Showing posts with label Flaubert. Show all posts
Showing posts with label Flaubert. Show all posts

Sunday, May 09, 2010

Flaubert, a julgar pela Bovary, é um grande d-escritor. Pouquíssima paciência tenho para paisagens, ambientes, palavra por palavra, sutileza após sutileza. Vamos aos fatos, como nas histórias infantis, resmunga o leitorzinho imaturo que aluga um cômodo no âmago do meu eu. Vez por outra, no entanto, uma passagem se impõe à atenção. Eis aqui apenas um exemplo.

Era o início de abril, quando as primaveras se abrem; um vento morno rola nos canteiros lavrados, e os jardins, como as mulheres, parecem enfeitar-se para as festas do verão. Por entre os barrotes do caramanchão e ao redor, mais além, via-se na pradaria o rio que desenhava na relva sinuosidades vagabundas. Os vapores da noite passavam entre os choupos sem folhas, esfumando seus contornos com um tom violeta mais pálido e mais transparente do que uma gaze sutil presa sobre as suas ramagens. Ao longe, o gado caminhava; não se ouviam nem seus passos, nem seus mugidos, e o sino, tocando sempre, prolongava nos ares sua lamentação pacífica.

Gustave Flaubert – Madame Bovary

Thursday, May 06, 2010

The Vanishing Point

[...] O amor, pensava, devia chegar de repente com grande estrondo e fulgurações - furacão dos céus que cai sobre a vida, transtorna-a, arranca as vontades como folhas e arrasta para o abismo o coração inteiro. Ela não sabia que no terraço das casas a chuva faz lagos quando as calhas estão entupidas e permaneceu assim em sua segurança, quando descobriu subitamente uma fenda no muro.

Gustave Flaubert - Madame Bovary
-

Sunday, April 25, 2010

[...] Charles surpreendeu-se rindo; mas a lembrança de sua mulher, voltando de repente, tornou-o sombrio. Trouxeram café, ele não pensou mais no caso.

Pensou ainda menos à medida que se habituava a viver só. O novo prazer da independência tornou-lhe em breve a solidão mais suportável. Podia trocar agora as refeições, voltar ou sair sem dar explicações e, quando estava bem cansado, estender-se com todo o seu tamanho atravessado na cama. Portanto, mimou-se, acalentou-se e aceitou as demonstrações de consolo que lhe davam. De outro lado, a morte de sua mulher fora-lhe muito útil em sua profissão, pois repetira-se durante um mês: "Este pobre jovem! Que infelicidade!" Seu nome tornara-se conhecido, sua clientela aumentara; e, além disso, ia aos Bertaux quando queria. Sentia uma esperança sem alvo, uma felicidade vaga; achava o próprio rosto mais agradável ao escovar as suíças diante do espelho.

Gustave Flaubert - Madame Bovary
-