5 de março de 2021
O ETERNO RETORNO
O ETERNO RETORNO
Ronilso Pacheco / Colunista do UOL
01/03/2024
Camila Svenson / UOL |
Todos nós, brasileiros, desde o último domingo, 25 de fevereiro, fomos alcançados por algo sobre o ato convocado pelo pastor Silas Malafaia e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O ato tinha a intenção de demonstrar o apoio de bolsonaristas ao ex-presidente, embora fosse convocado como um ato de defesa do Estado Democrático de Direito. Nas redes sociais, assim como nas análises da cobertura jornalística na grande imprensa, a religião parece ter dado o tom definitivo ao ato.
Fomos bombardeados por imagens de evangélicos marchando enquanto cantavam hinos da Harpa Cristã e saudavam a pátria. Pessoas com olhos fechados concentradas em orações pelo país e abençoando Bolsonaro.
Vimos o discurso de Michelle Bolsonaro, com palavras "proféticas". E, claro, vimos as idosas que ostentavam orgulhosamente a bandeira de Israel. Elas foram o símbolo máximo da ostensiva presença dessa bandeira. Isso porque, segundo as idosas, "Israel é uma nação cristã".
O que foi visto em seguida, já no próprio domingo à noite, foi uma enxurrada de análises que, embora diferisse em termos de ênfase, se assemelhava na identificação de um "culpado": as igrejas neopentecostais. Foram delas, diziam as análises, a participação determinante no ato de Bolsonaro. Afinal, diziam, foi Silas Malafaia quem convocou.
O ato bolsonarista do último domingo mostrou que parecemos estar todos, senso comum e "especialistas", capturados pelos nossos vícios elitistas e racistas. Esses vícios significam a interdição da possibilidade de compreendermos a complexidade do buraco para onde realmente estamos indo (ou já estaríamos). E, mais do que isso, os atores reais que estão por detrás de nossa crise.
Neopentecostal tornou-se "a resposta", o coringa para situações como a do último domingo. Grande parte dos jornalistas, analistas e "especialistas" estava convicta de que o ato bolsonarista, com cenas profundamente religiosas, foi assim devido à adesão e ao protagonismo dos "evangélicos neopentecostais".
Era isso, até que a pesquisa do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, coordenada pelo professor Pablo Ortellado, revelou um desconfortável resultado: a religião de 43% dos manifestantes entrevistados no ato é católica, e 29%, evangélica.
No trio elétrico Demolidor, ao lado de Bolsonaro e Malafaia, estiveram o senador Magno Malta, o deputado Nikolas Ferreira, o deputado Sóstenes Cavalcante, além, claro, da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Estamos falando de três evangélicos batistas, portanto, não (neo)pentecostais, e dois assembleianos, pentecostais. Em outras palavras: não havia liderança "neopentecostal" no trio.
A pesquisa do grupo da USP também trazia um recorte de raça (65% do público se declara branco; 26% pardo; 5% preto) e escolaridade (6% respondeu ter ensino fundamental; 26% ensino médio; 67% ensino superior).
Não são raras, nem inacessíveis, as pesquisas que demonstram como os chamados neopentecostais estão na base da pirâmide social em todos os aspectos. Eles são majoritariamente negros e moram em periferias. Nenhum trecho de vídeo, seja nas redes sociais, seja nas matérias de TV, mostrou público com este perfil majoritariamente. A pesquisa confirmou o que, a olhos nus, já era óbvio.
Os neopentecostais são o grupo cristão com os membros mais pobres. Diferentemente das lideranças das megaigrejas milionárias, muitos pastores e pastoras pentecostais fazem "dupla jornada" com seus trabalhos, que vão desde um funcionário público médio à labuta do pedreiro, do gari e da doméstica. Muitos, portanto, vivem ou de "biscates" ou na dependência da ajuda de sua própria congregação. Estava nítido que esta gente não estava lá. Então, quem estava no ato?
Estava lá uma maioria branca (neopentecostais são majoritariamente pretos e pardos), homens mais velhos/idosos (neopentecostais são majoritariamente mulheres negras de periferia) e com algum nível superior (neopentecostais são majoritariamente pessoas de escolaridade de nível fundamental, médio e técnico).
Este artigo é uma tentativa de explicar que as análises malfeitas, orientadas por um preconceito e um racismo implícito, por parte daqueles que se colocam a pensar a realidade brasileira neste momento, podem nos tornar mais frágeis às estratégias da extrema direita, do fundamentalismo religioso e de espertalhões como Silas Malafaia e Edir Macedo. É hora de "evangélicos neopentecostais" deixar de ser a resposta fácil para descrever a força e a sobrevivência do bolsonarismo.
O governo Bolsonaro, apesar de sua ampla adesão do segmento evangélico, não governou com neopentecostais. Ele governou com evangélicos ditos "tradicionais" e um contingente do grupo chamado no meio evangélico de "reformados", ou calvinistas, por serem adeptos da teologia de João Calvino, inspirador do presbiterianismo.
O Ministério da Educação não foi ocupado por um neopentecostal, mas por um presbiteriano. O Ministério da Justiça foi ocupado por um presbiteriano, não um neopentecostal. O ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro foi um luterano, não um neopentecostal. Damares Alves, uma batista pentecostal, recheou o seu Ministério dos Direitos Humanos com batistas calvinistas, e não neopentecostais. Ernesto Araújo foi um ministro de Relações Exteriores profundamente católico fundamentalista, e não um neopentecostal.
Por outro lado, vale dizer que, se Lula teve grande parte dos seus votos oriundos da classe mais pobre da população, ele teve necessariamente os votos dos evangélicos pentecostais que estão na base da sociedade, nas periferias, e associam Lula com os benefícios sociais que os contemplaram. Vale dizer que movimentos sociais como o MST e o MTST possuem hoje, nos seus assentamentos, um núcleo evangélico pentecostal que se torna cada vez mais influente na luta.
Usar "neopentecostais" como coringa para responder a tudo o que não é explicável sobre a força do bolsonarismo é uma postura medíocre e preconceituosa. Principalmente porque "neopentecostal" não é identidade religiosa. É uma categoria de análise que nasce nas ciências sociais.
Se você perguntar a qualquer evangélico qual a sua denominação, ele te dirá, orgulhoso, que ele é batista, presbiteriano, calvinista, luterano, metodista ou pentecostal. Nenhum, absolutamente nenhum, te dirá "neopentecostal".
No 25 de fevereiro, num ato de afronta explícita à democracia e à laicidade do Estado, nós testemunhamos o que há de mais atual no mundo quanto à ameaça à democracia: o nacionalismo cristão (assustador), a ideia do Israel imaginário (poderosíssimo e não restrito aos religiosos) e o fundamentalismo religioso (vivo, e não restrito aos evangélicos) e uma classe média conservadora ressentida, junto a uma classe trabalhadora desesperançada.
No caso do Brasil, acrescente a insistência do antipetismo, que continua forte e com muitas faces na mídia e na elite econômica do país.
O fato é que o bolsonarismo está vivo, ele tem seus adeptos e ignorar isso apenas prejudica uma leitura coerente e assertiva. Honestamente, os chamados neopentecostais são uma parte ínfima disso.
Se você se horrorizou com as "tias" evangélicas com a bandeira de Israel, eu te diria que elas são inofensivas diante do projeto de poder político e cultural inspirado no "Israel imaginário" que vem de igrejas tradicionais que nem sequer expõem uma bandeira israelense em seus templos.
O apoio evangélico a Bolsonaro continua grande. É verdade. E é por isso que devemos olhar para isso com o enquadramento correto. Isso inclui olhar para o fato de que (se assumindo ou não como tal) muitas igrejas e lideranças com o perfil chamado neopentecostal estão nos territórios periféricos destilando intolerância e violências contra terreiros e fiéis de matriz africana.
Muitas destas igrejas estão nos presídios, dominando a assistência no sistema prisional e impedindo a ação de outras religiões ou mesmo outras igrejas. Este é um problema real, assim como a Igreja Universal vem aparelhando policiais militares nos seus cultos. É para isso que devemos olhar. E não para um espantalho que explica, sozinho, a força do bolsonarismo.
É fazer isso certo ou continuar cultivando likes do senso comum, mantendo ideais de preconceitos, enquanto a extrema direita vai ganhando terreno ao "acolhê-los" como vítimas de uma hostilidade por parte dos "sabichões" e "iluminados" que não respeitam sua fé.
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O Golpe de 64 foi civil militar. Isso significa que as FFAA cumpriram seu papel, mas não estavam sozinhas. Trabalharam em parceria com as oligarquias.
O Golpe do Impeachment, nesse aspecto, foi idêntico, com alguma inversão de papéis entre militares e civis.
A ascensão de Bolsonaro ao Planalto, por fim, apenas repetiu o 'grande acordo nacional' forjado em 2016.
O Golpe de 64 foi civil militar. Isso significa que as FFAA cumpriram seu papel, mas não estavam sozinhas. Trabalharam em parceria com as oligarquias.
Se Bolsonaro tem intenção de fechar o regime por meio da força bruta de Exército, polícias e milicianos, das duas, uma: ou conta com o apoio das oligarquias, ou fracassará.
Caso venha a fracassar, não será sem derramamento de sangue. Mas estará restrito a uma aventura, coroamento da absoluta falta de perspectivas de um líder tão fisiológico que parece nem ter cérebro.
Se, no entanto, um endurecimento do regime fizer parte dos planos das elites brasileiras, empoderando polícias e milícias, o horizonte deixa de ter qualquer visibilidade.
Não há nenhum encadeamento lógico que leve à necessidade de instalar uma Ditadura no Brasil. O povo é dócil, as oposições estão enfraquecidas, as grandes lideranças sob impedimento, as classes médias cada vez mais ilhadas em suas fantasias de participação no jogo político. Tudo indica vitória do campo conservador este ano e em 2022.
Mas a lógica deixou de ser algo com que se possa contar nesse país. Um Narco-Estado miliciano, anômico, desigual e miserável é o cenário de distopias já vividas em países vizinhos de nuestra América. Boa parte desse cenário já é o que às periferias são submetidas há décadas. Mas não está na Constituição!
Institucionalizar a barbárie tem ares de pesadelo.
Sorte nossa parecer improvável.
Pena não ser, de jeito nenhum, impossível.
*
Na imagem: This Oct. 17, 2019 photo shows clouds of smoke from burning cars mar the skyline of Culiacan, Mexico. The Mexican city lived under drug cartel terror for 12 hours as gang members forced the government to free a drug lord. (AP Photo/Hector Parra)
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ABSOLUTO ESTRANHO
Com certo esforço, a revolta pelo asfixiamento do rapaz durante o horário comercial de um supermercado vai ganhando força na bolha branca de classe média letrada do Facebook. Há o caso de uma menina de 11 anos morta com um tiro no peito que passa quase despercebido. E fica cada vez mais apagada da memória 'em rede' a chacina do Fallet.
Os 9 jovens encurralados na casa da ladeira Eliseu Visconti em Santa Tereza tiveram seus corpos, nessa ordem, atingidos nas pernas, dilacerados com facas e coronhadas, antes de receberem 'rajadas de misericórdia' e serem transportados na caçamba de uma picape até o hospital mais próximo, onde oficialmente foram dados como mortos.
60 mil pessoas são assassinadas anualmente no Brasil. 93% das vítimas são homens; 76% são negros, jovens, moradores das periferias urbanas e trabalham nos postos mais baixos dos mercados criminais.
Como os 15 do Fallet Fogueteiro e do Morro dos Prazeres.
É esse, e não outro, o genocídio da juventude periférica a que se refere o Movimento Negro. Essas são as vidas ceifadas que as estatísticas escondem e o 'silêncio sorridente' de que falavam Gil e Caetano faz desvanecer, mas parte - pequena - da sociedade insiste em prantear.
A grande maioria deles não morre pelas mãos do Bope, da ROTA, ROTAM, etc. embora tenhamos as mais altas taxas de letalidade policial do planeta. Matam-se por conta própria, numa estranha guerra entre 'fraternidades' do crime.
A intuição genocida da Direita não deixa por menos: são bandidos. E bandido bom é bandido morto. Que se matem!
Mas como classificar como 'bandidos', ou 'traficantes', um cara de 15, um de 17 e outro de 18 anos, os três primeiros corpos identificados na chacina do Fallet?
Como negar a eles seus nomes, Vitor, Roger e Enzo?
Como explicar às mães dos três que eles não pertencem, segundo as regras sociais brasileiras, à categoria 'passível de luto'?
Como impedi-las de sofrer?
Enquanto o Brasil se negar a dar atenção às causas profundas que levam milhões de jovens ao crime, à morte e ao encarceramento, estaremos dando um salvo-conduto velado ao 'guarda de esquina', aos vigias sem controle do supermercado, aos milicianos, aos justiceiros e, por extensão, a toda sorte de violência doméstica, de crime de ódio, no limite, a toda e qualquer perversidade dos 'homens de bem'.
Uma sociedade que vê morrer mais de 50 mil jovens por ano e 'deixa por isso mesmo', está comunicando que a 'vulnerabilidade' inerente à vida, aquilo que faz com que qualquer animal de rebanho, como nós, se mantenha unido em busca de proteção, é problema dos 'outros'.
"Todas as formas de racismo, intolerância étnica, religiosa ou nacional fundam-se na tentativa de fazer do semelhante um igual, ao preço de fazer do diferente um absoluto estranho", disse Maria Rita Kehl em seu 'Sobre Ética e Psicanálise'.
O 'absoluto estranho' expurgado da vida coletiva tem o dom de retornar. Tem o poder dos espectros. O feitio das sombras.
É a própria sociedade, silenciosa ou sorridente, quem paga, no 'acerto de contas', a fiança dos matadores.
imagem: Natasha Neri para ponte.org
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Programa CASA DA MÃE JOANA MINHA VIDA
Guedes confirmado como ministro chefe da Casa Grande; Araújo continua fora da casinha.
Damares tem ideia fixa com acasalamento; Wajngarten só trabalha com venda casada.
Weintraub não faz o dever de casa; Olavo manda instruções do home office.
Salles finge que não sabe que a Terra é a única morada de que dispomos.
Caserna. Nem nos tempos da Ditadura tantos milicos habitaram o Executivo.
Flávio B. lava dinheiro comprando imóveis; Duda B. enxovalha a Casa do Povo; o B. sonha em morar no canil do Trump.
Adriano foi executado numa casinha de sítio na Bahia; Queiroz tem endereço fixo em SP; Carluxo estava no Vivendas da Barra enquanto Ronnie e Élcio se preparavam para sair e matar Marielle.
O Moro? É o capanga. O porteiro. O vigia.
Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína.
💧
imagem: Lula Marques
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12/02/2024 (Quando todos os olhos estão voltados para o Rio)
"Esse é o mapa de parte da cidade do Rio de Janeiro. Em contorno vermelho parte de Jacarepaguá, Guaratiba e toda a Barra da Tijuca, aproximadamente a área de Gaza (365km2).
Nessa área no Rio moram cerca de 900 mil pessoas. No mesmo espaço, em Gaza, 2,5 milhões.
Israel ordenou que a população de Gaza fosse evacuando todo território e sendo comprimida na fronteira sul, mais ou menos na faixa que pintei de vermelho.
No Rio essa área corresponde ao sub-bairro do Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, onde residem cerca de 30 mil pessoas.
Em Gaza, corresponde ao sul, onde está a fronteira de Rafah com o Egito, que tinha pouco menos de 100 mil habitantes, mas atualmente abriga 1 milhão e meio de refugiados - a maior densidade demográfica do planeta!
Hoje Israel começou bombardeio por terra, ar e água contra essa região. Não há saída. Genocídio brutal, em área concentrada inédita na história. Ao vivo".
Samuel Braun
Prof. Politicas Públicas @UERJ_oficial
Transcrito de O GLOBO. 31/05/2022. Atualizado 05/08/2022.
O compositor Cartola no chão, diante de viatura, após ser agredido por policial — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO |
Havia mais de 200 policiais na Ponte Osvaldo Cruz, perto da Ilha do Fundão, às 6h50 daquela sexta-feira, 20 de fevereiro de 1976. Todos achavam que participariam de alguma operação na Ilha do Governador, ali perto. Mas o ponto de encontro fora marcado naquele local da Zona Norte apenas para evitar vazamento de informações sobre a verdadeira missão a cumprir.
Por volta das 7h, a tropa recebeu ordens para tomar o rumo do Morro da Mangueira. O objetivo da chamada "operação arco-íris" era prender criminosos na favela vizinha ao bairro de São Cristóvão, mas a ação ficaria marcada por detenções sem justificativa e por agressões contra a família de Agenor de Oliveira, o compositor Cartola, que chegou a ser esbofeteado por um agente de segurança.
Antes de subir o morro, os policiais ouviram de delegados a orientação para tratar os moradores da favela "com a máxima urbanidade". Minutos mais tarde, começaram a efetuar prisões sem explicação. Eram tempos de ditadura militar. Todos que não tinham carteira de trabalho assinada no bolso eram logo amarrados uns aos outros, pelas mãos e o pescoço, e levados a camburões numa situação que lembrava o transporte de escravizados até o século XIX.
Moradores da Mangueira presos e amarrados pelo pescoço por não ter carteira de trabalho — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO |
Filho de Cartola, Ronaldo Silva de Oliveira foi abordado e também estava sem carteira profissional. De nada adiantou dizer que era funcionário público. Alguém o apontara como motorista do assaltante Antonio Branco, bastante procurado na época. O filho do sambista até confirmou que havia dirigido para o bandido uma vez, mas só porque estava sob a ameaça de um revólver.
Rapidamente, moradores que acompanhavam a ação disseram que aquele era o filho do célebre compositor, algo que foi logo confirmado por Euzébia Silva de Oliveira, a Dona Zica, mulher do artista. Mas, em vez de ouvir a moradora, os policiais começaram a empurrá-la em direção ao camburão, com a intenção de levá-la junto.
Cartola foi chamado, mas o baluarte da Mangueira, então aos 69 anos, acabou levando uns tapas no rosto enquanto argumentava. A certa altura, um delegado tentou apaziguar os ânimos. O sambista, indignado com toda aquela situação, dizia que não podia admitir a agressão sob a justificativa de que "enganos acontecem".
Moradores amarrados pelo pescoço por não ter carteira de trabalho, na Mangueira — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO |
Enquanto o compositor descia o morro em direção ao asfalto, para acompanhar o filho até a delegacia, alguns moradores cantarolaram versos da então recém-lançada canção Meninos da Mangueira (Sérgio Cabral e Rildo Hora), em que Cartola e Dona Zica são homenageados. O delegado recebeu o sambista em sua sala, na Delegacia de Vigilância Norte, cercado por curiosos. Horas mais tarde, Ronaldo Silva foi liberado sem nenhum pedido de desculpas a ele ou a ninguém da família.
De acordo com a reportagem d'O GLOBO publicada no dia 21 de fevereiro daquele ano, entre os 60 homens detidos durante a força-tarefa, apenas um tinha contra si uma condenação na Justiça. Os outros 59 presos se mostravam preocupados com a informação de que só seriam liberados depois do carnaval. Mas o diretor do Departamento Geral de Polícia Civil, Sérgio Rodrigues, que considerou a "operação arco-íris" um sucesso, garantiu que só ia ficar preso "quem estiver devendo".
Cartola conversando com delegado após operação abusiva na Mangueira — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO |
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Quero crer que as Forças Armadas, assim como as Polícias, estão bravateando quando insinuam destituir o Governo eleito. Elas não dispõem de apoio amplo o suficiente para perpetrar um Golpe comme il fault (se dispusessem, perpetrariam).
Acontece que o pessoal que defende que este é o momento de desmilitarizar a PM, extinguir os exércitos, ou apenas punir exemplarmente comandantes e generais, está blefando também.
Ninguém dá indícios de estar preparado para discutir a verdadeira revolução que seria tirar do centro das decisões as autoridades militares e policiais de um país punitivista e encarcerador como o Brasil.
Tudo fica só no nível da retórica que, por essas bandas, quase sempre descamba pro pensamento mágico.
Nosso buraco, infelizmente, é muito mais embaixo.
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17 de janeiro de 2014
E ainda sobre os rolezinhos: política não trata das "diferenças". Trata dos "antagonismos".
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O 'NEGÓCIO É FARRA'?
No caso dos rolezinhos, fica cada vez mais claro que há uma disputa de narrativas em curso. Ganha quem explicar melhor a "verdadeira" motivação dos meninos e meninas que comparecem às invasões nos shoppings.
Independente, no entanto, daquilo que os venha mobilizando, esses jovens praticaram, antes de mais nada, uma ação.
E a ação coletiva, ainda que seja decidida por pessoas individuais pelos mais variados motivos, só pode ser efetivada mediante algum esforço conjunto em que a motivação de cada um deixa de contar, de modo que a homogeneidade de origem deixa de ser um requisito.
Agir, no sentido mais geral do termo, significa tomar iniciativa, iniciar, começar, imprimir movimento a alguma coisa.
A ação tem uma sintaxe própria que a conduz do começo ao fim e que está diretamente ligada ao que é mais aparente, mais verificável a "olho nu" (O espaço político, segundo Hannah Arendt é, por definição, o espaço da aparência, daquilo que se mostra e pode ser visto por todos).
A consequência imediata dos rolezinhos é a de interromper o fluxo nos shoppings. Ainda que declarem que estão lá para "tirar umas fotos", "dar uns beijos", "rever os amigos", o efeito concreto é o de uma ação de desobediência, visto que há um conjunto de regras estabelecidas que todos os envolvidos conhecem e praticam e que é posto do avesso.
Por terem se iniciado poucos dias antes que a lei que visava proibir bailes funk em logradouros públicos viesse a ser sancionada pelo prefeito, é lícito supor que os rolezinhos sejam uma resposta a esse novo patamar de criminalização das atividades de lazer da tribo urbana dos funkeiros.
Política é o termo que herdamos dos gregos para designar o espaço artificialmente criado para as discussões referentes ao convívio em coletividade. É o espaço onde os assuntos são disputados, negociados entre os cidadãos. Onde consensos provisórios são pactuados.
Na disputa pela narrativa dos rolezinhos, ganhou força, desde ontem, a versão em que os meninos e meninas querem apenas farra.
O erro básico, parafraseando Hannah Arendt, "é ignorar a inevitabilidade com que os homens se revelam como sujeitos, como pessoas distintas e singulares, mesmo quando empenhados em alcançar um objetivo completamente material e mundano".
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https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/rolezinho-nas-palavras-de-quem-vai.html?fbclid=IwAR2YN0k9OiB673tNLnE4rRtdwQ1hqy5RKWTeTZu_H-MyPieJcmqEQm5-WYI
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11 de janeiro de 2014
ROLEZINHO É AÇÃO POLÍTICA
Não é correto reduzir os "rolezinhos" à sua "profunda ambiguidade": ser demanda igualitária quando contesta a exclusividade de espaços semipúblicos para quem tem dinheiro e, ao mesmo tempo, ao expressar fascínio pelo universo da mercadoria, ajudar a reproduzir a desigualdade contestada. Isso é verdade, como explicou o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira ao <brasil.elpais.com> e como lembrou hoje André Singer em sua coluna na Folha. Mas não só.
Na esteira das jornadas de junho, os encontros de milhares de jovens de periferia em shoppings da cidade têm um "modo de fazer" que diz mais, talvez, até, que as demandas explicitadas por seus participantes.
Não se vai ao shopping "dar um rolê" com 5.000 pessoas. Você vai com 5.000 pessoas ao shopping para PARAR o shopping. Nenhum lugar desses tem estrutura para comportar um encontro de milhares de jovens todos-ao-mesmo-tempo e até o porcelanato das paredes das lojas sabe disso. O "rolezinho" vai ao shopping como o manifestante fecha a avenida, como o Ocupa Rio monta suas barracas, como os índios picham o Monumento às Bandeiras. É horizontal como uma passeata do MPL. E é "performance", igual ao black bloc. Negar-lhe essa intencionalidade, ainda que difusa, e mais — carnavalesca, é confinar a ação numa camisa-de-força "antropológica" ou sobrecarregar a análise de preconceito sociologizante. Rolezinho é ação política. Por estar ligada ao funk ostentação ou à vontade de ir ao "templo do consumo", ou mesmo por ser "bagunça", não é menos ação política. E quanto à sua finalidade - parar o shopping - não tem nada de ambíguo.
Sendo assim, a atitude das administrações de shoppings de impedir que outros eventos se repitam teria que estar prevista por essa garotada — necessariamente. Eles não são — e isso não está claro para nós que olhamos de fora — bobos e sabem que em qualquer disputa é preciso haver dois lados. Resta ver o fôlego do impulso político que moveu esses milhares de meninos e meninas. Em negociações sociais, quando uma porta se fecha, outras têm que ser abertas. É importante não perder de vista que o "lado contrário" irá defender sua posição. Cada nova porta só se abre ao ser forçada. Com a chegada da "repressão" iniciou-se um segundo tempo nessa partida. O alcance da "estratégia rolezinho" vai passar por sua primeira prova.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1396595-policia-usa-bombas-de-gas-e-bala-de-borracha-em-rolezinho-em-sp.shtml
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meu criado-mudo repleto de livros / posto sobre quatro pés ladeia a cama / plataforma sólida onde se acumulam / pilhas poeirentas em precário equilíbrio / noite adentro quando, eu já meio ébrio, / me abandono, ali, entre o sono e a vigília / páginas se embaralham à revelia / as que leio hoje e as que eu lia.