(...) A rigor (o espaço público não consiste em) sua localização física: é a organização da comunidade que resulta do agir e falar em conjunto, e o seu verdadeiro espaço situa-se entre as pessoas que vivem juntas com tal propósito, não importa onde estejam.
Estamos (sempre) circundados pela teia de atos e palavras de outros homens, e em permanente contato com ela. (...) Agir (a ação), portanto, não apenas mantém a mais íntima relação com o lado político (público) do mundo, comum a todos nós, mas é aquilo que o constitui.
Sobre tomar iniciativas
Agir, no sentido mais geral do termo, significa tomar iniciativa, iniciar (...) começar, ser o primeiro (...) imprimir movimento a alguma coisa (...).
Estar isolado é estar privado da capacidade de agir.
A história está repleta de exemplos da impotência do homem forte e superior que é incapaz de angariar o auxílio e a cooperação de seus semelhantes (...).
Há uma interdependência essencial em qualquer ação – a dependência do iniciador e líder em relação aos outros no tocante a auxílio, e a dependência de seus seguidores em relação a ele no tocante a uma oportunidade de agir.
(...) O iniciador estará, por princípio, isolado por sua própria iniciativa, até encontrar a adesão dos outros. Contudo, a força do iniciador e líder reside apenas em sua iniciativa e nos riscos que assume, não na realização em si[i]. No caso do líder bem sucedido, ele pode reivindicar para si aquilo que, na verdade, é a realização de muitos. Através dessa reivindicação, o iniciador monopoliza, por assim dizer, a força daqueles sem cujo auxílio ele jamais teria realizado coisa alguma. E assim surge a ilusão de força extraordinária e, com ela, a falácia do homem forte que é poderoso por estar só.
Sobre a natureza do poder
O que primeiro solapa e depois destrói as comunidades políticas é a perda do poder (de realizar aquilo que deseja) e a impotência final; e o poder não pode ser armazenado e mantido em reserva para casos de emergência, como os instrumentos de violência: só existe em sua efetivação. Se não é efetivado, perde-se; e na história há inúmeras passagens para indicar que nem a maior das riquezas materiais pode sanar essa perda. O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são empregadas para velar intenções mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.
É o poder que mantém a existência da esfera pública, o espaço potencial entre homens que agem e falam.
(...) Enquanto a força é a qualidade natural de um indivíduo isolado, o poder passa a existir entre os homens quando eles agem juntos, e desaparece no instante em que eles se dispersam.
(...) O único fator indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens. Todo aquele que, por algum motivo se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja sua força e por mais válidas que sejam suas razões.
In: ARENDT, Hannah; A Condição Humana; Trad. Roberto Raposo; Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro; 10ª edição; 2004.
[i] (...) em qualquer série de eventos (...) podemos, quando muito isolar o agente que imprimiu movimento ao processo; e embora esse agente seja muitas vezes, o sujeito, o “herói” da história, nunca podemos apontá-lo inequivocamente como o autor do resultado final.