Sunday, May 17, 2015

Brasil Vai Voltar a Crescer e Panelaços Irão Acabar

Entrevista - Chico de Oliveira

ELEONORA DE LUCENA - FOLHA DE SÃO PAULO 17/05/2015 

A crise parece muito grande, mas não é. O Brasil vai voltar a crescer, tem uma economia privilegiada e será uma sociedade mais igualitária. A burguesia do país é muito autoritária, mas seu jogo não vai prosperar. Os panelaços não terão continuidade. "A sociedade não aguenta mais ver a demissão de 2.000 pessoas".

A análise é do sociólogo Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, 81. Para ele, o país vive como em um baile, onde tudo está em movimento, o que gera sensações de pressa e angústia. "Isso é ótimo. A pior coisa é a estagnação". E é preciso lutar pelo poder.

Fundador do PT e do PSOL, professor aposentado da USP e autor de clássicos como A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista (1972), ele condena a ausência de ousadia dos últimos governos. "Brizola é o grande político que falta no Brasil. Falta alguém com audácia", diz.

Crítico do lulismo, que classifica como um movimento conservador, avalia que é possível, mas não provável, a derrota do partido em 2018. Na sua visão, Lula vai precisar se realinhar de forma radical, fazendo política de forma mais contundente, ou os tucanos voltarão ao poder. "Se houver um desastre e o PT for desalojado do poder, as burguesias nunca mais se esquecerão disso. Vão tentar manter o PT afastado", declara.

Nesta entrevista, concedida na sua casa na Vila Romana, em São Paulo, Chico de Oliveira fala de seu projeto para um novo livro. Quer tratar do que identifica como chances perdidas pelo lulismo, que deveria ter ampliado muito mais os benefícios sociais. "Erraram. Foi um sonho que poderia ter sido e não foi em toda a sua intensidade", afirma.

Raquel Cunha - 6.nov.2013 / Folhapress

Folha - O que está acontecendo no Brasil?

Francisco de Oliveira - As posições se acirraram porque tem o PT de um lado e os tucanos de outro. Todo o meio desapareceu. PDT, PPS, os democratas, outros partidos praticamente desapareceram. A consolidação de posições que são opostas dá essa sensação de que está tudo muito ruim, mas não está não.

O que há de bom nessa conjuntura?

Bom seria um exagero. É uma conjuntura cíclica, que vai e volta. A crise parece muito grande, mas não é. A concentração da crítica na Dilma é fogo de palha. Nem ela mesma tem o controle do partido dela. O controle ainda é do Lula. Mas Lula não é homem de partido, ele é muito personalista.

Há choque entre Lula e Dilma?

Vai haver sempre. Porque Lula elegeu a Dilma para ser um pau mandado. Mas, quando se chega à Presidência, a regra do pau mandado não vale. Ela tem pouco jogo de cintura político, tem que ouvir muito. O poder fica muito diluído.

Qual sua avaliação do governo Dilma? O que ela faz de bom e de ruim?

Nem nada de muito bom nem nada de muito ruim. É um governo médio e medíocre. Ela não é responsável pelos grandes males do país nem tem solução para esses grandes males. É uma presidente fraca. Votei com convicção nela nas duas vezes e não estou decepcionado. Ela me pareceu ser mais de acordo com as minhas percepções. O governo não tem quase respostas para nada, mas não faz o programa do PSDB. É um programa quase óbvio. Vai empurrando com a barriga. Felizmente, apesar de governos fracos, a tentação autoritária não está voltando.

A ascensão de movimentos mais conservadores nas ruas e no Congresso lhe preocupa?

Não me preocupo porque os tucanos não são populares. Eles não conseguirão galvanizar essa tentativa de desestabilização com apoio popular. Os tucanos sempre evitam recorrer às ruas. Panelaço não é o povo quem faz. Esse tipo de movimento não tem continuidade. Já o PT não pode mover-se com a facilidade que tinha antes de ser governo. Não acredito que o PT tenha solução para nada.

Há uma ascensão da direita?

Não vejo. A direita existe mais na imprensa do que no movimento real de setores da população. A sociedade brasileira é muito diversificada e não comporta uma direita extremada. Existe uma polarização entre os muito ricos e muito pobres. Mas esses dois segmentos não fazem política. A polarização se dá em picos. A linha de continuidade é muito por baixo e muito fraca. Os picos parecem nos espantar. A discussão do impeachment não vai para frente. Renan Calheiros e Eduardo Cunha são fracos. Se fosse com o Ulysses Guimarães, a senhora Dilma estaria dançando miudinho.

Como o sr. analisa a situação do Brasil no mundo?

O Brasil é área de disputa muito forte. É a sexta economia mundial ou algo nessa dimensão. É muito bom fazer negócios aqui, especialmente num momento em que EUA e Europa estão mais ou menos estagnados. A Índia é muito pobre. Na China, ou os negócios passam pelo Estado ou não passam. O Brasil é uma ilha de muita liberdade empresarial. Não tem muita regulação. Salvo em setores muito vulneráveis, se faz qualquer negócio em qualquer parte. O Brasil cresce. Agora está patinando, mas é só uma patinação. Esse ciclo é passageiro; haverá reativação. O Brasil não é um país condenado ao esquecimento. É por isso que é preciso lutar.

Lutar como e para quê?

Pelo poder. Numa sociedade estagnada a luta é mais fácil. Aqui, não. Aqui é como um baile: está tudo em movimento. Dá uma sensação ao mesmo tempo de pressa e de angustia. Porque você nunca está sossegado. E isso é ótimo. A pior coisa é a estagnação. É preciso andar para dar um mínimo para a população mais pobre. Não se pode mais deixar milhões sofrerem com necessidades básicas. Isso não existe. É preciso jogar a bola para frente –e correr atrás dela.

O perfil desse governo é mais protecionista ou liberal?

O governo não sabe se definir em relação a isso. Não sabe se é protecionista ou livre cambista. Vem de uma herança pesada. FHC jogou para destruir regras de proteção, fez um jogo liberal. O que não era esperado, pois sua tradição era pela esquerda. Lula não puxou para a esquerda. Daí vem a indefinição do governo federal, que prossegue com Dilma.

Reajustes reais do salário mínimo, Bolsa Família não são pontos de um governo de esquerda?

Sim, comparando com outros. A ironia é que são medidas capitalistas. Moro num prédio de classe média, onde quem trabalha na portaria já tem carro. É um índice de êxito do capitalismo, até certo ponto. Só um socialista louco –como já fui; hoje sou apenas socialista– para achar que eles não melhoraram de vida. Melhoraram extraordinariamente.

O sr. já afirmou que as esquerdas no Brasil, desde os tempos do auge do PC, passando pelo PT e pelo PSOL, nunca conseguiram ter um projeto para o país. Por quê?

As esquerdas são muito brasileiras: tendem mais à conciliação do que ao conflito. É da formação da sociedade e do Estado. As esquerdas também são muito conservadoras. Na redemocratização, em 1945, o projeto do PCB para o petróleo era privatista. Seguia a linha de aprofundar o capitalismo para criar condições para o socialismo. Esquerda e nacionalismo convergiram numa certa fase. A atual esquerda não tem projeto. Lula nunca teve; Dilma também não tem. O PT não sabe o que é o Brasil, não tem um projeto para o país. Está superado. Não vai acabar, mas não tem nada a dizer a respeito do desenvolvimento do Brasil. Vai empurrando com a barriga. É o partido da ordem.

Seu diagnóstico de esgotamento do PT significa previsão de derrota do partido em 2018?

É possível, mas não é provável. Quando jogo for pesado, Lula vai ter que se realinhar. De forma até radical, o que não é do estilo dele. Ou Lula volta a fazer política de forma mais contundente e mais consistente ou se prepara para entregar o queijo para os tucanos. Lula vai ter que ser mais partidário e retomar a militância política. Vai precisar dar apoio a Dilma para que o mandato não tenha um desenlace que caia em cima dele. Se houver um desastre e o PT for desalojado do poder, as burguesias nunca mais se esquecerão disso. Vão tentar manter o PT afastado.

Há personalidades alternativas?

Brizola é o grande político que falta no Brasil. Governou dois Estados (o RJ duas vezes). Não tem ninguém com esse perfil, com essa audácia. Falta alguém com audácia.

Como o sr. enxerga o Brasil a longo prazo?

Vai caminhar para ser uma sociedade mais igualitária. Não é otimismo. Em geral, a obrigação do cientista social é ser pessimista. Nenhuma sociedade aguenta o nível de desigualdade que se produziu no Brasil. Há pressão da população. Não existe manter 200 milhões de pessoas sob o jugo da desigualdade, reprimida por inteiro. No longo prazo seremos mais igualitários. A democracia está ao alcance das mãos; não é um sonho utópico e é necessária. Menos para os democratas e mais para os não democratas. Quem estiver jogando jogo autoritário não vai aguentar. A burguesia brasileira é muito autoritária. Mas hoje a sociedade não aguenta mais ver a demissão de 2.000 pessoas. Ela não permite. As empresas não são mais donas absolutas do jogo econômico social e político. Têm que prestar contas à sociedade. O confronto deslocou-se do âmbito de empresas e sindicatos para a sociedade.

Como avaliar politicamente essa fração da população que ascendeu nos últimos anos?

Ninguém sabe. É como olhar dentro de uma chaleira. Há vários pontos de ebulição. Há uma ebulição geral na sociedade. Mas o Brasil vai melhorando, incluindo mais gente. É a forma do capitalismo se renovar. Ninguém pense em reformas profundas. As reformas são dadas pelo crescimento econômico e pelo crescimento da população. Pela alfabetização. Essas são as reformas que movem a sociedade. Eu, como um velho socialista –mais velho do que socialista–, não vejo revolução à vista. O Brasil vai engatar, vai crescer. É impossível conter 200 milhões de pessoas, cada uma querendo o melhor para si. Esse egoísmo capitalista é positivo. O socialismo é algo para além.

O sr. planeja um novo livro?

Sobre o ciclo do lulismo. A chance que o Brasil teve desde FHC e, com mais intensidade com Lula, não é de fácil repetição. FHC abre o ciclo. É homem de elite, não gosta do Nordeste, dos pobres. Tenho desgosto em relação a isso. Trabalhamos muito juntos; ele não era assim. O Lula não fez nada de excepcional, não na dimensão que poderia. Excepcional foi o Brasil desde 1930. Agora a chance foi desperdiçada, principalmente por Lula. O capitalismo só funciona com inserção social e não houve nenhum milagre no Brasil. A economia brasileira é privilegiada, disputada. Mas está faltando capacidade de aproveitar isso, ocupar espaços. No passado, quem percebeu isso com lucidez foi San Tiago Dantas (1911-1964, ministro de João Goulart). Ele meteu o pé. Hoje também há oportunidades, mas não há percepção.

Como seria o título do livro?

Vi recentemente Um Sonho Intenso [documentário de José Mariani] e tem um título me perseguindo que é Um Pesadelo Intenso. Pela frustração dessa oportunidade única. Erraram. Foi um sonho que poderia ter sido e não foi em toda a sua intensidade. Não culpo a Dilma. É o lulismo que, contraditoriamente, é muito conservador. Lula não ousa tudo o que poderia ter ousado. O que ele fez em relação à previdência social? Basicamente nada. Quando não se pode incluir pela expansão do mercado, essa é a forma de inclusão, fora do mercado. Ele poderia ter feito um esforço mais intenso para ampliar os benefícios sociais. E isso não é risco para o Tesouro, porque vem compensação pelo outro lado – pela expansão da economia, pelo aumento de arrecadação. Era hora de meter o pé no acelerador e Lula fez o contrário.

Como o sr. avalia o caso Petrobras?

Petróleo ainda é o melhor negócio do mundo. A Petrobras é de 1953 e avançou. Vargas foi obrigado a se suicidar por isso. Os norte-americanos até hoje não engolem o fato de ela ser estatal, mesmo sendo um estatismo frouxo. Não engolem porque é um filé. Está abalada hoje. Há pressão para que ela seja fatiada. A burguesia brasileira quer pegar nacos. A Petrobras é um item de segurança nacional; não pode ser privatizada.

E a questão da corrupção envolvendo empreiteiras?

Há tempos, quando todo mundo se desesperava com isso, Ignácio Rangel (1914-1994), que era realista e cético, dizia: "A corrupção é o creme do capitalismo. Não se desesperem, isso é sinal de que o capitalismo está se expandindo". É isso: tudo é corrupto no capitalismo. 

Tuesday, May 12, 2015

O Pedreiro do Verso

São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994 +mais!

JOSÉ GERALDO COUTO

"Entre a dor de cabeça e a angústia, eu preferia a dor de cabeça." A frase – que parece uma versão mais concreta da famosa "entre a dor e o nada eu fico com a dor", de Faulkner – resume o humor agreste de João Cabral de Melo Neto.

Depois de décadas tomando seis aspirinas por dia, ele viu seu mal físico desaparecer inexplicavelmente ao final de uma operação de úlcera. Em seu lugar, instalou-se a angústia.

A angústia do maior poeta brasileiro vivo parece ter aumentado com a perspectiva da publicação, em junho, de sua obra completa, poesia e prosa, em um volume. Ele se diz lisonjeado, mas não evita a autopiada: "É uma coisa meio póstuma".

A publicação coincide com o momento de maior prestígio do escritor: em 1992 ele recebeu nos Estados Unidos o Prêmio Neustadt de Literatura, um dos mais importantes do mundo, e vem sendo apontado como favorito ao Nobel.

Nascido no Recife em 1920, o autor de Uma Faca Só Lâmina viveu no exterior como diplomata entre 1947 e 87, servindo em países como Espanha, Suíça, Portugal e Honduras.

Aposentado em 88, fincou pé no Rio com a mulher, a poeta Marly de Oliveira, 58. Nos últimos tempos, graves problemas de visão têm-no impedido de ler e escrever. Ele, que não gosta de música, passa o dia ouvindo a rádio de notícias CBN.

Nesta entrevista, em seu apartamento no Flamengo, falou sobre poesia, futebol, toureiros e realismo socialista. E mostrou que o humor e a lucidez continuam afiados.


Folha - A publicação de suas obras completas é, por certo, uma distinção. Mas não incomoda ao sr. ver sua obra transformada num monumento?

João Cabral de Melo Neto - Para mim, dá a impressão de uma coisa meio póstuma, sabe? (risos). Mas eu fico muito, como se diz, "flaté" (lisonjeado) de ter sido escolhido vivo, ainda.

Folha - Nas próximas edições, espero que a editora tenha de incorporar os poemas que o sr. ainda vai fazer.

João Cabral - Com esse negócio de olhos – estou com a visão muito ruim dos dois olhos –, acho difícil. Eu, para escrever, preciso ver muito o que eu estou escrevendo, compreende, sou incapaz de compor uma coisa de cabeça e ditar. O poema, para mim, é como se eu pintasse um quadro. Preciso ver como é que está ficando a forma dele. De modo que eu tenho a impressão de que, apesar de ter muita coisa começada, não sei se eu poderei terminar. Mas não precisa dar essa nota de pessimismo, não, porque pode ser que eu melhore e tudo mude...

Folha - Como é o seu processo de trabalho?

João Cabral - Eu demoro muito a escrever. Tem poemas meus que eu levei dez anos para escrever. Faço um esboço, trabalho sobre ele, depois deixo, depois retomo. Não sou desses escritores de "suspiros poéticos e saudades", título do livro daquele poeta romântico (Gonçalves de Magalhães). Para um sujeito desses, não ter a vista não é nenhum problema. Basta a ele cantar seus poemas (risos).

Folha - Saiu recentemente uma biografia do Carlos Drummond, Os Sapatos de Orfeu, de José Maria Cançado, que fala do afastamento entre ele e o sr. a partir de uma certa época...

João Cabral - Não houve afastamento nenhum. O que o pessoal ignora é que desde 47 eu vivi no estrangeiro. Eu era diplomata de carreira. De 47 a 87 eu vivi fora do Brasil. Não houve afastamento nenhum. Eu não sou de escrever carta, compreende, mas eu continuei amigo do Carlos até ele morrer. Aliás, eu estava no Porto quando ele morreu. De minha parte não houve afastamento. Se houve da dele, não sei. Carlos Drummond nunca foi muito homem de receber visita. Em geral ele era encontrável na cidade. Minhas passagens pelo Rio eram rápidas, quando eu mudava de um posto para outro, de forma que eu nem ia no centro da cidade.

Folha - Outro poeta que foi muito seu amigo, mas que de certa forma é seu antípoda poético, foi Vinícius de Moraes. O sr. acha que o Vinícius, de certa maneira, representava uma tendência comum entre os artistas brasileiros de ceder a uma certa lassidão, a uma certa autocomplacência, a uma tendência à facilidade, em sua literatura?

João Cabral - Vinícius fez a poesia que ele queria fazer. Ele era capaz de fazer as poesias mais sofisticadas, se quisesse, como também era capaz de compor samba. Ele era um poeta de uma habilidade como não conheci outro igual. De forma que, se ele entrou por esse caminho do samba, foi porque ele quis. Porque antes ele tinha feito coisas da maior sofisticação.

Folha - A propósito: em seu discurso de agradecimento pelo prêmio Neustadt, no ano passado, o sr. dizia que o lirismo, hoje, é representado pela música popular, e que a poesia tem de ser outra coisa...

João Cabral - A poesia lírica, como o nome diz, é feita para ser cantada. Agora, depois do romantismo, todo mundo faz uma poesia de assunto, vamos dizer, cantável, mas para a qual não se faz música. Então o lirismo se desligou da música. Mas o verdadeiro lirismo é o lirismo para ser cantado. Por exemplo: teatro lírico o que é? É a ópera. Antes do romantismo, existia uma poesia épica, uma poesia histórica, uma poesia didática, até uma poesia epistolar. Uma vez o rei da Espanha se casou com uma princesa italiana, se não me engano, e havia uma duquesa muito rica lá em Madri que não podia receber a princesa no porto de Valência, mas estava curiosa para saber da festa da chegada. Naquele tempo não tinha televisão, nem imprensa, então ela contratou o Lope de Vega para ir a Valência e descrever para ela as festas da chegada da princesa. E o Lope de Vega fez uma série de cartas em verso descrevendo a cerimônia. Então, havia uma poesia epistolar, geográfica. Eu tenho a impressão de que a poesia puramente lírica é a poesia cantada. Agora, tem muita gente que faz poesia lírica, mas que não é para ser cantada, porque não encontra compositor para botar a música (risos). O Vinícius foi consequente com o lirismo dele ao desembocar na música popular. Ele deve ter sentido isso que eu estou dizendo.

Folha - Uma das suas particularidades é a de não gostar de música, e em sua poesia o sr. de certo modo evitou a música...

João Cabral - Aí é o seguinte: eu realmente não tenho ouvido para a música, compreende, e só gosto de duas músicas: o frevo de Pernambuco e o flamenco da Andaluzia. O resto de música não me interessa. Mas o negócio é que música não é só melodia. Música é ritmo também. E minha poesia é musical no sentido de que ela é fortemente rítmica.

Folha - Mas o sr. sempre evitou os ritmos mais tradicionais, como a redondilha...

João Cabral - Ah, sim. Mas aí é porque esse ritmo já tinha se tornado melodia, compreende? Eu não sou auditivo. se eu vou a uma conferência, de repente percebo que não estou prestando atenção ao que diz o conferencista. Tenho a impressão de que deve ser influência do colégio marista, em que eu ouvia tanto sermão e tanta música clássica. Sou incapaz de me recordar de uma música. Só lembro do hino de Pernambuco e do hino brasileiro. Minha atenção é visual. Uma coisa que eu leio, uma coisa que eu vejo, eu não esqueço nunca. Não se pode dizer isso de toda música, mas em geral a música me faz dormir. E, como dizia Valéry, ele estava sempre à procura não do que o fizesse dormir, mas do que o fizesse despertar. Eu também estou sempre à procura de uma coisa que me acorde, e não de uma coisa que me embale. Você vê, por exemplo, que eu não tenho poemas cantantes, não tenho poemas de embalar. Eu procuro uma linguagem em que o leitor tropece, não uma linguagem em que ele deslize. O Pierre Reverdy dizia: o poeta é "maçon" (pedreiro). Ele ajusta as pedras. O prosador é "cimentier" , ele "coule le ciment" (espalha o cimento). Eu procuro fazer uma poesia que não seja asfaltada, que seja um calçamento de pedras, em que o leitor vá tropeçando e não durma, nem seja embalado.

Folha - Eu gostaria que o sr. falasse de outro poeta que parece radicalmente oposto ao sr., o Mário Quintana, morto recentemente, que tinha aquela coisa de valorizar a inspiração e se dizer poeta em tempo integral...

João Cabral - Pois é, mas aí é que está o negócio da sensibilidade poética. Eu, apesar de ter essas minhas ideias, minha sensibilidade não se fecha a outro tipo de poesia. Eu achava Mário Quintana um grande poeta, como acho o (Augusto Frederico) Schmidt um grande poeta. Cecília Meireles, que tem uma música, uma poesia embaladora, é uma grande poeta. O Jorge de Lima, que tinha também aquela poesia meio retórica, como o Schmidt, é um grande poeta. Minha sensibilidade não se fecha a essa gente. Quer dizer, quando eu faço, tento fazer uma coisa. Mas isso não quer dizer que eu só goste daquilo. Eu devo muito ao Paul Valéry, mas gosto imensamente da poesia de Paul Claudel, que era o contrário. Felizmente tenho essa capacidade, de gostar de uma poesia que seja o oposto da minha.

Folha - O sr. simpatizou muito com a poesia concreta. Não acha que em suas atitudes mais radicais – a abolição do verso, o próprio desmembramento da palavra –, o concretismo acabou dando num beco sem saída?

João Cabral - Eu tenho a impressão de que aquelas experiências concretistas não estavam esgotadas. Eles podiam continuar fazendo aquilo. Agora, se eles sentiram necessidade de fazer outra coisa, é um problema deles. Mas a experiência deles não estava esgotada. É a mesma coisa que dizer que a pintura do Mondrian estava esgotada. Mondrian morreu, deixou de pintar, mas podia ter continuado naquelas experiências. Existe uma concepção agora de que o autor tem sempre que se renovar. Eu tenho a impressão de que o autor, depois que chega à sua maneira pessoal, deve desenvolver aquilo e executar aquilo, e não viver num estado permanente de evolução. Você vê na pintura, por exemplo, ou na escultura. Hoje você pega dois tijolos, amarra com arame e diz que é uma escultura. O realismo socialista era uma coisa válida para os países socialistas; Zhdanov queria que os poetas cantassem a grandeza da União Soviética

Folha - Nessa discussão sobre o fim do suporte nas artes plásticas – hoje não se fazem mais pinturas ou esculturas, mas instalações, intervenções etc. –, o sr. teme que isso possa levar a uma espécie de vale tudo, de total falta de critérios...

João Cabral - Eu acho. Eu tenho a impressão de que a evolução não se dá com salto triplo, se dá com salto à distância, compreende? Quer dizer, o sujeito não pode evoluir três estágios à frente do que estão fazendo à sua época. Você procura partir de sua época e dar um passo à frente, e não de repente dar um salto de 17 metros, como é o salto triplo.

Folha - Na poesia há quem veja também um impasse análogo, a necessidade de a poesia, para sobreviver, se combinar com outros meios...

João Cabral - Eu não vejo impasse na poesia. Ela tem uma evolução natural, cada pessoa tem sua voz e deve chegar ao extremo dela. Eu acho que é possível escrever poesia ainda hoje sem recorrer a esses outros meios. Numa tese que apresentei nos anos 50, num congresso de poesia, eu digo que os poetas não estão usando devidamente o rádio, a televisão e outros meios de comunicação modernos. Agora, está claro que você não vai usar esses meios modernos escrevendo sonetos. Se você for utilizar esses meios você tem que adaptar a sua poesia a eles.

Folha - O artista plástico Luiz Paulo Baravelli escreveu certa vez que "há arte demais no mundo". Levando em conta não só a poesia ruim que se publica, mas também a linguagem floreada e sentimental usada pelos políticos e por setores da imprensa, da televisão e da publicidade, o sr. diria que "há poesia demais no mundo"?

João Cabral - A Elisabeth Bishop, poetisa norte-americana extraordinária que viveu no Brasil muitos anos e traduziu diversos poetas brasileiros, inclusive eu, dizia que o mal da poesia brasileira era o excesso de sentimentalidade. Eu tenho a impressão de que, de fato, a curva de derrapagem da nossa poesia é a sentimentalidade. Muita gente confunde poesia com sentimentalidade.

Folha - O sr. fez poemas sobre jogadores de futebol e toureiros. Acharia possível fazer um poema para a Fórmula 1?

João Cabral - Acho que sim. Por que não? Acho que não há assunto fora da poesia, nem assunto dentro da poesia. A poesia está na maneira como você trata o assunto. Você veja que na minha poesia eu procurei tratar de assuntos os mais prosaicos.

Folha - Até a aspirina.

João Cabral - Pois é. A aspirina, aliás, para mim não é nada prosaica. Eu a comparo a um sol. Depois é que eu soube que a aspirina é euforizante. Tenho a impressão de que essa minha depressão hoje é falta de aspirina. Resolvi tomar uma por dia (eu tomava seis), mas, como eu não tenho mais dor de cabeça, eu esqueço.

Folha - O sr. disse que a aspirina tem um efeito euforizante. Imagino que, pela sua própria concepção do fazer poético, o sr. deva rejeitar todo tipo de droga ou auto-indução no momento de escrever.

João Cabral - Ah, sim. Quero escrever sempre em plena consciência. Até o Rubem Braga, que era um bom copo, dizia que só escrevia as crônicas dele quando estava perfeitamente sóbrio.

Folha - Voltando ao futebol. O sr. continua acompanhando?

João Cabral - Não vou mais ao estádio, mas acompanho. Gosto muito de futebol. Fui campeão juvenil de Pernambuco pelo Santa Cruz, em 1935, quando tinha 15 anos. Sempre me interessei muito por futebol.

Folha - Existe algum jogador atual que poderia motivar um poema seu, como foi o caso de Ademir da Guia?

João Cabral - Tem. Esse Jorginho, por exemplo, eu acho um craque. Bebeto, Romário, também. Eu não era atacante, sabe? Eu jogava de "center-half", que corresponde hoje mais ou menos ao número 5: distribuía o jogo e defendia ao mesmo tempo a cabeça-de-área. Eu fui campeão pelo Santa Cruz, mas o meu clube era o América do Recife. Por isso que aqui no Rio eu sou América, e em São Paulo eu sou Palmeiras, porque verde era a cor do América.

Folha - O sr. acha que o Brasil tem condições de ganhar essa Copa do Mundo? Concorda com a filosofia do Parreira?

João Cabral - Acho que tem condições. Quanto ao técnico, eu sou de um tempo em que o técnico era um cidadão que apenas escalava o time e soltava dentro do campo para jogar. Agora, o técnico é um sujeito que quer jogar xadrez. A tendência do futebol brasileiro é querer jogar igual ao futebol europeu. O futebol-força e velocidade. Eu gostava de um jogador como Ademir da Guia porque era um jogador que jogava cadenciado. Nele eu via o futebol brasileiro. Para mim foi sempre o forte do futebol brasileiro um jogo cadenciado. O brasileiro joga futebol como quem toca um instrumento musical. Tenho a impressão de que isso se deve em parte ao contingente de sangue negro na população brasileira. O brasileiro joga com um ritmo diferente. Agora, você vê a crônica esportiva, os locutores usam "ritmo" no sentido de "velocidade". Quando dizem que um time está jogando "com ritmo", querem dizer que joga com velocidade. Ritmo não é velocidade, ritmo é cadência. Ela pode ser rápida ou pode ser lenta.

Folha - O que interessa ao sr. em certos jogadores de futebol, assim como em certos toureiros, é justamente o ritmo e a precisão – que é o que permite um paralelo com o fazer poético, não é?

João Cabral - Exato. Naquele poema Alguns Toureiros eu digo que aprendi com Manolete a não poetizar o poema. Porque esse é o problema de muito poeta: é que ele faz um poema poético. Quer dizer, faz um poema a partir de elementos já convencionalmente poéticos. Ele perfuma a flor. É como se você planta uma rosa e depois acha que a rosa não está cheirando o suficiente e aí põe, em cima da rosa, perfume de rosas para ela cheirar mais (risos). Eles perfumam o poema. Existem toureiros que fazem isso também, floreiam demais o jogo.

Folha - No futebol, o jogador que faz isso seria o "firuleiro", o que faz muita "firula". O sr. disse uma vez que não gosta do futebol da Espanha. Por quê?

João Cabral - Mário de Andrade dizia que a única coisa de que ele não gostava de Minas era o queijo. Eu digo que a única coisa da Espanha de que eu não gosto é o futebol. O andaluz talvez pudesse jogar um futebol cadenciado como o nosso. Mas acontece que na Europa predomina o futebol-força e o espanhol procura jogar à européia, não à latino-americana. Os africanos – os Camarões, por exemplo – têm um jogo muito mais próximo da América Latina do que da Europa.

Folha - O sr. sempre se considerou mais pernambucano do que propriamente brasileiro...

João Cabral - Eu acho que há uma cultura nordestina. O sujeito não pode entender minha poesia como a poesia de um brasileiro qualquer. É de um brasileiro de uma determinada região. Eu sou brasileiro na medida em que sou nordestino, e sou nordestino na medida em que sou pernambucano. Você não pode ser brasileiro "em geral". Eu não conheço o Amazonas, estive em Porto Alegre uma vez, nunca fui ao Mato Grosso. Como é que eu posso me dizer brasileiro "em geral"?

Folha - Como o sr. vê essas tendências separatistas surgidas no Sul do país?

João Cabral - Isso não tem muito sentido. É oportunismo político. Aliás, há uma coisa muito interessante. Você vê, a América espanhola se dividiu toda, não é? Porque a Espanha é um país centrífugo: nela convivem regiões diferentes, com culturas muito diferentes. Ao passo que Portugal é um país centrípeto. Portugal só existe na medida em que ele tiver consciência dele próprio, porque senão é engolido. É um pedacinho da península Ibérica. E nós herdamos dos portugueses esse espírito centrípeto. Por isso é que a América portuguesa ficou unida. Não vejo nenhum futuro para o separatismo.

Folha - Nas eleições presidenciais de 89, o sr. disse que votou, no primeiro turno, no Roberto Freire, e no segundo, no Lula – ambos por serem pernambucanos. Este ano, aparentemente só tem um pernambucano na disputa, o Lula. Seu voto é dele?

João Cabral - A lei eleitoral dispensa o voto dos maiores de 70 anos. Como estou tão ruim da vista, seria um sacrifício para mim ir votar. Aliás, nem sei mesmo se eu conseguiria distinguir a célula branca da amarela. Agora, se eu tivesse de votar, não sei. Não se sabe ainda quem são os candidatos. Pode ser que até lá apareça um outro pernambucano, não é? (risos)

Folha - Na época em que o sr. começou a escrever, e especialmente depois da guerra, havia uma grande solicitação para que os artistas participassem da luta política. Havia os escritores católicos e havia os escritores de esquerda, comunistas. O sr., apesar de ter formação católica, não era mais católico. Com que linha política o sr. se identificava?

João Cabral - Olhe, quando, depois da guerra, o Zhdanov começou a pregar o tal realismo socialista, houve essa grande cisão. O realismo socialista foi mal entendido no mundo todo, inclusive na França, onde provocou uma porção de coisas da pior qualidade. Agora, o problema desse negócio de poesia social é que os sujeitos que defendiam a poesia social escreviam para dizer "É preciso fazer poesia social ", mas não faziam poesia social. Faziam poesia programática. Agora, a poesia social, uma poesia que alcançasse o povo, eles não faziam. Eles ficavam na pregação de princípios. Fazer poesia para o povo começaria por usar formas populares.

Folha - É um pouco o que o sr. tentou fazer com Morte e Vida Severina e O Rio. Mas uma vez o sr. se lamentou que esses poemas não chegavam propriamente ao povo.

João Cabral - Esse negócio de povo é uma coisa muito difícil. Eu acredito que esses poemas não cheguem, vamos dizer, ao interior de Pernambuco, onde o sujeito está acostumado a romance de cordel, mas ao público de classe média têm chegado. Você sabe que Morte e Vida Severina continua sendo levada? Ainda agora está sendo levada na Ilha do Governador por esse Teatro da Terceira Idade. E chegou até à televisão. Mas eu não creio que o sertanejo se interesse por Morte e Vida Severina. Tem gente do povo que se interessa por Morte e Vida Severina e tem gente que é povo para quem Morte e Vida Severina não diz nada. Há muitas camadas de "povo", principalmente num país como o nosso de analfabetismo e falta de instrução.

Folha - Pelo que entendi, o sr. acha que o realismo socialista de Zhdanov foi mal interpretado. Mas a ideia original era boa?

João Cabral - Era uma coisa válida para os países socialistas. O que o Zhdanov queria era que os romancistas e os poetas cantassem a grandeza da União Soviética. Agora, o francês, por exemplo, não tinha por que cantar a grandeza da França. Se ele cantasse a grandeza da França, ele não estava fazendo realismo socialista, porque a França não era um país socialista. Quer dizer, o realismo socialista não era uma arte crítica. Para ter realismo socialista fora da União Soviética, teria que ser uma arte crítica. E isso o Zhdanov não viu. Porque ele pregou as ideias dele para a União Soviética. O erro foi transplantar essas ideias para uma situação diferente. Isso fez muito mal, por exemplo, para a pintura francesa.

Folha - O sr., evidentemente, concordava com aqueles que defendiam uma arte participante...

João Cabral - Pois é, uma poesia que chegasse ao povo. Eu achava que a poesia estava fechada demais e tentei abri-la um pouco mais. Mas depois eu vi que era um negócio muito difícil por essa coisa de que o leitor no Brasil é a elite, de forma que você, queira ou não queira, acaba escrevendo para essa elite. Como é que você vai escrever para o sertanejo, que não sabe nem ler?

Folha - Uma coisa da qual o sr. raramente fala é de cinema. O sr. foi sócio da cinemateca de Londres, não é verdade?

João Cabral - É. Eu fui maníaco de cinema. Em Londres existiam muitos clubes de cinema, e eu era sócio de uma porção deles. Praticamente toda noite eu ia com minha mulher a um cineclube desses. Eles passavam filmes antigos, clássicos, de forma que eu praticamente vi toda a história do cinema.
Agora, cinema contemporâneo mesmo, eu via muito até ir para a Europa, porque aqui no Brasil era legendado. Quando eu cheguei na Espanha, encontrei o cinema dublado, que me tirou completamente o interesse pelo cinema. Porque você vê um grande ator sendo dublado por um ator de segunda, perde completamente o impacto. Infelizmente, por essa coisa de viver no estrangeiro, eu não sei nada do cinema brasileiro. Nunca vi um filme de Glauber Rocha, nem de Nelson Pereira dos Santos.

Folha - Qual foi o último filme que o sr. viu?

João Cabral - Faz uns dois anos, uma filha minha me levou em Copacabana para ver aquele filme chinês, Lanternas Vermelhas. Gostei.

Folha - Sempre houve uma grande sensualidade na sua poesia, mesmo nos primeiros livros, até no uso das expressões "macho" e "fêmea" atribuídas a cidades, regiões, objetos.

João Cabral - Pois é. Talvez essa sensualidade tenha se tornado depois mais explícita, ao escrever sobre Sevilha. Sevilha é uma cidade muito feminina, e eu escrevi muito sobre bailarina de flamenco. Mas, como você viu bem, antes da Andaluzia já havia sensualidade em minha poesia.

Folha - O sr. se queixou numa entrevista de que a crítica não tinha percebido o humor presente em sua poesia. Pode falar um pouco sobre isso?

João Cabral - A crítica percebe outro tipo de humor. Você vê, por exemplo, o meu livro Dois Parlamentos. Um é sobre o problema da seca no Nordeste, outro é sobre o trabalhador da zona da mata. São duas situações injustas diante das quais eu, em vez de fazer uma poesia me apiedando dessas situações, dou uma vaia nelas. Quer dizer, é um pouco a técnica do Jonathan Swift no livro The Country of the Houyhnhnms, que aliás é o título de um poema meu. É uma terra em que os cavalos são os homens e os homens são os criados dos cavalos. Ele descreve o homem como um animal sujo e inferior, e os cavalos é que mandam. Quer dizer, esse tipo de humor que eu uso é um humor swiftiano. Mas eu tenho a impressão de que não se lê muito Swift no Brasil.

Folha - Há outros poemas seus que têm um humor muito franco, direto. Por exemplo, aquele que diz que quem vai primeiro para o inferno são os motoristas de táxi, porque apesar de pagos sempre fazem seu trabalho a contragosto...

João Cabral - Ou quem está atrás de um guichê. Basta você pôr um sujeito atrás de um guichê, imediatamente ele se transforma, vira um pequeno ditador (risos).

Folha - Como é que é o seu dia-a-dia hoje?

João Cabral - Meu dia-a-dia foi sempre ler. Agora, como eu não posso ler, eu ouço rádio.

Folha - Dentro da poesia brasileira moderna, qual é, a seu ver, sua contribuição pessoal?

João Cabral - Eu acho que eu trouxe estas coisas: a preferência pela palavra concreta em vez da palavra abstrata; em segundo lugar, a ausência de embalo, de melodia; em terceiro, a existência do mundo exterior. Porque há muito poeta que você lê e tem a impressão de que o mundo exterior não existe para ele, só existe o mundo interior. Ao passo que na minha poesia você vê que o mundo exterior existe para mim, seja ele um quadro, uma paisagem, uma situação. Não sou nada confessional. Fui na contramão da sentimentalidade, do subjetivismo da poesia brasileira.

Folha - Até por isso, sua poesia é mais difícil, num primeiro contato, para o leitor comum.

João Cabral - Pois é. Por isso é que me espanta o interesse agora da Nova Aguilar em fazer uma edição tão cara de um escritor problemático.