Em um país onde a bandeira do politicamente correto se impõe a ponto de encobrir a visão, um vício trivial como o cigarro já pode ser enxergado como uma emocionante transgressão.Foi nessa "aventura" que embarcou Tom Chiarella, hoje com 47 anos: um adulto norte-americano aprender a fumar tabaco.Ciente dos males do tabagismo, que matou cerca de 5,4 milhões de pessoas em 2005, segundo a Organização Mundial da Saúde, Chiarella, que é professor no departamento de inglês da Universidade DePauw, em Indiana, passou um mês fumando e conta a experiência no texto abaixo, publicado originalmente na revista "Esquire".Aprendendo a fumar
TOM CHIARELLA
Há cinco semanas, eu estava me exercitando no aparelho, meus pés vibrando naquelas curvas desagradáveis. O aparelho inteiro ofegava, repetindo o mantra matinal: para baixo, para baixo, para baixo.
Assim que alcancei um certo limiar de transpiração, parei, peguei minha bolsa e saí ao ar frio de inverno, ainda ofegante.
Procurei no bolso meu maço de cigarros, amassado ao lado das chaves do carro, como um macinho úmido de dinheiro.
A fumaça encheu meu peito, e meus ombros se ergueram tanto que minhas chaves chegaram a mexer dentro do bolso do meu paletó. Era como se minha boca estivesse repleta de algo viscoso e metálico. Minha garganta pareceu irradiar calor para a frente e para trás no espaço em que eu estava. Havia um sabor que lembrava um pouco pipoca queimada.
Encostei a língua no céu da boca, um gesto que visava acalmar a tosse incipiente; ela ficou ali, um pouco elétrica. Traguei mais fumaça, trazendo também o vento frio para meu rosto, e de repente ela encharcou meus pulmões já sensibilizados pelo exercício recente.
A luz do mundo caiu sobre mim, solúvel e absoluta, e olhei em volta para ver se alguém estava observando, quase esperando que estivesse. Eu estava um pouco alto, uma sensação que lembrava um pouco todas as outras formas que conheço de ficar chapado.
Errado e certo
O choque provocou um corte em meus pulmões. Dois pensamentos aleatórios passaram por minha cabeça: "Alguma coisa está errada" -o chão subiu em minha direção rapidamente, e pensei que eu poderia cair- e "alguma coisa está certa" -eu estava eufórico, ansioso para ver o que iria acontecer.
Abaixei-me sobre um joelho. Inalei outra vez. O céu parecia maior, meu carro, mais distante, e fiquei em pé novamente, cambaleando um pouco.
Levantei o cigarro, traguei novamente, e o sol pareceu ser puxado para o alto, como um peixe por uma linha de pesca. Andei até meu carro, muito devagar, saboreando o friozinho glacial em minha boca, a sensação de queimação no peito.
Eu era fumante havia uma semana apenas, e esse era o primeiro cigarro que funcionava de fato. Acho que não devia ter inalado corretamente antes. Mas agora, sim. Pela primeira vez, consegui sentir.
Vivi 46 anos antes de fumar meu primeiro cigarro. Bom, talvez eu tenha feito de conta, de vez em quando, mas nunca tinha dado uma tragada de fato. Então me converti em fumante por 30 dias, propositadamente.
Esta não é uma história sobre parar de fumar. É sobre começar. E começar, para mim, incluiu 34 marcas diferentes de cigarros, 11 isqueiros, revelações espirituais e momentos de clareza, reuniões em becos, encontros com estranhos nas ruas de várias cidades, momentos passados encolhido numa varanda decrépita, observando o acender de um fósforo durante uma tempestade de neve, protegido por uma mão.
Uma dor de garganta perpétua, pequena tosse irritante, várias sessões de vômito, dor de cabeça que se prolongou por seis dias, aumento de apetite, um momento de vertigem e um caso perverso do que só posso chamar de confusão moral.
Também envolveu o ingresso em uma espécie de clube, ser criticado impiedosamente pela posição hegemônica, tentar me enquadrar e não querer me enquadrar.
Eu queria chegar a um maço por dia -a medida arbitrária pela qual todos os fumantes se medem- em um mês. Então eu deixaria de fumar. Se isso me fizesse ficar doente, tudo bem. Eu queria sentir isso. Se apresentasse sintomas de abstinência, ok, eu lidaria com isso. Eu precisava entender.
Além disso, imaginei que eu perderia um pouco de peso.
Assim, no amanhecer daquele dia, decidi começar a fumar.
Até a hora do jantar já tinha fumado seis cigarros American Spirit Light. Fumei aquele primeiro maço em dois dias. Fumei o primeiro enquanto voltava para casa, percorrendo a pé os quatro longos quarteirões desde a escola onde leciono.
Eu não sabia segurar aquela coisa. Meus dedos, agarrando aquele pequeno cigarro, pareciam gordos como os de um porco, grandes demais, mal posicionados.
A fumaça, leve e cheia de cinzas, encheu minha boca e fez meus olhos lacrimejarem. Eu tossia a cada tragada, apesar de quase não inalar.
Encobri tudo isso caminhando rápido, achando que com isso eu passaria a impressão de ser um homem ocupado, alguém que precisa ir a vários lugares e para quem fumar é um dos fatos do cotidiano, e não um dilema, em vista das pequenas questões de estilo que me obcecavam: o cigarro estava bem aceso? Quão profundamente eu deveria tragar?
Por algum motivo eu me preocupava com isso, como algum adolescente idiota.
Daquele momento em diante, tentei fumar a cada duas horas, mais ou menos.
Em uma semana já tinha chegado a 12 cigarros por dia. Ia até a loja, comprava um maço novo e, após fumar, o jogava sobre a geladeira. Experimentei todas as marcas que encontrei. Depois de 30 dias, cheguei a um março por dia. No 31º dia, fumei 22 cigarros.
Assim, posso honestamente afirmar que fumei mais de um maço por dia. Por um dia.
Ainda no início do experimento, minha insegurança me levou a telefonar para uma empresa de cigarros e pedir algumas orientações.
Abri caminho em meio ao atendimento eletrônico da Santa Fe Natural Tobacco Company, fabricante da marca American Spirits, até conseguir falar com um atendente humano chamado Shawn, que, pelo menos por algum tempo, pareceu bastante receptivo.
"Acabo de começar a fumar", eu disse, "e acho que estou fazendo errado. Alguma coisa não está certa."
"Senhor...?"
"Não seguro o cigarro do jeito certo, não trago totalmente, não sei como jogar as cinzas, nunca sei onde jogar as bitucas. Quando você começa a fumar já velho, ninguém quer ensiná-lo. Vocês têm alguém que poderia me ajudar a aprender a fumar?"
Uma pausa longa se fez. Eu podia imaginar a expressão do sujeito. Quase conseguia ouvi-lo franzindo os lábios.
"Não damos conselhos a fumantes novos", ele respondeu. Então respirou fundo. Coitado. Ele devia receber ligações de trote o dia todo.
"Quando trago, sinto dor", falei. "O cigarro me faz tossir."
"Sim, senhor", ele disse.
"Só estou buscando uma pequena ajuda", disse. "Vejo essas pessoas fumando na televisão, e dá para ver quando não estão tragando, sabe? Sei que estão fazendo de conta. Eu não quero fazer de conta. Quero tragar."
Pausa.
"Na verdade, não há instruções disponíveis", disse ele. "Não há nada que eu possa fazer para ajudá-lo."
"Parece que ninguém quer me ajudar", disse eu.
"Sim, senhor."
"Isto é coisa séria"
Minha namorada fuma há 20 anos, parando e recomeçando ao longo desse tempo. Ela não fuma muito -seis ou sete cigarros por dia. Passou anos sem fumar, mas descobriu que lhe é impossível parar para sempre.
Ficou horrorizada diante da minha idéia de começar a fumar aos 46 anos. Temia que eu estivesse zombando dela ou tentando provar algo.
Estávamos caminhando quando ela segurou o cigarro entre os dedos, como uma prova apresentada em um tribunal. "Isto é coisa séria. E você não a está levando a sério."
Peguei o maço do bolso de seu casaco, tirei um cigarro, pedi fogo e fiz uma piada sem graça. Um cigarro, imaginei, me ajudaria a fugir de qualquer tipo de constrangimento.
Minha namorada se voltou contra mim. "Você vai usar isso contra mim?" perguntou, brava. Ela chegou a formar um punho com sua mão, com o cigarro encerrado no meio. "Você não pode imaginar que eu gosto disso. Não pode."
"De quê? De eu fumar?"
"Não. De eu mesma fumar."
"Isso é uma loucura"
A revolta contra mim também era profunda entre os não-fumantes. Meu filho mais jovem, que é asmático e atleta -um sujeito mais honrado e corajoso seria difícil de imaginar- suplicou pra mim: "Você não pode fazer isso!", reagiu, quando lhe disse o que estava fazendo. "Você vai se viciar."
"Que nada", falei. Estávamos voltando de carro de um posto de combustível onde eu comprara três tipos diferentes de Pall Mall e um isqueiro cor de laranja. "Estou fazendo isso só para saber como é. Estarei de volta, sem fumar, antes de você perceber."
Mas o magoava o fato de eu cogitar a idéia. "É uma loucura, pai. Não há nada para experimentar. O que você precisa saber sobre fumar? Leia um livro. Isso é burrice."
Ele olhou pela janela. Passávamos por um posto depois de outro, cada um deles, como eu sabia, com enormes prateleiras de cigarros organizados por cor, intensidade, tamanho da dose. Cada janela gritava o preço feio e indistinguível de um maço ou pacote. Ele suspirou. "Você acha que isso é legal."
Então, com o mundo de ponta-cabeça -o filho repreendendo o pai por fumar-, optei pela freqüência mais baixa de discussão. "Cary Grant fumava para parecer legal", falei baixinho. "Sigourney Weaver também, em "Alien"."
Primeiro cigarro num bar: um Kool, com um sujeito com quem eu me encontrei para falar de trabalho. Um bar num subsolo em Indianápolis. "Você fuma?", ele perguntou.
"Acabei de começar."
"Você acabou de começar...", disse ele, ecoando meu pouco caso. Foi obrigado a repetir a pergunta para ele mesmo: "Você fuma?"
Quando procurei seu maço de Kool, tinha sumido. Ele o tinha escondido quando eu não estava olhando. "Você fuma", falei, apontando para o cinzeiro. "Eu vi seus cigarros."
Ele os tirou do bolso e balançou o maço de um lado para outro, como um sino. "Acabei de recomeçar", contou.
Ele pôs um cigarro no canto da boca e semicerrou o olho. "É sempre legal encontrar outro fumante."
Acendi um fósforo. "Estou começando a perceber que é como um clube."
Ele sacudiu a cabeça e soprou um túnel de fumaça no bar escurecido. "É, como o Rotary", falou.
Ele deu de ombros e olhou para o maço de Kool. "E não deixa de ter seus encantos."
Chaminé e maçaneta
Comecei a jogar um joguinho. Na minha cabeça, dei um nome diferente a cada tipo de tragada. Quando tentava tragar mais fundo, dava o nome de chaminé de fogão -me fazia passar mal, ter acessos de tosse.
Eu não tinha vomitado em 20 anos -nem me recordava da última vez. Depois de vomitar, sempre me obrigava a tragar ao menos mais uma vez, porque era melhor naquele momento.
Mais tarde, quando aprendi a tragar direito -inalando rápido e fundo, exalando rápido e macio-, chamei isso de levantamento de peso deitado. E havia a tragada de maçaneta de porta, que eu fazia na presença de fumantes de fato.
Virava a cabeça (como uma maçaneta) para exalar na outra direção, porque o fumante de fato sabe que a fumaça inalada sai em névoa e com alguma velocidade, não em pequenos anéis tênues, como eu fazia.
Dei nome a todas elas. Enxerguei isso como um novo nível de consciência do fumar.
Sendo uma pessoa que gosta de seus vícios, eu já tinha sofrido danos permanentes suficientes para uma vida.
Eu precisava saber se, fumando cigarros, estaria me matando. Telefonei para Mehmet Oz, cirurgião cardíaco e redator médico da "Esquire". A primeira coisa que me perguntou foi sobre a "dosagem". Foi totalmente analítico, tratando meu experimento impensado como se fosse um estudo clínico.
"Deveríamos ter feito você usar emplastro. Deveríamos ter começado aos poucos. Como está se sentindo agora?"
"Doente", respondi. "Fumar me dá vertigem e dor de cabeça. A primeira tragada, ou as duas primeiras, são fáceis. Depois disso, é diferente a cada vez."
"Você está se intoxicando com nicotina. O corpo leva algum tempo para aprender a lidar com isso. Você está indo rápido demais. Seu cérebro ainda não aprendeu a produzir a dopamina necessária para causar dependência. A nicotina não está ativando a alavanca correta em seu cérebro. Um fumante usa os cigarros em momentos determinados do dia para produzir dopamina, como meio de se automedicar."
Perguntei a ele se eu acabaria meus dias falando por meio de um buraco no pescoço.
"Depois de um mês? Não. Não se os fatores de risco já não estiverem presentes. Você está percorrendo terreno não mapeado. Ninguém começa na sua idade. Mas, se você parar, seu corpo vai reparar os danos em pouco tempo. Isso é o legal sobre parar de fumar. Os pulmões se consertam sozinhos."
Caras amarradas
Eu lhe contei que na noite anterior tinha tragado o mais fundo possível, até o centro de meu peito. Isso me fizera vomitar. Durante três dias eu consegui vomitar no momento em que quisesse. Era como fazer um truque com baralho.
Mostrei para minha faxineira. Falei que eu limparia a sujeira. Ela é fumante inveterada.
"Pensei que o sr. não quisesse que ninguém fumasse aqui", ela me falou depois, olhando atônita para o cigarro em minha mão.
"Acredito", disse o dr. Oz, falando de meu macete para vomitar. "Isso eu gostaria de ver." Ele falou com a curiosidade de um cientista.
Numa terça-feira, acendi um cigarro no aeroporto de Detroit. Queria fumar, mas também queria ver o que aconteceria. Rarará. Isso me pareceu um ato perigoso, sim, e muito possivelmente estúpido, mas algo de cujas conseqüências eu conseguiria me safar, apresentando algum argumento fajuto.
Em situações como essa, o cigarro me dava coragem.
Coloquei-me no canto mais distante de uma área de portão -a dez metros de qualquer outro passageiro e ainda mais longe de qualquer pessoa com autoridade suficiente para atirar um dardo em meu pescoço e me fazer embarcar no vôo das 7h05 para Guantánamo.
Então peguei meu isqueiro e, com muita calma, acendi um Virginia Slim, a marca que estava fumando naquele dia (horrível, por sinal).
O que acontece quando você acende um cigarro num aeroporto -porque eu o aconselho a nunca tentar isso- é que uma série de reações se processa mecanicamente, como em uma ficção científica, como se o consciente coletivo do lugar fosse dividido igualmente entre todos os presentes, gerando uma única reação, como se fosse a de um zumbi.
Ao som do isqueiro acionado, as cabeças se voltam, e corpos se deslocam imediatamente em sua direção.
Dei duas tragadas fundas, porque agora um faxineiro tinha aparecido de lugar nenhum e se aproximava rapidamente pela direita. Um agente do portão estava caminhando rápido à distância, e uma mulher com um bebê no colo se aproximava, de cara amarrada.
Dois outros homens ficaram em pé para acompanhar a cena melhor.
"Você não pode fumar aqui!", me disse a mulher, virando o bebê para longe de mim, como se o estivesse protegendo do calor de um incêndio.
"Apague isso, senhor", me disse o agente da Northwest, me alcançando num trote.
"Sinto muito", eu disse a todos, apagando o cigarro contra a sola do sapato, as cinzas se espalhando pelo carpete como faíscas de um maçarico.
"Acabo de começar a fumar. Eu não sabia."
O zelador franziu os lábios. Trinta e cinco segundos se passaram. Seguranças do aeroporto chegaram. Fui cercado. "É proibido fumar aqui", disse um guarda. Olhei para cada um deles. Quatro rostos, ou cinco, contorcidos em um espasmo de insatisfação e espanto.
"Me desculpem", falei. "Eu não sabia."
"Não sabia?" disse o funcionário do portão, afastando-se mas me olhando nos olhos. "Quem é que não sabe disso? Isto aqui é um aeroporto!"
Confusão moral
Quando não era fumante, achava que fumar fosse um ato de auto-indulgência descontrolada. Mas há algo de palpável na necessidade do cigarro, mesmo quando é autocriada. É boa a sensação de precisar de alguma coisa. Existe também uma confusão moral -preciso disso ou apenas quero?
Depois de três semanas, em um dia em que tinha fumado 14 cigarros, percebi que finalmente poderia curtir um cigarro depois do sexo. Fumar deixara de ser uma tarefa ou um desafio. Eu gostava de fumar. Dopamina? Eu não sabia. Não me importava. Eu simplesmente queria fumar.
Mas o cigarro também ampliava as coisas prazerosas. Tudo parecia mais potente, mais iluminado.
O sexo, a cerveja que estávamos dividindo, a maçã que eu deixara do lado da cama, até mesmo a brisa fria que subia por baixo do cobertor, retesando meu escroto.
Naquele momento, eu era uma fábrica de dopamina.
"Quando você fuma, sempre soa como se doesse", disse ela. "Aquela tossezinha... Isso soa ruim. Não pode ser bom."
Mais uma semana e deixaria de fumar, disse. Mais uma semana e ela poderia continuar a doer sozinha. Mas, agora que eu entendia a dor suprema daquela dependência, queria estar de volta ao tempo em que não tinha interesse em tudo isso.
Ela tinha razão. Doía quando eu fumava. Cada vez.
No ano passado meu filho mais velho me revelou que fumava. Em minha ira reflexiva, eu gritei, ameacei com a retirada de privilégios, mas ele persistiu.. Eu me senti ludibriado, como se alguém estivesse agindo por trás de minhas costas.
Malditos fabricantes de cigarros, maldito Joe Camel.
Tentei expulsar o cigarro de sua vida -proibindo-o de fumar em casa, no carro, no quintal-, até os limites do mundo que eu controlava para ele.
Achei que ele talvez estivesse apenas brincando com isso, representando um papel.
Mas ele continuou. E eu me dei conta de que às vezes, ou pelo menos agora, a desaprovação -mesmo que seja de um comportamento de seu filho- não é realmente um comando, mas uma observação. Meu filho fuma. Tentei digerir o fato.
Eu o observei fumar, ficando ao seu lado diante de restaurantes e, quando cedi, no quintal de minha própria casa. Isso foi antes de eu ter fumado um único cigarro.
Percebi que fumar o modificava um pouquinho, como uma correção de rumo feita ao mar -um grau de diferença, em direção a um novo ponto do horizonte. Sua expressão se abrandava, o cigarro parecia amortecer a infelicidade que às vezes pesava sobre sua vida.
Fiquei triste, irritado, um pouco ciumento. Disse a ele que ele era um tolo, mas depois me arrependi. Que ninguém se engane: fumante ou não, é horrível ver seu filho dando uma tragada num cigarro como se isso significasse algo para ele.
É nesse momento que um cigarro não se parece tanto com um conforto casual em um mundo frio, mas mais com um abismo, um logro sombrio.
Eu sou responsável por minha própria estupidez. Este é meu filho, e eu, de certo modo, não posso fazer mais do que testemunhar. Meu filho, fumando como algum beberrão qualquer.
É nessa hora que você sente vontade de estrangular um executivo de empresa de cigarros.
Um dia encontrei meu velho amigo Wade, correndo para não se atrasar para alguma reunião, levando um sanduíche numa embalagem plástica. Eu o conhecera como fumante durante 17 anos. "Ei", falei, esperançoso. "Quer fumar um cigarro comigo?"
Gesto de respeito
Ele pareceu estarrecido.
Contei a ele sobre meu experimento, e era isso o que eu buscava desde o início: aquela experiência elementar, altamente social, sempre surpreendente de tirar tempo para fumar um cigarro com um velho amigo. É que não tenho muitos amigos que ainda fumam.
"Você está começando a fumar?", ele disse, sua voz se levantando no verbo, acentuando a aquisição do hábito.
Wade é biólogo. Ele riu e indicou com o queixo o bolso de minha camisa, onde se divisava o maço de cigarros.
"Eu parei", ele falou. Fiz que "sim" com a cabeça e pus o maço de Pall Mall de volta no bolso. Um gesto de respeito.
Ele olhou para a direita, depois para a esquerda. "Bem, estou diminuindo, de qualquer maneira." Jesus. Diminuindo?
"Quer dizer que está economizando seu um cigarro para o momento em que não estiver aqui com um velho amigo?
Qual é, cara! O cigarro serve para quê, afinal? Sente aqui comigo neste banco e fume, cara." Eu sei, eu sei. Sou um canalha, um sujeito que enfraquece a determinação dos outros.
Mas Wade se sentou comigo e ficou 15 minutos. Fumamos dois cigarros e falamos de sua filha, de Richard Dawkins, dos assentos que Wade tinha nas partidas de futebol americano.
Olhei para ele e disse: "Você está atrasado para sua reunião".
Certa tarde, em Nova York, aprendi algo sobre coisas que não estavam claras para mim. Fazia frio. Era final de outono, e, a cada vez que saía à rua para fumar, eu me via na mesma esquina com um grupo de sujeitos que também saíam de seus escritórios para fumar. Eu gostava da energia deles, de sua determinação em transgredir.
Alguns deles fumavam como se tivessem nascido fumando.
Eu ainda parecia uma estudante universitária em seu primeiro fim de semana longe de casa.
Tinha comprado um maço de cigarros caros, Nat Sherman, que ofereci aos outros. Eles gostaram do que eu estava fazendo, aprendendo. E então, espontaneamente, sem que eu tivesse pedido, começaram a me dar dicas.
Me senti como se estivesse num grupinho de mamães de primeira viagem.
"Nunca faça gestos com o cigarro", disse um deles. Os outros riram, concordando. "Não jogue a cinza com jeito muito agressivo", disse outro.
"Dá a impressão de que mal pode esperar para ir embora."
"Não trague à francesa. Isso é ridículo demais."
Exalamos no ar frio, passando o peso do corpo de uma perna para outra.
"O que você está fazendo parece maluquice", falou um deles. "Mas vinha observando você para ver com que freqüência vinha para a rua. Queria ver se estava fumando pra valer."
Pus o cigarro na boca e traguei fundo. "E estou?", perguntei, apertando o cigarro entre o polegar e o dedo indicador, um gesto que aprendi com De Niro em "Cassino".
Mas então tossi. Tossi de novo. Mesmo depois de três semanas, a fumaça ainda doía. E isso fez todo mundo rir, até mesmo eu, com a cabeça ainda zumbindo depois da tragada.
As ruas estavam cheias de carros, sob a chuva. Uma mulher passou por nós, pedindo dinheiro. Empurrava um carrinho de bebê, mas não vi nenhum bebê. Ela pediu 20 dólares a um dos fumantes. Ele fez que não com a cabeça. Ofereci um maço de Winston que tinha sobrado do dia anterior.
"Tome", falei, oferecendo o maço enquanto procurava US$ 1 no meu bolso. Mas a mulher virou as costas. "Não fumo", ela falou, e continuou andando. "Não sou estúpida."
Mente contorcida
Eis alguma coisa que escrevi depois de fumar 22 cigarros, no último dia de meu experimento, quando eu estava zunindo.
Minha mente estava contorcida. Eu tinha fumado aquele último maço após beber, caminhar, andar, ficar parado em esquinas. No dia seguinte eu iria parar. Não seria tão difícil assim. Sentiria falta do cigarro.
Sentiria aquele puxão em minhas costelas depois de comer uma carne ou tomar um uísque.
Mas eu não sofreria aquela necessidade constante. Ainda não tinha feito aquela adaptação mencionada pelo dr. Oz.
Mesmo assim, senti que eu conseguira enxergar algo que não enxergara antes, algo ao qual não conseguia dar nome.
Então, como um oráculo fumante, tive a revelação.
Os EUA vivem um cabo-de-guerra constante entre a ordem e o caos. Quando você fuma, isso fica aparente, inegável. As pessoas olham feio. Elas passam apressadas. Não-fumantes. Para elas, o fato de eu fumar representa falta de consideração e desrespeito à lei. A insensatez de um animal.
Houve uma época em que a ordem do mundo ficava contida no prazer calmante absoluto de um cigarro.
Mas reordenaram o mundo, e agora o cigarro é o fator desorganizador. Os fumantes ficam parados em esquinas, à margem de tudo, apagando seus soldados mortos com as solas de seus sapatos.
Quando passo por eles de carro, eu os sinto. É meu país que está ali. Eles me lembram a tragada, a chaminé de calor, eles me fazem ter vontade de fumar. E até gosto, sim, da tosse. Chego a gostar da dor no peito. O cigarro ilumina meu cérebro. Mas isso é apenas porque sou fumante recente.
Para o fumante de fato, o cigarro traz calma, traz ordem em meio ao caos de suas vidas.
Colombo! Ele não descobriu nada, exceto o cigarro. Não havia cigarros na Europa antes dele. M... de homem!
E os puritanos! Aqueles sujeitos traçaram regras. Eles queriam criar ordem no país e abolir tudo o que não compreendiam. São os responsáveis pela proibição ao fumo.
Preto e branco. O fumo é o refrão americano essencial: a necessidade de ordem moral em contraposição ao instinto de exploração.
Depois daquele experimento maluco, parei. Passei seis dias dentro de casa, jogando videogame. Vivo, incapaz de pensar, incapaz de escrever, incapaz de sair de uma dor de cabeça interminável. De alguma maneira eu engordara quase cinco quilos e começara a beber demais.
Parece que o fumar tinha intensificado todas minhas outras dependências, ressaltando todas minhas outras falhas.
"Tudo muda"
Apesar disso, eu sentia falta do cigarro. Sentia falta de sair para fumar lá fora. Gostava do cheiro de tabaco nas pontas dos meus dedos, até mesmo em minhas toalhas. Sentia falta do peso do maço cheio e da tensão do maço vazio. Sentia saudades de meus novos amigos, obrigados a ficar na rua, impenitentes.
Sobretudo, sentia falta do impulso que o cigarro me proporcionava, o ímpeto de um cigarro para o outro, ao longo do dia. Você passa por eles, como pontos de referência. Senti falta disso. Ainda sinto.
Perto do final do experimento, na quadra de esportes da escola onde leciono, fumei um cigarro com uma professora de economia que eu conhecera durante anos como fumante inveterada.
Na época em que eu não fumava, eu costumava passar por ela sem parar, dando apenas um pequeno aceno.
Desde que começara a fumar, eu começara também a parar e acender um cigarro com ela.
Era o tipo de encontro fortuito que eu não tivera em meus 46 anos de vida anteriores. Ela nunca se mostrava avessa à minha companhia nem eu à dela.
Esses são os melhores cigarros, aqueles que se fumam devido ao acaso feliz, marcados pela descoberta.
A professora me disse que ia parar de fumar quando se aposentasse.
"Quanto tempo falta?"
"Um ano e meio", ela me disse. "Venho planejando isso. Preciso parar."
Fiquei perplexo. "Por que esperar?", perguntei. "Por que não parar agora?"
Sacudiu a cabeça, como se houvesse algo que eu não entendesse. "Já parei outras vezes, e é sempre a mesma coisa. Não consigo falar ou mandar e-mails nem falar ao telefone.
Vou precisar passar por seis meses de confusão para me livrar disso de uma vez por todas.
Sem cigarros, não consigo trabalhar. Tudo muda."
"É a mesma coisa para quem começa", falei. Ela riu e soprou um cordão de fumaça que se desvaneceu no ar.
Dei uma tragada tão funda que parecia tão doce e reveladora quanto uma mordida em um pêssego.
"Você acha que vai ser assim comigo? Acha que vou me sentir um pouco assim?"
Ela fez que não com a cabeça.
Mas então me olhou, reconsiderando. "Talvez você tenha alguma idéia de como é", falou.
"Talvez tenha alguma idéia de como é profunda a coisa." Olhamos para o lado - ela, procurando um cinzeiro, eu, um banco. Eu estava zonzo outra vez. Havia gelo cobrindo a calçada.
Senti que poderia cair.
Tradução de Clara Allain.
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