Showing posts with label Gay Talese. Show all posts
Showing posts with label Gay Talese. Show all posts

Sunday, July 24, 2011

6.

Em consideração às deficiências de minha mãe na cozinha, meu pai muitas noites nos levava ao restaurante de um pequeno hotel em nossa comunidade, a uma pousada do outro lado da baía ou a um de seus restaurantes italianos preferidos em Atlantic City, onde normalmente éramos recebidos, atendidos e servidos de uma maneira que encerrava agradavelmente o dia.

[...] Nos restaurantes ele se tornava outra pessoa, era menos distante, menos tenso, mais amável e comunicativo do que em qualquer outra ocasião, fosse em nosso apartamento ou quando trabalhava nos fundos da butique de minha mãe, na sala de consertos, onde ele passava os dias encompridando ou encurtando vestidos, ou fazendo um terno para alguns dos homens, cada vez mais raros, que valorizavam sua competência e se dispunham a pagar o alto preço de uma roupa feita sob medida.

[...] Nesse período de minha vida eu tive dois pais: um pai de casa e um pai de restaurante. Só com este eu era feliz como filho. E durante meus anos escolares, sobretudo quando me sentia um péssimo estudante, eu me via entrando para o ramo de restaurantes algum dia, dono de um restaurante italiano que atrairia homens como meu pai e poria risos na vida deles [...].

[...] Pelo que eu li nas colunas de jornal de Walter Winchell e Leonard Lyons, ter um restaurante de sucesso era um caminho fácil e seguro para conquistar reconhecimento e prosperidade, uma oportunidade de se tornar uma celebridade entre as celebridades, como fora Toots Shor para os heróis do esporte nos Estados Unidos, Vincenti Sardi para as principais estrelas da Broadway e o que eram os gerentes do Club "21" para os magnatas da nação e suas esposas, exibidas como troféus.

Muito tempo depois que meus sonhos de ser restaurateur se desfizeram e eu me transformei num escritor que ia a restaurantes como meio de fuga da solidão - meu pai certamente sofria do mesmo mal quando costurava - tornei-me um frequentador noturno não só dos lugares da vizinhança, mas de estabelecimentos renomados, como o Club "21", onde logo me habituei aos apertos de mãos e tapinhas nas costas dos proprietários toda vez que eu entrava, pois esse é, sem dúvida, um dos lugares de Nova York onde se cumprimenta com maior efusão. O cliente fiel é acolhido não somente por um simples recepcionista, mas por uma verdadeira comitiva de recepção, integrada por cavalheiros reverentes e bajuladores, que em outros tempos poderiam ter servido ao Rei Sol em Versalhes. No começo eu pensava que o corredor do Club "21" estava sempre povoado de recepcionistas e aduladores, mas logo me ocorreu que esse restaurante não havia prosperado por mais de sessenta anos subestimando a insegurança de seus principais clientes. Na verdade, era provável que seus donos bem soubessem que muitos dos clientes que pagavam contas altas com verbas de representação sentiam que de um momento para outro poderiam perder seus altos postos em grandes empresas, e quando isso acontecesse perderiam sua disputada mesa ao lado da parede esquerda do salão. Mas enquanto  isso não acontecia, eles e os recepcionistas transmitiam segurança recíproca com seus apertos de mãos e abraços, que vinculavam a administração do restaurante à administração do poder e da riqueza da nação.

Assim, no Club "21", eu via em grande escala aquilo que já tinha vislumbrado quando menino em Nova Jersey: restaurantes como salões de deferências, honrarias e autoafirmação. E me abandonei ao prazer do que eles tinham a oferecer, que para mim não era o que aparecia no cardápio, e sim as imagens e sons circundantes, que me transportavam para fora de mim mesmo, o salpico mágico de certa especiaria na gestalt que me elevava a níveis de resposta e fruição que eu muitas vezes experimentava quando ia ao teatro.

Gay Talese - Vida de Escritor