Flaubert, a julgar pela Bovary, é um grande d-escritor. Pouquíssima paciência tenho para paisagens, ambientes, palavra por palavra, sutileza após sutileza. Vamos aos fatos, como nas histórias infantis, resmunga o leitorzinho imaturo que aluga um cômodo no âmago do meu eu. Vez por outra, no entanto, uma passagem se impõe à atenção. Eis aqui apenas um exemplo.
Era o início de abril, quando as primaveras se abrem; um vento morno rola nos canteiros lavrados, e os jardins, como as mulheres, parecem enfeitar-se para as festas do verão. Por entre os barrotes do caramanchão e ao redor, mais além, via-se na pradaria o rio que desenhava na relva sinuosidades vagabundas. Os vapores da noite passavam entre os choupos sem folhas, esfumando seus contornos com um tom violeta mais pálido e mais transparente do que uma gaze sutil presa sobre as suas ramagens. Ao longe, o gado caminhava; não se ouviam nem seus passos, nem seus mugidos, e o sino, tocando sempre, prolongava nos ares sua lamentação pacífica.
Gustave Flaubert – Madame Bovary
Gustave Flaubert – Madame Bovary