Formalizar a arte significa tornar a experiência estética comunicável: objetivá-la, torná-la real, torná-la pública, em vez de mantê-la num âmbito privado ou solipsista, como acontece com grande parte da experiência estética. Para comunicar a experiência estética é preciso submetê-la a convenções - ou "formas", se preferirem - do mesmo modo como se faz com a linguagem para que seja compreendida por mais de uma pessoa.
Convenções impõem resistências, obstáculos e restrições ao fluxo da comunicação, ao mesmo tempo em que a tornam possível e a conduzem.
[...] a qualidade na arte parece, de certa perspectiva bastante real, ser diretamente proporcional à densidade ou ao peso da decisão que foi tomada em sua realização. E boa parte dessa densidade é gerada pela pressão da resistência imposta pelas convenções de um determinado meio de comunicação. Essa pressão também pode guiar, evocar e inspirar; pode ser uma força facilitadora, bem como de resistência; e pode guiar, facilitar, evocar e inspirar precisamente em virtude de sua resistência. A métrica na poesia e o ritmo na música, os movimentos no balé, as necessidades de ordenar a progressão no teatro, na ficção em prosa e em verso e no cinema investem a criação de poder na mesma medida em que a constrangem, e justamente porque a constrangem.
É evidente que as convenções da arte, de qualquer arte, não são imutáveis. Nascem e morrem, desaparecem e se transformam de modo a não poderem mais ser reconhecidas; viram-se do avesso. E há diferentes tradições históricas e geográficas de convenção. Mas, onde quer que exista uma arte formalizada, convenções como essas não desaparecem, por mais que se transformem ou se desloquem. Isso vale tanto para a arte "menor" e para a arte popular e tribal, pré-urbana, quanto para a arte urbana elevada.
[...] Foi o tédio, foi a vacuidade de grande parte da arte supostamente avançada da última década ou mais que tornou evidente - ao menos para mim - quanto a consciência da decisão é essencial para satisfazer a experiência da arte formal. Pois a vacuidade da arte "avançada" em nossa época está mais próxima da arte ou da experiência estética "em estado bruto", não-formalizada, cuja vacuidade deriva precisamente da falta de convenções suficientes e da carência de decisões tomadas ou recebidas sob pressão das convenções.
[...] A arte inferior, ruim, não é necessariamente entediante nem vazia. O que é relativamente novo na má qualidade da atual arte "avançada" é o fato de ser tão entediante e vazia. Isso se deve à ausência generalizada de decisões que se pudessem sentir como "intencionais", intuídas e pressionadas, e não apenas tomadas por omissão. É justamente isso: muitas decisões tomadas na arte que se supõe mais nova foram tomadas por omissão, tornaram-se automáticas e, por esse mesmo motivo, arbitrárias.
[...] Não se pode dizer que a arte superior não possa surgir dessa maneira. A arte superior pode surgir de qualquer maneira concebível ou inconcebível; não há legislação nem prescrição, tampouco proscrição, quando se trata de arte. [...] Trata-se aqui, no entanto, de falar sobre a arte que já surgiu da maneira esboçada acima (A arte que já existe é a única de que se pode falar). Essa arte é quase inteiramente como acabo de dizer: desinteressante e ruim. E presumo que se possa explicar essa qualidade, ao menos esquematicamente. Essa arte tem sido demasiadamente livre de pressões estéticas pertinentes. [...] As decisões tomadas por elas são excessivamente tangenciais ao contexto estético, por mais que sejam governadas por outros conceitos. [...]
A pressão estética só pode provir de duas direções. Existe a pressão do que o artista quer dizer, fazer, expressar. Em oposição a isso existe a pressão das convenções de seu meio. A convenção não é "forma", e sim uma condição limitadora e impositiva que funciona com vistas à comunicação da experiência estética.
[...] as convenções da arte não são permanentes nem imutáveis. Mas, como mostra o registro, não importa quão frágeis possam se tornar, elas não se extinguem por decreto, desejo e vontade. Ao menos não frutiferamente, proficuamente, efetivamente, não com vistas ao interesse da boa arte. Convenções extinguem-se e perecem, mas não simplesmente porque alguém resolveu que deveria ser assim. [...] Desapareceram (porque impediam) certos artistas de dizer as novidades que tinham a dizer - ou, então, que os impediam de descobrir que tinham coisas novas a dizer.
[...] Uma tradição artística permanece viva enquanto mantém uma inovação relativamente constante. Todos sabemos disso. O que precisaríamos saber melhor é que existe algum elemento de inovação ou originalidade em toda boa arte, para não dizer superior. Toda boa arte, ainda que modesta ou furtivamente, inova. Inova porque qualquer criador da melhor arte, além de sua competência, possui algo a dizer que ninguém mais disse ou poderia dizer. A cada época, determinadas convenções ou aspectos de convenções precisam ser alterados para acomodar a peculiaridade do melhor artista, por menor que ela seja.
No passado, talvez se reconhecesse mais facilmente - mesmo se apenas implicitamente - que, a fim de romper com uma convenção era necessário dominá-la ou, se não isso, pelo menos entender ou apreciar sua razão de ser.
[...] a história não mostra nenhum caso de inovação significativa em que o artista inovador não conhecesse e dominasse a convenção ou as convenções que modificava ou abandonava. O que significa dizer que submetia sua arte à pressão dessas convenções, enquanto as modificava ou rechaçava. Que não precisava sair em busca de novas convenções para substituir as que deixava de lado; suas novas concepções emergiriam das antigas simplesmente por meio de seu embate com as antigas. E estas, não importa quão abruptamente descartadas, de algum modo permaneceriam lá, como fantasmas, e como fantasmas governariam.
[...] Mesmo uma rápida revisão do passado da arte mostra que as convenções artísticas quase nunca foram - ou talvez jamais tenham sido - depostas ou reformuladas facilmente, nem pelos maiores gênios da inovação. Uma revisão mais demorada do passado da arte, ou pelo menos do passado recente, mostra, contudo, que as convenções foram e podem ser modificadas ou abandonadas prematuramente. Inovações prematuras afligem uma parcela da melhor arte do século XIX e uma parcela da quase melhor arte do século XX.
[...] É difícil estimar quão relutantes artistas como Kandinsky, Kupka e Malevitch foram como inovadores, mas, como evidencia a sua arte, os três foram inovadores prematuros e erráticos, devido a essa prematuridade. Isso, às expensas da qualidade. Os três, ao mesmo tempo em que dispensavam determinadas convenções, aferravam-se a outras, cuja reformulação era mais fundamental para o que estavam tentando trazer à tona. [...] Algo semelhante aconteceu com Gauguin e com Walt Withman também (este manteve determinadas convenções de retórica e dicção que freqüentemente destituíram sua poesia da necessária tensão). Kandinsky é quase o caso exemplar. [...] A questão é que Kandinsky saltou etapas para ingressar numa planaridade muito literal, por assim dizer, sem ter enfrentado, ou trabalhado a sua maneira, as convenções da ilusão espacial que descartava tão abruptamente.
[...] Depois de 1912, Duchamp nos fornece um tipo diferente de modelo de inovação prematura.
[...] Não posso deixar de pensar e afirmar que foi por frustração que Duchamp se tornou tão revolucionário depois de 1912; e que foi por não ter esperança de ser novo e avançado em sua própria arte que ele veio a se posicionar contra a arte formal em geral. [...] Na verdade, ele tentou fazer de uma experiência estética descompromissada, "em estado bruto" - em geral uma experiência estética inferior - uma obra institucionalmente viável (passível de ser exposta em galerias e museus, discutida pela imprensa e por pessoas interessadas em arte). Sua arte "em estado bruto", entretanto, veio a ser menos do que bruta, na medida em que possuía orientação e convenções próprias; porém essas não eram estéticas, e sim as convenções não-estéticas da conveniência social, do decoro. A questão passou a ser violá-las. Assim, um urinol foi mostrado numa galeria de arte; os membros inferiores abertos e despidos, e a vulva sem pêlos da efígie de uma jovem reclinada foram oferecidos à visão através de um olho-mágico num museu bastante sério. A tarefa estava cumprida. Mas havia ainda uma outra questão: desafiar e negar o juízo estético, o gosto, as satisfações da arte enquanto arte. Isso permaneceu a questão principal para Duchamp. E permanece a questão principal para a subtradição que ele fundou. Com a necessidade ou inevitabilidade do juízo estético posta de lado, a produção da arte e das decisões estéticas, fosse pelo artista ou pelo espectador, estava livre de uma pressão verdadeira. Era possível criar, agir, gesticular, conversar numa espécie de vácuo - sendo o vácuo propriamente dito mais "interessante" ou, ao menos, mais valorizado do que qualquer coisa que acontecesse nele. O ponto principal da associação com a arte era ficar intrigado, confuso, receber algo sobre o que falar, e assim por diante.
Ainda assim, Duchamp e sua subtradição demonstraram, como nada antes deles, quanto a arte pode ser onipresente, demonstraram todas as coisas que ela pode ser, sem deixar de ser arte. E quanto essa arte, ou seja, a experiência estética, na verdade, tem um status não-excepcional e sem mérito. Por essa demonstração, devemos ser-lhe gratos. Mas isso não torna a demonstração nem um pouco menos entediante. É o que acontece com as demonstrações: uma vez que demonstram o que vieram demonstrar, tornam-se repetitivas, como se mostrassem mais uma vez desde o começo como dois mais dois são quatro. Não é isso que ocorre com a arte mais substancial, seja boa ou ruim: esse gênero de arte que se precisa vivenciar repetidas vezes a fim de continuar a conhecê-la.
Para voltar às convenções e, com elas, às decisões, diria que compreender uma convenção, digeri-la e assimilá-la - de maneira suficiente para se poder modificá-la, expandi-la, diminuí-la ou descartá-la em função do interesse da arte - significa apreciar as obras em que a convenção frutifica e desaprovar aquelas em que ela esteriliza. [...] Uma convenção é esterilizante quando o artista ou o espectador deixam-se controlar por ela nos lugares errados. É preciso ter gosto, bem como inspiração, para tirar a convenção do caminho; a inspiração apenas (de que o observador também necessita) comumente não basta.
Uma das ironias que perseguem visivelmente a arte de vanguarda hoje em dia está na persistência de convenções "mais antigas", que o gosto não consegue perceber - digo o gosto dos praticantes de uma arte aparentemente de vanguarda. A persistência dessas convenções mais antigas, mais antigas porque persistem sem reformulação, revela-se no convencionalismo da sensibilidade. [...] A convencionalidade se mostra em todas as muitas brechas do aparato da inovação. Convenções não detectadas e, portanto, não enfrentadas, permanecem as dominantes. Dominam igualmente o artista e o espectador por permitirem e induzirem decisões estéticas rotineiras, previstas e previsíveis, decisões não pressionadas. Esse é o gênero de decisões que os artistas denominados acadêmicos no sentido pejorativo sempre tomaram.
[...] o resultado comum para todos os artistas pseudo-inovadores em nossa época tem sido que, enquanto descartam as convenções óbvias, são capturados pelas não-óbvias. Ou antes, ao conseguirem situar-se numa posição que parece excluir toda convenção que se possa conceber, caem na arte "crua", não formalizada, freqüentemente aleatória. Aqui, onde deveria ser irrelevante, se é que deveria, a sensibilidade ainda assim retorna sorrateiramente - e tem sido sempre uma sensibilidade convencional, a despeito de toda aparência contrária. Tudo que aconteceu foi que as decisões estéticas tornaram-se inacreditavelmente sem peso, e os resultados estéticos, como nunca antes, vazios. E, enquanto isso, as convenções persistem, insignificantes como as que governam as decisões de espalhar pétalas de flores numa bacia com água.
E, contudo, mais uma vez algo foi demonstrado, algo que merecia demonstração. A arte, como Duchamp mostrou melhor do que ninguém, pode ser uma categoria muito ampla mesmo na experiência estética formalizada. Isso foi sempre verdadeiro, mas precisava ser demonstrado para que pudesse ser percebido como tal. A disciplina estética recebeu uma nova luz. Nesse sentido, não importa que a arte que projetou essa nova luz fosse possivelmente a pior e certamente a mais enfadonha arte formalizada que já se viu na experiência registrada.
Clement Greenberg - Estética Doméstica - Convenção e Inovação