Tuesday, March 27, 2007

RESUMÃO DE "THE MAN FROM TALLAHASSEE", 13º EPISÓDIO DA TERCEIRA TEMPORADA


(Tem SPOILERS, claro!)

No começo do episódio, vemos Locke numa espécie de escritório de previdência social, passando por uma entrevista para conseguir renovar seu benefício por conta de problemas de saúde. E quando todos pensamos que veremos um Locke paraplégico, descobrimos que o mal em questão é mental: ele sofria de depressão.

Na ilha, Locke, Kate e Sayid assistem perplexos ao comportamento amistoso de Jack diante dos Outros. Rousseau, subitamente, se afasta do trio. E quando Locke vê Jack e Ben se cumprimentando, avalia que a missão deles será difícil demais. Indignada com o comportamento de Jack - que pensa estar drogado -, Kate pensa em entrar na vila dos Outros atirando. Locke observa que Jack é um sujeito equilibrado, e que certamente está agindo daquele jeito por algum bom motivo. O careca sugere então que eles invadam a vila na calada da noite.

Flashback. Em casa, Locke recebe a visita de um rapaz, Peter Talbet, que o procurou para saber informações de Anthony Cooper. Sob o nome de Adam Seward, ele seduziu a mãe de Talbet, que irá se casar com o trambiqueiro; e Talbet resolveu investigá-lo, conseguindo levantar o histórico médico de Cooper e assim chegando até Locke. O careca diz que a doação de rim feita por ele foi anônima, e diz que não pode ajudar Talbet.

Na ilha, o trio põe em prática o plano. Escolhida para invadir a casa de Jack, Kate o flagra na sala tocando piano. Frio, ele pergunta por que ela voltou, e avisa que está sendo filmado. Segundos depois, alguns Outros entram pela casa rendendo Kate e carregando Sayid. Um dos homens pergunta à Sardenta se há alguém mais com eles dois, e ela diz que não.

Enquanto isso, Locke vai até a casa de Ben. Chegando lá ele rende o enigmático líder dos Outros e diz que quer saber onde está o submarino de que Mikhail Bakunin havia falado a ele. Alex vai até o quarto, e Locke a rende. Tom bate na porta, Locke e Alex vão para dentro do armário. De dentro dele, o ex-paraplégico vê Ben ordenar que prendam Sayid e Kate em locais diferentes, para descobrir como eles foram parar lá.

Locke também ouve Ben falar com um tal Richard. E o enfermo líder dos Outros pede para trazer até ele o "homem de Tallahassee". Assim que Richard sai do quarto, Locke pergunta a Ben sobre o tal homem, e ele garante que não se trata de um código. O caçador diz para Ben que quer que Alex vá buscar a bolsa de Sayid, enquanto ele ficará de refém. O enfermo concorda, e manda sua filha fazer o que Locke disse.

De volta ao passado, John Locke vai visitar a floricultura da mãe de Peter Talbet, e lá encontra Anthony Cooper. O careca pede ao pai para que termine o noivado com a mulher - caso contrário, ele mesmo irá contar a verdade para ela. Cooper topa, mas não sem antes perguntar por que Locke resolveu atrapalhar seus planos. Seu filho diz: "Você gosta de fazer com que as pessoas te tomem como um familiar", e também conta ao trambiqueiro sobre Peter Talbet.

No quarto de Ben, o astuto líder dos Outros chega à conclusão de que Locke quer destruir o submarino, e conta ao ex-paraplégico que sabe muito sobre ele, provando isso ao revelar vários fatos de sua vida - entre eles, que ele parou na cadeira de rodas e que sabe como isso aconteceu.

Numa espécie de salão de jogos, Kate recebe a visita de Tom, que na verdade levou Jack. Tom os deixa a sós, e Kate se mostra convencida de que os Outros fizeram algo ao médico. Abalado, Jack confessa a ela que, na verdade, ele fez um acordo com o grupo e que será mandado para fora da ilha no dia seguinte; e antes de ser levado embora por Juliet, diz que voltará à ilha para buscá-la.

De novo no passado, vemos uma dupla de detetives visitando Locke. Eles perguntam sobre Peter Talbet e, depois que o careca tentar mentir, dizendo que nunca o conheceu, afirmam que Talbet está morto.

Quarto de Ben. Enquanto o enfermo parece querer saber mais da recuperação de Locke, e afirma que ele tem medo de sair da ilha por achar que voltará a ser paraplégico fora dela, lá fora, Alex vai buscar a bolsa com Sayid, e o iraquiano, esperto, a chama pelo nome. Intrigada, ela pergunta como ele sabe que ela se chama Alex, e ele responde dizendo que ela tem os olhos da mãe. Alex responde, dizendo que a mãe morreu, e o iraquiano retruca: "Isso é o que eles te disseram". Um Outro bate nele, e podemos ver que a garota ficou intrigada com o que Sayid falou...

Na casa de Ben, ele diz a Locke que, ao explodir o submarino, terá um grave problema com seu povo: como muitos de lá, diferentemente dele, chegaram lá recrutados, é importante que pensem que há um jeito de poderem usar o submarino para sair da ilha, embora isso "seja uma ilusão". Locke afirma que Ben então mente para os Outros, mas o enfermo diz que, na verdade, alguns do seu grupo ainda não estão preparados para um total comprometimento com a ilha - e que Locke, sim, está pronto para isso.

Ben diz que, se Locke não explodir o submarino, irá mostrar ao careca algo incrível: num sentido simbólico, uma espécie de caixa que, uma vez aberta, mostra às pessoas o que elas de fato desejam. E Locke não se seduz com a oferta, dizendo que Ben está mentindo e que não merece estar na ilha...

Alex chega com a mochila, e Locke diz que irá com a garota até o submarino, soltando-a assim que chegarem lá. Ben então conta para o careca sobre o acordo feito com Jack - na manhã do dia seguinte, o médico irá sair da ilha no submarino; e que por isso mesmo não é preciso explodir o veículo pois, depois da anomalia eletromagnética, é possível que o submarino jamais consiga retornar à ilha.

No caminho, Alex diz a Locke que o Ben está manipulando o careca, pois é isso o que ele faz. Eles chegam até o submarino, Locke pede desculpas a Alex e a libera - e no matagal vemos Rousseau observando sua filha com lágrimas nos olhos. Locke entra no submarino com a mochila e faz o que parece ser uma inspeção.

Jack vai até Ben e pede a ele um último favor: deixar que Sayid e Kate sejam libertados. Ben pergunta se o médico não sairia da ilha caso não soltasse os dois, e ele confirma. Então, Ben dá sua palavra a Jack que a Sardenta e o iraquiano serão soltos assim que o médico sair da ilha. Juliet ainda "agradece" a Ben por manter a promessa...

Juliet, Jack e mais Outros chegam até o pier e rendem Locke. O careca pede desculpas ao médico; e quando Jack pergunta o porquê, eles houvem uma explosão na água - e assim o submarino é destruído. Uh-oh...

Flashback novamente. John Locke vai até o apartamento de Anthony Cooper, e lá afirma que ele matou Talbet. O trambiqueiro diz que não, e que na verdade sua noiva terminou com ele porque, depois da perda do filho, precisava de um tempo sozinha. Cooper aponta o telefone para que Locke ligue para a mulher a fim de confirmar a informação; e num instante de distração de Locke, o empurra janela abaixo!!!

Corta para o hospital. Os detetives visitam Locke e o informam que Cooper fugiu dos EUA. Eles saem, e o enfermeiro o põe pela primeira vez na cadeira de rodas. "Você se acostumará", diz ao careca. E, ao se ver pela primeira vez na cadeira, Locke chora demais...

Na ilha, Ben vai visitar Locke, preso. Quem empurra a cadeira de rodas do líder dos Outros é o tal Richard - que descobrimos ser Richard Alpert, o homem que recrutou Juliet para "trabalhar" na ilha! Ben conta que Locke fez exatamente o que ele queria, pois ao destruir o submarino, o poupou de um dilema: se matasse Jack, ficaria em maus lençóis com seu povo por ter desonrado a palavra; e se deixasse o médico ir embora, mostraria que "perdeu" para Jack, podendo parecer fraco aos olhos dos Outros.

Ben então diz que irá mostrar a Locke o que veio de dentro da tal "caixa". Ben então fala da dor que Locke pode ter sentido ao ver que seu pai tentou matá-lo, e afirma que Cooper foi o que o motivou a destruir o submarino, pois assim ele nunca mais o veria novamente. O careca pergunta o que Ben quer afinal; e o líder dos Outros diz que Locke parece ter uma comunhão muito especial com a ilha, tornando-o importante - e que, sendo assim, Ben só quer "ajudá-lo".

Finalmente, Ben e Richard levam Locke a uma porta, e ela é aberta. Locke olha para dentro de uma sala e incrédulo vê Anthony Cooper nela, amordaçado e preso. E diz: "Pai?", encerrando "The Man From Tallahassee".

http://www.lostinlost.globolog.com.br/

Saturday, March 24, 2007

A propaganda do cigarro


Desculpem, mas vou falar do cigarro outra vez. Da publicidade, mais especificamente. O governo enviou para a Câmara dos Deputados um projeto de lei para proibir a propaganda de cigarro que diz o seguinte:
1) A única propaganda permitida será a de cartazes exibidos em ambientes internos; bares e boates, por exemplo. Todas as demais ficam proibidas, inclusive patrocínio de eventos culturais e esportivos.
2) O dono de estabelecimento flagrado ao vender cigarro para menor de 18 anos será condenado à pena de prestação de serviços à comunidade por um período de seis meses a três anos.
3) Multa de R$ 50 mil a R$ 100 mil para os fabricantes, extensiva às agências de publicidade e empresas de rádio e de televisão que infringirem a lei.
4) As emissoras de rádio e de televisão que insistirem em veicular propaganda de cigarro terão sua programação suspensa por até 30 dias.
Quem pode ser contra uma lei como essa? Não torna o cigarro ilegal, não aumenta os impostos, não obriga a indústria a arcar com os gastos de saúde das vítimas do fumo (como estão fazendo os americanos), não pune as agências por propaganda enganosa, apenas proíbe a publicidade. A lei só impede que as imagens de homens de sucesso, garotas livres e esportes radicais sirvam para criar nas crianças a vontade de fumar e, ingenuamente, cair nas garras da dependência química mais escravizante de todas as que existem.
Apesar da brandura da lei, o lobby comandado pela indústria do tabaco e alguns setores da publicidade sempre reagiram ferozmente contra qualquer iniciativa desse tipo.
Dessa forma, conseguiram até hoje manter no ar anúncios há muito banidos de outros países e à custa deles arrebatar legiões de novos dependentes entre a população mais indefesa: 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 21 anos.
Diversas pesquisas mostram que, nos últimos quinze anos, a idade em que meninas e meninos começam a fumar está cada vez mais baixa. Atenta ao mercado, a indústria do fumo dirige a publicidade para a infância e a puberdade.
Por exemplo, veja o que aconteceu nos Estados Unidos com os comerciais estrelados por aquele camelo simpático de óculos escuros, em cima da moto, criado pela R. J. Reinolds, em 1988.
Três anos depois de lançada a campanha, diversos estudos demonstraram que as crianças e adolescentes eram perfeitamente capazes de reconhecer com facilidade o personagem e associá-lo à marca de cigarro correspondente. Um desses estudos mostrou que o camelo era tão conhecido pelas crianças de seis anos quanto o camundongo Mickey.
Levantamentos conduzidos em 1988, quando a campanha foi lançada, e repetidos em 1990 concluíram que o número de adolescentes compradores da marca do camelo aumentou de 0,5% para 32%. No mesmo período, as vendas da marca subiram de US$ 6 milhões para US$ 476 milhões.
O argumento empregado pela indústria para justificar a oposição às leis que pretendem proibir a publicidade do cigarro tem sido tradicionalmente o de que muitos trabalhadores vivem da lavoura, do preparo industrial e da comercialização do fumo, e que uma queda de consumo provocaria desemprego.
A justificativa é ridícula. Do ponto de vista moral, é justo provocar sofrimento e morte de milhões de pessoas só para que uma minoria conserve o emprego? Não aceitamos esse tipo de lógica quando empregada pelos plantadores de maconha em Pernambuco ou pelos produtores de cocaína do cartel de Cali.
Os fabricantes de cigarro ganharam fortunas impunemente até hoje. Mesmo que a publicidade seja proibida imediatamente, o efeito da proibição levará anos para se fazer sentir, porque ainda restarão dezenas de milhões de fumantes escravizados comprando um maço por dia pelo resto de suas existências.
Além disso, as companhias terão tempo suficiente para investir em outros ramos de atividade os milhões de dólares que antes destinavam à propaganda, e assim absorver a mão-de-obra que porventura venha a ficar sem trabalho.
Não é sensato deixarmos que os beneficiários desse comércio tão lucrativo convençam as crianças a se tornarem dependentes, para depois tentarmos fazê-las entender que precisam largar de fumar porque o cigarro faz mal. Em sã consciência, ninguém empregaria essa estratégia com os próprios filhos no caso do crack ou da heroína.
A responsabilidade de protegê-los contra o sofrimento que lhes será imposto pela dependência química de nicotina não é apenas do governo, é de todos nós que pretendemos criar filhos e netos neste país.
Proibir a propaganda do fumo está acima de partidos políticos, de interesses de grupos ou de ideologias. A Câmara, o Senado e a sociedade têm uma grande responsabilidade.
É fundamental que a imprensa divulgue os nomes dos políticos e dos lobistas empenhados em rejeitar o projeto que proíbe a propaganda de cigarro. Estamos diante de uma oportunidade sem precedentes para atacar com seriedade o problema do fumo no Brasil.

http://drauziovarella.ig.com.br/


Thursday, March 22, 2007

Cérebro tem área ligada à moral, aponta pesquisa

Lesão em zona que integra emoção à consciência prejudica julgamentos morais

Estudo reforça hipótese de que a evolução dotou os seres humanos de um tipo de órgão universal da ética, alojado no sistema nervoso

RAFAEL GARCIA
Folha de São Paulo - Ciências

Para agir de maneira ética, basta pensar de maneira racional ou é preciso se deixar envolver também pelas emoções? De acordo com um estudo publicado ontem, julgamentos morais que as pessoas fazem quando estão diante de um dilema são mais emocionais do que se imaginava -sinal de que a moral não é baseada só na cultura e faz parte da natureza humana.
Para lidar com essa questão, um grupo liderado pelo psicólogo americano Marc Hauser, da Universidade Harvard, e pelo neurologista português António Damásio, da Universidade do Sul da Califórnia (ambas nos EUA), submeteu diversos voluntários a um questionário com situações imaginárias de deixar qualquer um arrepiado.
A maior parte delas envolvia decisões do tipo "escolha de Sofia", como sacrificar um filho para salvar um grupo de pessoas. Que mãe permitiria isso?
Para tentar inferir o peso da emoção em julgamentos morais, os cientistas incluíram entre os voluntários seis pessoas que haviam sofrido lesões numa área específica do cérebro, o córtex frontal ventromedial (veja o quadro à esquerda). Entre as diversas funções dessa estrutura está a integração de sentimentos à consciência.
O resultado do experimento foi que os portadores da lesão tiveram tendência a pensar de maneira mais "utilitária". Eles escolhiam, da maneira mais fria, a decisão que prejudicasse um número menor de pessoas.
"Em alguns casos -dilemas de grande conflito moral- a emoção parece ter papel significativo nos julgamentos", explicou a Folha Michael Koenigs, colaborador de Hauser e Damásio. "Como os pacientes com a lesão que estudamos presumivelmente carecem de emoções sociais/morais apropriadas, seus julgamentos são mais baseados em considerações utilitárias do que em fatores emocionais."
Uma das questões usadas pelos cientistas envolvia uma situação imaginária na qual famílias vivendo num porão se escondiam de soldados que procuravam civis para matar. Um bebê começa a chorar, e a única maneira de calá-lo para evitar que todos sejam encontrados é tapar a respiração da criança por tempo suficiente para matá-la. O que fazer?
Para os pacientes portadores da lesão estudada, a decisão correta era matar a criança.

Sem empatia

A resposta, de certa forma, era o que os pesquisadores esperavam. "Pacientes com essa lesão exibem menos empatia, compaixão, culpa, vergonha e arrependimento", disse Koenigs, que foi autor principal do artigo que descreve o experimento hoje no site da revista "Nature" (www.nature.com).
Ao contrário do que se podia imaginar, porém, essas características não tornaram essas pessoas "más" ou "cruéis". Para situações sem dilemas, as respostas dos pacientes lesionados foram bastante semelhantes às dos voluntários sadios.
Na opinião dos cientistas, o estudo é uma forte evidência de que pensar de maneira puramente utilitarista simplesmente vai contra a natureza humana. O córtex frontal ventromedial, afinal, seria um produto da evolução que ajudou a moldar a forma como as pessoas se relacionam.
"Ele parece ser uma "parte emocional" inata do cérebro, e parece ser crítico para certos aspectos da moralidade", diz Koenigs. O pesquisador afirma, porém, que não é possível separar a influência do ambiente na ética. "A reação da maquinaria emocional com respeito a questões morais é sem dúvida moldada por forças culturais."

Americano testa dilemas na internet

DA REDAÇÃO

A hipótese de Marc Hauser para um "órgão da moral" humana brotou de pesquisas sobre a evolução da linguagem.
Em seu livro "Moral Minds", de 2006, ele tenta expandir o conceito de gramática universal (conjunto de regras de linguagem inatas e inacessíveis ao consciente) do lingüista Noam Chomsky aos julgamentos morais.
Para testar a "universalidade" da moral, Hauser elaborou questionários na internet (moral.wjh. harvard.edu) em inglês, espanhol e chinês nos quais voluntários de várias culturas são confrontados com dilemas.


Sunday, March 18, 2007

Saturday, March 17, 2007

Friday, March 16, 2007

Uma verdade inconveniente

Documentário protagonizado por ex-vice-presidente dos EUA se agarra a clichês e pouco acrescenta ao debate sobre aquecimento global

Por Susana Dias

Aquecimento global. Diante desse problema que perturba, incomoda, preocupa, entrar no cinema para assistir Uma verdade inconveniente, do diretor Davis Guggenheim, gera expectativas de que o filme contribua para ampliar a questão, multiplicar suas nuances e produzir novas percepções e sensibilidades. Mas as opções de Uma verdade inconveniente pouco contribuem nessa direção. Um filme-palestra repleto de clichês, tais como a idéia de que o aquecimento global é um problema moral e não político; a apresentação da ciência como conhecimento superior a outras formas de conhecimento, que nos oferecerá sempre as alternativas certas; o mito da natureza intocada; e a noção de consenso sobre o problema. Ao repetir esses chavões, que há mais de dez anos povoam as discussões ambientais sem acrescentar muito, aproveita pouco do que a arte do cinema possibilita. O filme provocou reações de cientistas, que o consideram pouco confiável e alarmante; de cineastas, especialmente documentaristas, que o avaliaram como pobre para se pensar nas relações entre realidade-ficção-verdade, além de ficarem indignados com o Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood que o documentário recebeu; e ambientalistas - que atacaram a visão reducionista que o filme apresenta da complexidade sociopolítica da questão.

Mas se pensarmos que qualquer obra não é o que diz, mostra, pensa, mas o que dela dizemos, mostramos, pensamos, o filme se apresenta como mais uma rica oportunidade de trazer à tona inúmeras questões que têm sido exploradas pelas ciências humanas sobre o tema. O filme parece dizer mais pelo que está fora, do que pelo que há dentro dele. Embora também possamos encontrar nele possibilidades de fuga que explodem na tela em suas partes contraditórias, discordantes. São elas que produzem fissuras na tela, buracos por onde podemos escapar. Brechas que impossibilitam que o filme - com toda sua vontade de verdade, atinja sua plenitude, deixando escapar dúvidas, críticas, incertezas. São esses caminhos que me mobilizam a produzir esta resenha, talvez, inconveniente.

Foco na moral, exclusão da política

“O aquecimento global não é um problema político, é um problema moral”. Essa é a posição que Al Gore (ex-vice-presidente dos Estados Unidos e protagonista do filme) defende repetidas vezes. Ao som da canção “Eu preciso acordar" (I need to wake up, em inglês), de Melissa Etheridge, que também ganhou uma estatueta, é construída a tônica da narrativa fílmica de Uma verdade inconveniente: a mudança nas condutas individuais. As palavras de ordem que aparecem na tela escura ao final do filme, também ditas de outra forma durante toda a projeção, potencializam a idéia: reciclem; economizem energia; divulguem essas informações; elejam os políticos comprometidos com a causa.

Ao optar por colocar o problema enfaticamente sobre a mudança de condutas dos indivíduos, reduzir o exercício da cidadania ao voto e responsabilizar as pessoas pela situação atual do clima do planeta, o filme enfraquece o papel do Estado, transforma o direito de votar em obrigação, desconsidera outras formas de atuação política, como a dos movimentos sociais, por exemplo, e reduz a complexidade da questão à dimensão individual. Não se trata de diminuir a importância de nos mobilizarmos diante do problema ou de buscarmos opções e posturas mais sustentáveis, mas de questionar os efeitos que a simplificação e a complexificação do assunto podem produzir.

Os interesses políticos, econômicos e estratégicos relacionados às mudanças climáticas não aparecem no filme. Não se questiona o consumo, os padrões de desenvolvimento, o paradigma econômico vigente. Os norte-americanos, para quem o filme é sobretudo destinado, não teriam que abrir mão de seus estilos de vida, mas apenas aderir ao ecologicamente correto. A opção de crescimento econômico não é colocada em cheque pelo filme. Al Gore faz apenas uma denúncia rasa de que o governo Bush não assinou o Protocolo de Quioto e negou todo tempo a influência das atividades humanas na mudança climática. Esse ataque ao governo Bush coloca em questão a própria afirmativa de Gore de que o problema não é político. A não ratificação de Quioto não é um problema moral, mas político.

No documento sumário produzido pelo Grupo I para o Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), entretanto, a dimensão política é expressa já em seu título: “orientação para formuladores de políticas”. O foco do IPCC não parece ser apenas nas mudanças de posturas das pessoas, mas na esfera política, na qual as discussões e a implementação das chamadas medidas mitigadoras e adaptativas serão pensadas e gestadas. O governo Bush tem se mostrado, em entrevistas a revistas e jornais, sensível ao documento, avaliando-o como relevante. Mas o discurso recente do secretário de energia dos Estados Unidos, após a publicação do documento, expõe os novos desafios que os dados colocarão: “Nós somos um pequeno contribuinte se olharmos o restante do mundo”. O Brasil é considerado, pelos novos dados, o quarto maior emissor de gases estufa, devido ao uso e ocupação dos solos.

Parece não ser suficiente que as alternativas energéticas sejam ambientalmente interessantes, mas, sobretudo, econômica e politicamente vantajosas. O interesse recente de Bush pelo álcool brasileiro traz à tona as discussões da sobretaxa ao álcool, colocando em cena novamente o fato dos Estados Unidos, e também a Europa, não abrirem mão dos subsídios agrícolas internos. As negociações para a liberalização do comércio mundial estão emperradas em razão da insistência dos países ricos em manter subsídios internos à agricultura, e também altas tarifas de importação para os produtos agrícolas dos países em desenvolvimento. Uma verdade inconveniente optou por não trazer à tona essas questões.

A situação climática desenhada não parece decorrer apenas da falta de investimentos, adoção de medidas mitigadoras e das atitudes pouco conscientes das pessoas, mas de uma intrincada e complexa rede de relações sociais, políticas, econômicas e culturais. Rede que Gore-filme ignoram. Ele faz uma simplificada relação entre economia e ambiente reduzindo a questão (que considera uma falsa oposição) a uma balança em que barras de ouro são colocadas em um prato e o planeta de outro. Arranca risos da platéia quando diz ser esta uma oposição simples de resolver: “se tirarmos o planeta...”; e se vê a balança despencando. As piadas e exemplos de Gore ridicularizam questões importantes, podendo levar a pensar que não são merecedoras de atenção, mas apenas de zombaria e riso.

Outras questões - há muito polêmicas, também são lançadas no filme sem a menor problematização. Como, por exemplo, a relação entre clima e doenças, que aponta o ressurgimento e disseminação de doenças, sem considerar o perigo do determinismo climático e socioeconômico; e a relação entre aumento populacional e emissão de gases estufa, que traz em novas vestes às teses malthusianas.

A exclusão da dimensão política do aquecimento global, a redução do problema à sua briga política direta com Bush, e o acionamento dos eleitores a escolherem corretamente seus representantes, fazem explodir na tela o efeito de propaganda política do próprio Al Gore. “Votem em mim, votem em mim. Votem certo. Votem em mim. Escolham certo. Votem em mim”, diziam algumas jovens à minha frente ao saírem da sessão. Al Gore não assume suas intenções de voltar a concorrer ao governo estadunidense, mas a possibilidade já está tão quente quanto o clima. A revista britânica The Economist considerou, em seu último número, o ex-vice-presidente é uma opção "ideal" entre os democratas devido a sua oposição à guerra no Iraque, sua opção pela bandeira verde e o desejo de acertar as contas com Bush.

“Goracle” anuncia o poder divino das ciências

“É preciso ouvir os cientistas”, diz Gore, cuja imagem no filme é construída como o grande messias que leva a palavra divina das ciências para todos os cantos do mundo a fim de salvar a humanidade. Em um experimento animado realizado no filme, um sapo é colocado em um béquer com água fervente e salta imediatamente. Em outro béquer, o sapo é colocado em água morna no fogo, que lentamente é aquecida sem que o sapo se dê conta. Uma mão humana, a de Gore, resgata o sapo antes que ele morra. Não é à toa que Gore já está sendo chamado de "Goracle" (combinação de seu sobrenome com palavra "oracle", oráculo em inglês).

Embora o filme enalteça o papel da ciência, como aquela que avalia com segurança e confiabilidade a situação atual e que pode prever inequivocamente o futuro, essa força, por ironia, se dilui no filme pelas opções que foram feitas. Os dados apresentados por Gore não correspondem às pesquisas mais recentes, não levam em consideração os três relatórios do IPCC publicados anteriormente nos anos de 1990,1995 e 2001 (o último documento foi publicado após o lançamento do filme). Desconsidera informações relevantes para cientistas, por exemplo, que outros gases como metano e óxido nitroso contribuem significativamente para o aumento do efeito estufa, dando ênfase apenas para o gás carbônico. É interessante perceber que, mesmo não usando dados que os cientistas consideram confiáveis, ou fazendo referências acadêmicas à comunidade científica, o efeito de verdade científica é alcançada no filme por meio dos dados apresentados com o uso de simulações, mapas, gráficos, diagramas e experimentos.

A diluição da ciência como entidade divina, que nos diz como estamos e o que devemos fazer, também acontece pelo uso por Gore em sua explanação de fontes as mais diversas, entre elas, amigos. Coloca, assim, seus amigos como fontes tão importantes quanto os cientistas. As fotografias que tirou em viagens, cartões postais, fotos de revistas etc., também são usados como provas de como certos lugares estariam antes e agora. Ao colocar lado a lado essas fontes diversas, tratando todas como legitimadoras de suas afirmações, ameniza a noção de superioridade da ciência para dizer e tratar do problema das mudanças climáticas. O filme aproxima-se, assim, da forma como grande parte das pessoas lida com essas informações no cotidiano: misturando-as, conectando-as, multiplicando-as.

Embora o filme não diga, se é preciso estar atento aos dados oferecidos pelas últimas pesquisas, é preciso também refletir sobre o papel da ciência em relação à conservação da natureza e às alternativas mitigadoras que propõe. O conhecimento científico tem autorizado a adoção de práticas de conservação, bem como a realização de pesquisas e intervenções, que nem sempre alcançam os objetivos propostos e que geram conflitos e impactos socioambientais que não podem ser desconsiderados. É preciso dar ouvidos à comunidade científica, mas também dar ouvidos às outras organizações, povos, comunidades que há muito discutem esses temas. O diálogo entre o conhecimento científico e o conhecimento produzido por povos, grupos, comunidades os mais diversos é fundamental para que aconteça transformação das práticas científicas e políticas voltadas às mudanças climáticas.

A própria construção no filme de Gore, como um homem sensível aos problemas ambientais, não passa apenas pelo acesso aos dados científicos, mas pela vivência de situações, como a possibilidade de perda do filho que ficou hospitalizado quando pequeno. As cenas dos corredores e leitos vazios do hospital são acompanhadas de um relato emocionado de Gore sobre como esse momento despertou uma nova percepção para a noção de perda. Sugere que novas sensibilidades podem ser produzidas no deslocamento para outras situações. Mas o filme aproveita pouco essa possibilidade, optando por desfilar uma monstruosa quantidade de dados.

Natureza intocada

O filme começa e termina com a idílica imagem de uma mata ciliar que envolve o rio, protegendo-o. A natureza dita em seu estado “puro” ganha a tela. As cidades aparecem em imagens aéreas como vorazes devoradoras dessa natureza, com suas colossais construções e pólos industriais poluidores. Cidades como espaços impossíveis de abrigar a natureza, a vida. Ameaçadoras. Seres das cidades como seres anti-natureza. Gore diz em vários momentos, e também usa dramas pessoais seus, para dar potência a essas afirmações, de que podemos perder a terra, de que nossas gerações futuras não mais terão acesso à natureza porque nós a destruímos.

Ao persistir nessa dissociação entre natureza e cultura, em que a interferência humana é sempre colocada como negativa, o filme traz à tona a visão conservacionista da “natureza” que orientou as políticas dos Estados Unidos para criação, por exemplo, de parques e reservas sem a presença humana. Os modelos de conservação fundamentados na ausência do ser humano partem do princípio de que a natureza, para ser conservada, deve estar separada das sociedades humanas. Nessa perspectiva, qualquer intervenção humana é essencialmente negativa e prejudicial à conservação do mundo natural. Uma imobilizante opção para quem deseja que todos se envolvam com o problema.

Esse modelo cria uma hostilidade às comunidades que habitavam, e habitam no caso brasileiro e de outros países do Sul, as reservas, matas e florestas. O filme não explora essa discussão, também não traz à tona as polêmicas que vêm à tona sempre que esse assunto é colocado em pauta: a proposta de que os países pobres e em desenvolvimento mantenham intocadas as “grandes reservas de biodiversidade” que possuem, o que os países ricos já devastaram. Mais do que administrar e gerir os recursos naturais, o aquecimento global envolve a administração de visões e interesses humanos, muitas vezes divergentes.

Consenso acolhe muitas diferenças

Há uma intenção no filme, e também no texto do IPCC, de apresentar um cenário único consensual para o mundo aquecido à beira do abismo. Mas o cenário não é um só. Não porque existem cientistas, políticos ou pessoas de grupos os mais diversos que não acreditam no aquecimento global, mas porque entre os que crêem ser este um problema que merece atenção, há mundos muito distintos. A multiplicidade de cenários não é apenas futura, como projeta o IPCC, mas também passada e atual. O consenso acolhe muitas diferenças e divergências, mesmo entre cientistas.

Variam as análises sobre as quantidades de gases estufa liberados, as principais fontes emissoras, as possíveis formas de captura de carbono, a contribuição de mares e florestas, as melhores opções energéticas alternativas. O problema se multiplica ainda mais quando elementos diferentes são escolhidos e conectados: naturais, sociais, políticos, econômicos, culturais, morais. Diante da multiplicidade, apagada no filme, mas que se mostra em outros tantos filmes, reportagens, artigos científicos, ficam as questões: que cenários, passados e futuros serão escolhidos? Quais serão as implicações dessas escolhas? Quais serão as opções para reduzir e capturar carbono? Quais serão priorizadas? Que países terão mais peso nesse jogo das decisões? No filme, um urso polar, cansado de nadar, encontra um pequeno bloco de gelo que se espatifa na tentativa de subir. Na imensidão do oceano, a imagem do urso sem acolhimento faz pensar que, talvez, considerar que o consenso sobre o aquecimento global é repleto de diferenças silenciadas, pode nos fazer encontrar novas formas de acolhimento.

http://www.comciencia.br/comciencia/



O novo ministro da Agricultura, Odílio Balbinotti, tem cara de pepino, abacaxi ou batata quente? Só se fala disso no Palácio do Planalto.

Tutty Vasques

Thursday, March 15, 2007

Alerta laranja

Atenção senhores pais: Gerald Thomas está no Rio. Como se não bastassem as balas perdidas.

Tutty Vasques

Tuesday, March 13, 2007

Com a aproximação do inverno os índios sioux foram ao cacique perguntar: - Chefe, o inverno este ano será rigoroso ou ameno? O chefe, vivendo tempos modernos, não tinha aprendido como seus ancestrais os segredos da meteorologia, mas claro, não podia demonstrar insegurança ou dúvida. Por algum tempo olhou para o céu, estendeu as mãos para sentir o vento e, enfim em tom sereno e firme disse: - Teremos um inverno muito forte... é bom ir recolhendo muita lenha!
Na semana seguinte, preocupado com o chute, foi ao telefone, ligou para o Serviço Nacional de Meteorologia e ouviu a resposta: - Sim, o inverno deste ano será muito frio!
Sentindo-se mais seguro, dirigiu-se a seu povo novamente: - É melhor recolhermos mais lenha... teremos um inverno rigoroso!
Dois dias depois, ligou novamente para o Serviço Meteorológico e ouviu a confirmação:
- Sim... este ano o inverno será rigoroso! Voltou ao povo e disse: - Teremos um inverno muito rigoroso. Recolham todo pedaço de lenha que encontrarem, teremos que aproveitar até os gravetos.
Uma semana depois, ainda não satisfeito, ligou para o Serviço Meteorológico outra vez:
- Vocês têm certeza de que teremos um inverno tão rigoroso assim?
– Sim, responde o meteorologista de plantão. Este ano teremos um frio muito intenso.
– Como vocês têm tanta certeza assim?
- É que este ano os índios estão recolhendo lenha pra cacete...

Monday, March 12, 2007

Tuesday, March 06, 2007

RENATO JANINE RIBEIRO - ESPECIAL PARA A FOLHA

Meu artigo sobre o odioso assassínio de João Hélio [no Mais! de 18/2] causou uma polêmica que se desviou muito do que eu disse. Incomodou-me que na Folha se comentasse mais meu ensaio do que o crime contra a humanidade.
Ao expor meus sentimentos (e era isso o que buscava ante o horror que vivia), deixei claro que estava tão perplexo que não cabia propor nada de concreto, tal como a pena de morte. Alguns leitores, entre eles jornalistas, acadêmicos e advogados, leram em minha indignação o que lhes conveio. Retomo o assunto.
Porque disse que minha reação ao crime incluía desejar a morte de seus autores, quiseram entender que defendia sua execução sob tortura, a vingança ou mesmo o sadismo.
Ora, "imaginar", "torcer" não é "propor, fazer, recomendar". Desde Freud, sabe-se que é normal sentir raiva. Humanizamo-nos quando aprendemos a nos conter. Mas conter-se não é varrer a emoção para baixo do tapete.
Alguns, compreensivos, lamentaram que eu levasse a público o que deveria ter guardado para mim ou amigos. Discordo, embora pague um preço por ter dito em alto e bom som o que muitos, no fundo, também sentiram.
Filosofar, como percebeu [o jornalista] Alberto Dines, se faz melhor em público. O esvaziamento e a esterilidade do espaço público, no Brasil, se devem muito ao fato de que fazemos cena: intelectuais, advogados, acadêmicos simulam uma sobriedade que não têm.
O intelectual não pode dizer só o que agrada.
Não ajuda, em nosso debate político e social, fingir uma civilização que tem pés de barro. Calar em público os sentimentos que se referem à vida pública induz à idéia do intelectual como quem pensa sem paixões, a esconder a face oculta de nossa comum humanidade.

Cisão radical

Pessoas comuns que somos, nossa reflexão sobre o que fazer com crimes não pode se contentar com princípios impecáveis, a fundar leis que ninguém contesta, mas tampouco reconhece ou respeita. Nossa reflexão e ação não devem ser esterilizadas por uma cisão radical entre sentir e pensar.
Pois, sem eu renunciar à defesa do processo justo, à importância da educação (mas que demora a dar resultados), vejo que os discursos construtivos esbarram num fato bruto, o horror, que é quase da ordem do indizível. O horror é sentimento típico do século 20.
Palavras são poucas para enunciar os casos em que falha o grande projeto de Rousseau, a compaixão, a piedade: o padecer junto com qualquer ser vivo que sofra.
O horrível dos infanticidas é a extinção cabal da compaixão. "Não sei, não tenho filho", disse um dos assassinos, ao lhe perguntarem o que imaginava sentirem os pais de João Hélio. Mas sentir com o outro não exige ter vivido pessoalmente a mesma experiência.
Preocupa-me a permanência de um discurso acabado que condena a indignação, respondendo a ela com artigos de leis e uma moral pronta.
Boa parte da população está tão revoltada que descrê do discurso, sincero ou hipócrita, da lei e de quem diz aplicá-la. A ausência do Estado se mede pela ausência do respeito e garantia dos direitos humanos de uma população que repudia o crime.
Essa exaustão de nosso semi-Estado de Direito é grave, porque sem a confiança do povo soberano sobram só resíduos do direito. Uma democracia sem povo o que é?
Expressar o horror, desnudar a própria alma sem censura, talvez sirva para destacar que há gritos que não podem ser silenciados e ignorados quando se discute a construção de uma nova sociedade.
O crime hediondo não é um crime qualquer. Uma coisa é fazer do crime um meio de vida (própria), outra é fazer dele um meio de morte (alheia). O assassino cruel passou há muito dos limites da civilidade. Espanta que alguém deseje, para ele, tormentos? Desejar não é fazer. Mas uma indignação que o patriciado não escuta corrói as bases da pólis.
A vingança privada só deu lugar à justiça pública após lento avanço nas relações sociais. E a justiça se manteve porque garantiu o cumprimento das leis.
Mas se lembram da bóia-fria que matou aquele que violentou seu filhinho? Devia ela crer no devido processo legal? Mas assim não se devolve a justiça à vingança, não renuncia o poder público a qualquer utilidade?
Pergunto: em que medida o Judiciário brasileiro beneficia o dia-a-dia de uma população que não desfruta do direito à segurança que, lembra-me Lenio Streck [professor e procurador de Justiça do Rio Grande do Sul], está na Constituição?
Enquanto alguns publicistas exibem fé plena nas instituições, pura decência, a maioria se estarrece diante da barbárie.
Admirando Rousseau, talvez o filósofo moral de maior grandeza, penso, porém que a compaixão é uma construção laboriosa feita em sociedade. Divide o humano do bestial. Criminosos, hoje, lucram na razão direta de sua falta de compaixão, de sua desumanidade.
Tenho sustentado que -se a modernidade política surge quando passam à esfera pública conceitos do direito privado romano- nossa época se caracteriza inversamente pela passagem, para a esfera privada, de conceitos que eram do âmbito político.

Paradigma individual

O príncipe de Maquiavel, sem garantia de triunfar num mundo sem regras, hoje é paradigma de indivíduos que já não têm parâmetros prontos para a vida profissional e pessoal - vivendo no chão ensaboado do "condottiere" maquiaveliano.
Por que não pensar, então, que o nazismo pode também estar presente em indivíduos - que agem com igual falta de compaixão, mesmo sem ter o projeto hitlerista de dominar o mundo? Há nazismo quando um grupo ou um indivíduo busca extirpar as últimas marcas de humanidade.
Continuo vendo razões contra a pena de morte: o risco do erro judicial irreparável, a vergonha que é o Estado matar.
Mas as estatísticas mostram o fracasso do Estado em recuperar o criminoso, tarefa que parece exigir dedicação quase religiosa.
Ouvi o padre Júlio Lancelotti [da Pastoral do Menor] dizer que a liberdade assistida, alternativa inteligente ao aprisionamento dos menores delinqüentes, para que eles trabalhem, estudem, saiam do crime, custaria seis salários mínimos per capita ao mês.
É caro, embora talvez metade do custo da Febem, com a vantagem de que pode recuperar a pessoa para a vida inteira, enquanto a Febem faz o contrário. É a fábula do filho pródigo aplicada.

Frustração

Na insuficiência das soluções leigas para os problemas do crime, não tenho visto saídas a não ser as marcadas pela religião e/ou por uma dedicação leiga da ordem do heroísmo, como a dos militantes de direitos humanos. Se houver salvação, está aí. E é difícil. Repetem-se as faixas do Rio contra o crime. A maioria esmagadora da população é contra o crime, quer compaixão.
Mas, até agora, adiantou a indignação popular? O meio jurídico e político teve palavras de consolo e apoio para a multidão sofrida ou frustrou-a, como o juiz de menores que disse que o assassino jovem de João Hélio ficará três anos internado - e falou isso como se fosse normal? Como podem as pessoas falar tão friamente e querer compreensão?
Os infanticídios não mudam minha defesa dos direitos humanos porque, como sustento em "O Afeto Autoritário" [ed. Ateliê], os direitos humanos não são só os direitos do suspeito perante a polícia (embora preciosos), mas também a igualdade dos sexos, o direito ao trabalho e a uma vida digna - e o direito de João Hélio a viver uma vida normal e longa.
Mas me fizeram pensar no nazismo entre nós.
Esta, que ninguém comentou, talvez seja a idéia mais original de meu artigo: a comparação do atual horror privado ao nazista. Parece que não se quer ver o nazismo aqui, na esquina. O século 20, o de maior progresso na história, foi rachado ao meio pelos totalitarismos, dos quais o pior foi o hitlerista.
Remeti a duas idéias-chave. Primeira: dizer o horror é dificílimo, como sabe quem narrou os campos de concentração ou a tortura na América do Sul - assunto que no Brasil é calado, haja vista a crítica da imprensa ao processo dos Teles contra seu torturador.
Foi tocante, na novela "Páginas da Vida", familiares de assassinados falarem. Porque não dizer - ou escutar - o horror corrompe a todos. Acentua o teor de hipocrisia na vida social. Esteriliza ainda mais a vida pública.
A segunda idéia é a de que, se o nazismo é o inimigo do humano (do humano como valor, "humane", em inglês, e não apenas como descrição, "human"), se falar sobre ele é um esforço e refletir sobre ele é difícil, ele se situa nas exceções da nossa espécie. Institui-se como estado de exceção.
Carl Schmitt [jurista alemão, 1888-1985] pensou a soberania não a partir do "nós, o povo", da regra republicana, mas da exceção ditatorial. A exceção vira regra. Para dizer o humano, prefiro Camus, que falava no caráter irredutível de cada sofrimento pessoal intenso.
Nenhuma explicação dá conta do assassínio de um filho. Políticas podem resolver o problema mais adiante, mas nossa sociedade está cada vez mais ferida pelo extermínio do seu futuro. As soluções eram devidas ontem. Se não forem cobradas com muita intensidade, não virão nunca.
Se a emoção crescente da perda injusta do filho ou da filha - isto é, o que jamais será banalizado, porque sempre será insuportável - se potencializar, cada um decidindo sua própria lei, que restará de nossos laços sociais ou, pelo menos, políticos?



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NOTA
Devo a Alberto Dines, Lenio Streck, Silvia Pimentel, Anita Novinski, Olgária Matos, Manuel da Costa Pinto, Edson Teles, Sara Albieri, Eric Calderoni, Yumi Suzuki, Newton Pimenta, Auxiliadora Nicolato e outros algumas idéias e expressões que aparecem neste artigo, cuja responsabilidade, porém, é minha.

Sunday, March 04, 2007

And one more thing I would like now to state on this day memorable perhaps not only for us Germans.
I have often been a prophet in my life and was generally laughed at. During my struggle for power, the Jews primarily received with laughter my prophecies that I would someday assume the leadership of the state and thereby of the entire nation and then, among many other things, achieve a solution of the Jewish problem. I suppose that meanwhile the laughter of Jewry in Germany that resounded then is probably already choking in their throats. [applause; Hitler coughs]
Today I want to be a prophet again. If international finance Jewry within Europe and abroad should succeed once more in plunging the peoples into a world war, then the consequence will be not the Bolshevization of the world and therewith a victory of Jewry, but on the contrary, the destruction of the Jewish race in Europe. [applause]


http://stevenlehrer.com/Hitler_threat.htm



Jews from Carpathian Ruthenia get off the deportation train and assemble on the ramp at Auschwitz-Birkenau. [Photograph credit: United States Holocaust Museum, courtesy of Yad Vashem] .


http://www.kcl.ac.uk/depsta/iss/library/speccoll/bomarch/bomaug06.html

[...] O juiz Halevi perguntava às testemunhas: "Os judeus receberam alguma ajuda?" com a mesma regularidade com que a acusação perguntava: "Por que não se rebelou?". As respostas tinham sido variadas e inconclusivas - "Toda a população estava contra nós", "dava para contar nos dedos de uma mão" os judeus escondidos por famílias cristãs, talvez cinco ou seis de um total de 13 mil - mas no geral a situação, surpreendentemente, fora melhor na Polônia do que em qualquer país da Europa Oriental. (Não havia, como eu já disse, nenhuma testemunha da Bulgária.) Um judeu, agora casado com uma mulher polonesa e morando em Israel, contou como sua mulher o tinha escondido junto com outros doze judeus durante toda a guerra; outro tinha um amigo cristão antes da guerra para cuja casa ele correu ao escapar de um campo e que o ajudou até ser mais tarde executado pela ajuda que prestou aos judeus. Uma testemunha disse que a resistência polonesa tinha fornecido armas a muitos judeus e salvado milhares de crianças abrigando-as com famílias polonesas. Os riscos eram proibitivos; havia a história de uma família polonesa inteira que foi executada da maneira mais brutal por ter adotado uma menina judia de seis anos. Mas [a] história sobre Schmidt era a primeira e a última sobre um alemão, pois o único outro incidente envolvendo um alemão só foi mencionado em um documento: um oficial do Exército havia ajudado indiretamente sabotando certas ordens da polícia; nada aconteceu com ele, mas a questão foi considerada suficientemente séria para ser mencionada na correspondência entre Himmler e Bormann.
Durante os poucos minutos que [Abba] Kovner levou para contar sobre a ajuda recebida de um sargento alemão, baixou um silêncio sobre o tribunal; era como se a multidão tivesse espontaneamente decidido observar os costumeiros dois minutos de silêncio em honra de um homem chamado Anton Schmidt. E nesses dois minutos, que eram como uma explosão de luz em meio à impenetrável, insondável escuridão, um único pensamento se recortava claro, irrefutável, além de qualquer questão - como tudo seria tão absolutamente diferente nesse tribunal, em Israel, na Alemanha, em toda a Europa, e talvez em todos os países do mundo, se mais dessas histórias pudessem ser contadas.
Evidentemente havia explicações para essa devastadora carência e elas foram repetidas muitas vezes. Darei aqui a essência delas nas palavras de uma das poucas memórias de guerra subjetivamente sinceras publicadas na Alemanha. Peter Bamm, um médico alemão do Exército que serviu no front russo, narra em Die Unsichtbare Flagge (1952) o assassinato de judeus em Sebastopol. Eles eram capturados pelos "outros", como ele chama as unidades móveis de assassinato da SS para distingui-las dos soldados comuns, cuja decência é louvada no livro, e eram colocados na parte fechada de uma prisão que havia sido da GPU, contígua às acomodações dos oficiais, onde a unidade de Bamm estava aquartelada. Eles eram então forçados a embarcar num caminhão de gás, dentro do qual morriam em poucos minutos, depois do que o motorista transportava os corpos para fora da cidade e os descarregava em fossas. "Sabíamos disso. Não fizemos nada. Qualquer um que protestasse seriamente ou fizesse alguma coisa contra a unidade de assassinato teria sido preso em 24 horas e desaparecido. Faz parte dos refinamentos dos governos totalitários de nosso século que eles não permitam que seus oponentes morram a morte gloriosa, dramática dos mártires. O Estado totalitário deixa seus oponentes desaparecerem em silencioso anonimato. É certo que qualquer um que tivesse ousado morrer para não tolerar silenciosamente o crime teria sacrificado sua vida em vão. Iso não quer dizer que tal sacrifício teria sido moralmente sem sentido. Teria sido apenas praticamente inútil. Nenhum de nós tinha convicções tão profundas a ponto de tomar para si um sacrifício praticamente inútil em prol de um sentido moral superior."
Mas o vazio da respeitabilidade - pois a decência nessas circunstâncias não é mais do que a respeitabilidade - não era o que vinha à tona no exemplo do sargento Anton Schmidt. Era mais a falha trágica do argumento em si, que de início soava tão desesperadamente plausível. É verdade que a dominação totalitária tentou estabelecer esses buracos de esquecimento nos quais todos os feitos, bons e maus, desapareceriam, mas assim como estavam fadadas ao fracasso todas as tentativas nazistas, feitas de junho de 1942 em diante, de eliminar os vestígios dos massacres - por meio da cremação, da queima em poços abertos, do uso de explosivos e lança-chamas e máquinas trituradoras de ossos - assim também todos os esforços de fazer seus oponentes "desaparecerem em silencioso anonimato" foram em vão. Os buracos de esquecimento não existem. Nada humano é tão perfeito, e simplesmente existem no mundo pessoas demais para que seja possível o esquecimento. Sempre sobra um homem para contar a história. Portanto, nada pode ser "praticamente inútil", pelo menos em longo prazo. Seria de grande utilidade prática para a Alemanha de hoje, não meramente para o seu prestígio no estrangeiro, mas para sua condição interna tristemente confusa, se houvesse mais dessas histórias para contar. Pois a lição dessas histórias é simples e está ao alcance de todo mundo. Politicamente falando, a lição é que em condições de terror, a maioria das pessoas se conformará, mas algumas pessoas não, da mesma forma que a lição dos países aos quais a Solução Final foi proposta é que ela "poderia acontecer" na maioria dos lugares, mas não aconteceu em todos os lugares. Humanamente falando, não é preciso nada mais, e nada mais pode ser pedido dentro dos limites do razoável, para que este planeta continue sendo um lugar próprio para a vida humana.

Adolf Eichmann foi para o cadafalso com grande dignidade. Pediu uma garrafa de vinho tinto e bebeu metade dela. Recusou a ajuda do ministro protestante, William Hull, que se ofereceu para ler a Bíblia com ele: tinha apenas mais duas horas para viver e, portanto nenhum “tempo a perder”. Ele transpôs os quarenta metros que separavam sua cela da câmara de execução andando calmo e ereto, com as mãos amarradas nas costas. Quando os guardas amarraram seus tornozelos e joelhos, pediu que afrouxassem as cordas para que pudesse ficar de pé. “Não preciso disso”, declarou quando lhe ofereceram o capuz preto. Estava perfeitamente controlado. Não, mais do que isso: estava completamente ele mesmo. Nada poderia demonstrá-lo mais convincentemente do que a grotesca tolice de suas últimas palavras. Começou dizendo enfaticamente que era um Gottgläubiger, expressando assim da maneira comum dos nazistas que não era cristão e não acreditava na vida depois da morte. E continuou: "Dentro de pouco tempo, senhores, iremos encontrar-nos de novo. Esse é o destino de todos os homens. Viva a Alemanha, viva a Argentina, viva a Áustria. Não as esquecerei". Diante da morte, encontrou o clichê usado na oratória fúnebre. No cadafalso sua memória lhe aplicou um último golpe: ele estava "animado", esqueceu-se que aquele era seu próprio funeral.
Foi como se naqueles últimos minutos estivesse resumindo a lição que este longo curso de maldade humana nos ensinou - a lição da temível banalidade do mal, que desafia as palavras e os pensamentos.

Thursday, March 01, 2007

Renato Janine Ribeiro ao escrever sobre o assassinato do menino carioca João Hélio, no caderno Mais! do jornal Folha de São Paulo escreve como quem está, de fato, mexido com os acontecimentos. Assume que está tomado pelo horror, que pensar no crime cometido “é insuportável”. Confessa que “este caso horrível” o faz (...) “não pensar, sentir coisas distintas, diferentes”. E sintetiza: “Quer isso dizer que defenderei a pena de morte, a prisão perpétua, a redução da maioridade penal? Não sei. Não consigo do horror que sinto deduzir políticas públicas, embora isso fosse desejável”.
Está muito claro que o artigo publicado, não incita ao crime, tampouco fornece munição “a um movimento (...) de justiceiros, de cegos vingadores” ou pode ter qualquer parentesco com tendências “nazistas”. Tais afirmações, presentes na réplica publicada uma semana depois por Andrea Lombardi no mesmo suplemento beiram a má fé.
O caso é que Renato Janine Ribeiro optou por escrever como quem ainda está sob o impacto da notícia. Fala daquilo em que não consegue “parar de pensar”, ou seja, fala sobre o que o faz “não pensar”; fala do que está... sentindo. Neste sentido aproxima-se da reação indignada que tiveram minha filha de dezesseis anos e a maioria das pessoas com quem convivo, e desvia-se, evidentemente, da exigência de Lombardi, que espera de um intelectual a conduta de “um regente de uma partitura: criativo e atento, apaixonado e cuidadoso”. Um intelectual que utilize “instrumentos específicos e o bom senso, como o psicanalista Renato Mezan, sensatamente sugere, em seu artigo publicado na mesma edição do Mais!”.
Tenho visto com freqüência textos anódinos como o de Renato Mezan surgirem ainda no calor da primeira hora, tentando com seus “instrumentos específicos” dar contornos à neblina informe de pasmo que nos envolve no momento exato em que um episódio desagregador ganha visibilidade, seja o 11 de Setembro, ou a corrupção no PT, seja o crime hediondo cometido pelos assassinos de João Hélio.
Fatos como esses, por inexplicáveis, nos inundam com os pensamentos mais contraditórios. Renato Janine Ribeiro, “instado”, como diz, “a opinar”, opta por dizer o que “realmente” pensa (“ou, então, calar”-se). Aí reside a originalidade do seu texto: justamente não estar “a serviço de uma” hipotética, teórica “leitura nova e original, que defenda e abra sempre mais novos espaços de liberdade”, e, principalmente, por não assumir compromissos com o que vai pensar dessas idéias “um aluno de um curso de ética”.
Já Lombardi prefere tomar distância, como o faria um maestro “criativo”, “atento” e “cuidadoso”, “apaixonado”, mas só pelo seu trabalho de “leitor”. Escreve “frio como um pepino”, diria o Paulo Francis. Aponta para os índices de uma violência “que sempre existiu”, “triste primado do Brasil”, “expressão de intolerância profunda”. Afirma (acertadamente) que “não há solução ‘final’ para o problema da violência”; “nem para qualquer outro problema, mesmo social”.
Ainda assim, como “essa sociedade esconde a doença com toda a gama de antidepressivos liderados pelo Prozac e seus derivados”, sente-se autorizado a arriscar uma receita de sua autoria: “contra a violência, contra a pena de morte, contra a corrupção que autoriza descrença, desengajamento, hipocrisia e cinismo, é necessário retomar uma atitude inconformada. Ou melhor: rebelde.”.
Sugere “um gesto simpático”, como o dos ambientalistas que abraçaram a Lagoa Rodrigo de Freitas, ou declarar, “veementemente” como “Pasolini”, nosso “inconformismo” com a sociedade do “bem-estar e da apatia”. Ou ainda protestar “como em 1968”, “com milhões de jovens no mundo inteiro, para chegar a gritar hoje (talvez?): "O bom senso ao poder" que ecoa o "poder da imaginação" de então.”.
Lombardi ainda encontra tempo para diagnosticar não só em Renato Janine, mas na sociedade brasileira como um todo, “a dependência do mais corriqueiro e brutal senso comum, o contrário do bom senso”.
A idéia de senso comum como o “contrário do bom senso”, costuma ser especialmente cara aos ‘homens de pensamento’ pelo menos desde a alegoria platônica da Caverna, como apontou Hannah Arendt, assim como a concepção de uma pretensa ignorância característica do cidadão comum como doença que só o ‘filósofo’ pode curar.
À reação estupefata de todos e cada um diante da brutalidade humana, o professor Andrea Lombardi preferiu opor seu céu de idéias: apesar de, em seu artigo, Janine Ribeiro parecer tudo, menos indiferente, é com esta frase que se conclui a réplica: “Qualquer coisa, menos a indiferença pós-moderna”.
Ninguém, nem mesmo os policiais cariocas, que já viram de tudo, ficou indiferente à forma como João Hélio foi morto. Andrea Lombardi falseou a questão, desviou do caminho que levava ao pântano e postou-se do alto de sua cátedra para ‘ver com originalidade’. De lá avistou “profundezas”, o “que sempre existiu”, a “doença escondida”, viu a “violência crônica e brutal contra o pobre menino” enquanto “expressão de uma doença crônica, que convive com essa nossa sociedade contemporânea, em suas entrelinhas ou em suas entranhas” tudo, menos o corpo dilacerado da criança feita em boneco de Judas.
Renato Janine resolveu tomar rumo diferente. Expôs-se em praça pública. Disse de si. E assinou o que disse. Inevitavelmente, num segundo momento terá que retomar, à luz de seus pensamentos, as afirmações que fez. Naquele domingo, escreveu como cada um de nós escreveria. Descumpriu seu papel de intelectual? Sim, se acreditarmos que há resposta para o pesadelo recorrente que carregamos, insondável, cada um de nós e que, mais, os intelectuais têm maior capacidade que os outros para encontrá-la. Nada indica, no entanto, que a verdade esteja sempre no sentido inverso de tudo que é “corriqueiro” e “banal”, que a verdade dependa sempre de alguém que a vá “decifrar no texto”, entre “o que está escrito e o que está nas entrelinhas”, o que é “evidente e o que é recôndito”, “o que é banal e o que é novo e criativo e o que, a partir do texto, em nova leitura se possa dizer”. Isto equivale a confundir o próprio mundo com a função do intelectual. O crime cometido por aqueles quatro rapazes cariocas em fevereiro de 2007 foi um escândalo. Todos viram. Tentar traduzir algo tão desprovido de sentido, tentar sistematizar, categorizar, todas estas ações “intelectivas”, às vezes pode, isto sim, soar como o último suspiro de saudade do saber científico enquanto valor supremo de nossa civilização. Não, definitivamente, a racionalidade ocidental não tem garantido alívio contra a barbárie. E constatar isso nos aperta o coração.

A razão distorcida

Crítico comenta artigo do filósofo Renato Janine Ribeiro publicado no Mais! de 18/2, sobre a violência no Brasil

ANDREA LOMBARDI ESPECIAL PARA A FOLHA

Sou estrangeiro. Há 25 anos resolvi morar no Brasil, por achar que aqui o convívio era decididamente mais tolerante, menos carrancudo e mais leve do que na velha Europa. Confesso que, nesse meio tempo, nunca tinha lido um acúmulo de idéias tão corriqueiras, brutais e potencialmente perigosas como as contidas no artigo do Renato Janine Ribeiro (Mais! de 18/2), com outros textos, escritos para debater o cínico e monstruoso crime, que levou a vida do menino João, no Rio. Confesso que estava esperando uma reação irracional, daquele Brasil profundo e recalcado: uma defesa de medidas extremas. Confesso que imaginava (há um certo tempo) que alguém viria a ocupar o lugar de uma extrema direita, que no Brasil nunca teve a coagem de se apresentar de forma explícita, legítimos continuadores de uma tradição que havia antes do golpe de 64. Fiquei surpreso e, sinceramente indignado, pois o texto do Ribeiro nas entrelinhas pode levar à incitação ao crime ("Quando penso que desses infanticidas, os próprios colegas da prisão se livrarão, confesso sentir um consolo").
Sou professor numa universidade pública (fui e sou ainda colega de Ribeiro). Mas, se ser intelectual resultar em algo parecido ao que alega em seu texto, vou preferir abdicar de minha profissão. Pois o papel do intelectual, em minha opinião, é apontar para um caminho na literatura e na leitura, que é o contrário ao corriqueiro e ao banal. Existe uma ética na leitura, que defendo, pela qual os leitores (sejam docentes, recém-alfabetizados ou alunos, sejam amadores ou apaixonados) devem exercer sua responsabilidade sempre e novamente, tentando decifrar no texto o que está escrito e o que está nas entrelinhas, o que é evidente e o que é recôndito, o que é banal e o que é novo e criativo e o que, a partir do texto, em nova leitura se possa dizer. O leitor deve ser sempre como um regente de uma partitura: criativo e atento, apaixonado e cuidadoso. A sensibilidade e a razão (distorcidas no artigo em questão) devem estar a serviço de uma leitura nova e original, que defenda e abra sempre mais novos espaços de liberdade (alguns o chamaram de livre-arbítrio, e essa definição parece ter vingado, pelo menos na letra). Considero-me um simples leitor, e a leitura que Ribeiro fez do episódio resulta num acúmulo de banalidades e patentes inverdades, desmontando a aura de intelectual que reivindica, fornecendo suas munições a um movimento realmente reacionário, de justiceiros, de cegos vingadores (o que vai pensar dessas idéias um aluno de um curso de ética?).
Aponto três aspectos, dos tantos problemáticos, do texto. 1. No texto há um apelo a Deus, blasfemo para um crente, paradoxal e oportunista para um intelectual iluminista. 2. Reitera-se uma posição brutal e perigosa, que parte da defesa da pena de morte, para conclamar a fatos e iniciativas mais graves: "Se não defendo a pena de morte é apenas por que acho que é pouco". "(Eles) deveriam ter uma morte hedionda." "Torço para que, na cadeia, os assassinos recebam sua paga." 3. Entre as inverdades brilha: "Não vejo diferença entre eles e os nazistas". Os nazistas optavam pelo mal, como esses assassinos. "Sei que os pobres são honestos, mais até que os ricos". "O que vivemos não é diferente do nazismo".

Revisão das idéias

Eu, como muitos, respeitava e gostava de Ribeiro. Respeito também que possa ter revisto suas próprias idéias, mas julgo prudente lembrar que um obscuro jornalista socialista na Itália resolveu inventar a mais moderna das ditaduras reacionárias. E que havia um banal pintor de paisagens, na Áustria, que se tornou o realizador de uma imensa arquitetura da destruição. Respondo aqui à última das afirmações do texto, por sentir-me diretamente atingido, pois sou de origem judaica e acredito ser o dever de todos esclarecer as condições em que o nazismo e o fascismo nasceram e proliferaram. Uma dessas condições foi a queima dos livros, real e metafórica, o apelo a reações irracionais contra a tradição humanista e erudita da Alemanha e da Europa.
O nazismo foi uma ditadura (não uma iniciativa de um homem do mal), que cristalizou de forma monstruosa os sentimentos de medo contra o desemprego, contra a criatividade artística desenfreada das vanguardas e de medo contra o apelo à oralidade e à liberdade do leitor, numa nova versão do anti-semitismo. A violência crônica e brutal contra o pobre menino é provavelmente expressão de uma doença crônica, que convive com essa nossa sociedade contemporânea, em suas entrelinhas ou em suas entranhas. É pensando na patologia desses casos que devem ser tratados que se justifica uma reação da sociedade, utilizando-se de instrumentos específicos e o bom senso, como o psicanalista Renato Mezan, sensatamente sugere, em seu artigo publicado na mesma edição do Mais!. Pois essa nossa sociedade proclama a felicidade e vive a neurose, almeja a paz dos sentidos e não consegue vencer o medo, a angústia e o pânico. Mas os cidadãos comuns trancados e queimados pelo tráfico no Rio no final de 2006, o índio queimado há alguns anos em Brasília e os linchamentos são um triste primado do Brasil e expressão de intolerância profunda.
São índices de uma violência que sempre existiu (leia-se "Totem e Tabu" [de Freud] ou qualquer estatística sobre estupros e violência doméstica para ter uma confirmação). Não há solução "final" para o problema da violência (nem para qualquer outro problema, mesmo social). Lutar para diminuir a idade penal e defender a instituição da pena de morte mostra unicamente a dependência do mais corriqueiro e brutal senso comum, o contrário do bom senso. Essa sociedade esconde a doença com toda a gama de antidepressivos liderados pelo Prozac e seus derivados. As palavras de Ribeiro soam como o equivalente ao Viagra, feito para mostrar mais roxo do que é realmente e revelam que a idade e a preparação intelectual não necessariamente trazem sabedoria. Não me sinto mais tão estrangeiro, não tenho certeza de que quero ser considerado um intelectual ou um professor, mas sinto-me tão humanista e ligado à ética quanto quando cheguei. Escolhi o Brasil, há quase um quarto de século, por ser mais tolerante, mais aberto do que a velha Itália. Hoje quero defender essa escolha. Penso que contra a violência, contra a pena de morte, contra a corrupção que autoriza descrença, desengajamento, hipocrisia e cinismo, é necessário retomar uma atitude inconformada.
Ou melhor: rebelde. Fazendo, talvez, como fizeram, há alguns anos, os ambientalistas no Rio, que com um gesto simpático, abraçaram a Lagoa de Freitas. Declarando talvez como há 50 anos o fazia veementemente o fundador do situacionismo -Guy Debord- ou [o cineasta] Pasolini, seu inconformismo com a sociedade do bem-estar e da apatia. Protestando como em 1968, com milhões de jovens no mundo inteiro, para chegar a gritar hoje (talvez?): "O bom senso ao poder" que ecoa o "poder da imaginação" de então. Qualquer coisa, menos a indiferença pós-moderna, como escreveu um autêntico intelectual carioca.


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ANDREA LOMBARDI é professor de língua e literatura italianas na Universidade Federal do RJ e membro da pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

João vai à guerra

RENATO MEZAN

Um garoto de seis anos arrastado por vários quilômetros, preso ao cinto de segurança de um carro: a crueldade inominável desse ato chocou mesmo os policiais que o encontraram, após o abandono do veículo pelos bandidos que o queriam roubar - um deles menor de idade, outros tendo completado há pouco 18 anos. A primeira reação de quem toma conhecimento de um crime assim bárbaro é exigir que ele seja castigado, até por meios cruéis. Os assassinos deveriam experimentar na própria pele a dor que causaram ao menino e à sua família... Olho por olho, dente por dente. Mas, justamente, não somos bárbaros: a sociedade não pode reagir na mesma moeda que os criminosos.
Contudo sentimos necessidade de compreender como é possível um ato dessa natureza e se se podem tomar medidas para evitar sua repetição. A violência é uma constante na história da humanidade. Sob a forma de guerras, massacres, escravização dos vencidos, tortura e outras práticas, acompanha desde as cavernas a trajetória da nossa espécie.

Freud e Durkheim

Variam seus modos de expressão: ela pode ser coletiva, como nos exemplos acima, ou individual (crimes), física ou mental, aberta ou sutil, ocasional ou constante, neste caso configurando um estado de violência que eventualmente chega a desagregar o tecido social (o sociólogo Émile Durkheim chamava a isso "anomia", ausência de lei) -mas está sempre no horizonte da vida social. Freud a explicava como conseqüência da nossa constituição psíquica, "que inclui uma boa dose de agressividade" ("O Mal-Estar na Cultura"). Cobiça, ambição, inveja, rivalidade, raiva, desejo de vingança são sentimentos que fazem parte da natureza humana, e que desde sempre induziram atos violentos, cujo objetivo é assegurar a quem os pratica riqueza, glória, sucesso, reabilitação da sua auto-estima e assim por diante.
"Homo homini lupus", o homem é o lobo do homem, dizia o filósofo Thomas Hobbes. Ocorre que a sociedade não pode tolerar tais atos, e, para os coibir, criaram-se normas e punições para quem as viola. O medo do castigo - dor física, privação de liberdade, penas pecuniárias, morte - é um dissuasor eficaz, mas precisa ser complementado pela adesão de cada indivíduo aos valores promovidos por seu grupo - o que, segundo a psicanálise, é obtido pela instalação em sua mente de uma instância denominada superego.
É a ele que, como agente interno das normas externas, incumbe o controle dos nossos impulsos, em particular dos violentos. Em certas pessoas, porém, o superego falha em sua missão. Nelas inexiste, ou é muito precário, o sentimento de compaixão; seu comportamento revela que não vêem no outro um semelhante, mas um meio para satisfazer suas pulsões e fantasias ou, se ameaçar a realização delas, um obstáculo a ser eliminado. É o caso dos assassinos e, mais geralmente, dos psicopatas, que sempre colocam seus objetivos acima de qualquer outra consideração - e, para os alcançar, não têm escrúpulo em causar dano a quem quer que seja.
É claro que existem motivos sociais para o crime. Miséria, fome, desigualdade gritante podem gerar ódio e desespero, especialmente se a sociedade não oferece perspectivas de reduzir por meios dignos tais mazelas; quem as experimenta pode querer privar os mais favorecidos do que possuem, pois a situação é sentida como um acinte - por que ele e não eu? Mas é preciso cuidado para, a pretexto de "ser de esquerda", não invocar esses fatores como se fossem uma verdade absoluta, válida para qualquer caso -principalmente diante de crimes praticados com uma desumanidade que claramente satisfaz impulsos inconscientes.
Furtar uma carteira, arrancar a bolsa de uma mulher ou exigir o tênis de marca de um adolescente são coisas bem diferentes do que premeditar um assassinato ou cometê-lo nas circunstâncias da tragédia que vitimou João Hélio.

"Boneco de Judas"

O mais chocante, neste caso, é a frieza do jovem que, ao ser interrogado sobre por que não deteve o carro ao perceber o que estava acontecendo, respondeu que se tratava de um "boneco de Judas". Eis como uma tradição cultural (a malhação do Judas, em outros tempos freqüentemente acompanhada por ataques a judeus no sábado de Aleluia) pode criar uma racionalização da violência (é lícito punir os assassinos de Cristo) e um modelo de impunidade (se são culpados de deicídio, é um ato piedoso agredi-los). Nenhum motivo "social", porém, pode dar conta da crueldade dos assassinos. A vida é dura nas favelas, mas seus habitantes são via de regra pessoas decentes, incapazes de fazer o que eles fizeram: não é porque são desprovidos de muitas das coisas que desejam que saem por aí roubando automóveis ou matando crianças.
O que terá passado pela cabeça dos ladrões, ao perceber o que estava acontecendo do lado de fora do carro? Infelizmente, suspeito que nada. Nas pessoas normais, entre o impulso ou fantasia e o ato se interpõe todo um sistema de mediações: imagens, palavras, representações, expectativas, sentimentos e assim por diante. No indivíduo impulsivo, essas mediações são frágeis ou inexistentes: ele passa quase de imediato do impulso à ação e só depois se dá conta das conseqüências. O psicopata, que se caracteriza pela ausência do sentimento de culpabilidade, sequer se arrepende do que praticou, enquanto a pessoa simplesmente impulsiva pode querer reparar o dano que causou - quando este admite reparação, o que, está longe de ser o caso na tragédia do Rio de Janeiro.
Pode-se ter por inimputável alguém que faz algo desse gênero? Se for menor de idade, a lei brasileira não permite que seja condenado à mesma pena que um adulto. Aqui me parece necessário revisá-la, mesmo que menores de idade, estupradores e assassinos como Champinha (em Embu, em SP) ou como alguns dos jovens que causaram a morte do menino carioca não possam ser colocados na mesma categoria que um "avião" de traficantes ou que um garoto que assalta por dinheiro. É óbvio que tais atos são intoleráveis; deve existir vigilância e repressão para os evitar, sem prejuízo da tentativa de recuperar, com medidas socioeducativas, o menor que os tiver praticado.

Reformulação da lei

Mas é nítida a fronteira entre delitos contra a propriedade, ou infrações leves, e crimes contra a vida e a integridade de outro ser humano. Sem cair em barbárie semelhante à dos assassinos de João Hélio, sem os querer linchar - numa manifestação de violência que nos colocaria no mesmo nível que eles-, é preciso reavaliar dispositivos legais que, ao garantir penas leves, em nada contribuem para dissuadir menores de praticar atos dos mais cruéis.
A lei deve ser reformulada, tomando-se as devidas cautelas para evitar precipitação e injustiça. Por exemplo, exames psicológicos poderiam ser realizados por dois peritos independentes, e o juiz se serviria desses laudos para tomar sua decisão. O que não pode continuar acontecendo é que crimes hediondos permaneçam, de fato, impunes - ou a banalização da violência acabará por rasgar o tecido já esgarçado da sociedade brasileira. O brado de Aline, irmã do menino assassinado, deve ser ouvido: "Justiça!".


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RENATO MEZAN é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na seção "Autores", do Mais!