Podemos dizer que a experiência especificamente americana ensinou aos homens da revolução [ * ] que a ação, mesmo que se inicie no isolamento e seja decidida por pessoas individuais pelos mais variados motivos, só pode ser efetivada com algum esforço conjunto em que a motivação de cada um deixa de contar, de modo que a homogeneidade de origem ou passado, que é o princípio decisivo do Estado nacional, deixa de ser um requisito. O esforço conjunto nivela com grande eficiência as diferenças de origem e qualidade. Aqui, ademais, podemos encontrar a raiz do surpreendente dito "realismo" dos Pais Fundadores [ * ] em relação à natureza humana. Eles podiam ignorar a proposição revolucionária francesa de que o homem é bom fora da sociedade, em algum estado original fictício, que era, afinal, a proposição da era do Iluminismo. Podiam ser realistas e até pessimistas neste aspecto porque sabiam que os homens, como quer que fossem em sua singularidade, eram capazes de se unir numa comunidade, que, embora composta de "pecadores", não precisaria refletir necessariamente esse lado "pecaminoso" da natureza humana. Dessa maneira, o mesmo estado social que, para seus colegas franceses, tinha se tornado a raiz de toda a maldade humana, era para eles a única vida razoável em que poderiam se salvar do mal e da desgraça, vida à qual os homens eram capazes de aceder mesmo neste mundo, e mesmo por iniciativa própria, sem qualquer auxílio divino. Aqui, aliás, também podemos discernir a verdadeira origem da versão americana, sujeita a tantos mal-entendidos, da crença então corrente na perfectibilidade humana. Antes que a filosofia americana comum sucumbisse aos conceitos rousseaunianos a esse respeito - o que só veio a acontecer no século XIX -, a fé americana não se baseava absolutamente numa confiança quase religiosa na natureza humana, mas, ao contrário, na possibilidade de refrear a natureza humana em sua singularidade graças a promessas mútuas e a obrigações comuns. A esperança para o homem em sua singularidade consistia no fato de que não é o Homem, e sim os homens que habitam a terra e formam um mundo entre eles. É a mundanidade humana que salvará os homens das armadilhas da natureza humana. E por isso o argumento mais forte que John Adams [ * ] pôde desferir contra um corpo político dominado por uma única assembleia foi que ele estaria "sujeito a todos os vícios, loucuras e fraquezas de um indivíduo".
A isso se relaciona intimamente a percepção da natureza do poder humano. À diferença da força, que é dote e posse de cada homem isolado contra todos os outros homens, o poder só nasce se e quando os homens se unem com a finalidade de agir, e desaparece quando, por qualquer razão, eles se dispersam e abandonam uns aos outros. Assim, prometer e obrigar, unir e pactuar são os meios de manter a existência do poder; sempre que os homens conseguem preservar o poder nascido entre eles durante qualquer gesto ou ação particular, já se encontram em processo de fundação, em processo de constituir uma estrutura terrena estável que, por assim dizer, abrigue esse seu poder somado de ação conjunta. A faculdade humana de fazer e manter promessas guarda um elemento da capacidade humana de construir o mundo. Assim como as promessas e acordos tratam do futuro e oferecem estabilidade no oceano de incertezas do porvir, onde o imprevisível pode irromper de todos os lados, da mesma forma as capacidades humanas de constituir, fundar e construir o mundo sempre remetem mais a nossos "sucessores" e à "posteridade" do que a nós mesmos e à nossa época. A gramática da ação: a ação é a única faculdade humana que requer uma pluralidade de homens; a sintaxe do poder: o poder é o único atributo humano que se aplica exclusivamente ao entremeio mundano onde os homens se relacionam entre si, unindo-se no ato da fundação em virtude de fazer promessas, o que, na esfera da política, é provavelmente a faculdade humana suprema.
Hannah Arendt - Sobre a Revolução - capítulo 4. Fundação I: Constitutio libertatis - pgs. 226, 227, 228