importante, porém um detalhe, de uma coisa ainda maior e mais forte para eles que é o olhar social do governo Lula.

O programa, em si, tem apelo eleitoral? Tem. Porém menos do que se apregoa. E, como já disse, não funciona de forma isolada. Acho que poucos governos, como o do presidente Lula, e, tenho certeza, o da presidenta Dilma, reúnem tantas condições de poder acompanhar o que você chama de elevação de parâmetros de exigência da população.

Na verdade é mais do que isso. Quando o governo Lula retirou 28 milhões de pessoas da miséria e levou 36 milhões para a classe média estava, ao mesmo tempo, dando vida digna e cidadania a estas pessoas, elevando seu nível de vida e, simultaneamente, elevando os seus 'parâmetros de exigência'. Ou seja, as políticas públicas de Lula e de Dilma são maiores do que qualquer tipo de pragmatismo eleitoral.

Folha - Se quiser vencer, o que deve fazer a oposição daqui até 2014?

Não me sinto apto a dar conselhos à oposição. Ela tem consultores mais competentes do que eu para isso.

Folha - O sr. foi convidado a continuar prestando assessoria de imagem e marketing para Dilma Rousseff?

A presidenta eleita não me falou nada sobre isso e eu tenho uma agenda internacional carregada, nos próximos três anos, que atrapalharia bastante um trabalho deste tipo.

Folha - Uma ala do PT, entre os quais José Dirceu e Fernando Pimentel, desejava a sua saída e a volta de Duda Mendonça. Como foi essa disputa?

É natural que na política, nos negócios e no amor as pessoas queiram se associar com quem têm afinidade. Até hoje, não sei exatamente quem participou dessa articulação. Só sei que foi um grupo muito pequeno e que não contava com o apoio da cúpula da campanha nem do PT. Lula e Dilma sempre me apoiaram integralmente. O ex-presidente do PT Ricardo Berzoini e o presidente atual da legenda, José Eduardo Dutra, sempre me deram todo apoio.

Folha - Quais são os seus planos profissionais a partir de agora?

Eu tenho muitos clientes fora do Brasil e provavelmente me dedique mais a eles, nos próximos dois anos. Estou examinando também, com carinho, uma proposta de sociedade de uma empresa americana de marketing político para atuação junto ao eleitorado latino, nos Estados Unidos.

Quero ver, também, se tenho tempo de terminar dois livros que estou escrevendo, um romance e outro sobre marketing político. Além disso, quero ver se volto a me dedicar à música.

Folha - Quanto o sr. cobrou para fazer a campanha de Dilma Rousseff?

O custo total da área de propaganda e marketing, incluindo as pesquisas qualitativas e as quantis estratégicas, foi de R$ 44 milhões.

Folha - O Brasil é o país latino-americano no qual as campanhas políticas são as mais caras?

O custo das campanhas no Brasil está diretamente relacionado ao tamanho do eleitorado, à força de sua economia e à qualidade e sofisticação do seu marketing eleitoral. Sem dúvida, um dos melhores do mundo.

Folha - Continua a existir uma imagem negativa dos marqueteiros. Esse é um problema de marketing que os principais envolvidos não conseguem solucionar?

Acho que esta suposta imagem negativa está circunscrita a determinados setores da sociedade que não entendem - ou não querem entender - o verdadeiro papel do marketing político.

Para a maioria da população ocorre exatamente o contrário: há uma profunda curiosidade e atração pelo nosso trabalho. Assim como somos um país com dezenas de milhões de técnicos de futebol, estamos também nos transformando num país com milhões de marqueteiros.

É incrível como hoje todo mundo discute e "entende" de marketing político. Chega a ser pitoresco, nos grupos de pesquisa qualitativa, como eleitores de todas as camadas sociais comentam, opinam e desvendam os segredos do marketing. É uma escola de prática de política.

Folha - Há semelhanças entre a transferência de poder do russo Vladimir Putin para Dmitri Medvedev, em 2008, e agora no caso dos brasileiros Lula e Dilma?

Li sobre isso na mídia internacional. É um equívoco absoluto, uma leitura caricata e ligeira. A democracia no Brasil é mais complexa e sofisticada. Mas isso me faz lembrar uma história curiosa.

Como a eleição brasileira chama a atenção em vários países, no início de maio, um emissário não oficial do governo russo mandou um recado para a campanha de Dilma. Essa pessoa queria oferecer o que seria uma técnica que dizia ser infalível de transferência de votos baseada na experiência exitosa de Putin para Medvedev.

Demos muita risada e é claro que recusamos. Mas tenho a impressão que um ou outro integrante da nossa campanha chegou a ficar tentado em pelo menos ouvir o que os russos tinham a dizer. Mas é óbvio que nenhum contato foi feito, embora o episódio demonstre como era imprevisível para alguns a capacidade de Lula de transferir votos para Dilma.

Serra erra ao optar pelo não-confronto

01 de novembro de 2010 | 0h 14

Christiane Samarco, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - José Serra chegou ao final da segunda campanha presidencial - e mais uma vez derrotado - carregando dois grandes erros. Primeiro, o tucano não conseguiu anular a guerra eleitoral plebiscitária montada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para Dilma Rousseff. Segundo, abrindo mão de se apresentar como candidato de oposição.

Serra não conseguiu convencer o eleitor de que ele deveria trocar a "continuidade" prometida por Lula por um novo governo tucano.

Depois de admitir que Lula era um personagem da política "acima do bem e do mal" e de dizer que "candidato a presidente não é líder da oposição", Serra fez uma campanha com tanto ziguezague que, diante, novamente, da acusação de "privatista", encheu o horário eleitoral com propaganda em que revidava acusando Dilma de "já ter vendido parte do pré-sal a estrangeiros".

A expectativa inicial era bem diferente. Quando o então governador de Minas Gerais e senador eleito Aécio Neves discursou no dia 10 de abril a cerca de 3,5 mil dirigentes e militantes do PSDB, DEM e PPS, no pré-lançamento da candidatura Serra, o tucanato identificou ali o mote para a campanha de oposição. Sob aplausos entusiasmados do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e apupos de toda a plateia, Aécio voltou sua artilharia de críticas e ataques ao PT e ao modo petista de governar.

Grato pelo discurso firme de apoio do mineiro, Serra chegou a beijar Aécio na face. Mas a cortesia política parou aí. Lançada a candidatura, o ex-governador não foi chamado para discutir e definir as táticas da campanha. Ao contrário, os encontros iniciais com Fernando Henrique e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) acabaram suspensos pelo próprio Serra.

"São reuniões da agenda negativa", queixava-se o candidato Serra. Além da resistência a críticas e sugestões, havia o temor de que eventuais reparos vazassem para a imprensa. Serra não ouviu os líderes tucanos ao longo da campanha até a votação em primeiro turno. Colocado de escanteio, FHC não escondeu a mágoa nem a decepção com o candidato que não assumia o legado de seu governo e acabou perdendo a identidade.

Em desabafo a um interlocutor na ocasião, Aécio fez a seguinte síntese dos rumos da campanha do paulista: "Serra só queria apoio eleitoral, e não apoio político". A queixa generalizada do tucanato foi a de que o candidato à Presidência "não abriu espaço para discussões políticas dentro da campanha". Ao final do primeiro turno, o mesmo Aécio sintetizou a situação: "Serra foi candidato como quis, com o discurso que quis e da forma que quis."

Tanto é assim, que entrou na campanha com a vaga de vice aberta e arrastou a definição até o final do prazo legal para registrar a chapa. Não bastasse a recusa de Aécio em compor a "chapa puro-sangue do PSDB", que soava como derrota, Serra ainda esticou a corda a ponto de comprar briga com o DEM e de se desgastar interna e externamente com a escolha.

Ao final, o anúncio do vice Índio da Costa (DEM-RJ) não agregou votos nem apoios. A partir daí, Serra fechou a campanha, interrompendo o diálogo com tucanos e aliados. Ignorou o conselho político, que não se reuniu uma vez sequer, e se isolou da máquina partidária e dos aliados.

O DEM reclamou muito do candidato que passou o primeiro turno preocupado em não confrontar o presidente Lula. "Fazer oposição é um dever e ganhar é uma consequência", dizia o líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC), que tocou a campanha em Santa Catarina sob ameaça de Lula de "exterminar" os Bornhausens da política.

Coordenação confusa. Serra não entrou na polêmica, até porque não montou um time nos Estados para tocar a campanha e ignorou os coordenadores regionais escalados pelo presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PE). O candidato deixou claro que não queria reuniões com coordenadores. "Vão ficar reclamando e pedindo coisas. Isso não é bom", justificou.

Como não interagia com as regionais do PSDB e das legendas aliadas, acabou fazendo uma campanha de improviso Brasil afora. As programações eram definidas à última hora, sem mobilização. Surpreendidos com visitas não programadas, aliados se irritavam e reclamavam do candidato. Os erros foram tantos, que, diante da perspectiva de um segundo turno, a recomendação do comando da campanha a Serra foi uma só: "Não faça nada. Deixe que a tendência atual se encarregue de levá-lo ao segundo turno."

Apesar dos problemas, nos 20 dias que antecederam o primeiro embate a equipe de marketing apostava no segundo turno, tomando por base levantamentos internos. Receberam o resultado das urnas sem planos de mudança, mas líderes aliados e do PSDB já davam como certa a rediscussão dos rumos da campanha. Diziam que queriam mudar até o visual e o "astral" do candidato, e conseguiram.

Quando a campanha eletrônica recomeçou no rádio e na televisão, o tucanato finalmente gostou do que viu. Alívio geral diante da avaliação de que, no primeiro turno, Serra apostara tudo no programa de televisão e errara no marketing da campanha.

"O primeiro programa de televisão do Serra escureceu a humanidade. Foi tão ruim, que todo mundo se desorientou", lembrou Sérgio Guerra. "O candidato estava feio, o programa estava triste e a mensagem era desastrosa, com o Serra falando coisas que o povo não queria ouvir e não entendia." Já no segundo turno, todos estavam de acordo que o marqueteiro Luiz Gonzalez finalmente "acertara a mão".

Esperanças renovadas, a expectativa do tucanato era de que estava de volta o Serra dos acertos. Serra assumiu a segunda candidatura despido do perfil de desagregador e com uma imagem renovada de candidato que soma e agrega aliados. Ainda assim, o eleitor preferiu a "continuidade" e não viu em Serra razões para trocar de governo, repetindo o panorama político de 2006. Como hoje, o eleitor não viu na reeleição daquela época motivos para trocar Lula por Alckmin.

Saturday, November 06, 2010

Kennedy Alencar

31/10/2010

Colheram o que plantaram

Apesar de alguns erros derivados de certa soberba e de percalços sobre os quais não teve controle, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva executou com sucesso uma estratégia que traçou no começo do segundo mandato: eleger Dilma Rousseff como sucessora.

Foram eixos da estratégia não cair na tentação do terceiro mandato e apostar num plebiscito sobre os seus oito anos de governo contra os oito anos de Fernando Henrique Cardoso.

Enquanto a oposição e parte da imprensa acreditavam que Lula queria o terceiro mandato e fazia jogo de cena para esperar o melhor momento de mudar a Constituição, Dilma Rousseff ficou livre para aparecer nas vitrines positivas do governo. Se ela tivesse sido apontada candidata lá atrás, auxiliares como Erenice Guerra teriam entrado bem antes na alça de mira.

No entanto, dando o devido crédito ao chefe, Dilma ficou livre para ter o controle de todas as bandeiras positivas do governo, como conduzir a mudança da lei para explorar o pré-sal, gerenciar o programa de habitação "Minha Casa, Minha Vida" e virar a "mãe" do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

No teste de fogo da crise internacional de 2008/2009, Lula foi aprovado. Esse teste foi bem mais duro do que o rigoroso ajuste fiscal e monetário de 2003. A oposição cobrava de Lula capacidade de gerenciar a crise. E ele foi bem. Fez um rápido e certeiro diagnóstico da crise financeira internacional e de como o Brasil deveria enfrentá-la. O maior acerto: medidas para reforçar o mercado interno como forma de atravessar o deserto e compensar a queda da economia global.

Nessa estratégia vitoriosa, é justo registrar a importância da aliança PT-PMDB. Na crise do Senado, em 2009, a oposição tentou criar um racha na relação entre peemedebistas e petistas. A ideia era transformar o Senado, Casa na qual Lula sempre teve dificuldade, num bunker oposicionista. Mas Lula não jogou ao mar o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Em troca, obteve uma aliança formal com todo o PMDB, o que garantiu uma máquina política ainda mais expressiva no país e um tempo de propaganda no horário eleitoral gratuito para vender Dilma na hora decisiva.

O bom momento econômico favoreceu a tese de polarização PT-PSDB, apesar do susto com o desempenho de Marina Silva (PV-AC), que forçou a realização do segundo turno. Uma taxa de crescimento de cerca de 7% neste ano fortaleceu a defesa do continuísmo, dando gás a uma candidata tirada do bolso do colete. No contexto econômico, destacaram-se ainda as políticas de reajuste do mínimo, de ampliação do crédito, de massificação de programas sociais e de incentivo a grandes grupos nacionais considerados estratégicos e amigos.

Os principais erros da campanha não comprometeram o resultado final, mas trouxeram muita tensão ao governo na virada do primeiro para o segundo turno. A campanha de marketing de Dilma demorou a perceber a sangria de votos com o debate sobre a legalização do aborto. Gente da cúpula dava como favas contadas uma vitória no primeiro turno quando já era evidente que uma segunda etapa seria inevitável. O próprio Lula se iludiu com sua alta taxa de popularidade. Entre os percalços sobre os quais não teve controle, o principal foi a doença de Dilma em 2009.

Obtida a vitória, há também uma importante lição: a realização do segundo turno e o percentual de votos dados a Dilma não autorizam uma atitude arrogante em relação aos adversários e à imprensa, mas isso será assunto de outra coluna.

Ninguém ganha sozinho

Num cenário de extrema adversidade política, é surpreendente a performance de José Serra. Ele disputou a eleição contra a candidata do presidente mais popular da história recente num contexto de crescimento econômico e de transformações sociais inéditas no país. Nesse sentido, é uma derrota que não envergonha o PSDB, mas o candidato cometeu o principal erro de quem deseja conquistar a Presidência: achar que poderia se eleger sozinho.

Na primeira metade de 2009, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso selou um acordo entre Serra e o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves. Garantidos alguns compromissos, o mineiro seria vice de Serra, que governava São Paulo naquela época.

Fiador dos compromissos, FHC testemunhou Serra rompê-los. O primeiro deles: Serra não quis participar de reuniões prévias pelo país, nas quais o PSDB ouviria seus dois pré-candidatos e depois decidiria quem disputaria o Palácio do Planalto.

Líder disparado nas pesquisas, Serra julgava a ideia uma forma de miná-lo politicamente. Mas Aécio queria uma saída para dizer ao eleitorado de Minas por que aceitaria ser vice do governador paulista. Outro compromisso era afirmar com todas as letras que, se eleito, Serra patrocinaria novas mudanças constitucionais para que Aécio fosse o próximo da fila. Pelo acordo, Serra articularia a aprovação de projetos no Congresso para acabar com a reeleição e reinstituir o mandato de cinco anos. Aécio sempre demonstrou pouca crença na capacidade de, sentado no Planalto, Serra abrir mão da possibilidade de se reeleger. Mas FHC dizia a Serra que era importante que ele se comprometesse com essas alterações a fim de tranquilizar Aécio e Minas. O final dessa história é sabido.

Entre setembro e fevereiro, a folga sobre Dilma nas pesquisas deu a Serra a ilusão de que poderia ignorar os apelos para assumir a candidatura e fazer concessões a Aécio. Ele não aceitou as cobranças do PSDB e do DEM para admitir que era candidato e montou uma estrutura de campanha centralizada e distante dos aliados.

Esticou a corda até junho para tentar obter a companhia de Aécio em sua chapa, mas estava tão fraco que não teve como enfrentar a resistência dos democratas à escolha do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) para vice. Ao explicar as razões de aceitar o pouco conhecido deputado federal Indio da Costa (DEM-RJ) como companheiro de chapa, Serra admitiu que a questão estava encaminhada em outro sentido, mas não havia dado certo.

A biografia respeitável, a tenacidade com a qual se jogou na disputa e a assimilação de um discurso conservador que destoa de suas próprias ideias não foram suficientes para levar o tucano à vitória. Serra quis ganhar sozinho. A exemplo de Lula, colheu o que plantou.

Wednesday, November 03, 2010


FHC diz não endossar mais PSDB que não defenda a sua história

MARIA CRISTINA FRIAS - COLUNISTA DA FOLHA / VINICIUS MOTA - SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

"Não estou mais disposto a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ontem, em entrevista no instituto que leva seu nome, no centro de SP.

Presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique defende que o partido anuncie dois anos antes das eleições presidenciais seu candidato. "O PSDB não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D."

O ex-presidente diz que Lula "desrespeitou a lei abundantemente" na campanha e que promove "um complexo sindical-burocrático-industrial, que escolhe vencedores, o que leva ao protecionismo".

Para FHC, a tradição brasileira de "corporativismo estatizante está voltando". Lula é uma "metamorfose ambulante que faz a mediação de tudo com tudo".

Folha - José Serra aproveitou a oportunidade do segundo turno como deveria?

Fernando Henrique Cardoso - Cada um tem um estilo e Serra foi fiel ao estilo dele. Tomou as decisões dele na campanha, com o [marqueteiro Luiz] Gonzalez. Não fez diferente do que se esperaria de Serra como um candidato persistente, que define uma linha e, aconteça o que acontecer, vai em frente.

O PSDB, e não o Serra, tem outros problemas mais complicados. Não é falta de bons candidatos. O problema é ter uma noção do coletivo, uma linguagem que expresse o coletivo, que não pode ser fechado no partido. Numa sociedade de 130 milhões de eleitores, a mensagem conta muito - no conteúdo e no modo que se transmite.

Como o Lula ficou muito fixado numa comparação para trás, os candidatos esqueceram a campanha e não definiram o futuro. Esse é o desafio - para o PSDB também.

O nosso futuro vai ser, outra vez, fornecer produtos primários? Ou vamos desenvolver inovação, modificar a educação, continuar a industrialização. Isso não foi posto [na campanha]. Qual será nossa matriz energética. Preocupa-me muito a discussão do petróleo.

Nesse campo, o seu governo quebrou o monopólio da Petrobras e implantou o modelo de concessão. A fórmula proposta por Lula, de partilha, para o pré-sal, que traz novos privilégios à Petrobras, é melhor?

Não posso responder, porque não vi a discussão. Preocupa-me esse modelo porque força uma supercapitalização [da Petrobras] sem que se saiba bem qual será o modelo de venda desse petróleo. Essa forma de partilha proposta é uma estatização do risco. O risco quem corre é o Estado, ao contrário do modelo de concessão.

O que estamos fazendo é uma dívida. Isso obriga a sobrecapitalizar a Petrobras. Parece que não temos mais problemas de poupança no Brasil. Entramos numa ilusão tremenda nessa matéria. O Tesouro faz a dívida com o mercado e empresta para o BNDES ou para a Petrobras. É como se não precisássemos mais poupar. Mas a dívida está aí. Essa questão o PSDB não politizou.

O governo Lula mobiliza fundos públicos e paraestatais e patrocina a formação de grandes empresas no país, uma espécie de complexo "industrial-burocrático", parodiando o "industrial-militar" do Eisenhower [em 1961, ao deixar o governo, o então presidente dos EUA Dwight Eisenhower alertou para os riscos de uma influência excessiva do complexo industrial-militar para o processo democrático]. 

Há mais ruptura ou continuidade em relação ao processo que se iniciou no seu governo, quando o BNDES e os fundos de pensão das estatais viabilizaram as privatizações?

Tudo é uma questão de medida. Os fundos [de pensão] entraram na privatização porque já tinham ações nas teles e participar do grupo de controle lhes dava vantagem. Fizeram um bom negócios Mas tive sempre o cuidado da diversificação. No mundo integrado de hoje, convém que a economia tenha um setor público eficiente e que tenha um setor privado, nacional e estrangeiro. Tentamos equilibrar isso.

O problema agora é de tendência, de gigantismo de uns poucos grupos, nesse complexo, que na verdade é sindical-burocrático-industrial, com forte orientação de escolher os vencedores. Isso é arriscado do ponto de vista político e leva ao protecionismo.

A máxima "política tem fila" foi usada para defender a precedência de Serra sobre Aécio na eleição de 2010. A fila andou ontem? Chegou a vez de Aécio Neves no PSDB?

Eu não posso dizer que passou a primeiro lugar, mas que o Aécio se saiu bem nessa campanha, se saiu. Não posso dizer que passou a primeiro lugar porque o Serra mostrou persistência e teve um desempenho razoável.

Não diria que existe um candidato que diga: "Eu naturalmente serei". Mas o PSDB também não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D. Dentro de dois anos temos de decidir quem é e esse é tem de ser de todo mundo, tem de ser coletivo.

Não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história. Tem limites para isso, porque não dá certo. Tem de defender o que nós fizemos. A privatização das teles foi bom para o povo, para o Tesouro e para o país. A privatização da Vale foi um gol importante, porque, além do mais, a Vale é uma empresa nacional. A privatização da Embraer foi ótima.

Então por que não dizer isso? Por que não defender? Privatizar não é entregar o país ao adversário, pegar o dinheiro do povo e jogar fora. Não. É valorizar o dinheiro do país. Tudo isso criou mais emprego, deu mais renda para o Estado.

Do ponto de vista econômico, as questões estão bem encaminhados. Os motores da economia são fortes. Os problemas maiores são em outras áreas: educação, segurança, democracia, igualdade perante a lei, droga. Não é para saber se a economia vai crescer, é se a sociedade vai ser melhor.

Sobre a democracia no Brasil, o sr. escreveu, recentemente, que é uma maquinaria institucional em andamento, mas que lhe falta o "espírito": "a convicção na igualdade perante a lei, a busca do interesse público e de um caminho para maior igualdade social". Sinais desse espírito no processo eleitoral que se encerrou?

Francamente não vejo. O presidente Lula desrespeitou a lei abundantemente. Do ponto de vista da cultura política, nós regredimos. Não digo do lado da mecânica institucional - a eleição foi limpa, livre. Mas na cultura política, demos um passo para trás, no caso do comportamento [de Lula] e da aceitação da transgressão, como se fosse banal.

Houve abuso do poder político, que tem sempre um componente de poder econômico. Quantos prefeitos foram cassados aqui em São Paulo, por exemplo em Mauá, por abuso do poder econômico? Por nada, comparado com esse abuso a que assistimos agora. Não posso dizer que houve progresso da cultura democrática brasileira.
Aqui está havendo outra confusão. Pensar que a democracia é simplesmente fazer com que as condições de vida melhorem. Ela é também, mas não se esqueça que as ditaduras fazem isso mais depressa.

Como o sr. vê a volta de temas como religião na campanha?

Com preocupação. O Estado é laico, e trazer a questão religiosa para primeiro plano de uma discussão política não ajuda. Todas as religiões têm o direito de pensar o que queiram e de pregar até o comportamento eleitoral de seus fieis. Mas trazer a questão como se fosse um debate importante, não acho que ajude.

A dose dos chamados marqueteiros nas campanhas tucanas está exagerada?

Sim, em todas as campanhas. Nós entramos num marquetismo perigoso, que despolitiza. Hoje a campanha faz pesquisas e vê o que a população quer naquele momento. A população sempre quer educação, saúde e segurança, e então você organiza tudo em termos de educação, saúde e segurança.

Sem perceber que a verdadeira questão é como você transforma em problema uma coisa que a população não percebeu ainda como problema. Liderar é isso. Aí você abre um caminho. A pesquisa é útil não para você repetir o que ela disse, mas para você tentar influenciar no comportamento, a partir de seus valores.

Suponha uma pesquisa sobre privatização em que a maioria é contra. A posição do líder político é tentar convencer a população [do contrário]. O que nós temos na campanha é a reafirmação dos clichês colhidos nas pesquisas. Onde é que está a liderança política, que é justamente você propor valor novo. O líder muda, não segue.

Como mostrar as diferenças entre PT e PSDB? As ideias tucanas não são difíceis de assimilar?

Você se lembra de quando fui presidente? A ambição de todo mundo era cortar a burocracia. Por quê? Porque foi politizado.

É preciso politizar, e não é na hora da campanha.O PSDB, quando digo que tem que ter por referência o coletivo e ter um projeto, é agora. Não é para daqui a quatro anos. Daqui a quatro anos é tarde. Ou durante quatro anos você martela os seus valores e transforma os seus valores em algo que é compartilhado por mais gente, ou chega lá e não consegue. É tarde.

Mas o PSDB deixou o Lula falando sozinho um bom tempo.

Não foi só o PSDB. Foi todo mundo. Quando o nosso sistema presidencialista é exercido a partir de uma pessoa carismática como o Lula e que tem por trás um partido organizado, ele quase se torna um pensamento único.

Aqui, fora da campanha, só o governo fala. Quando fala sem parar, o caso atual, e sob forma de propaganda, fica difícil de controlar. No meu tempo, também era o governo que falava. Como não tenho o mesmo estilo e não usava uma visão eleitoreira o tempo todo, não aparecia tanto. Mas isso é da cultura brasileira.

Jornal dá o "outro lado", mas a TV não dá --só dá na campanha. O que a mídia em geral transmitiu ao longo desses oito anos? Lula, violência e futebol.

A oposição, liderada pelo PSDB, ficou mais forte nos Estados e mais fraca no Congresso. Como fará para resistir à força gravitacional do Planalto?

Não é fácil, porque os Estados têm interesses administrativos. Mas um pouco mais de consistência oposicionista pode. No regime militar, Montoro e Tancredo eram governadores e se opunham. É preciso recuperar um pouco essa dimensão política.

Mas o carro chefe para puxar [a oposição] não pode ser o governador. Tem de ser o partido. E não é o PSDB só. Esses 44 milhões [votação de Serra no domingo] não são do PSDB. É uma parte da sociedade brasileira que pensa de outra maneira. E não se pode aceitar a ideia de que são os mais pobres contra os mais ricos. Nunca vi uma elite tão grande: 44 milhões de pessoas.

A polarização nacional entre PT e PSDB completou 16 anos. Tem feito mais bem ou mais mal ao Brasil?

O que o Chile fez na forma da Concertação [a aliança entre o Partido Socialista e a Democracia Cristã que governou o Chile de 1990 a 2010], fizemos aqui sob a forma de oposição. Há muito mais uma linha de continuidade que de quebra. Queira ou não queira, o pessoal do PT aderiu, grosso modo, ao caminho aberto por nós. Isso é que deu crescimento ao Brasil. A briga, na verdade, é pelo poder, não é tanto pelo conteúdo que se faz. No tempo que cheguei lá, eu escrevi o que ia fazer e fiz. Nunca mudei o rumo. O Lula mudou o rumo. Agora acho que tem aí o começo de um rumo que não é o mesmo meu, que é esse mais burocrático-sindical-industrial. E tem uma diferença na concepção da democracia, e o PSDB tem de acentuar essa diferença.

Mas o que seria essa social-democracia?

Social-democracia, vamos devagar com o ardor. O sujeito da social-democracia europeia eram a classe trabalhadora e os sindicatos. Aqui são os pobres. O Lula deixou de falar em trabalhador para falar em pobre. Mudou. Nós descobrimos uma tecnologia de lidar com a pobreza, mas estamos por enquanto mitigando a pobreza.

Tem de transformar o pré-sal em neurônio. Esse é o saldo para uma sociedade desenvolvida. Social-democracia hoje é isso. É inclusão social, respeitando o mercado, sabendo que o Estado terá um papel importante, mas não é tudo, e que o mercado tem de ser regulado de olho numa inclusão que não seja só de mitigação. Não pode ter predomínio do olhar do Estado. Está se perfilando, no PT e adjacências, uma predominância do olhar do Estado, como se o Estado fosse a solução das coisas. Continuo achando que o Estado é indispensável, mas a sociedade deve ter uma participação mais ativa. Os movimentos sociais estão todos cooptados.

Então a diferença entre PT e PSDB, para o sr., se dá em relação ao papel do Estado.

Mas não no sentido de não ter papel para o Estado. No sentido de que esse papel tenha de ser de um Estado que se abra para a sociedade. Não de um Estado burocrático, que se imponha à sociedade.

A nossa tradição é de corporativismo estatizante, e isso está voltando. É uma mistura fina, uma mistura de Getúlio, Geisel e Lula. O Lula é mais complicado que isso, porque é isso e o contrário disso. Como é a metamorfose ambulante, faz a mediação de tudo com tudo.

Lula sempre faz a mediação para que o setor privado não seja sufocado completamente. Não sei como Dilma vai proceder.

O sr. sente que isso tende a se aprofundar nesse novo governo?

Sim, a segunda parte do segundo mandato de Lula foi assim. A crise global deu a desculpa para o Estado gastar mais. E o pobre do Keynes pagou o preço. Tudo é Keynes [O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) defendeu, em sua obra "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", a intervenção do Estado na economia para controlar as crises econômicas]. Investimento não cresceu, gasto público se expandiu, foi Keynes.

Não acho que o Brasil vá no sentido da Venezuela porque a sociedade nossa é mais forte. Aqui há empresas, imprensa, universidades, igrejas, uma sociedade civil maior, mais forte. Isso leva o governo a também ter cautela. Veja o discurso da Dilma de ontem [domingo]. Ela beijou a cruz.

Como todo mundo percebia uma tendência nesse sentido, ela disse: "Olha aqui, vou respeitar a democracia, vou dar a mão a todos". Ela tem que dizer isso, porque senão ela não governa.

O que esperar de Dilma Rousseff, que estreia num cargo eletivo logo na Presidência, no dia 1º de janeiro?

Nós não sabemos não só o que ela pensa, mas como é que ela faz. O Brasil deu um cheque em branco para a Dilma. Vamos ver o que vai acontecer com a conjuntura econômica, mundial e aqui. Há um problema complicado na balança de pagamentos, um deficit crescente, uma taxa de juros elevada e uma taxa de câmbio cruel.