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Sunday, June 28, 2009

Inconveniência dos fatos

Reportagem se manteve sóbria e precisa na descrição dos atos do cantor

MÁRIO MAGALHÃES - DA SUCURSAL DO RIO

É desonesto o jornalista que apresenta como novidade informações que ele mesmo veiculou antes.

E é mentiroso quem, com base em falsidades, acusa de reciclagem quem buscou informações novas. A reportagem no Mais! no domingo passado descreveu, entre seus destaques, três fatos:

a) Wilson Simonal declarou em depoimento ao Dops da Guanabara, em 24/8/71, ter comparecido ao órgão "visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico";

b) nas alegações finais e na apelação do processo 3.540/ 72 da 23ª Vara Criminal, Antonio Evaristo de Moraes Filho, advogado de Simonal, avalizou a declaração do cantor;

c) relatório confidencial do Dops, de 30/8/71, classificou o artista como "elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação".

Há muito mais na reportagem, na qual inexiste uma só crítica ao documentário de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.

Ontem e hoje

Ainda assim, sobreveio a agressão. Na TV Cultura, Langer atacou na terça-feira: "Acho que é questão de ética profissional, de um jornalista [este repórter], que se diz jornalista pelo menos, de usar um documento que ele mesmo já usou e falar que é um documento novo".

A única reportagem que eu escrevera sobre o assunto, "Juiz apontou cantor como informante", saiu na Folha em 26/7/00.

Convido Langer a citar trecho em que conste algum documento enumerado acima. Se conseguir, evidencia reciclagem. Caso contrário, desmascara quem de fato mente e fere a "ética profissional".

Em 2000, só tive acesso a 11 folhas do processo, que contém 655 - a íntegra foi obtida semanas atrás. Eram as 11 páginas da sentença, que ignora as declarações de 24/8/71, as manifestações do defensor e o relatório do Dops.
Formar juízo

Em referência ao depoimento de Simonal sobre delações, Langer afirmou: "Ele é usado no filme". Faltou esclarecer em que sequência, já que o documento não é exibido nem mencionado na obra.

Sobre o mesmo documento, Manoel assinala quando ele "aparece" no filme: "O próprio Simonal o divulga, na grande imprensa, em 1971. (Inclusive, no nosso documentário exibimos duas dessas reportagens: "Terror ameaça Simonal" e "Simonal se diz de direita e com bons serviços prestados à Revolução')".

A verdade: essas reportagens (a primeira de "O Dia" de 28/8/71 e, a segunda, do "Jornal do Brasil" de 29/8/71) antecipam ou noticiam o teor de outro depoimento de Simonal, prestado na 13ª DP do Rio em 28/8/71 e datilografado em 111 linhas, quando ele se definiu como "homem de direita", mas nada falou nem foi indagado sobre ser informante da ditadura militar.

Como a Folha anotou há uma semana, esse depoimento "vazou à imprensa".

As reportagens evocadas por Manoel - cópias à disposição - nada informam acerca da declaração anterior de Simonal ao Dops, em 24/8/71, reconhecendo-se informante, e que embasa a reportagem de domingo deste jornal.

Manoel especula que a declaração do cantor se dizendo informante, feita antes da prisão do escriturário Raphael Viviani, poderia ser "fabricada a posteriori".

A teoria conspiratória exigiria um advogado fraudador processual ou inepto a ponto de ser enrolado por Simonal e pelos torturadores de Viviani. Quem conheceu o "doutor Evaristinho", gigante do direito e homem digno, não o imagina nesses papéis.

Porém, a hipótese de "história (de) cobertura", formulada por Manoel, constou da reportagem. O jornal contemplou versões distintas e inconciliáveis, editando um painel plural.

Ao gênero jornalístico da reportagem não cabe patrocinar opiniões ou causas, mas difundir fatos e ideias que contribuam para que o leitor forme juízo. Os fatos são inconvenientes para quem prefere ocultá-los e agora tenta desqualificar uma reportagem sóbria e precisa desqualificando o jornalista.

O cartaz do filme sobre Simonal pergunta: "Culpado ou inocente?". Na busca da resposta, há quem sonegue informações históricas. A autenticidade dos documentos publicados pela Folha foi confirmada por todas as partes na Justiça, inclusive Simonal. Eles são registros da trajetória do grande cantor, e o jornalismo não deve apagá-los.

+ debate

Alguns probleminhas

Produtor de Ninguém Sabe o Duro Que Dei, sobre Wilson Simonal, critica reportagem publicada no Mais! de domingo passado

CLAUDIO MANOEL - ESPECIAL PARA A FOLHA

No último domingo, Simonal foi, mais uma vez, julgado e condenado. Desta vez, pela Folha, numa matéria sensacionalista, enorme (com destaque na primeira página e tudo), assinada por Mário Magalhães.

Foram diversas páginas, todas provocadas pela "descoberta de um fato novo", um documento inédito que provaria de maneira cabal e definitiva que Simonal foi um informante do Dops. Então tá! Mas só que existem alguns probleminhas. Em primeiro lugar, o documento inédito não é inédito.

Ao tentar se defender da acusação de que teria sido mandante do sequestro do seu ex-contador, Simonal (orientado por seus advogados, segundo depoimento da própria vítima, no documentário Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei, meu, de Micael Langer e Calvito Leal) afirmou que havia prestado queixa anterior de supostas ameaças terroristas e, por isso, tinha pedido que o Dops investigasse.

O que o tal documento usado como base na reportagem diz é, mais ou menos, isto: Simonal tenta tirar o corpo fora do imbróglio policial que protagonizou dizendo que era alvo constante dos subversivos, porque simpatizava com o regime de 1964, e acreditava que o Dops poderia ajudá-lo, já que o órgão também atuava no meio artístico, à procura de opositores etc. e tal...

Por isso, ele emprestou seu carro (um Opala) para ajudar nessa "operação".

Quando fui procurado pelo autor da já citada reportagem, seu tom era grave. Ele havia descoberto documentos, tinha tido acesso a mais de 600 páginas, lido vários depoimentos que acusavam Simonal; e, o mais importante, num documento (o tal) anterior ao caso do sequestro de Raphael Viviani (o contador), o "rei da pilantragem" assume que tinha vínculos com o Dops.

Respondi que conhecia direitinho as tais 600 páginas, já que possuo cópias do processo inteiro há mais de cinco anos, e que não lembrava de nenhuma menção com data anterior ao sequestro. O repórter, simplesmente, me afirmou que o documento foi lavrado às 15 horas do mesmo dia em que Viviani seria sequestrado (às 23h). A princípio não entendi.

Disse para ele que, exatamente pela coincidência do dia, isso provaria o oposto. Que o tal depoimento comprometedor tinha a maior cara de ser meio "construído", de ser alguma espécie de álibi, de história de cobertura. Simonal, pra dar coerência a sua linha de defesa, apresentou uma queixa dada anteriormente (que também poderia ser "fabricada a posteriori").

Ou seja, o tal documento não é anterior ao caso do sequestro, é parte tão fundamental dele que o próprio Simonal o divulga, na grande imprensa, em 1971 (no documentário, há duas dessas reportagens: "Terror ameaça Simonal" e "Simonal se diz de direita e com bons serviços prestados à Revolução").

Também perguntei, já que ele estava tão interessado nos aspectos jurídicos do caso, se não tinha lido o arrazoado do juiz ao proferir a sentença que condenou Simonal.

Em sua argumentação final, o ilustre meritíssimo alega que não tem como julgar os agentes do Dops, já que estávamos vivendo um estado de exceção e, por isso, não era da competência dele avaliar atos que poderiam ser de "segurança nacional", mas Wilson Simonal, que era civil, não tinha esse tipo de cobertura; portanto, pena de cinco anos e quatro meses pra ele.

Essa questão não seria um pouco mais intrigante para um jornalista? Se Simonal pertencesse, de fato, a algum mecanismo de repressão em plena "era Médici", por que ele não teve nenhuma proteção?

Seu caso foi o único processo que envolveu agentes do Dops, tortura, prisão ilegal que saiu em toda a mídia da época. No período de censura mais dura, Simonal apanhou sem ser socorrido. Para um cara que era "amigo dos hômi" ele não foi uma presa fácil demais ?

Lendo os depoimentos do processo, testemunhos de defesa e acusação no julgamento, fica-se muito mais com a impressão de uma grande confusão, de uma vendeta boçal que degringolou, do que se joga luz em ligações políticas bizarras.

Também é fajuta a argumentação, citando promotores e juízes (e depois desmentindo "en passant" centenas de linhas depois), que, na época, a Justiça aceitou as provas de que Simonal era informante ou colaborador. Ele nunca poderia ter sido condenado por ser informante simplesmente porque isso não é crime.

E, mais, se em 1971 fosse provado que era um colaborador, jamais seria julgado por isso -seria condecorado. Não é curioso que um "crime" (delação), que além de não ser um crime tipificado e de ser, praticamente, impossível de provar, não prescreva nunca?

Por que, depois de décadas, de esquecimentos, perdões e mudanças de conjuntura, a pergunta que só querem fazer é se "ele era ou não era"? Não fica meio subentendido que, "se ele fosse", então era merecedor de todo o castigo e muito mais? Delatar é mesmo a coisa mais imperdoável que um ser humano pode fazer?

Não existem perguntas ainda mais interessantes ou originais? Naquela época, a luta era, realmente, entre democratas e autoritários? Os que queriam pluralidade, diversidade de opiniões, liberdade de expressão não eram, na verdade, minoria?

No espectro político-ideológico da época, quem, ao alcançar o poder, não queria prender e eliminar opositores? Quantos, em nome da luta contra a ditadura, tinham seus próprios projetos totalitários e defendiam com ardor (e também com pôsteres e camisetas) genocidas de vários calibres?

Também não entendi a citação sobre a facilidade que o repórter teve para contactar o ex-contador do Simonal. Se era tão fácil, por que só fez o contato cinco anos após termos conseguido seu depoimento inédito e esclarecedor para o nosso documentário?

E, voltando ao velho Simona e à questão de ele ser um famigerado colaborador da ditadura: era, realmente, justo esperar que um negro, pobre, favelado tivesse a mesma percepção dos "anos de chumbo" que alguém com formação universitária, classe média alta etc. e tal?

CLAUDIO MANOEL é produtor e diretor do documentário Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei. A íntegra deste texto foi publicada em http://blog.simonal.com/

Sunday, June 21, 2009

Simonal - Ninguém Sabia o Dedo Duro Que Fui

Todos os documentos que integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª Vara Criminal, concluído em 1976 e em "cujas 655 folhas jamais houve divergência", apontam: "dos amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos estiveram de acordo que Simonal - e ele assentia - era informante do Dops".

Parece claro que foi a classe artística quem o acabou punindo, já que o crime pelo qual foi julgado e condenado - três meses por constrangimento ilegal - viria a lhe custar apenas nove dias de cadeia.

Ser a favor da ditadura, ser de direita ou, no limite, até mesmo informante da polícia política era (e é) uma escolha possível a qualquer um. O que não se poderia esperar era que alguém que fazia uso dos benefícios de pertencer à classe artística para ganhar pontos com o governo militar merecesse o perdão daqueles a quem traiu.

Que ele mandou torturar o ex-funcionário já estava provado. Com os documentos do processo 3.450 fica evidente a intimidade de Simonal com o aparato criminoso do regime militar. Por que os artistas da música brasileira, louvados até hoje como heróis da resistência, deveriam ter feito menos do que expulsá-lo do convívio? Não é o mesmo que pedir para que as Forças Armadas poupassem os guerrilheiros do Araguaia?

Simonal não foi condenado ao ostracismo por ser de direita, por racismo, ou por inveja. Ele recebeu a punição típica por um crime típico de guerra. Pena de morte por traição. Nesse caso, morte simbólica, ao contrário das execuções pelas quais seus "chapinhas" Fleury, Borges e Vasconcellos foram responsáveis. Não há intolerância. Mantê-lo por perto seria "dormir com o inimigo". Por que esperar isso de quem, repito, ele traiu? Acrescente-se que Simonal praticamente não ficou preso. Claro que isso aumentou a sede de vingança dos traídos, todos tão humanos e falíveis quanto Simonal.

De toda maneira, se ele precisava da classe artística e da imprensa especializada para se manter, deveria ter cuidado melhor de suas amizades. Silvio Santos, Delfim Neto, os militares, a T.F.P. e as senhoras de Santana nunca tiveram problemas por serem rejeitados pelas esquerdas. Eu, de minha parte, não ia querer dividir o estúdio com ele nunca mais! Vá procurar sua turma! X-9...

Cláudio Manoel, diretor de Ninguém Sabe o Duro Que Dei pergunta: "Por que não passa? Digamos que fosse provado que o cara foi um informante da ditadura. Trinta anos depois da Lei da Anistia, o que interessa isso?". E o torturado, Raphael Viviani, de 68 anos, responde: "Como é que eu vou esquecer uma coisa dessa?" (...) Se você me visse antes e depois daquela noite que eu passei sendo torturado lá, não diria que é a mesma pessoa." Por que não estender a pergunta a Marcelo Rubens Paiva, a Clarice Herzog ou à família de Zuzu Angel?

"Sabendo da origem humilde dele, do fato de não ter tido um pai, você consegue imaginar ser possível a atitude que ele tomou", diz o filho, Max de Castro. "Ainda que nada justifique", completa. Não. Nada justifica. Muito menos explica. Humilde e sem pai, milhões de brasileiros são. Quase ninguém encomenda surras nos desafetos. Muitos menos ainda constroem laços com o monopólio oficial da violência visando benefícios. Pobreza e ausência de ética não andam necessariamente juntos. Juntam-se por opção. Foi essa opção que Wilson Simonal fez. Pagou o preço.

Fontes: Caderno Mais+ e Folha Online

Exército tentou intimidar, diz promotor

O processo contra Wilson Simonal foi a primeira ação penal em que atuou um jovem promotor que chegava aos 30 anos, o hoje deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).

Ele conta que, conhecida a sentença em 1974, o telefone de sua casa não parou de tocar: "Ligavam xingando. Eram fãs do Simonal".

Biscaia relata ter sido alvo de pressões para pedir a absolvição dos cinco réus - em vez disso, acusou-os. Três foram condenados.

"Em duas oportunidades, veio um cidadão, cujo nome eu não recordo, ao meu gabinete e disse que era assessor jurídico do comando do 1º Exército."

O antigo promotor diz ter ouvido: "As Forças de Segurança têm interesse nesse processo. O senhor tem que examinar com todo o cuidado".

"Respondi: "Vou examinar com todo o cuidado, como examino tudo". Ele disse: "Mas eu estou dizendo que as pessoas aqui são ligadas às forças de sustentação do governo revolucionário". "Ele começou a tentar justificar esse ponto de vista e de alguma maneira também me intimidar."

Biscaia caracteriza como "absolutamente insuspeito" o juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto, que condenou três réus a cinco anos e quatro meses de reclusão. "Ele é de família de militares."

"Naquela época tinha muito juiz acovardado", emenda o ex-professor de Processo Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Jorge Alberto Romeiro Jr. "Menna Barreto, que era um homem conservador, fez boa Justiça. É um homem de bem."

Sem arrependimento

Representando Raphael Viviani, vítima de tortura no Dops, Romeiro foi assistente de acusação. Trabalhou praticamente de graça, inconformado com "uma coisa horrorosa, covarde. A tortura é repugnante. O pessoal do Dops não ia fazer isso se o Simonal não fosse um colaborador".

Romeiro tornou-se desembargador, aposentou-se por iniciativa própria e voltou a advogar. Lamentou o acórdão que em 1976 resultou na redução da pena para três meses.

Filho de um ex-ministro do STM (Superior Tribunal Militar), afirma que certa feita indagou a outro antigo ministro da corte, o general Siseno Sarmento, sobre gestões no Tribunal de Justiça do RJ.

De 1968 a 71, o oficial comandou o 1º Exército, no Rio.

"Perguntei: "O senhor não teve interferência ali?". Ele deu uma risada. "Claro que tive." "Então o senhor procurou algum desembargador?" "Procurei. Pedi para ele e tal"."

Os dois desembargadores autores do acórdão em que a sessão de tortura foi tipificada como crime de constrangimento ilegal já morreram.

Menna Barreto é neto de um dos três membros da junta que governou o Brasil por pouco mais de uma semana em 1930. De juiz ele passaria a desembargador. Hoje é consultor jurídico. Defende sua sentença em primeira instância: "Arrependimento? Nenhum. Julguei de acordo com a prova que estava nos autos".

Ele afirma não ter sofrido pressões -"Eu jamais aceitaria". Destaca que inexistiu no processo divergência sobre a colaboração de Simonal com o governo. "E há o depoimento de um tenente-coronel afirmando isso."

Reportagem tentou falar com os filhos de 2ª a 5ª passadas

A Folha tentou da tarde da segunda-feira até a quinta, todos os dias e por diversos meios, entrevistar os cantores Wilson Simoninha e Max de Castro, filhos de Simonal. Na segunda, por e-mail, seguiram informações sobre o conteúdo da reportagem de hoje. As mensagens foram repassadas às assessorias na terça, após telefonemas.

Nos dois dias seguintes, prosseguiram os esforços para ouvir os artistas, até a conclusão desta edição. As assessorias disseram que a agenda artística dificultou o contato com os cantores.

Recentemente, os irmãos têm enfatizado a importância das muitas e novas iniciativas de difusão da obra do pai, morto em 2000. Em 2008, a Folha publicou reportagem sobre o filme "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei".

Max disse considerar a história "incompleta", pois o documentário exibe o depoimento de Raphael Viviani na parte final: "Não há contra-argumentos depois. E a coisa não é tão simples como aparece no filme. Não fica claro que houve ações anteriores [à ida ao Dops]. Ele [Simonal] procurou saber o que estava acontecendo [em relação ao suposto desfalque].

Sabendo da origem humilde dele, do fato de não ter tido um pai, você consegue imaginar ser possível a atitude que ele tomou [hein???], ainda que nada justifique". Depois, Max criticou o jornal por ter publicado que o filme era uma investigação da relação de Simonal com a ditadura.

"O documentário é sobre a saga de um homem negro, filho de uma empregada doméstica, que sai da pobreza, do nada, para se tornar um dos maiores artistas do Brasil durante os anos 1960", escreveu em resposta.

"Atrapalhou minha vida, acabou com a dele", diz vítima

Quase quatro décadas depois dos eletrochoques acionados com manivela e do espancamento que ele denunciou ter sofrido e sentença judicial reconheceu, Raphael Viviani, 68, esboça em mão dupla seu balanço sincero da história: "Isso aí atrapalhou deveras a minha vida, passei um sufoco muito grande. E ele também acabou com a vida dele".

"Ele" é Wilson Simonal, o ex-patrão cuja firma foi alvo de uma reclamação trabalhista do seu antigo chefe de escritório - e não contador, como até hoje se repete - contratado em outubro de 1970 e demitido em junho seguinte.

Em 24 de agosto de 1971, por volta das 23h50, um agente e um colaborador do Dops apanharam-no em casa. Era o dia seguinte à notificação da queixa pela Junta de Conciliação.

na companhia de Simonal, levaram-no para a repartição policial - de onde ele sairia por volta das 20h do dia 25, após redigir de próprio punho uma confissão de apropriação indébita.

Obrigaram-no - foi isso que a Justiça concluiu - a escrever que gastou o dinheiro em "noitadas, bebidas e mulheres". No processo, não consta prova ou indício documental de desvio.

"Como é que eu vou esquecer uma coisa dessa?", pergunta, sobre os idos de 1971. "Não tem jeito de esquecer aqueles dias tumultuados. Se você me visse antes e depois daquela noite que eu passei sendo torturado lá, não diria que é a mesma pessoa."

"Uma foto antes e uma depois, elas saíram num jornal vagabundo, que inverteu toda a minha história, você não diz que é a mesma pessoa. É uma coisa que eu não vou esquecer. Vou acabar levando para o túmulo."

Viviani conversou com a Folha por telefone - foi fácil encontrá-lo recorrendo à lista, pelo nome de um parente que mora com ele em um bairro da zona oeste de São Paulo.

O escriturário conta estar aposentado por invalidez permanente - um diabetes que teria começado a se manifestar em seguida à sua detenção.

Ele reapareceu publicamente com um depoimento no filme "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei".

Como ainda recordava o tom antipático contra ele em segmentos consideráveis do jornalismo, nos dias e semanas posteriores à sua passagem pelo Dops, falou ao documentário "para desabafar um pouco".

"Estava todo mundo formando ideia contra mim. Vou esclarecer isso aí, não devo nada, seria bom. Minha família não gostou que eu tenha feito isso. E até hoje eles não querem que eu mexa mais com isso. E eu não tenho muito o que falar."

Para delegado, "ele não era informante"

ENTÃO Nº 2 NO DOPS, ZONILDO CASTELLO BRANCO ISENTA CANTOR DE COLABORAÇÃO COM POLÍCIA POLÍTICA


O delegado aposentado Zonildo Castello Branco afirma que Wilson Simonal não era informante do Departamento de Ordem Política e Social, apesar de um relatório interno do Dops sustentar o contrário.

Em 1971, quando o informe foi elaborado no órgão - ao fim seria anexado ao processo 3.540/72 -, Castello era o diretor da Divisão de Operações, o número dois da polícia política no Rio.

Foi ele quem encaminhou para o diretor o relatório de autoria do inspetor Mário Borges. "Simonal era muito ligado, conhecia o Mário Borges, mas colaborador não era, não."

O delegado sustenta que enviou o informe ao superior, sem nenhuma restrição às informações, porque esse era o método. "Eu apenas submetia o relatório à consideração."

A Folha localizou no Rio o empresário Sérgio de Andrada Guedes, um dos três condenados no processo. Conversou com ele por telefone, Guedes prometeu ligar, mas não respondeu mais aos recados.

Ele foi um dos dois homens que buscaram Raphael Viviani em casa na noite de 24 de agosto de 1971. No processo, aparece como colaborador do Dops e industrial - hoje sua empresa tem mais de 300 funcionários.

"Muito pouco sei daquilo. Sei tanto quanto vocês, imprensa", disse ele, no único contato com o jornal.

A condição de informante "parece uma história de cobertura", diz o ator e cineasta Cláudio Manoel, sobre o depoimento em que o cantor assim se assumiu.

Ele é codiretor do filme que conta a vida de Simonal.

"Estranho que no próprio dia em que o cara vai ter essa ação ele vai e presta queixa." Seria uma forma de justificar a colaboração do Dops em uma iniciativa sem cunho político.

"Acho impossível provar a condição de informante, sendo ou não." Critica: "Parece mais relevante é que de uma certa forma a questão de ele ser ou não informante parece decisiva para justificar se merecia ou não ter sofrido o tipo de lepra que sofreu".

Cláudio identifica crueldade com Simonal: "Por que não passa? Digamos que fosse provado que o cara foi um informante da ditadura. Trinta anos depois da Lei da Anistia, o que interessa isso?".

Na sua opinião, houve contra Viviani "uma operação truculenta, estúpida e de vendeta pessoal que descambou para o errado".

Inocente

Logo que uma enorme leva de marinheiros foi presa pelos golpistas de 1964, dois advogados de 38 anos de idade se desdobraram para, sem cobrar um tostão, dar conta de tantas defesas urgentes: Antonio Evaristo de Moraes Filho e Antônio Augusto Alves de Souza.

Eles ficariam de tal modo marcados que seus detratores pró-regime gracejavam: não eram causídicos de porta de xadrez, mas de porta de fortaleza - instalações militares onde os clientes eram encarcerados.

Ao se ver em apuros, Simonal procurou Evaristo. O motivo era óbvio, diz Alves de Souza: "Ele era um advogado excepcional, o melhor da época".

Durante todo o processo 3.540/72, a dupla representou Simonal. Evaristinho, como chamavam o criminalista, era homem de esquerda. Morreu em 1997. Assinou sozinho os principais documentos da defesa, inclusive os que avalizam o depoimento em que o cantor se reconhece informante.

Seu colega, que "não era politizado", afirma que ambos nunca tiveram dúvidas de que a versão de Simonal no episódio era verdadeira: ele dizia não saber de tortura contra Viviani.

A Justiça não lhe deu razão, mas a defesa obteve vitória relativa ao limitar a três meses a pena final, sem necessidade de cumpri-la na prisão.

"Se ele fosse realmente culpado, não se sentiria atingido", diz Alves de Souza. "Por isso acredito piamente na inocência. Ele se sentia profundamente infeliz. Em nenhum momento ficou provado nos autos que participou da tortura ou que estava presente, o que evidencia a inocência."

De fato, nenhum depoimento, nem o de Viviani, sustentou que Simonal torturou ou assistiu às sevícias. Ele foi condenado por ser considerado corresponsável por constrangimento ilegal, mas não agressor.

Para Alves de Souza, Simonal foi vítima de "perseguição ideológica": "Da mesma forma que havia a perseguição estatal contra aqueles que tinham a ideologia de esquerda, o pessoal que era perseguido se voltou contra ele".

A intolerância feriu: "Pela mesma maneira que se julgava crime de ideologia, o que é um absurdo, as pessoas que se diziam comunistas queriam acusá-lo por ser um homem que tinha outra ideologia, por ser de direita".

A inveja teria contribuído: "Os invejosos anônimos aproveitaram aquele momento para ajudar a derrubá-lo. Os arrivistas que querem subir à custa do sofrimento alheio".

O elo perdido

RELATÓRIO CONFIDENCIAL DO DOPS, DE 30 DE AGOSTO DE 1971, REFORÇA LIGAÇÃO COM O ARTISTA


Relatório interno do Departamento de Ordem Política e Social da Guanabara, com carimbo "confidencial", resumiu em 30 de agosto de 1971 a relação com Wilson Simonal:

"É elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava".

O signatário foi o chefe da Seção de Buscas Ostensivas, Mário Borges. O destinatário, o chefe do Serviço de Buscas, José Pereira de Vasconcellos.

No mesmo dia, o diretor da Divisão de Operações, Zonildo Castello Branco, endereçou aquele relatório sigiloso ao diretor do departamento, coronel do Exército Gastão Barbosa Fernandez. O coronel encaminhou-o à Justiça, que o anexou ao processo 3.540/72.

Seu conteúdo não foi contestado por ninguém.

Produzido no calor da repercussão em torno da detenção de Raphael Viviani, o documento evoca episódio em que o Dops deu proteção a Simonal por três meses contra supostos "subversivos" que teriam prometido estourar bombas no teatro em que o artista estava em cartaz.

Ele ajuda a entender o grau da intimidade que permitiu, para resolver pendenga privada, surrar um cidadão em prédio público onde funcionários se dedicavam a questões de Estado: combater oposicionistas, em particular os de grupos armados.

Menos de quatro semanas antes da chegada de Viviani, o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira foi preso e levado para o Dops, onde o torturaram.

Seu martírio prosseguiu na instalação do Exército em que funcionava o DOI (Departamento de Operações de Informações). Raul Amaro saiu de lá para o hospital, onde morreu.

No comando da radiopatrulha que o transportou entre o Dops e o DOI estava Mário Borges, conforme a edição 2009 do "Dossiê Ditadura - Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1974-1985)", organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Borges foi um dos cinco réus no processo decorrente da tortura contra Viviani. Acabou absolvido porque não participou das sevícias e tinha álibi de que estava ausente - em missão contra a "subversão".

Em 1985, o Projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, inventariou a tortura durante a ditadura. Foram numerosas as denúncias de presos políticos apontando Mário Borges e José Pereira de Vasconcellos como torturadores.

Forças Armadas

O relatório do Dops que descreve a colaboração de Simonal com outros órgãos ganhou mais verossimilhança com o interrogatório do tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira, na 23ª Vara Criminal, em 29 de julho de 1974.

Testemunha de defesa do cantor, ele afirmou: "Conhece o primeiro acusado [Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas".

Em 1974, o oficial estava lotado na Escola Superior de Guerra. Em 1971, era relações públicas do 1º Exército, comando da Força na Guanabara (que hoje equivale ao município do Rio de Janeiro) e em outros Estados. Pereira disse ter sido procurado por Simonal, que lhe falou sobre ameaças que estaria sofrendo. O militar sugeriu que recorresse ao Dops.

Nos anos 1990, Simonal obteve um atestado da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) assegurando que ele nunca foi seu informante.

A SAE sucedeu o SNI (Serviço Nacional de Informações) da ditadura.

O nome do SNI não aparece, entretanto, no processo 3.540, no qual Simonal é reconhecido como informante do Dops e colaborador do 1º Exército.

Em 1972, o cantor contextualizou em juízo a origem da intimidação: "[...] Desde que participou de uma Olimpíada do Exército fazendo um show, e de fazer [sic] um disco da Shell de propaganda do governo, isto é, fazia indiretamente propaganda do governo, passou a receber telefonemas anônimos que lhe faziam [sic] ameaças a si e a sua família".

"Comunistas"

Ele repetidamente proclamou a camaradagem com integrantes da polícia política. Em 1971, de acordo com o "Correio da Manhã", mencionou José Pereira de Vasconcellos como "meu grande amigo".

Logo depois do mandado de prisão expedido em 1974, entregou-se ao Dops de São Paulo. "O delegado Sérgio Fleury é meu chapinha e tudo vai correr dentro do figurino", disse, conforme o "Última Hora".

Responsável por dezenas de assassinatos, Fleury foi o mais destacado policial no combate à luta armada durante o governo do general Emilio Garrastazu Médici (1969-74).

Em seus últimos anos, Simonal reclamou do que considerava um viés persecutório do jornalismo contra ele. Mas, em seguida à surra em Raphael Viviani, a versão do artista foi encampada por parcela expressiva da imprensa.

Reportagens céticas em relação aos relatos de Simonal provocaram irritação, sugere nota do colunista Ibrahim Sued na edição de "O Globo" de 4 de setembro de 1971.

A nota: "As autoridades militares estão começando a ficar de olho em certa imprensa marrom, principalmente no que se refere aos artistas... Eu estou apenas advertindo. Quem avisa amigo é... O mar não está pra peixe...".

O semanário "O Pasquim" foi o primeiro que tratou Simonal como "dedo-duro". Com a sentença de 1974, a revista "Veja" publicou que a operação contra Viviani "foi facilitada pelo fato de Simonal também ser informante da polícia".

A fama de delator custou-lhe vaias e xingamentos em shows.

Em agosto de 1982, ainda na ditadura, a Folha circulou com entrevista de Simonal em que ele afirmou:

"Dizer que eu dedurei os cantores comunistas é meio calhorda. Eles próprios nunca negaram que eram comunistas. Chico Buarque, Caetano Veloso jamais disseram o inverso. E qualquer criança sabe o que eles são..."

Depois, Simonal disse que suas declarações foram distorcidas. O jornal respondeu que nada havia alterado.

1971/1976

24 de agosto de 1971

"O declarante aqui comparece visto a confiança que deposita nos policiais aqui lotados e visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico; que o declarante, quando da revolução de março de 1970, digo 64, aqui esteve oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos; que o declarante de certa feita ou, melhor, quando apresentava o seu show "De Cabral a Simonal" no teatro Toneleiros, foi ameaçado de serem colocadas bombas naquela casa de espetáculos; que o declarante nesta época solicitou a proteção do Dops para sua casa de espetáculo, o que foi feito e nada se registrando de anormal."

Wilson Simonal de Castro, em depoimento ao Dops

30 de agosto de 1971

"Como sabe V. Sa., o cantor Wilson Simonal é elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava."

Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops, para José Pereira de Vasconcellos, chefe do Serviço de Buscas, em informe confidencial

16 de novembro de 1972

"O primeiro acusado, Wilson Simonal, era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividade de elementos subversivos."

Mário Borges, inspetor do Dops, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

29 de julho de 1974

"Conhece o primeiro acusado [Wilson Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas."

Expedito de Souza Pereira, tenente-coronel do Exército, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

14 de outubro de 1974

"Simonal se diz, com todas as letras neste processo, um colaborador dos órgãos de informação, por se tratar de homem de direita. A sua defesa corroborou isso com cifras definitivas [...]. Daquela época ["Revolução de 1964'] ao fato da denúncia se perfizeram 7 anos e meses de atividade policial auxiliar voluntária de Simonal (que, aqui, num processo comum, deve ficar imune a aplausos ou críticas), por conseguinte. Lapso de tempo esse que, evidentemente, levou o cantor-acusado a ter, pelo menos, grande afinidade com os agentes do Dops, para não falar em proteção."

Alegações finais do assistente de acusação Raphael Viviani, na 23ª Vara Criminal, assinadas pelo advogado Jorge Alberto Romeiro Jr.

1974

"Ficou cabalmente esclarecido que o suplicante, na tarde de 23 de agosto, inclusive a conselho de um oficial superior do Exército, compareceu ao Dops, onde prestou formalmente um depoimento em que se queixou de estar sendo vítima de telefonemas ameaçadores, por parte de elementos supostamente subversivos. [...] O suplicante, ao dirigir-se ao Dops, por recomendação de um oficial superior do Exército, o fez em decorrência das ameaças aterrorizantes que vinha sofrendo, revestidas de caráter político."

Alegações finais em favor de Wilson Simonal de Castro, na 23ª Vara Criminal, assinadas pelo advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho

11 de novembro de 1974

"Que Wilson Simonal de Castro era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops é fato confirmado [...]."

João de Deus Lacerda Menna Barreto, juiz da 23ª Vara Criminal, na sentença do processo 3.540/72

9 de dezembro de 1974

"O primeiro apelante, Wilson Simonal de Castro, era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops [...]."

Antônio Carlos Biscaia, promotor de Justiça, em contra-razões de recurso

3 de junho de 1976

"Resulta duvidosa, entretanto, a finalidade de diligência, cabendo aqui destacar-lhe dois aspectos. O primeiro, quanto à colocação feita junto ao Dops, noticiando ameaças dirigidas ao cantor Wilson Simonal, pelo fato de ser o mesmo colaborador das autoridades na repressão à subversão, o [que] torna a diligência ordenada regular, como reconheceu a sentença."

Desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, da 3ª Câmara Criminal, no acórdão da apelação nº 62.372

Chega de conversa mole?

Os Dez Dedos Duros de Simonal

Simonal 3.540/72

PROCESSO A QUE A FOLHA TEVE ACESSO EXPLICITA COLABORAÇÃO ENTRE CANTOR E O DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL; EM VIDA, ARTISTA DESMENTIA VÍNCULO COM ÓRGÃOS DE SEGURANÇA


Wilson Simonal de Castro, um dos mais talentosos cantores do Brasil [hein???] em todos os tempos, declarou formalmente em 1971 que era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), a polícia política do antigo Estado da Guanabara.

Seu depoimento na polícia foi avalizado reiteradamente em processo judicial por seu advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho.

A declaração de Simonal e a confirmação de Evaristo nunca foram divulgadas - conhecem-se apenas as manifestações de proximidade do artista com o Dops, mas em público ele negava ter sido informante.

A Folha teve acesso ao processo 3.540/72, do qual consta o depoimento em que Simonal reconhece seus serviços.

Ele foi processado sob acusação de ser o mentor de uma sessão de tortura - em dependências do Dops- para obter confissão de desfalque de Raphael Viviani, ex-funcionário de sua firma.

Relatório confidencial do Dops, anexado aos autos e ainda hoje inédito, explicitou a ligação - reafirmada por um agente do órgão, Mário Borges, em interrogatório na Justiça.

Testemunha de defesa do artista, o tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira descreveu-o como "colaborador das Forças Armadas". Foi Simonal (1938-2000) quem se disse "colaborador dos órgãos de informação", sublinharam Viviani e seu advogado, Jorge Alberto Romeiro Jr.

O Ministério Público, representado pelo atual deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), apontou o intérprete como "colaborador das Forças Armadas e informante do Dops". Sentença proferida pelo juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto concordou.

Acórdão (decisão de corte superior) do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), assinado em 1976 pelos desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, referendou: Simonal era "colaborador das autoridades na repressão à subversão". Foi a palavra final da Justiça.

Todos esses documentos integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª Vara Criminal, concluído em 1976 e em cujas 655 folhas jamais houve divergência: dos amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos estiveram de acordo que Simonal - e ele assentia - era informante do Dops.

Em abril, a Folha pediu ao TJ para ler os papéis. Localizados em junho, eles foram consultados pelo jornal na íntegra. A história que eles descortinam vai na contramão de versões que rejeitam a relação do cantor com o aparato de segurança da ditadura militar (1964-85).

Entrevistas com sobreviventes da época e pesquisa em periódicos jogam luz no episódio.

Em 2000, a Folha publicou reportagem com base na sentença de 11 páginas, encontrada no Arquivo Público do Estado do RJ, que guarda o acervo do Dops.

Contudo, não achou cópia do conjunto do processo nem do informe interno acerca de Simonal, da declaração em que ele se afirmou colaborador ou de lista de eventuais pessoas delatadas por ele.

Desde a década de 1930 havia informantes da polícia política nos meios culturais do Rio. Eles não costumavam ser identificados nominalmente em relatórios, como se constata no Arquivo do RJ.

Tortura

A controvérsia sobre as conexões do cantor ressurgiu com vigor devido ao documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.

O filme narra da ascensão ao estrelato à morte no ostracismo, determinada pela imagem de "dedo-duro" - função que no fim da vida Simonal contestava ter desempenhado. Ele se dizia alvo de mentira inventada por inimigos, de racismo e de perseguição da esquerda.

O cantor não foi julgado pela colaboração com a ditadura, mas por ter levado Viviani para a sede do Dops, na rua da Relação, região central do Rio.

Simonal foi ao departamento e emprestou seu carro aos policiais, que buscaram Viviani em casa quase à meia-noite de 24 de agosto de 1971, passaram pelo escritório do artista e terminaram na rua da Relação.

torturaram Viviani com choques elétricos, socos e pontapés até ele assumir por escrito o desvio.

Simonal estava no Dops, para onde ajudou a transportar - desde seu escritório, em Copacabana - o ex-chefe de escritório da Simonal Comunicações Artísticas.

Ele não participou da tortura nem a testemunhou.

Um inquérito foi instaurado na 13ª DP porque a mulher do funcionário registrou o desaparecimento.

Foram condenados o cantor, um policial do Dops, Hugo Corrêa de Mattos, e um colaborador do órgão, Sérgio de Andrada Guedes. Em 1974, por crime de extorsão, a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão. Em 1976, depois da desclassificação do crime para constrangimento ilegal, a três meses. Simonal passou nove dias detido. Os três negaram as acusações.

"Subversivos"

Relatos jornalísticos recentes sustentam que foi o inspetor Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops e notório torturador de presos políticos, a fonte original da classificação de Simonal como informante.

Na 23ª Vara, Borges disse que o cantor "era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividades de elementos subversivos".

Não citou a identidade dos "elementos". O interrogatório do policial ocorreu em 16 de novembro de 1972.

Acontece que, 450 dias antes, Simonal já prestara declarações no Dops que foram anexadas ao processo e não chegaram ao noticiário.

Às 15h de 24 de agosto de 1971, perto de nove horas antes da diligência contra Viviani, Simonal afirmou ter ido à rua da Relação "visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico". Também não nomeou os "movimentos".

Ou seja, o primeiro a sustentar que Simonal era informante foi ele mesmo, e antes da ação da polícia. Na ocasião, o cantor lembrou que no golpe de Estado de 1964 esteve no Dops "oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos" - outro denunciado por sevícias contra opositores.

Simonal assinalou que se aproximou ainda mais do Dops quando pediu e obteve proteção contra uma ameaça de explosão de bombas em um show.

Em 1971, ele se queixou de um "grupo subversivo" que prometia sequestrá-lo se não "arrumasse" dinheiro.

A voz anônima parecia, ele disse, a de Viviani.

Na 13ª DP, o cantor depôs em 28 de agosto. Apresentou-se como "homem de direita" e relembrou ter dito no Dops (no dia 24) que conhecia, "como da área subversiva", "uma irmã do senhor Carlito Maia" - era a produtora cultural Dulce Maia, ex-presa política e àquela altura exilada.

Esse depoimento vazou à imprensa, mas nele Wilson Simonal calou, nem lhe perguntaram, sobre a atuação como informante.