Monday, March 31, 2008
Em Onde os Fracos Não Têm Vez, os irmãos Coen mostram a brutalidade para falar de compaixão
Da mesma forma que em Fargo, o grande filme da carreira dos irmãos Joel e Ethan Coen, em Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men, Estados Unidos, 2007) existe um lar que é um santuário. Lá fora, porém, está o horror – na forma de cadáveres crivados de balas e espalhados pelo deserto, uma fortuna que está perdida mas certamente tem dono, drogas que atravessam a fronteira entre o México e o oeste do Texas, ganância, corrupção e uma indiferença abissal pela vida humana. Lá fora está, principalmente, um homem que personifica todo esse horror: Anton Chigurh, assassino por ofício e por vocação que, numa caracterização típica do humor dos Coen, arruma os cabelos como uma dona-de-casa dos anos 50. A incongruência do penteado, ainda mais como moldura para os traços de boxeador do espanhol Javier Bardem, é uma dessas manifestações da veia simultaneamente cômica e perversa dos Coen, que faz muito por colocar seus filmes no centro das atenções. Os resultados são estupendos: entre nomeações e vitórias, Fracos, acumula 82 menções nas principais premiações do último ano, incluindo a Palma de Ouro em Cannes e oito indicações ao Oscar. Bardem, sozinho, responde por catorze dessas nomeações.
Não que esse número reflita com precisão o valor real do filme. Como o indestrutível e infalível Chigurh, Bardem se tornou o rosto de Fracos. Sua alma, porém, é Josh Brolin, no papel do soldador Llewelyn Moss, que acha uma mala com 2 milhões de dólares perdida durante uma carnificina no deserto e vê nela a chance de transformar sua vida desapontadora. E o coração do filme está em outro lugar ainda – em Tommy Lee Jones, o xerife que, na trilha tanto do assassino como do ladrão acidental, constata com um misto de perplexidade e resignação que sempre há mais o que ver no mundo, e que isso não é necessariamente bom. Anton Chigurh é uma charada ao mesmo tempo apavorante e divertida, e Bardem crava os dentes com gosto no papel. Mas, sem esses outros personagens, um tão desesperado e o outro tão desiludido, e sem a veracidade com que Brolin e Jones os interpretam, Fracos não passaria de um exercício de estilo (no qual, aliás, os irmãos se revelam cada vez mais virtuosísticos). Da primeira à última cena, ambas belíssimas, eles é que funcionam como o diapasão do filme; Bardem é apenas seu refrão.
Onde os Fracos Não Têm Vez é adaptado do romance homônimo de Cormac McCarthy, conhecido pelos seus westerns modernos. Ou melhor, pós-modernos, já que costumam tratar de personagens que tentam emular o velho modo de vida da fronteira num tempo em que os seus valores clássicos já foram subvertidos. Nada mais de honradez e hombridade; do faroeste, sobraram neles só a poeira e um ou outro cavalo. É contra essa paisagem que os Coen abrem o filme. Enquanto a câmera percorre vistas áridas, ouve-se Tommy Lee Jones ponderando sobre a nova ordem do Oeste – sobre como muitos dos xerifes da antiga nem sequer carregavam armas, contando com o poder de fogo de sua autoridade moral. Ed Tom Bell, o personagem de Jones, tem autoridade moral (e há que ser um ator superlativo, como ele, para transmiti-la de maneira tão absoluta), mas o que ele está lamentando em sua narração é que obviamente ela já não basta. Nem aliada às armas, aliás, pode conter homens como Chigurh. Com prudência, os irmãos Coen podam por aí os filosofismos típicos de Cormac McCarthy, trocando-os por imagens de precisão admirável e pelo seu costumeiro senso do absurdo. Por onde o assassino passa, por exemplo, ele topa com algum desavisado que se comportará com inocência inata – e que quase sempre pagará caro por ela. Na visão do autor, a decência é uma retardatária na marcha da história, e está fadada a ser atropelada. Na visão mais mundana e também mais arguta dos Coen, a solução estaria em salvaguardar o que for possível desses valores em desaparecimento. No caso, isso significa que Ed Tom Bell quer capturar Chigurh, porque ele não pára de matar. Mas quer mais ainda impedir que Llewelyn venha a se contar entre as vítimas do assassino. Llewelyn não é honesto, mas está longe de ser nocivo; é estúpido porque se acha esperto; tem uma mulher tão tola quanto ele, mas que não merece ficar viúva por isso; e é alguém que o xerife conhece. Na verdade, algo que o xerife conhece – um marginal que quer a própria vantagem, não a destruição alheia.
Como a policial interpretada por Frances McDormand em Fargo, o xerife de Jones é o centro moral de Fracos. Não porque eles pertencem à lei, mas porque representam a compaixão e a preservam mesmo em face da brutalidade. Quando finalmente se recolhem junto à família (a forma como ambos os filmes se encerram), estão mais amargos, porém não mais duros. Para cineastas descritos como cínicos, vê-se então que os Coen têm um bocado de fé num certo modelo de humanidade – uma convicção infinitamente mais complexa e interessante do que a idéia de um homem que é o mal puro e simples. Anton Chigurh, o personagem em preto-e-branco, é que atraiu tantos prêmios para Onde os Fracos Não Têm Vez. Mas é com os tons de cinza de Ed Tom Bell e de Llewelyn que o filme ganha vida.
Veja online
Como o "centrão" inteiro me era familiar, desde o largo do Paissandu (onde, talvez na minha recordação mais antiga da cidade, eu pedira à minha avó que me comprasse o bonequinho com uma vassoura nas mãos que um camelô vendia) até a praça da República (na qual eu corria atrás dos marrecos), não estranhei que, com o bonde parado por causa do acidente, seus passageiros aproveitassem para, descendo e enfrentando a fila habitual, tomar o expresso tirado de uma das poucas máquinas Gaggia importadas da Itália que havia em São Paulo. [...]
Nelson Ascher
Sunday, March 30, 2008
O objetivo desta comunicação é apresentar algumas mudanças ocorridas no samba urbano carioca na virada dos anos '30 do presente século, e discutir brevemente possíveis relações destas mudanças com outras mudanças ocorridas na sociedade brasileira, notadamente as que dizem respeito às relações raciais e à imagem dominante do Brasil enquanto país multi-racial.
A palavra "samba" no Brasil serve para designar muitas coisas diferentes mas principalmente duas: um tipo de festividade musical-coreográfica classificada pelos brasileiros como folclórica (há boas descrições deste tipo de samba em Edison Carneiro, 1982 e Ralph Waddey, 1981); e um gênero de música moderna de consumo que no Brasil é dito popular. O nosso tema é o samba popular, nascido no Rio de Janeiro há cerca de 80 anos (e por isso dito às vezes "samba carioca"), e é nesse sentido que a palavra será empregada; mas nossa abordagem exigirá referência às práticas ditas folclóricas, que mantêm com ele relação de grande riqueza. As palavras folclórico e popular são usadas aqui como categorias indígenas: de fato, trata-se de termos empregados pelas próprias pessoas envolvidas com essas práticas musicais, termos cujo sentido, esperamos, será esclarecido no decorrer deste texto.
O nascimento do samba carioca data do carnaval de 1917 e do sucesso estrondoso da canção Pelo Telefone, apresentada como "samba carnavalesco" por seu autor ostensivo, Ernesto dos Santos ("Donga"). Dizemos "ostensivo" porque a autoria deste primeiro samba de sucesso é um dos assuntos mais polêmicos da história da música brasileira. Flávio Silva (1975) mostrou que a peça é uma colagem de elementos melódicos e textuais que em grande parte já existiam na tradição oral. O que se chamava "samba" até então no Rio de Janeiro era uma prática festiva, musical e coreográfica restrita a certos grupos, principalmente de negros e mestiços, e como tal, submetida a uma série de interdições. A composição de Donga, ao contrário, empolgou a cidade inteira e tornou-se "a canção do carnaval de 1917". Darius Milhaud, que chegou ao Rio precisamente nessa época, como secretário particular do embaixador Paul Claudel, dá um eloqüente testemunho disso em sua autobiografia (Milhaud 1973). Desde então, "samba" se torna um sinônimo de sucesso popular: um gênero de canção comercial destinado ao disco, ao rádio, ao consumo geral.
Entre 1917 e 1930, uma quantidade enorme de sambas foi gravada. A literatura especializada, no entanto, é unânime em considerar que é somente a partir de 1930 que o samba tal como o conhecemos hoje faz seu aparecimento (vide por exemplo Máximo e Didier,1990:117-120, e Marcondes,1977:709). As pessoas envolvidas com o samba atualmente no Rio de Janeiro não terão dificuldade em identificar uma gravação de 1935 como um exemplo do gênero; mas as gravações anteriores a 1930 que eram na época batizadas de "sambas", são hoje em dia geralmente identificadas à primeira escuta como "maxixes", ou no máximo "sambas amaxixados". Essa transformação é geralmente atribuída a um grupo de sambistas que morava nos arredores do Largo do Estácio de Sá, como Ismael Silva, Nilton Bastos e outros, o mesmo grupo que criou a primeira escola de samba em 1928 e que teria influenciado os sambistas da Mangueira, da Portela, etc. no rumo do novo estilo. Mas a referida transformação não foi ainda estudada nem em termos musicológicos, nem sociológicos. As páginas que se seguem pretendem contribuir para preencher esta lacuna.
Tomemos, para uma primeira comparação, dois sambas separados por cinco anos: Jura, de 1928, e Onde Está a Honestidade, de 1933. O primeiro é de Sinhô (José Barbosa da Silva, 1888-1930), que na década de '20 era conhecido como o "Rei do Samba", e que ainda hoje em dia é considerado o compositor mais importante daquele período. O segundo, de Noel Rosa (1910-1937), provavelmente o compositor mais marcante da década de '30. Uma comparação exaustiva entre as duas gravações está fora do escopo desta comunicação, mas a observação das diferenças principais pode ser instrutiva.
Em primeiro lugar, note-se a presença em Onde Está a Honestidade de um grupo de ritmistas. Este era o termo empregado na década de '30, e em certas áreas até hoje, para designar o que era então uma novidade: a participação, nas gravações, de músicos oriundos do meio cultural afro-brasileiro, tocando instrumentos como o surdo, o tamborim, o pandeiro, a cuíca, etc. Essa participação aconteceu pela primeira vez no final de 1929, quando foi gravado pelo "Bando de Tangarás" (do qual Noel Rosa era integrante) o samba Na Pavuna, grande sucesso do Carnaval de 1930; os ritmistas em questão eram Canuto, Puruca e Andaraí, negros e habitantes do morro do Salgueiro, um dos redutos da cultura afro-brasileira no Rio de Janeiro. A presença do surdo no refrão de Na Pavuna é tão marcante que o samba ficou conhecido popularmente como Na Pavuna, bum-bum-bum. Na verdade o "bum-bum-bum" (representando onomatopaicamente as três colcheias tocadas pelo surdo a cada repetição do título) tornou-se mais conhecido que o próprio título, como mostra o testemunho do próprio autor, Almirante (1960:63) - o samba era chamado popularmente de "Caradura, bum-bum-bum", "Lá vai uma, bum-bum-bum" e até "Amapola, bum-bum-bum" (Amapola era uma gravação do tenor Tito Schipa que fazia muito sucesso na época) .
A data de 1928 coincide com a introdução no Brasil do sistema de gravação dito "elétrico", que substituiu o sistema dito "mecânico" e que melhorou as possibilidades técnicas das gravações. Mas coincide também, como vimos, com a fundação da primeira escola de samba, a Deixa Falar, por Ismael Silva e seus amigos moradores do Largo do Estácio de Sá. É evidente que a possibilidade técnica de gravar os instrumentos da batucada por si só não explica a sua irrupção maciça subseqüente nos discos de samba. De fato, essa irrupção não foi imediata; é só a partir de 1932 que ela se generaliza. Ora, é também em 1932 que ocorre o primeiro desfile de escolas de samba na Praça Onze (o desfile foi promovido pelo jornal O Mundo Esportivo e a manchete que o anunciou dizia: "A alma sonora dos morros descerá para a cidade", como nos ensina Castro, 1992:118. )
A Praça Onze (de Junho) é por assim dizer um dos principais personagens do carnaval carioca da primeira metade do século, cantada em prosa e verso, em letras de samba, crônicas e memórias. Sua importância está ligada, a nosso ver, precisamente a seu papel de mediadora entre o "morro" e a "cidade", como deixa entrever a manchete mencionada, e como mostrou Artur Ramos em uma página antológica (Ramos, 1935:274). A introdução dos ritmistas nas gravações se inscreve neste movimento de mediação. Através deles, um signo barulhento e ostensivo das práticas culturais afro-brasileiras faz sua aparição nos rádios e nos toca-discos da classe média carioca.
Passemos a outro elemento de diferença entre as duas gravações: o restante do acompanhamento. Em Jura, a orquestra dialoga com o cantor pontuando a melodia através de pequenas intervenções. O estilo destas é típico e pode ser encontrado em um sem número de gravações da mesma época, constituindo-se em verdadeiras frases-clichê. O que há de mais característico nelas é o ritmo - quase sempre seqüências de síncopes internas aos tempos: semicolcheia-colcheia-semicolcheia, e mais raramente seqüências de síncopes internas a um compasso 2/4: semicolcheia-colcheia-colcheia-colcheia-semicolcheia.
Detenhamo-nos um momento na questão do papel da orquestra nas gravações de samba entre 1928 e 1933. A estrutura das gravações é quase sempre a seguinte: introdução orquestral-canto-repetição da introdução-canto-versão orquestral da melodia-repetição da introdução. Assim, vemos que a "introdução" funciona não apenas como introdução propriamente dita, mas também como intermezzo e coda (não obstante, introdução é o seu nome nativo e assim continuaremos a chamá-la). Nas gravações até cerca de 1931 as introduções orquestrais utilizam de maneira quase obsessiva ritmos como os descritos acima. Quanto à parte que chamamos de "versão orquestral da melodia" a questão é mais complicada, e ela será rediscutida adiante. Por ora diremos apenas que se trata de uma reexposição, por variados instrumentos da orquestra, da melodia que fora exposta pelo cantor que centraliza a gravação. A correspondência não é perfeita entre a versão que dela apresenta a orquestra (ou, para ser exato, os diversos solistas da orquestra) e as versões apresentadas pelo cantor nas duas ou três repetições que comporta a gravação; as diferenças entre essas versões serão matéria para discussão posterior.
Nos sambas do tipo de Onde Está a Honestidade, a pontuação orquestral diminui considerávelmente de importância, e as frases-clichê desaparecem. A rítmica descrita acima também muda: na introdução, as síncopes não mais privilegiam o espaço interno aos tempos e agora passeiam alegremente entre tempos e entre compassos.
O terceiro ponto onde os dois sambas diferem é a nosso ver o mais interessante. Trata-se do que chamamos de "padrão rítmico" no título da nossa comunicação.
A primeira vez que notamos uma mudança de "padrão rítmico" no samba, foi ao observar os modos de acompanhamento praticado pelos violonistas. Uma pesquisa efetuada em 1994 com dez violonistas profissionais cariocas, cujas idades variam entre 35 e 76 anos, mostrou que mesmo se cada um possui seu "estilo individual" de acompanhar os sambas, existe uma identidade subjacente a toda essa variedade. Essa identidade consiste em uma figura rítmica que pode ser traduzida em 16 semicolcheias organizadas métricamente em 4 tempos, e rítmicamente segundo o princípio da "imparidade rítmica" descrito por Arom (1985). Creio que vale a pena lembrar brevemente o que vem a ser isso.
Arom mostrou a existência nas músicas da República Centro-Africana (existência que seria, ao que parece, compartilhada pelo resto da África subsahariana) de uma tendênca a organizar figuras rítmicas de uma maneira "ímpar" no quadro de uma periodicidade "par". Isto é, em períodos que podem ser transcritos em 8, 12 ou 16 semicolcheias, a rítmica não se organizará, como na música ocidental, em 4+4, ou 2+2+4, ou 6+6, ou mesmo 4+4+4 etc, onde a metade exata é sempre um ponto privilegiado da articulação rítmica. Ao contrário, o princípio da imparidade rítmica consiste em evitar sistematicamente a metade exata, agrupando as semicolcheias em duas "quase-metades" ímpares: assim, 8 é dividido em 5+3, 12 em 5+7 e 16 em 7+9.
Pois bem, as figuras rítmicas tocada pelos dez violonistas de samba que entrevistamos (e também pelas dezenas de outros que já vimos ou ouvimos tocar) são todas casos perfeitos de imparidade rítmica sobre 16 semicolcheias. A nosso ver, é esta organização rítmica que garante a identidade última sob a profusão de variações. Tanto a identidade como a variação foram aliás explicitamente reconhecidas pelos meus entrevistados: trata-se sempre da batida de samba, mas com o molho de cada um, que é um valor propriamente estético, pois um violonista que se limita a reproduzir o estilo de um outro não é valorizado por seus pares.
Ora, escutando as gravações da época de Pelo Telefone a que tivemos acesso, percebemos que a batida do violão se organizava num período de 8 e não 16 semicolcheias, e que à primeira vista sua subdivisão não mostrava o princípio da imparidade rítmica. (Dizemos de propósito "à primeira vista", porque se trata em primeiro lugar da aparência da batida em questão, quando escrita. Voltaremos ao assunto).
No caso do violão, portanto, a "mudança de padrão rítmico" está muito claramente estabelecida. O problema é que para levar adiante a compreensão do como e porquê dessa mudança, seria necessário estudar não apenas um e outro padrão já completos e perfeitos, mas sobretudo o momento da mudança nele mesmo. No entanto, infelizmente, é muito difícil perceber através das gravações de 1928/1933 a mudança no próprio violão, pois ora é a orquestra, ora a batucada quem assume o primeiro plano do acompanhamento. Gravações de samba na base de "violão e voz", como se fez em Pelo Telefone e no início da década de '20, e como se voltaria a fazer a partir da bossa-nova e da revalorização de sambistas como Cartola e Nelson Cavaquinho na década de '60, foi algo extremamente raro durante quase trinta anos (ou seja, entre inícios da década de '30 e finais da década de '50). Para entender melhor o processo de mudança do padrão rítmico, era necessário saber se esse mesmo processo se manifestava também em outros aspectos do samba.
O primeiro em que pensamos foi a própria batucada, que todos reconhecem ser um dos elementos mais importantes do samba, seja na versão gravada (a partir da década de '30, como vimos), seja na versão por assim dizer espontânea, na rua, no botequim ou na quadra da escola de samba. As entrevistas com violonistas reforçaram esta intuição, pois nelas foi unânime o reconhecimento da íntima relação entre o que faz o violonista do ponto de vista rítmico e os diversos instrumentos da batucada, em especial o tamborim.
De fato, a escuta de alguns discos de samba mostra a presença marcante do padrão rítmico que os violonistas me forneceram, mas executado por tamborim, cuíca, pandeiro, ou mesmo batido numa garrafa. A ocorrência mais antiga que encontrei deste padrão numa batucada gravada foi o samba Vou Te Abandonar , de Heitor dos Prazeres, interpretado por Paulo da Portela em 1930. Lá, ele aparece com toda a clareza tocado por um instrumento de difícil identificação, mas do tipo do surdo (tambor grave). Nas outras gravações do início da década de '30 que examinei, este padrão aparece com uma freqüência cada vez maior à medida que a década avança; de modo geral, sua enunciação não pode ser atribuída claramente a um ou outro instrumento, mas ao que proponho chamar de "seção rítmica", isto é, à batucada mais os instrumentos de função rítmico-harmônica, como o piano, o cavaquinho e os violões.
Quanto ao padrão "antigo", a questão é mais complicada. De fato, a batida feita pelo violão no acompanhamento dos sambas gravados antes de 1930 não possui um equivalente exato no restante da "seção rítmica". Mas uma série de razões que não poderei desenvolver aqui por falta de espaço me levam a postular uma equivalência musical, no contexto do samba carioca, entre a batida em questão e o padrão rítmico 332 (isto é, colcheia pontuada-colcheia pontuada-semicolcheia), que é também um caso de imparidade rítmica, mas sobre 8 semicolcheias e não 16. A equivalência entre a batida "antiga" do violão e o 332 é disfarçada, como vimos, pela maneira como aquela costuma ser escrita: semicolcheia-colcheia-semicolcheia/colcheia-colcheia (isto é, 121-22, com a cesura na metade exata), em vez de semicolcheia-colcheia/semicolcheia-colcheia/colcheia (isto é, 12-12-2, com a cesura na quase-metade).
No caso de Jura, é bem um 332 que podemos escutar com especial nitidez no início da segunda parte, tocado pelo piano. Em inúmeras outras gravações de sambas da década de '20 é o cavaquinho quem toca nitidamente este padrão. Cabe lembrar também que Na Pavuna, como vimos a primeira gravação a incorporar elementos de batucada, apresenta em seus dois tamborins um 332 acrescido de uma versão subdividida do mesmo padrão.
O que muda é, portanto, a batida do samba, no sentido amplo, já identificado por Araújo (1992: 141): o termo refere-se tanto ao violão quanto à batucada. A batida não é uma figura rítmica fixa, mas um padrão que pode se realizar como tal, num ostinato estrito, ou então funcionar como o que Arom chama de "ostinato à variations".
Mas a escuta das gravações do período 1928-1933 revelou um outro e inesperado elemento que integra o que chamamos "mudança de padrão rítmico" do samba, que mostrou ser o mais interessante para o estudo dessa mudança no momento mesmo em que ela se produzia.
É sabido que os cantores populares influenciados pela cultura afro-brasileira têm forte tendência a cantar articulando as sílabas (ou boa parte delas) fora dos pontos de apoio previstos pela teoria ocidental do compasso (vide por exemplo Waddey 1982 para o caso do samba de viola baiano e Itiberê 1946 para o das escolas de samba cariocas. Waterman 1952 discute a mesma questão do ponto de vista geral da música afroamericana). Mas não há, na literatura sobre o samba que conhecemos, nenhuma constatação de que exista um "sistema" na maneira como essa "contrametricidade" se organiza: Brasílio Itiberê no artigo que acabamos de citar afirma que "o que se encontra no canto popular é a múltipla variedade de uma rítmica livre, espontânea, saiu-como-saiu". Também Araújo (1992:148) afirma em seu estudo do samba carioca que song rhythms are not typically cyclic. Ora, ao estudar o período mencionado, verificamos ao contrário, e não sem surpresa, a existência de um grande número de sambas cujas melodias tendiam a se organizar ritmicamente de maneira determinada, e não aleatória. Não apenas elas tendiam a contrariar os apoios "naturais" dos compassos 2/4 em que são geralmente escritas, mas essa contrametricidade acontecia sempre nos mesmos pontos de um período dado e não nos outros, isto é, acontecia de maneira sistemática, cíclica.
Essa verificação se deu também porque em muitas gravações não se ouve bem o violão nem a batucada, tampouco o cavaquinho ou o piano, ou seja, nenhum dos elementos da "seção rítmica" que permite caracterizar a batida, o "modo" do acompanhamento. E no entanto a sensação de estar escutando um samba no novo estilo é perfeitamente definida. Intrigados por este fato, começamos a transcrever as melodias dos sambas e a constatar que êles eram construídos ritmicamente, por assim dizer, na fôrma da nova batida. Não é que o ritmo da melodia seja uma repetição, mesmo variada, do ritmo da batida: não se trata, desta vez, nem de ostinato estrito nem de ostinato à variations . O que se passa é que as sílabas da melodia são articuladas preferencialmente nos pontos de apoio da batida, e não necessariamente nos pontos de apoio do compasso (embora às vezes eles coincidam). Assim, a "taxa de contrametricidade" da melodia, sua relativa indiferença à hierarquia de pontos fortes prevista pelo conceito ocidental de compasso, nos faz ouvir, através da "batucada" da articulação silábica, a mesma batida nova da seção rítmica que faz o pano de fundo da gravação.
Essa afirmação não se pretende válida para o conjunto do samba carioca, nem muito menos para os sambas-de-umbigada definidos por Carneiro (1982). Nosso estudo se restringe às gravações comerciais de sambas entre 1928 e 1933. Dentro desse corpus, constatamos que as melodias cujo modo de articulação rítmica tende a identificar-se à batida nova são sobretudo as do grupo de compositores do Estácio e seus próximos (em particular Noel Rosa). Mas nos parece que estudos posteriores poderão mostrar a existência, ainda que sem exclusividade, do mesmo "modelo escansional" em outras áreas do samba.
Dissemos que o ritmo das melodias era uma área privilegiada para o estudo da mudança de padrão rítmico. A razão disso é que sendo a melodia, numa dada gravação, exposta várias vezes (ora pelo cantor principal, ora pelo coro, ora pelos diferentes instrumentos da orquestra); e sendo diferentes as velocidades com que se processa a referida mudança em cada um desses enunciadores - o resultado é que, para cada gravação, possuímos diferentes versões rítmicas da mesma melodia, mostrando no detalhe o duro trabalho de aprendizagem - em suas várias "etapas" - necessário para forjar o que nos anos seguintes se tornaria o ritmo "natural" do samba.
Mas o que é realmente interessante é que essas diferentes versões rítmicas não são socialmente neutras. Se tomarmos um dado grupo de sambas gravados por Francisco Alves no Rio de Janeiro em 1931, veremos que nas intervenções da orquestra, a parte das cordas é sempre muito mais cométrica que a dos metais. E de fato, a posição social destes dois tipos de instrumentos era radicalmente diferente, como aliás é até hoje: se, por exemplo, lermos no encarte de um disco recente de música brasileira o nome dos músicos da orquestra, teremos nas cordas Giancarlo Pareschi, Marie Christine Springel, Michel Bessler, Jacques Morelembaum; e nos metais, Serginho do Trombone, Formiga, Bidinho, Paulinho do Trompete. Nas cordas, chamados pelos seus nomes completos, filhos ou netos de europeus, com formação musical de conservatório ou equivalente; nos metais, nomes "populares": diminutivos (Serginho...), nome incorporando o instrumento (...do Trombone), apelidos trissilábicos com acento na sílaba do meio (Formiga etc), e nenhum nome-de-família mencionado. Os metais, desde o século passado, são no Brasil instrumentos "populares", cujos músicos são recrutados nas camadas desfavorecidas da população, músicos cuja formação não é feita nos conservatórios mas no exército ou nas "bandas de música"; músicos que, finalmente, sempre animaram os bailaricos populares, desde os "choros" da virada do século até os bailes de carnaval, como ainda hoje.
Mas não é que o novo padrão rítmico possua alguma essência popular, ou que a pobreza ou o sangue negro tornem automaticamente mais fácil a assimilação dele. O que acontece é que um padrão rítmico altamente contramétrico, que se organiza em 16 semicolcheias sob a lógica da "imparidade rítmica", é muito mais difícil de ser aprendido por um músico formado na tradição clássica européia do que por um músico formado na tradição popular afro-brasileira. Este último toca tal tipo de ritmo "intuitivamente", pois é de ritmos assim que se faz o seu pão quotidiano. Para o primeiro, ao contrário, a contrametricidade é a exceção (a "síncope"), que exige o complicado recurso gráfico da ligadura, e o recurso analítico da contagem.
A mudança de padrão rítmico do samba nos anos trinta reflete pois uma nova capacidade, por parte da cultura oficial brasileira, de aceitar padrões do tipo "imparidade rítmica". Desde o final da década de '30 a música escrita, a música gravada, os músicos de conservatório que participavam das gravações, os arranjadores, os diretores artísticos das gravadoras, o público consumidor de discos e de partituras, todo este conjunto que estamos chamando de "cultura oficial", passou não apenas a aceitar musicalmente o novo padrão, mas a considerá-lo como a essência do samba e de alguma maneira como a expressão artística maior da "brasilidade".
O que acabamos de dizer supõe que o "padrão novo" não era realmente novo, pois já seria praticado no contexto informal da parte da música popular carioca que não deixa registro escrito nem gravado... mas eis aí algo que é difícil de provar de maneira positiva. Não obstante, vejamos os sinais que apontam nesta direção.
Em primeiro lugar, a clara origem africana do padrão discutido (vide por exemplo Mukuna s/d:126). Quanto a este ponto, mais importante do que a busca da ocorrência precisa do mesmo padrão na música de alguma sociedade africana em particular, nos parece ser o fato de que a lógica rítmica que organiza o padrão é africana, e não européia nem ameríndia: lógica cuja melhor descrição se encontra a nosso ver no livro já citado de Arom sobre as poliritmias da República Centro-Africana.
Em segundo lugar, constatamos a existência do mesmo padrão em certas áreas da música folclórica afro-brasileira: notadamente, em gravações de samba-de-viola feitas por Waddey na Bahia (comunicação pessoal), numa gravação de umbanda feita no Rio de Janeiro por Tiago de Oliveira Pinto (Pinto 1986) e numa das modalidades do candomblé de Angola praticado no Rio de Janeiro.
Em terceiro lugar, a gravação já mencionada de Vou Te Abandonar, de Heitor dos Prazeres, por Paulo da Portela em 1930 mostra já perfeitamente estabelecido o padrão "novo", que levaria ainda dois anos pelo menos para encontrar expressão igualmente fiel nas gravações das estrelas do rádio e do disco como Francisco Alves. Tanto Heitor dos Prazeres como Paulo da Portela eram negros intimamente ligados às fontes da cultura afro-brasileira no Rio de Janeiro.
Tudo isso parece indicar que o padrão rítmico em questão já era moeda corrente na prática musical da comunidade afro-brasileira, inclusive no Rio de Janeiro, desde bem antes de 1930. Se se aceita esta hipótese, duas perguntas se impõe: primeiro, por que o padrão "novo" demorou tanto a fazer sua aparição na música gravada e escrita, enquanto o padrão "antigo" já tinha aberto seu caminho desde o século anterior? Segundo, por que, uma vez que o padrão "novo" aparece, ele o faz de maneira muito mais pronunciada do que permitiria supor seu papel na música folclórica? Em outras palavras, por que a nova irrupção do samba carioca nos anos '30 selecionou exatamente este padrão como seu ícone rítmico, como sua batida, enquanto que nas músicas folclóricas afro-brasileiras existe uma diversidade muito maior, inclusive com fórmulas rítmicas que até hoje não foram "aproveitadas", ou foram pouquíssimo "aproveitadas", pela música popular?
Quanto à primeira pergunta, nossa resposta é a seguinte: o padrão "novo" demorou muito mais a "pular a cerca" que separa a música folclórica da popular por ser muito mais contramétrico que o padrão "antigo". Para demonstrar cabalmente esta afirmação seria necessário entrar numa longa discussão sobre o que é contrametricidade e se se pode medi-la. Na impossibilidade de fazê-lo aqui, proponho aos leitores que constatem simplesmente que, quando escrito "à Ocidental", o padrão antigo apresenta uma "síncope", enquanto o "novo" apresenta, dependendo da maneira de sua realização, de duas a quatro "síncopes".
Esta alta contrametricidade do padrão "novo" submeteu-o a uma espécie de recalque que opera em vários níveis simultâneos: cognitivo, pois o ouvido tende a rejeitar ou reinterpretar a informação excessivamente diferente dos padrões habituais de uma dada cultura musical; social, pois sua "diferença" remete à diferença dos seus portadores, os negros, escravizados até 1888, marginalizados desde então; estético, pois mostrando de maneira demasiado gritante sua condição de "música de negros", o ritmo em questão se faz atribuir a mesma inferioridade que se enxerga em seus portadores - raça inferior, música inferior. De todas essas "atribuições" há inúmeros exemplos na literatura, desde o discurso de Rui Barbosa contra o Corta-Jaca tocado por Nair de Teffé até as seções policiais da imprensa reportadas por Flávio Silva (1983) ou Nina Rodrigues (1945:255-7). Estes exemplos são manifestações verbais do recalque da música afro-brasileira, do mesmo modo que a ausência de registro dos ritmos demasiado contramétricos antes de 1930 são uma manifestação musical do mesmo.
O dito recalque não é, evidentemente, absoluto: o lundu, como mostrou, com a maestria de sempre, Mário de Andrade (1944), já começara a abrir o caminho mais de cem anos antes. Mas o que ainda não foi dito é que o principal recurso musical pelo qual o lundu ostenta seu negrismo moderado é justamente o uso de fórmulas rítmicas cujo paradigma é o 332. Este é de aceitação muito mais fácil pela rítmica ocidental, principalmente quando transformado em "habanera" por uma semicolcheia providencial.
Quanto à segunda pergunta, ela nos parece mais complicada. Mas ao que tudo indica, por razões ainda a determinar, a batida "nova" foi a tradução mais conveniente da poliritmia das escolas de samba para a linguagem do rádio e do disco. Ela serviu ao mesmo tempo para que gente como Ismael Silva, Cartola e outros bambas exibisse sua diferença, mostrando que o que fazia era samba e não maxixe; e para que o Brasil repensasse sua identidade multi-racial, e chegasse, alguns anos após o período aqui discutido, a expressar essa identidade repensada por um emblema sonoro, que foi a introdução orquestral do célebre samba Aquarela do Brasil: a batida "nova", sem tirar nem por, tocada por uma orquestra "clássica" au grand complet... e sem hesitações rítmicas.
http://www.sibetrans.com/trans/trans2/sandroni.htm
Marcadores: Carlos Sandroni, Samba carioca
Monday, March 24, 2008
Sunday, March 23, 2008
"Tropa de elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você." Os versos da trilha sonora de um dos filmes brasileiros mais vistos e comentados dos últimos tempos ecoam no pequeno auditório da sede da seguradora Unibanco AIG, em um casarão da avenida Brasil, em São Paulo. São 20h de uma quinta-feira, 28 de fevereiro, quando o "caveira 69", Paulo Storani, 45, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais), é anunciado à platéia. Um slide com a frase "Construindo uma Tropa de Elite" esclarece o motivo do improvável encontro de mundos: um ex-policial do grupo de operações especiais da Polícia Militar do Rio e vendedores de seguro.
Sob aplausos, o palestrante entra na sala repleta e grita: "Caveira!". Storani, que está se convertendo em estrela do segmento motivacional, recebe de volta, em uníssono, a saudação, típica dos oficiais do batalhão. Entre os 60 ouvintes, estão clientes e funcionários da quarta maior seguradora do país. Poucas mulheres, todas de tailleur e salto alto, arriscam-se no ambiente masculino.
Storani veste terno e gravata como sua platéia, mas fala e age como um líder do Bope, corporação onde trabalhou por três anos e que abandonou há dez. Depois de um rápido preâmbulo, o palestrante chega ao ponto: "Você é um operação especial ou é um convencional na sua atividade? O convencional é o invertebrado, é quem desmonta no primeiro tiro ou na primeira meta [de vendas]".
Storani inflama a platéia com a terminologia usada pelos policiais no filme. "E quem não está satisfeito...", provoca ele. O público reage: "Pede pra sair!"
Àquela altura, uma hora depois do início, a audiência está bem familiarizada com as lições de Storani. Seu manual evoca paralelos entre as regras do batalhão e as do mundo corporativo: naquele contexto, o jargão do Bope "missão dada é missão cumprida" ganha a conotação de "meta dada é meta cumprida". "Vá e vença" vira "Vá e venda". Alguns riem, um pouco constrangidos. Muitos balançam a cabeça em sinal de concordância.
Por volta das 21h30, o "grand finale". Liderados pelo palestrante, todos gritam: "Eu sou caveira!". As cenas presenciadas pela reportagem viraram rotina na vida de Storani. Ele começou a dar palestras motivacionais em outubro e está com a agenda lotada até maio. Nesse ramo, os cachês variam de R$ 5.000 a R$ 10 mil.
O ex-capitão do Bope já falou para funcionários de bancos, de montadoras, de indústrias das áreas têxtil e de tecnologia. Virou guru de executivos. "O conceito de superação de limites e de encarar as adversidades com naturalidade pode ser aplicado à iniciativa privada", afirma Storani, mestrando em antropologia com dissertação sobre o Bope. Ele ainda concilia a agenda de palestrante com o cargo de secretário de Segurança Pública de São Gonçalo, município do Rio de Janeiro.
Os mais empolgados levam os conceitos para dentro das empresas. "Quando alguém consegue bater a meta, faz no computador um bonequinho com a caveira do Bope e manda por e-mail", conta Patrícia Olivani, 36, gerente de vendas do Unibanco AIG.
Gustavo Rosset, 33, diretor comercial da Rosset Têxtil, proprietária de marcas como a Valisère e Cia. Marítima, foi além: "Na empresa, a gente agora só se chama por número [como no filme]", afirma.
Rosset conta que depois da palestra de Storani dois funcionários "pediram pra sair". "Um [pediu pra sair] três dias depois da palestra e outro 15 dias depois, porque viram que o bicho ia pegar", diz o diretor e herdeiro da Rosset Têxtil, maior grupo nacional em tecido de lycra, com 3.000 funcionários.
O empresário mandou colocar, na sede da empresa, em São Paulo, banners pretos com a caveira do Bope e dizeres como "Missão dada é missão cumprida". "Temos que tirar as pessoas da zona de conforto", afirma Rosset.
O discurso de André Rutowitsch, 36, diretor-executivo da Unibanco AIG, vai em outra direção. "Todos os anos contratamos vários palestrantes para falar com os nossos clientes, sempre voltados para esse lado motivacional. Nos últimos anos, tivemos o Bernardinho [técnico da seleção brasileira de vôlei] e agora trouxemos o Storani", afirma. "Ele é alguém que fala de liderança, de trabalho em equipe, e fala do batalhão de uma forma alegórica. Buscamos o tempo todo que não haja uma associação muito direta com o filme."
O executivo afirma que a pressão sobre os profissionais existe em toda empresa privada. "Quando existem metas a serem cumpridas há uma pressão inerente ao negócio."
MAELI PRADO / REVISTA DA FOLHA
Qualquer homem moderno, medianamente culto, e que viva numa sociedade aberta, consideraria intolerável que lhe fosse negada a perspectiva de ascensão social, de viajar, de se mudar ou de mudar de profissão.
Naturalmente, o fato de que o homem moderno não possa admitir tal imobilidade não significa que ele seja mais feliz - no sentido de mais contente - do que o homem pré-moderno. Ao contrário: quando nem a possibilidade de mudança, nem o suicídio são concebíveis, não há alternativa senão contentar-se com o que se é e o que se tem.
Para o homem que nasceu em determinada casta, não existe a possibilidade, nem em pensamento, de mudar para outra. A casta em que nasceu faz parte do seu ser tanto quanto a família à qual pertence ou o seu próprio corpo; e é desse modo também que ele pertence à religião em que nasceu. Sua vida possui, portanto, uma estabilidade social impensável para o homem moderno. Logo, tal homem é contente, no sentido de ser livre da frustração de querer ser, ter ou saber mais do que aquilo que supõe convir a quem nasceu em sua casta.
Já o homem moderno, faustiano, não conhece limites pré-estabelecidos. Em princípio, tudo lhe é possível. E não é apenas de maneira abstrata que ele pressente as infinitas possibilidades de transformação da sua vida, mas elas lhe são mostradas constante e concretamente através do cinema, da televisão, da internet, da cidade, das vitrines, do teatro, dos jornais e revistas, dos livros etc.
Ora, sendo infinitas as suas possibilidades e finita a sua realidade, o homem moderno não pode deixar de conhecer intimamente a frustração, ao passo que mal conhece a segurança da estabilidade social ou a felicidade do contentamento.
Isso não significa necessariamente que ele inveje o homem pré-moderno. O Fernando Pessoa de "Mensagem", por exemplo, afirma a superioridade do seu espírito moderno nas palavras: "Triste de quem é feliz! / Vive porque a vida dura. / Nada na alma lhe diz / Mais que a lição da raiz / Ter por vida a sepultura".
Mas nem todos pensam assim e, para muitos dos nossos contemporâneos, são sobretudo a instabilidade e as múltiplas frustrações que pesam. De qualquer maneira, serão essas, sem dúvida, as razões pelas quais é tão forte, no mundo moderno, a nostalgia pela comunidade tradicional. As religiões prometem não só felicidade e contentamento no outro mundo, mas a estabilidade de uma solidariedade comunitária aos que renegam a sociedade moderna, tida por caótica, atéia, infernal. O fascismo e o nazismo se alimentaram em grande parte do anseio por condições de vida mais estáveis, comunitárias.
Friedrich Engels que, como Karl Marx, aplaudia a destruição pelo capitalismo das comunidades tradicionais, mas sonhava com uma espécie de síntese futura entre a sociedade e a comunidade, queixa-se, em A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, de que, em Londres, "a multidão das ruas já tem, por si só, algo de repugnante. [...] Essas pessoas se cruzam correndo, como se nada tivessem em comum, nada a fazer juntas. [...] Essa indiferença brutal, esse isolamento insensível de cada indivíduo no seio dos seus interesses particulares são tanto mais repugnantes e ferinos quanto maior é o número de indivíduos confinados num espaço reduzido."
Mas nem sempre é tão negativamente que o homem contemporâneo se relaciona com a grande cidade. Charles Baudelaire, por exemplo (cuja relação com a grande cidade era bastante ambígua), diz que "estar fora de casa e no entanto se sentir em toda parte em casa: ver o mundo, estar no centro do mundo e continuar escondido do mundo, tais são alguns dos prazeres menores desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a linguagem só inadequadamente consegue definir".
Felizmente o homem moderno é também capaz de se dar conta de que, mesmo se a realidade é finita, ela nunca está definida de uma vez por todas e jamais deixa de ser, de algum modo, surpreendente; e ao viajar, através da arte, do pensamento, do conhecimento, da imaginação - e das ruas, dos espaços, dos mares, dos céus - ele é capaz de conhecer incontáveis possibilidades que enriquecem a sua vida finita, tornando-a virtualmente infinita.
Proust, por exemplo, dizia que um belo rosto que passou "é como o encanto de um novo país que se nos foi revelado por um livro. Lemos seu nome, o trem vai partir. Que importa se não partimos, sabemos que existe, temos uma razão a mais para viver".
Antonio Cicero
Saturday, March 22, 2008
Blocos de guerreiros vestidos de negro enfrentando o aparato repressivo do estado, rizomas de rádios livres e comunitárias se contrapondo à mídia corporativa, levantes camponeses e indígenas se insurgindo contra multinacionais, redes de okupas questionando a especulação imobiliária. Ao contrário do que a mídia de massas quer nos mostrar, o mundo está explodindo em mudanças rápidas e promissoras e cada um destes elementos é também uma peça no mosaico deste tempo em movimento.
O futuro realmente não é mais como era antigamente, e esta frase nos lembra o quão negro o futuro nos pareceria se não fosse nossa própria capacidade de intervir positivamente no que está por acontecer. Protopia é a nossa proposta de intervenção neste estado de coisas, num mundo que depende da nossa ação congregada para existir. A proposta de transformação que chamamos de Protopia é simples, mas ao mesmo tempo subversivamente complexa – aqui apresentada em 10 passos.
1 - Desista de esperar pela revolução popular, pelo messianismo comunista e por todos os milagres que prometem as propostas reformistas dos sociais-democratas (isso nunca vai dar certo e as experiências históricas mostram bem isso).
2 – Fuja de todas as formas de ação espetaculares, já que quando elas não são pró-sistêmicas, provavelmente se constituem em alguma forma de escapismo. Abandone igualmente todas as ações que não levam a lugar algum como revolta gratuita e loucura isoladora, depressão e hipocondria, saber-pelo-saber e arte-pela-arte, etc.
3 – Parta secretamente em busca do Y, da conjunção de vontades, iniciativas e projeções, busque o encontro oculto e se desloque para longe dos centros de poder. Busque outras pessoas de ímpeto livre, constitua formas de ação coletiva até o surgimento de uma comunidade intencional.
4 – Não pague mais impostos, busque investir seus recursos e seu tempo na busca coletiva por autonomia energética, habitacional e alimentícia. Estabeleça relações de troca de bens e serviços com grupos camponeses, ecovilas horizontais, organizações populares e aldeias indígenas.
5 – Opte por tecnologias limpas e renováveis, técnicas em equilíbrio com o meio como a permacultura e o earthship. Quando se é vizinho da sociedade do desperdício, a macro-reciclagem pode ser algo muito interessante (pneus não são só pneus, mas um monte de coisas em potencial).
6 – Promova a comunicalidade ao isolamento, se desloque sazonalmente, se inicialmente não for possível viver fora da Máquina em tempo integral, divida seu tempo entre seu velho cotidiano e a criação dessa nova forma de sociabilidade.
7 – Aja pelo crescimento deste rizoma de zonas autônomas, estimule e auxilie outros grupos no surgimento de novas comunidades. Mutualidade, união e troca não têm preço em um mundo onde o sistema vence pela hostilidade, pela competitividade e pela divisão; prepare-se para assistir ao surgimento dos enclaves libertários.
8 – Constitua um imaginário local compartilhado, pontos de encontro, grupos de estudos, espaços de vivência, e principalmente, circuitos de festas e dias de celebração. Cada pessoa livre do mundo-cão e cada pedaço de solo libertado são, por si só, motivos a se festejar.
9 – Prepare-se secretamente para a reação do estado e do capital. Assim que a tática for descoberta, pode ter certeza que eles manejarão seus aparatos de difamação e repressão contra você. Esteja sempre articulado com a rede. Não dê motivos para conflitos (antes do tempo), a cada operação de opressão bem sucedida quem marca ponto são eles e não você.
10 – Lance sorrateiramente através da Web propagandas de libertação e popularização do pensamento libertário; manuais de como abandonar o caos capitalista e construir (ou fazer parte de) comunidades autônomas fora do mapa. Nas quais viver possa valer a pena.
Enquanto iniciativa o Protopia está em permanente reconstituição através de um wiki: é aberto a todos que queiram efetivamente participar e todos que possam se identificar com a proposta e que queiram tomar parte nela são bem vindos. Estamos no início de tudo e qualquer um pode contribuir com as suas próprias idéias ou ações, ou como bem entender.
Tecnologías digitales de distribución como las Redes P2P, propuestas de reformulación de los derechos de autor como Creative Commons o movimientos como el del software libre nos sitúan en un periodo de nuestra cultura que reclama una revisión del sistema imperante desde hace trescientos años. COPYFIGHT es un ciclo de actividades sobre la crisis imparable del modelo actual de propiedad intelectual, y la emergencia de la cultura libre.
Habiendo abordado ya la crisis del sistema de creación, distribución y gestión cultural dominante en los ámbitos de la escena digital, la música o la literatura, CopyFight recala ahora en el Centre d’Art Santa Mònica para analizar la cuestión de los derechos de autor en las artes visuales.
Remitiéndonos al vinculo que recorre el arte del Siglo XX desde el collage y el objet trouve hasta el copy-art pasando por el apropiacionismo, nos encontramos hoy con la aparición de nuevas licencias que reformulan la noción de propiedad intelectual, el debate sobre la utilización de reproducciones de obras de arte como cita visual y la cuestión del uso de la red como medio de distribución y muestra de creaciones audiovisuales.
La creciente influencia de la escena copyleft en el ámbito de las artes visuales o el papel de las entidades de gestión de derechos de autor serán alguno de los aspectos que se tratarán a través de un extenso punto de consulta con documentación en todos los formatos, y en el simposio "Arte Ilegal", que reunirá en febrero en Barcelona a artistas, gestores, críticos y activistas en pos de la reforma de la propiedad intelectual.
Friday, March 21, 2008
Dois carpinteiros, numa oficina não muito longe do templo, estão aplainando duas peças de madeira.
A encomenda fora feita por alguém do palácio de Pilatos. Trabalham em silêncio, com suas ferramentas: a lâmina dentada para serrar, a lâmina polida para aplainar. Pouco depois, colocaram uma das peças cruzando a outra.
Antes do meio-dia, virão buscar aquele instrumento de ignomínia no qual deverá morrer um condenado. Na véspera, eles haviam entregado duas encomendas iguais para que nelas morressem dois ladrões, um de Jerusalém, outro de Samaria.
O trabalho termina: a cruz está pronta. Deixam-na do lado de fora, é um objeto que não será roubado por ninguém.
Os judeus nem sequer a tocariam. Os soldados romanos, que desprezavam tudo o que os judeus produziam, viriam apanhá-la para a execução do condenado.
Os dois carpinteiros fecham a oficina; um deles vai beber na nova taberna aberta no caminho que leva a Jericó; o outro se dirige para casa, pouco antes da porta de Damasco. Eles não sabem que acabaram de criar o maior símbolo da história.
Nem Fídias, nem Michelangelo, ao esculpirem mármores imortais, jamais fizeram algo que se aproximasse da universalidade daqueles dois madeiros cruzados.
Erguida num morro próximo à cidade, que desde os tempos de Davi chamavam de Gólgota, e que os romanos, supersticiosos, chamavam de Calvário (parecia um crânio sinistro e calvo), aquela cruz iniciaria sua trajetória mansamente.
Durante os próximos três séculos, enfrentaria a cólera dos imperadores de Roma. Venceria-os um a um.
Milhões de seres humanos morreriam com os olhos fixos naqueles dois madeiros atravessados. Em sua simplicidade, seria o instrumento mais poderoso produzido pela mão do homem.
Atravessaria os séculos em estandartes que conquistariam o Velho Mundo. E romperia os mares no mastro das caravelas que descobririam o Mundo Novo. Seria gravado a fogo no punho das espadas e também no escudo de aço dos cruzados. Encimaria o pórtico dos castelos. E, à sua sombra, peregrinos de todos os tempos procurariam refúgio e consolação.
Gosto de citar, à minha maneira e com as minhas palavras, o prefácio que Wilson Barrett escreveu para um romance que foi filmado pela Paramount ali pelos anos 30. Humberto de Campos, no Brasil, fez o mesmo. Giovanni Papini, na Itália, incorporou a mesma idéia em sua biografia de Cristo.
Dois simples madeiros, toscamente aplainados, foram reproduzidos em ouro e prata no peito de milhões de crentes e, transformados em mármore ou bronze, assinalariam milhões de túmulos daqueles que, confiados em sua fé, esperam a ressurreição dos mortos.
O gesto primário de quem assinala um ponto ou dele toma posse é repetido todos os dias, há mais de dois mil anos, na cabeça das crianças, no peito dos mortos, nas mãos que se casam, na testa daqueles que pedem bênção. E tudo nasceu naquela tarde em Jerusalém, quando dois carpinteiros aplainavam dois madeiros que nada significavam.
Em alguns lugares, a pena de morte por crucificação importava num suplício suplementar ao condenado: ele teria de levar o instrumento de sua tortura, a haste mais pesada. O braço seria pregado no local do sacrifício.
Assim fora feito na véspera, com as duas cruzes destinadas aos dois ladrões. Mas haviam recebido instruções para pregarem o braço na haste a fim de que o condenado daquela tarde tivesse maior peso para carregar. O que fizera ele para merecer um castigo a mais?
Só sabiam que era um forasteiro que viera ao templo para celebrar a Páscoa. Que crime cometera ele? Os dois carpinteiros ficariam assombrados se conhecessem o destino daquela encomenda. Nenhuma máquina fabricada pelo homem teria a formidável força daquele sinal.
Eles fecharam a oficina, um deles dirigiu-se à nova taberna onde - diziam - se bebia um vinho forte, produzido não longe dali, nos vinhedos de Jericó. O outro foi para casa, situada pouco antes da porta de Damasco, preparar-se para o Shabat - que começaria quando a primeira estrela, solitária, brilhasse sobre o deserto da Judéia.
Carlos Heitor Cony (crônica publicada originalmente em 1997). Folha de São Paulo
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NELSON MOTTA
Jovem e fervoroso revolucionário, um dia comentei com meu avô que alguma coisa era boa, mas cara, e ouvi, chocado, um velho professor amigo dele me dizer com naturalidade: "Mas tudo que é caro é bom, meu filho".
Sorrindo da minha indignação, ressalvou que nem tudo que é barato é ruim, que era possível que algo barato fosse bom, e que nem tudo que é bom é caro, já que algumas das melhores coisas da vida são de graça. Mas manteve a frase obscena.
E mais: me assegurou que o ser humano não vende mais barato o que pode vender mais caro, que ninguém quer o pior se pode ter o melhor e que uma das leis irrevogáveis da humanidade é a da oferta e da procura. Me senti ultrajado.
Mas ao longo dos 40 anos seguintes fui entendendo que era só uma generalização provocativa paulo-franciana, nelson-rodrigueana, pelo prazer da frase e da ironia, e me lembrei dele muitas vezes, com um sorriso, do velho cínico. E sábio.
O que diria ele agora, quando tantos ainda crêem que "tudo que é de esquerda é bom"? Sem ressalvas, já que tudo que não é de esquerda, de direita é, portanto, do mal. Quem ler, digamos, o Zé Dirceu, vai acreditar que a esquerda é generosa com os pobres e oprimidos, quer a igualdade e a fraternidade, é trabalhadora, honesta, não rouba, só pensa no bem do povo e do país. Os que apenas são contra a esquerda são autoritários, gananciosos, só pensam em dinheiro, em explorar os pobres, em atrasar o país, em pilhar o Estado. É patético.
O óbvio ululante é que há cada vez mais gente que não é de esquerda mas tem as qualidades que ela se atribui, assim como há muitos esquerdistas no poder que fazem justamente o que atribuem a seus opostos. Mas, o que seria dos zé-dirceus se não fosse "a direita"?
Folha de São Paulo - Opinião
Marcadores: Contexto, da Dignidade da Política, Nelson Motta
Thursday, March 20, 2008
“Olá! Tenho 22 anos e um bebê de oito meses. Trabalho durante o dia e faço faculdade à noite. Tenho pouco tempo durante a semana com meu bebê, mas isso ainda não é problema. O que me deixa confusa é o seguinte: não tenho um bom relacionamento com o pai do meu filho. Sei que ele não será uma boa influência para ele. Mas, ao mesmo tempo, sei que não posso impedir o contato deles. O que eu faço, como devo agir?”
Escolhi esta mensagem para comentar porque tem sido cada vez mais freqüente essa idéia, para algumas mães, de que o convívio com o pai poderia ser prejudicial para a criança. Os motivos que as mães levantam são os mais variados possíveis para usar essa argumentação, e vou citar alguns: o de que o pai não tem paciência, que não presta atenção ao filho, que é preconceituoso com alguns assuntos, que ingere bebida alcoólica, usa linguagem chula, é agressivo etc.
Bem, antes de tudo vamos lembrar que são bem raros os casos em que é desaconselhável o convívio estreito entre pais e filhos. Tais casos são bem graves e quase sempre terminam na justiça, o que, evidentemente, não é o caso nem dessa nossa leitora nem da maioria das mães que assim pensam.
De certa maneira, todos nós podemos não ser boa influência para os filhos já que humanos, somos cheios de defeitos, manias, cacoetes. E as crianças sabem enxergar como ninguém esses nossos traços. Mas, podemos ser, nesses aspectos, modelos de contra-exemplo, não é mesmo? Afinal, no decorrer da vida as crianças encontrarão, pelo caminho, pessoas com muitas características negativas e precisarão ter aprendido a se relacionar com elas sem se destruírem com isso.
Toda criança tem o direito de conhecer os pais, saber sua origem e de conviver com eles, sejam estes poços de virtudes ou de defeitos. Isso é mais importante do que ficar protegido dessas pessoas com suas características. Aliás, como gosto de afirmar, a ausência de palavras ou de pessoas que poderiam estar presentes prejudica mais a criança do que o convívio com elas, mesmo que isso provoque certo sofrimento.
Tive a oportunidade de acompanhar por um período várias mães que pensavam como essa nossa leitora e, após algumas conversas, elas chegaram à conclusão de que a idéia de afastar o filho do pai tinha muito mais a ver com a relação com o ex-parceiro do que, de fato, com o pai da criança. E, mesmo reconhecendo os aspectos negativos da relação do filho com o pai, não interferiram mais no processo e isso permitiu que ficassem mais em paz consigo mesmas e, portanto, com os filhos também.
http://blogdaroselysayao.blog.uol.com.br/
Marcadores: Rosely Sayão
Sunday, March 16, 2008
Saturday, March 15, 2008
Parece que foi ontem, mas lá se vão dez anos. Em 15 de março de 1998, o atacante Oséas marcou um gol histórico atuando pelo Palmeiras contra o arqui-rival Corinthians.
Num escanteio, o artilheiro saltou com estilo e cabeceou no ângulo, fora do alcance do goleiro. O "detalhe" é que o gol foi contra.
A perplexidade causada pelo lance inusitado quase impediu a fiel de comemorar: os gritos e cânticos foram substituídos pelo riso, diante do silêncio pasmo dos palmeirenses. Uns e outros se perguntavam o que tinha acontecido. Oséas estava "na gaveta"? Teve um momento de confusão mental, um "branco" que o fez esquecer que atacava para o outro lado? Ou simplesmente não resistiu à bola tão bem cruzada por Marcelinho e, ao ver o goleiro Velloso adiantado, seu instinto goleador foi mais rápido que o raciocínio?
Ainda hoje acho que ninguém tem uma explicação definitiva sobre o fenômeno - nem o próprio Oséas, que, ao que parece, pendurou as chuteiras há dois anos, depois de ter passado pelo futebol japonês e pelo Brasiliense.
O que leva o profissional de um time de ponta a cometer, com destreza e precisão, o chamado "autogol"? Acho que foi Armando Nogueira que definiu uma vez o gol contra como uma espécie de suicídio. Por essa lógica, o atleta que o comete estaria atendendo a um impulso autodestrutivo, a uma pulsão de morte ou autopunição. Assunto para Contardo Calligaris.
É claro que não estou me referindo aqui ao gol contra visivelmente acidental, aquele em que a bola bate num zagueiro e desvia sua trajetória, tirando o goleiro da jogada. O que está em questão é o gol contra "consciente", aquele em que o jogador toma a iniciativa de lançar a bola em direção a suas próprias redes. É o gol contra "ativo", ou "volitivo", em oposição ao gol contra "passivo", fruto de um acidente.
Seja como for, um gol contra tão singular como o de Oséas nos mostra como o erro pode ser belo, pode até mesmo ter algo de sublime. Ao criar uma surpresa e um desconcerto que nos deixaram momentaneamente sem chão, Oséas revelou de chofre a todos - até a ele próprio - o caráter frágil e insondável da natureza humana. Nelson Rodrigues dizia que a poesia do futebol está no "frango", pelo patético que ele traz à tona. Ok. Mas o gol contra, quando feito com tamanha perfeição, também pode ser um autêntico ato poético.
JOSÉ GERALDO COUTO - Folha de São Paulo
Friday, March 14, 2008
disse aquele poeta mineiro: "No caminho tem uma pedra", mas no meu poema tem várias pedrinhas... na vesícula! Estou à espera de uma definição do médico para marcar o dia de retirar as tais.
Se vocês puderem aguardar um pouquinho, aí vou poder confirmar a(s) data(s) pra esse nosso compromisso. Ah, e tem uma hérnia que o cara quer aproveitar o embalo e resolver também...
Vejam só, eu, que quase nunca corto nem as unhas...
Um beijo pra vocês.
Amigo pré-operatório, por e-mail.
Tuesday, March 11, 2008
Tuesday, March 04, 2008
Marcadores: Autorais
Monday, March 03, 2008
O monstro episódico
Desde "King Kong", em 1933, no início do cinema falado, Nova York é alvo de destruições catastróficas nos filmes. São profecias, frutos do medo. Metrópole por excelência, ativa, moderna, alvo simbólico de fascínios e ódios, ela terminou sendo atingida de fato no tremendo 11 de Setembro. A visão do ataque se repetiu no mundo inteiro em imagens límpidas: o brilho das torres, o azul do céu, perfeição cristalina. Depois, a bela forma do avião que se chocava contra o edifício retilíneo e, enfim, o desmoronamento. Essas imagens claras ocultam, no entanto, as ramificações das causas. Ao invés de uma revelação, o episódio agudo desencadeia, estarrecida, a incapacidade de compreender. Ele concentra a desagregação dos sinais e dos sentidos. Põe em evidência a história para melhor mostrá-la como incógnita. Assinala a fragilidade de cada um, à mercê de forças que ultrapassam a todos. Baudrillard disse que o 11 de Setembro significava um "retorno do real", mas retorno sobre o quê? Sobre as ilusões de que é possível compreender e agir. O real que retorna admite apenas uma navegação intuitiva, uma navegação de cabotagem, sem mapa, sem bússola, descobrindo, aqui e ali, fragmentos de sinais, soltos, que se recusam à coerência. Os processos da representação cinematográfica reagiram antes dos filósofos e substituíram o entendimento pela inquietação. É quando o medo se torna uma forma silenciosa, intuitiva e profunda de conhecimento. Instaura a fragilidade e a orfandade provocadas pelo não-saber e pelo não-poder.
Lagartixa
Nova York é arrasada em "Cloverfield", filme de Matt Reeves. Para tanto, ele ressuscita e atualiza Godzilla, o velho dinossauro atômico japonês, responsável por um apocalipse urbano. Da mesma maneira que em "A Bruxa de Blair", a ficção é construída como a verdade de um documentário amador, testemunha dos acontecimentos. Esse procedimento faz viver a catástrofe pelos olhos das vítimas (e também reduz os custos de produção: Cloverfield é um blockbuster econômico). Mergulha-se em meio ao simpático grupo de jovens que se diverte numa festa e que será surpreendido em seguida pela incursão do monstro. Um deles, encarregado de filmar o encontro feliz, seguirá captando as imagens do caos. A fita continha um registro anterior que irrompe de vez em quando, em curtos trechos, trazendo momentos de um dia idílico em Coney Island, praia popular que fica no Brooklyn. Essa teimosia do filme anterior em reaparecer por pequenas porções é melancólica: o registro antigo vai se apagando e fazendo sumir a paz e a felicidade que ele contém. De algum modo, porém, como restam fragmentos acidentais, ele permanece para falar da perda: perda do registro gravado, perda também da felicidade e da paz.
Fantasma
A imagem filmada é uma espécie de sobrevida. Alguns personagens de "Cloverfield" sentem isso, e deixam mensagens gravadas, caso venham a ser mortos. Numa delas, a moça conclui: "Eu não sei por que isso está acontecendo... Mas vamos esperar até que isso passe".
Par
"O Hospedeiro", dirigido por Bong Joon-ho, jovem diretor coreano, lançado em 2006, também tem um monstro reptiliano. Maravilhoso filme em que se equilibram o cômico, o pesadelo e o sentimento épico. Mas "O Hospedeiro" é uma crítica ecológica. "Cloverfield" expõe a irracionalidade mais obscura: é menos uma crítica que um abscesso angustiado.
JORGE COLI - COLUNISTA DA FOLHA
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Sunday, March 02, 2008
What the hell is that? = Diabéisso?
Hurry up! = Avia, homi!
Take it easy! = Se avexe não!
Don't be stupid! = Deixe de ser jumento!
Let's go, fellows! = Rumbora, negada! Bó simbó!
No thanks! = Carece não!
Very far away! = Lááá im riba!
Very good! = Danado de bom!
This way... = Pêralí...
More or less... = Marromeno...
Straight ahead = No rumo da venta
Get out of the way! = Sai do mêi! ou, Arreda, negrada!
That's cool! = É pai d'égua!
I give up = Eu peço penico
Wait for me! = Perainda!
Hey, mister! = Psiu! Ei, seu Zé!
Son of a bitch! = Fííí duma kenga!
Come to me, baby! = Ande cá, Zefinha!
Where are you going? = Onturrai?
Where are you coming from? = Donturreim?
Oh, gosh! = Deeeu a bixiga!
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