Thursday, November 30, 2006

Sobre a natureza do Espaço Público

(...) A rigor (o espaço público não consiste em) sua localização física: é a organização da comunidade que resulta do agir e falar em conjunto, e o seu verdadeiro espaço situa-se entre as pessoas que vivem juntas com tal propósito, não importa onde estejam.

Estamos (sempre) circundados pela teia de atos e palavras de outros homens, e em permanente contato com ela. (...) Agir (a ação), portanto, não apenas mantém a mais íntima relação com o lado político (público) do mundo, comum a todos nós, mas é aquilo que o constitui.


Sobre tomar iniciativas

Agir, no sentido mais geral do termo, significa tomar iniciativa, iniciar (...) começar, ser o primeiro (...) imprimir movimento a alguma coisa (...).

Estar isolado é estar privado da capacidade de agir.

A história está repleta de exemplos da impotência do homem forte e superior que é incapaz de angariar o auxílio e a cooperação de seus semelhantes (...).

Há uma interdependência essencial em qualquer ação – a dependência do iniciador e líder em relação aos outros no tocante a auxílio, e a dependência de seus seguidores em relação a ele no tocante a uma oportunidade de agir.

(...) O iniciador estará, por princípio, isolado por sua própria iniciativa, até encontrar a adesão dos outros. Contudo, a força do iniciador e líder reside apenas em sua iniciativa e nos riscos que assume, não na realização em si[i]. No caso do líder bem sucedido, ele pode reivindicar para si aquilo que, na verdade, é a realização de muitos. Através dessa reivindicação, o iniciador monopoliza, por assim dizer, a força daqueles sem cujo auxílio ele jamais teria realizado coisa alguma. E assim surge a ilusão de força extraordinária e, com ela, a falácia do homem forte que é poderoso por estar só.


Sobre a natureza do poder

O que primeiro solapa e depois destrói as comunidades políticas é a perda do poder (de realizar aquilo que deseja) e a impotência final; e o poder não pode ser armazenado e mantido em reserva para casos de emergência, como os instrumentos de violência: só existe em sua efetivação. Se não é efetivado, perde-se; e na história há inúmeras passagens para indicar que nem a maior das riquezas materiais pode sanar essa perda. O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são empregadas para velar intenções mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.

É o poder que mantém a existência da esfera pública, o espaço potencial entre homens que agem e falam.

(...) Enquanto a força é a qualidade natural de um indivíduo isolado, o poder passa a existir entre os homens quando eles agem juntos, e desaparece no instante em que eles se dispersam.

(...) O único fator indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens. Todo aquele que, por algum motivo se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja sua força e por mais válidas que sejam suas razões.

In: ARENDT, Hannah; A Condição Humana; Trad. Roberto Raposo; Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro; 10ª edição; 2004.

[i] (...) em qualquer série de eventos (...) podemos, quando muito isolar o agente que imprimiu movimento ao processo; e embora esse agente seja muitas vezes, o sujeito, o “herói” da história, nunca podemos apontá-lo inequivocamente como o autor do resultado final.

RAGHURAN RAJAN , diretor de pesquisas do Fundo Monetário Internacional, e o professor Luigi Zingales, da Universidade de Chicago, soltaram um estudo que dá o que pensar, sobretudo aos sábios da ekipekonomica que arruína o país há mais de duas décadas. Chama-se "A Persistência do Subdesenvolvimento: Instituições, Capital Humano ou Grupos de Interesse?" Eles sustentam que a longevidade do atraso deve-se sobretudo às pressões de camadas da sociedade -ricas e pobres- que se beneficiam com o status quo. Para quebrar essas coligações, é preciso conseguir o apoio do andar de baixo para as reformas capitalistas. A primeira condição para isso é evitar que as novidades ferrem a patuléia: "Em alguns países, é possível que amplas reformas só sejam viáveis quando se der séria atenção à melhoria das condições de vida dos pobres". Os dois economistas, autores do livro "Salvando o Capitalismo dos Capitalistas", acham que atribuir o subdesenvolvimento à qualidade das instituições, ou à escolaridade de uma nação, é explicação insatisfatória. Pacotes institucionais baixados de pára-quedas, maldições internacionais e reformas sem consenso acabam patinando. Para quem gosta da superexplicação da escolaridade, os doutores sustentam que esse fator não faz mágicas. Nos últimos 30 anos, a República dos Camarões dobrou sua taxa de alfabetização de adultos de 30% para 71%. A Líbia fez melhor, indo de 36% para 80%. Já a Índia, coitadinha, mal conseguiu passar de 33% para 57%. O trabalho de Rajan e Zingales apresenta um modelo matemático indecifrável para leigos e analisa o equilíbrio de três grupos. Um é o dos oligopolistas que ganham dinheiro com o status quo. Outro é o das pessoas com escolaridade. O terceiro, a patuléia pouco educada. Cada um reage de foma diferente à qualificação da mão-de-obra e às reformas que estimulam a competição na economia. Os oligopolistas querem mais educação, mas só até certo ponto. (Assunto magnificamente exposto pela professora Judith Tendler, do MIT, no seu trabalho "O Medo da Educação", baseado em entrevistas com empresários brasileiros.) Os educados querem mais competição, desde que a qualificação da patuléia não lhes tome oportunidades. A turma de baixo quer educação, mas só apóia mudanças no mercado se tiver algo a ganhar e pouco a perder. Rajan e Zingales mostram que o subdesenvolvimento não deriva da imposição da vontade de quem está em cima, mas da má configuração dos interesses de todos os interessados. É ela quem determina a persistência do atraso. Deriva de alianças malucas entre os três grupos. Por exemplo: como o andar de cima não quer competição, desestimula a educação. O de baixo, que quer educação, alia-se ao de cima contra as reformas que trazem competição, pois ameaçam seus empregos. O do meio, com medo da competição adere ao bloqueio da educação. O nó está em saber quando e como se forma uma coligação dos educados e dos não educados contra o status quo. Se as mudanças que estimulam a competição vêm como um rolo compressor, o resultado é que o andar de baixo, escaldado, fica contra todas as reformas. A certa altura, tem-se a impressão de que a dupla esteve no Brasil durante a campanha eleitoral. Eles dizem que os educados apóiam políticas compensatórias, desde que não transfiram poder político. As bolsas de FFHH transformaram-se em poder eleitoral nas mãos de Nosso Guia. Além disso, ele amaldiçoou o paraíso do mercado tirando proveito da insatisfação do andar de baixo, desprezada pelos sábios tucanos.

Serviço: o trabalho, infelizmente em inglês e matematês, está no seguinte endereço: http://www.nber.org/papers/w12093

GASPARI, Hélio. Folha de São Paulo, 19/11/2006 - indicado por Paulo Guerra.

Wednesday, November 01, 2006

ANGELS IN AMERICA III

Roy Cohn (Al Pacino) e Belize (Jeffrey Wright)


Roy - [sob a impressão de que Belize é o Anjo da Morte] Let me ask you something, sir.

Belize - "Sir"?

Roy - What's it like? After?

Belize - After...?

Roy - This misery ends?

Belize - Hell or heaven? ... like San Francisco.

Roy - A city. Good. I was worried... it'd be a garden. I hate that shit.

Belize - Mmmm. Big city. Overgrown with weeds, but flowering weeds. On every corner a wrecking crew and something new and crooked going up catty corner to that. Windows missing in every edifice like broken teeth, fierce gusts of gritty wind, and a gray high sky full of ravens.

Roy - Isaiah.

Belize - Prophet birds, Roy. Piles of trash, but lapidary like rubies and obsidian, and diamond-colored cowspit streamers in the wind. And voting booths.

Roy - And a dragon atop a golden horde.

Belize - And everyone in Balencia gowns with red corsages, and big dance palaces full of music and lights and racial impurity and gender confusion. And all the deities are creole, mulatto, brown as the mouths of rivers. Race, taste and history finally overcome. And you ain't there.

Roy - And Heaven?

Belize - That was Heaven, Roy.

Roy - The fuck it was.

ANGELS IN AMERICA II

Diálogo entre Harper, personagem vivida por Mary - Louise Parker e Mother Pitt, sua sogra, interpretada por Meryl Streep.

Mother Pitt - At first, it can be very hard to accept how disappointing life is, Harper. But that's what is, and you have to accept it. And with faith and time and hard work, you do get to a point where the disappointment doesn't hurt so much and it gets actually easier to live with.
Quite easy.
Wich is, in its own way, a disappointment.

ANGELS IN AMERICA - I

Diálogo entre Harper, personagem vivida por Mary - Louise Parker e Mr. Lies (of the International Order of Travel Agents), produto de suas constantes alucinações. Os dois estão no Pólo Sul aonde chegaram passando através da geladeira da cozinha do apartamento de Harper.

Mr. Lies - This is a retreat. A vacuum. Its virtue is that it lacks everything.
Deep freeze for feelings. You can be numb and safe here.
That's what you came for. Respect the delicate ecology of your delusions.

Harper - You mean like no Eskimo in Antarctica?

Mr. Lies - "Correcto". Ice and snow, no Eskimo. Even hallucinations have laws.

Harper - Then who's that? (aponta para um esquimó que acena, ao longe)

Mr. Lies - An Eskimo.

Harper - An antarctic Eskimo. Fisher of the polar deep.
I'm gonna like this place. It's my own National Geographic special.