Friday, October 31, 2008

Thursday, October 30, 2008

Verão

Ao entardecer Florencio desceu com a menina até a cabana, seguindo o caminho cheio de buracos e pedras soltas que só Mariano e Zulma tinham coragem de enfrentar com o jipe. Zulma abriu-lhes a porta, e pareceu a Florencio que tinha os olhos de quem descascava cebolas. Mariano veio do outro quarto, mando-os entrar, mas Florencio só queria lhes pedir que tomassem conta da menina até a manhã seguinte porque precisava ir à costa por causa de um assunto urgente e na cidade não havia ninguém a quem pedir o favor. É claro, disse Zulma, pode deixá-la, arrumamos uma cama para ela aqui embaixo. Tome um drinque, insistiu Mariano, só cinco minutos, mas Florencio deixara o carro na praça da cidade, tinha de seguir viagem logo; agradeceu-lhes, beijou a filhinha que já descobrira a pilha de revistas no banquinho; quando fechou a porta Zulma e Mariano se entreolharam quase interrogativamente, como se tudo tivesse acontecido depressa demais. Mariano encolheu os ombros e voltou para sua oficina onde estava colando uma poltrona velha; Zulma perguntou à menina se estava com fome, propôs-lhe que brincasse com as revistas, na despensa havia uma bola e uma rede para caçar borboletas; a menina agradeceu e pôs-se a olhar as revistas; Zulma observou-a um momento enquanto preparava as alcachofras para a noite, e pensou que podia deixá-la brincar sozinha.
Já entardecia cedo no sul, tinham apenas um mês até voltar para a capital, entrar na outra vida do inverno que afinal era uma sobrevivência a dois, estar distintamente juntos, amavelmente amigos, respeitando e executando as múltiplas e excessivamente delicadas cerimônias convencionais do casal, como naquele momento em que Mariano precisava de uma das bocas do fogão para esquentar a lata de cola e Zulma tirava do fogo a panela de batatas dizendo que depois acabaria de cozinhá-las e Mariano agradecia porque a poltrona já estava quase terminada e era melhor aplicar a cola de uma só vez, mas é claro, pode esquentá-la, nada mais. A menina folheava as revistas no fundo do grande quarto que servia de cozinha e sala de jantar, Mariano procurou umas balas nas despensa; estava na hora de sair para o jardim e tomar um drinque olhando o anoitecer nas colinas: nunca tinha ninguém no caminho, a primeira casa da cidade perfilava-se apenas na parte mais alta; diante deles o sopé da montanha continuava descendo até o fundo do vale já em penumbra. Pode me servir, volto já, disse Zulma. Tudo se cumpria ciclicamente, cada coisa em sua hora e uma hora para cada coisa, com exceção da menina que de repente desajustava ligeiramente o esquema; um banquinho e um copo de leite para ela, uma festinha no cabelo e elogios pelo bom comportamento. Os cigarros, as andorinhas cacheando-se em cima da cabana; tudo se repetia, se encaixava, a poltrona já estava quase seca, colada como aquele novo dia que nada tinha de novo. As diferenças insignificantes eram a menina naquela tarde, como às vezes ao meio-dia o carteiro os tirava por um momento da solidão com uma carta para Mariano ou para Zulma, que o destinatário recebia e guardava sem dizer palavra. Mais um mês de repetições previsíveis, como que ensaiadas, e o jipe carregado até o topo os faria voltar ao apartamento da capital, à vida que era só outra nas formas, o grupo de Zulma ou dos amigos pintores de Mariano, as tardes nas lojas para ela e as noites nos cafés para Mariano, um ir e vir separadamente embora sempre se encontrassem para o cumprimento das cerimônias dobradiças, o beijo matinal e os programas neutros em comum, como agora que Mariano oferecia outro drinque e Zulma aceitava com os olhos perdidos nas colinas mais distantes, já tingidas de um roxo profundo.
O que é que você gostaria para jantar, menina? Eu, o que a senhora quiser. Talvez ela não goste de alcachofras, disse Mariano. Sim, eu gosto, disse a menina, com azeite e vinagre mas com pouco sal porque arde. Riram, fariam um molho especial. E ovos quentes, que tal? Com colherzinha, disse a menina. E pouco sal porque arde, brincou Mariano. O sal arde muitíssimo, disse a menina, à minha boneca eu dou purê de batata sem sal, hoje eu não a trouxe porque meu pai estava com pressa e não deixou. Vai fazer uma noite bonita, pensou Zulma em voz alta, olhe como o ar está transparente para o lado do norte. Sim, não vai fazer calor demais, disse Mariano recolhendo as poltronas para a sala de baixo, acendendo as lâmpadas junto do janelão que dava para o vale. Maquinalmente ligou também o rádio, Nixon viajará para Pequim, o que é que você acha, disse Mariano. Já não existe religião, disse Zulma, e soltaram a gargalhada ao mesmo tempo. A garota se dedicara às revistas e marcava as páginas das historietas como se pensasse lê-las duas vezes.
A noite chegou entre o inseticida com que Mariano pulverizava o quarto de cima e o perfume de uma cebola que Zulma cortava cantarolando um ritmo pop do rádio. No meio do jantar a menina começou a cochilar em cima de seu ovo quente; zombaram dela, animaram-na a terminar; Mariano já tinha preparado a cama dobrável com um colchão de espuma no canto mais afastado da cozinha, de maneira a não a incomodar se ainda ficassem um pouco na sala de baixo, ouvindo discos ou lendo. A menina comeu seu pêssego e admitiu que estava com sono. Deite, meu amor, disse Zulma, já sabe que se quiser fazer pipi é só subir, deixamos acesa a luz da escada. A menina beijou-os no rosto, já tonta de sono, mas antes de deitar escolheu uma revista e a pôs debaixo do travesseiro. São incríveis, disse Mariano, que mundo inatingível, e pensar que foi o nosso, o de todos. Talvez não seja tão diferente, disse Zulma que tirava a mesa, você também tem suas manias, o vidro de água-de-colônia à esquerda e a gilete à direita, e eu nem é bom falar. Mas não eram manias, pensou Mariano, antes uma resposta à morte e ao nada, fixar as coisas e os tempos, estabelecer ritos e passagens contra a desordem cheia de furos e de manchas. Apenas já não falava em voz alta, cada vez mais parecia haver menos necessidade de falar com Zulma, e Zulma também não dizia nada que reclamasse uma troca de idéias. Leve a cafeteira, já pus as xícaras no banquinho da chaminé. Veja se ainda tem açúcar no açucareiro, tem um pacote novo na despensa. Não encontro o saca-rolha, esta garrafa de aguardente tem uma cara boa, você não acha? Sim, bonita cor. Já que você vai subir traga os cigarros que deixei na cômoda. Esta aguardente é boa mesmo. Está calor, você não acha? Sim, está abafado, é melhor não abrir as janelas, vai encher de mariposas e mosquitos.
Quando Zulma ouviu o primeiro barulho, Mariano estava procurando nas pilhas de discos, tinha uma sonata de Beethoven que não escutara naquele verão. Ficou com a mão no ar, olhou para Zulma. O barulho parecia na escada de pedra do jardim, mas àquela hora ninguém vinha à cabana, nunca ninguém vinha de noite. Da cozinha acendeu a lâmpada que iluminava a parte mais próxima do jardim, não viu nada e apagou-a. Um cachorro que estava procurando comida, disse Zulma. Soava esquisito, assim como alguém bufando, disse Mariano. No janelão chicoteou uma enorme mancha branca, Zulma sufocou um grito, Mariano de costas voltou-se tarde demais, o vidro refletia só os quadros e os móveis da sala. Não teve tempo de perguntar, o bufo soou perto da parede que dava para o norte, um relincho abafado como o grito de Zulma que tinha as mãos contra a boca e se grudava à parede do fundo, olhando fixo para o janelão. É um cavalo, disse Mariano sem acreditar, parece um cavalo, ouça os cascos, está galopando no jardim. As crinas, os beiços como que sangrando, uma enorme cabeça branca roçava o janelão, o cavalo apenas olhou para eles, a mancha branca apagou-se para a direita, ouviram outra vez os cascos, um brusco silêncio do lado da escada de pedra, o relincho, a corrida. Mas não há cavalos por aqui, disse Mariano, que segurara a garrafa de aguardente pelo gargalo antes que se desse conta e tornasse a colocá-la em cima do banquinho. Quer entrar, disse Zulma grudada à parede do fundo. Mas não, que bobagem, deve ter fugido de alguma chácara do vale e veio até a luz. Estou lhe dizendo que quer entrar, está louco e quer entrar. Os cavalos não enlouquecem, que eu saiba, disse Mariano, acho que foi embora, vou olhar pela janela de cima. Não, não, fique aqui, ainda o ouço, está na escada do terraço, está pisando as plantas, vai voltar, e se quebrar o vidro, entra. Não seja tola, como é que ele vai quebrar o vidro, disse Mariano debilmente, se apagarmos as luzes talvez ele vá embora. Não sei, não sei, disse Zulma escorregando até ficar sentada no banquinho, ouça como relincha, está aí em cima. Ouviram os cascos descendo a escada, o resfolegar irritado contra a porta, Mariano pareceu sentir uma espécie de pressão na porta, um roçar repetido, e Zulma correu até ele gritando histericamente. Rejeitou-a sem violência, estendeu a mão para o interruptor; na penumbra (restava a luz da cozinha, onde dormia a menina) o relincho e os cascos se tornaram mais fortes, mas o cavalo já não estava em frente à porta, podia-se ouvi-lo indo e vindo no jardim. Mariano correu para apagar a luz da cozinha, sem olhar sequer para o canto onde tinham deitado a menina; voltou para abraçar Zulma que soluçava, acariciou-lhe o cabelo e o rosto, pedindo-lhe que se calasse para poder ouvir melhor. No janelão, a cabeça do cavalo esfregou-se contra o grande vidro, sem muita força, a mancha branca parecia transparente na escuridão; sentiram que o cavalo olhava para dentro como se procurasse alguma coisa, mas já não podia vê-los e entretanto continuava ali, relinchando e resfolegando, com sacudidelas repentinas de um lado para outro. O corpo de Zulma escorregou entre os braços de Mariano, que a ajudou a sentar-se outra vez no banquinho, apoiando-a contra a parede. Não se mexa, não diga nada, agora ele vai embora, você verá. Quer entrar, disse debilmente Zulma, sei que quer entrar e, se quebrar a janela, o que é que vai acontecer se ele quebrar a janela a coices. Psiu, disse Mariano, cale a boca por favor. Vai entrar, murmurou Zulma. E não tenho nem uma espingarda, disse Mariano, eu lhe meteria cinco balas na cabeça, filho da puta. Já não está aí, disse Zulma levantando-se de repente, ouço-o em cima, descobriu a porta do terraço, é capaz de entrar. Está bem fechada, não tenha medo, pense que não vai entrar no escuro numa casa onde nem sequer pode se mexer, não é idiota a esse ponto. Oh sim, disse Zulma, ele quer entrar, vai nos esmagar contra as paredes, sei que quer entrar. Psiu, repetiu Mariano, que também pensava isso, que não podia fazer outra coisa senão esperar com as costas empapadas de suor frio. Mais uma vez os cascos nas lajes da escada, e de repente o silêncio, os grilos distantes, um pássaro na nogueira do alto.
Sem acender a luz, agora que o janelão deixava entrar a vaga claridade da noite, Mariano encheu um copo de aguardente e o sustentou contra os lábios de Zulma, obrigando-a a beber embora os dentes chocassem contra o copo e o álcool se derramasse na blusa; depois, pelo gargalo, bebeu um longo gole e foi até a cozinha para olhar a menina. Com as mãos debaixo do travesseiro como se segurasse a preciosa revista, dormia incrivelmente e não escutara nada, apenas parecia estar ali, ao passo que na sala o choro de Zulma cortava-se, de vez em quando, com um soluço sufocado, quase um grito. Já passou, já passou, disse Mariano sentando-se junto dela e sacudindo-a suavemente, foi apenas um susto. Vai voltar, disse Zulma com os olhos presos no janelão. Não, deve estar longe, com certeza fugiu de alguma tropa lá de baixo. Nenhum cavalo faz isso, disse Zulma, nenhum cavalo quer entrar dessa maneira numa casa. Admito que é estranho, disse Mariano, é melhor darmos uma espiada lá fora, tenho uma lanterna aqui. Mas Zulma estava colada contra a parede; a idéia de abrir a porta, de sair em direção à sombra branca que podia estar perto, esperando debaixo das árvores, pronta a atacar. Olhe, se não nos certificarmos de que foi embora, ninguém vai dormir esta noite, disse Mariano. Vamos dar-lhe um pouco mais de tempo, enquanto isso você deita e eu lhe dou um calmante: dose extra, coitadinha, você merece.
Zulma acabou por concordar, passivamente; sem acender as luzes foram até a escada e Mariano apontou com a mão a menina dormindo, mas Zulma apenas olhou para ela, subiu a escada tropeçando, Mariano teve de segurá-la ao entrar no quarto porque estava a ponto de bater no vão da porta. Da janela que dava para o telhado olharam para a escada de pedra, o terraço mais alto do jardim. Foi embora, está vendo, disse Mariano ajeitando o travesseiro de Zulma, vendo-a despir-se com gestos mecânicos, o olhar fixo na janela. Fez com que ela bebesse um pouco, passou-lhe água-de-colônia no pescoço e nas mãos, levantou suavemente o lençol até os ombros de Zulma, que fechara os olhos e tremia. Enxugou-lhe as faces, esperou um momento e desceu para procurar a lanterna; levando-a apagada numa mão e com um machado na outra, encostou pouco a pouco a porta da sala e saiu para o terraço inferior, de onde podia abranger todo o lado da casa que dava para o leste; a noite era idêntica a tantas outras do verão, os grilos cricrilavam ao longe, uma rã deixava cair duas gotas alternadas de som. Sem necessidade da lanterna, Mariano viu a moita de lilases pisoteada, as enormes pegadas no canteiro de amores-perfeitos, o vaso derrubado ao pé da escada; não era uma alucinação, então, e melhor que não fosse; de manhã iria com Florencio investigar nas chácaras do vale, não o fariam de bobo tão facilmente. Antes de entrar endireitou o vaso, foi até as primeiras árvores e ouviu longamente os grilos e a rã; quando olhou para a casa, Zulma estava na janela do quarto, nua, imóvel.
A menina não se mexera, Mariano subiu sem fazer barulho e pôs-se a fumar ao lado de Zulma. Está vendo, foi embora, podemos dormir tranqüilos; amanhã veremos. Pouco a pouco a foi levando até a cama, despiu-se, estendeu-se de barriga para cima, sempre fumando. Durma, está tudo bem, foi somente um susto absurdo. Passou-lhe a mão pelo cabelo, os dedos escorregaram até o ombro, roçaram os seios. Zulma voltou-se de lado, de costas para ele, sem falar; também aquilo era tal qual tantas outras noites de verão.
Dormir ia ser difícil, mas Mariano dormiu de repente logo após apagar o cigarro; a janela continuava aberta e com certeza entrariam mosquitos, mas o sono veio antes, sem imagens, o nada total do qual saiu num dado momento despertado por um pânico indescritível, a pressão dos dedos de Zulma num ombro, o arfar. Quase antes de compreender já estava escutando a noite, o perfeito silêncio pontilhado pelos grilos. Durma, Zulma, não há nada, você deve ter sonhado. Insistia que ela concordasse, que tornasse a se estender de costas para ele, agora que de repente retirara a mão e estava sentada, rígida, olhando para a porta fechada. Levantou-se ao mesmo tempo que Zulma, incapaz de impedir que ela abrisse a porta e fosse até o começo da escada, grudado a ela e perguntando-se vagamente se não seria melhor esbofeteá-la, trazê-la à força até a cama, dominar finalmente tanta distância petrificada. Na metade da escada Zulma parou, segurando-se ao corrimão. Você sabe por que é que a menina está aí? Com uma voz que ainda devia pertencer ao pesadelo. A menina? Outros dois degraus, já quase na curva do corrimão que se abria em cima da cozinha. Zulma, por favor. E a voz quebrada, quase de falsete, está aí para deixá-lo entrar, eu digo que vai deixá-lo entrar. Zulma, não me obrigue a fazer uma bobagem. E a voz como que triunfante, subindo ainda mais de tom, olhe, mas olhe se você não acredita, a cama vazia, a revista no chão. Com um arranco Mariano adiantou-se a Zulma, saltou até o interruptor. A menina olhou para eles, seu pijama cor-de-rosa contra a porta que dava para a sala, a cara de sono. O que é que você está fazendo levantada a esta hora, disse Mariano enrolando um pano de prato na cintura. A menina olhava para Zulma nua, entre dormindo e envergonhada, como se quisesse voltar à cama, à beira do choro. Levantei para fazer pipi, disse. E você saiu para o jardim quando dissemos que subisse ao banheiro. A menina começou a fazer beicinho, as mãos comicamente perdidas nos bolsos do pijama. Não é nada, volte para a cama, disse Mariano acariciando-lhe o cabelo. Cobriu-a, pôs a revista debaixo do travesseiro; a menina voltou-se contra a parede, um dedo na boca como para se consolar. Suba, disse Mariano, você está vendo que não acontece nada, não fique aí como uma sonâmbula. Viu-a dar dois passos em direção à porta da sala, atravessou-se em seu caminho, já estava bem assim, que diabo. Mas você não percebe que ela abriu a porta para ele, disse Zulma com aquela voz que não era a dela. Deixe de bobagem, Zulma. Vá ver se não é verdade, ou deixe que eu vá. A mão de Mariano fechou-se no antebraço que tremia. Suba agora mesmo, disse empurrando-a, até levá-la ao pé da escada, olhando ao passar pela menina que não se mexera, que já devia estar dormindo. No primeiro degrau Zulma gritou e quis fugir, mas a escada era estreita e Mariano a empurrava com todo o corpo, o pano de prato desprendeu-se e caiu ao pé da escada, segurando-a pelos ombros e puxando-a para cima a levou até o descanso, atirou-a no quarto, fechando a porta atrás de si. Vai deixá-lo entrar, repetia Zulma, a porta está aberta e vai entrar. Deite, disse Mariano, que entre se quiser, agora estou cagando para que ele entre ou não entre. Segurou as mãos de Zulma que tratavam de rejeitá-lo, empurrou-a de costas contra a cama, caíram juntos, Zulma soluçando e suplicando, impossibilitada de se mexer sob o peso de um corpo que a cingia cada vez mais, que a submetia a uma vontade murmurada boca a boca, enraivecida-mente, entre lágrimas e obscenidades. Não quero, não quero, não quero nunca mais, não quero, mas já tarde demais, sua força e seu orgulho cedendo àquele peso arrasador que a devolvia ao passado impossível, aos verões sem cartas e sem cavalos. Em dado momento — começava a clarear — Mariano vestiu-se em silêncio, desceu à cozinha; a menina dormia com o dedo na boca, a porta da sala estava aberta. Zulma tinha razão, a menina abrira a porta mas o cavalo não entrara em casa. A menos que sim, pensou acendendo o primeiro cigarro e olhando para o gume azul das colinas, a menos que também nisso Zulma tivesse razão e o cavalo houvesse entrado em casa, mas como saber se não o tinham ouvido, se tudo estava em ordem, se o relógio continuaria medindo a manhã e depois que Florencio viesse apanhar a menina, talvez por volta do meio-dia chegasse o carteiro assobiando já de longe, deixando em cima da mesa do jardim as cartas que ele ou Zulma pegariam sem dizer nada, um pouco antes de decidir de comum acordo o que convinha preparar para o almoço.

Julio Cortázar - Octaedro - Tradução de Gloria Rodríguez

Wednesday, October 29, 2008

A Terceira Margem do Rio

Quando não havia mais nada que comer nos pratos, o comandante limpou os lábios com o canto da toalha, e falou num jargão procaz que acabou de uma vez por todas com o prestígio do bom falar dos capitães do rio. Pois não falou por eles nem para ninguém, mas apenas tentando pôr-se de acordo com a própria raiva. Sua conclusão, ao fim de uma réstia de impropérios bárbaros, foi que não descobria como sair da embrulhada em que se metera com a bandeira do cólera.
Florentino Ariza o escutou sem pestanejar. Depois olhou pelas janelas o círculo completo do quadrante da rosa náutica, o horizonte nítido, o céu de dezembro sem uma única nuvem, as águas navegáveis para sempre, e disse:
— Sigamos em linha reta, reta, reta, outra vez até a Dourada.
Fermina Daza estremeceu, porque reconheceu a antiga voz iluminada pela graça do Espírito Santo, e olhou o comandante: ele era o destino. Mas o comandante não a viu, porque estava anonadado pelo tremendo poder de inspiração de Florentino Ariza.
— Está dizendo isso a sério? — perguntou.
— Desde que nasci — disse Florentino Ariza — não disse uma única coisa que não fosse a sério.
O comandante olhou Fermina Daza e viu em suas pestanas os primeiros lampejos de um orvalho de inverno. Depois olhou Florentino Ariza, seu domínio invencível, seu amor impávido, e se assustou com a suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites.
— E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho? — perguntou.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinqüenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.
— Toda a vida — disse.

Gabriel García Márquez - O Amor nos Tempos do Cólera

Monday, October 27, 2008



Eppur Si Muove!

Propriedades de um sofá

Em casa de Jacinto há um sofá para morrer.
Quando a pessoa fica velha, um dia a convidam a sentar no sofá que é um sofá igual a todos mas tem uma estrelinha prateada no meio do encosto. A pessoa convidada suspira, mexe um pouco as mãos como se quisesse afastar o convite e depois senta no sofá, e morre.
Os meninos, sempre travessos, se divertem em enganar as visitas na ausência da mãe e as convidam para sentar no sofá. Como as visitas estão informadas mas sabem que não se pode falar nisso, olham para os meninos com grande confusão e se desculpam com palavras nunca usadas quando se fala com os meninos, fato que os deixa enormemente contentes. Afinal as visitas aproveitam qualquer pretexto para não se sentarem, porém mais tarde a mãe percebe o que aconteceu e na hora de deitar há surras tremendas. Nem por isso eles se emendam, de quando em quando conseguem enganar alguma visita inocente e as fazem sentar no sofá. Nesses casos os pais disfarçam, pois temem que os vizinhos possam tomar conhecimento das propriedades do sofá e o peçam emprestado para fazer sentar uma ou outra pessoa da família ou amiga. Entretanto, os meninos vão crescendo e chega o dia em que, sem saber por quê, deixam de se interessar pelo sofá e pelas visitas. Ao contrário, evitam entrar na sala, dão uma volta pelo pátio, e os pais que já estão muito velhos fecham a chave a porta da sala e olham para seus filhos com atenção como querendo ler-seu-pensamento. Os filhos desviam os olhos e dizem que já é hora de jantar ou de deitar-se. De manhã, o pai levanta primeiro e vai sempre olhar se a porta da sala continua fechada a chave, ou se algum dos filhos abriu-a para que da sala de jantar se veja o sofá, porque a estrelinha de prata brilha até na escuridão e se vê perfeitamente de qualquer parte da sala de jantar.

Julio Cortázar - Histórias de Cronópios e de Famas - Tradução de Gloria Rodríguez

Sunday, October 26, 2008

Posibilidades de la Abstracción

Trabajo desde hace años en la UNESCO y otros organismos internacionales, pese a lo cual conservo algún sentido del humor y especialmente una notable capacidad de abstracción, es decir, que si no me gusta un tipo lo borro del mapa con sólo decidirlo, y mientras él habla y habla yo me paso a Melville y el pobre cree que lo estoy escuchando. De la misma manera, si me gusta una chica puedo abstraerle la ropa apenas entra en mi campo visual, y mientras me habla de lo fría que está la mañana yo me paso largos minutos admirándole el ombliguito. A veces es casi malsana esta facilidad que tengo.
El lunes pasado fueron las orejas. A la hora de entrada era extraordinario el número de orejas que se desplazaban en la galería de entrada. En mi oficina encontré seis orejas; en la cantina, a mediodía, había más de quinientas, simétricamente ordenadas en dobles filas. Era divertido ver de cuando en cuando dos orejas que remontaban, salían de la fila y se alejaban. Parecían alas.
El martes elegí algo que creía menos frecuente: los relojes de pulsera. Me engañé, porque a la hora del almuerzo pude ver cerca de doscientos que sobrevolaban las mesas con un movimiento hacia atrás y adelante, que recordaba particularmente la acción de seccionar un biftec. El miércoles preferí (con cierto embarazo) algo más fundamental, y elegí los botones. ¡Oh espectáculo! El aire de la galería lleno de cardúmenes de ojos opacos que se desplazaban horizontalmente, mientras a los lados de cada pequeño batallón horizontal se balanceaban pendularmente dos, tres o cuatro botones. En el ascensor la saturación era indescriptible: centenares de botones inmóviles, o moviéndose apenas, en un asombroso cubo cristalográfico. Recuerdo especialmente una ventana (era por la tarde) contra el cielo azul. Ocho botones rojos dibujaban una delicada vertical, y aquí y allá se movían suavemente unos pequeños discos nacarados y secretos. Esa mujer debía ser tan hermosa.
El miércoles era de ceniza, día en que los procesos digestivos me parecieron ilustración adecuada a la circunstancia, por lo cual a las nueve y media fui mohíno espectador de la llegada de centenares de bolsas llenas de una papilla grisácea, resultante de la mezcla de corn-flakes, café con leche y medialunas. En la cantina vi cómo una naranja se dividía en prolijos gajos, que en un momento dado perdían su forma y bajaban uno tras otro hasta formar a cierta altura un depósito blanquecino. En ese estado la naranja recorrió el pasillo, bajó cuatro pisos y, luego de entrar en una oficina, fue a inmovilizarse en un punto situado entre los dos brazos de un sillón. Algo más lejos se veían en análogo reposo un cuarto de litro de té cargado. Como curioso paréntesis (mi facultad de abstracción suele ejercerse arbitrariamente) podía ver además una bocanada de humo que se entubaba verticalmente, se dividía en dos translúcidas vejigas, subía otra vez por el tubo y luego de una graciosa voluta se dispersaba en barrocos resultados. Más tarde (yo estaba en otra oficina) encontré un pretexto para volver a visitar la naranja, el té y el humo. Pero el humo había desaparecido, y en vez de la naranja y el té había dos desagradables tubos retorcidos. Hasta la abstracción tiene su lado penoso; saludé a los tubos y me volví a mi despacho. Mi secretaria lloraba, leyendo el decreto por el cual me dejaban cesante. Para consolarme decidí abstraer sus lágrimas, y por un rato me deleité con esas diminutas fuentes cristalinas que nacían en el aire y se aplastaban en los biblioratos, el secante y el boletín oficial. La vida está llena de hermosuras así.

Julio Cortázar - Historias de Cronopios y de Famas

Tartarugas e Cronópios

Agora acontece que as tartarugas são grandes admiradoras da velocidade, como é natural.

As esperanças sabem disso e não ligam.

Os famas sabem e caçoam.

Os cronópios sabem e cada vez que encontram uma tartaruga, puxam a caixa de giz colorido e na lousa redonda da tartaruga desenham uma andorinha.

Julio Cortázar - Histórias de Cronópios e de Famas - Tradução de Gloria Rodríguez

Saturday, October 25, 2008

Friday, October 24, 2008

Podia ter ido dormir sem essa. Quem mandou ficar acordado até tarde?

Nós nem sempre gostamos das pessoas que amamos:
nem sempre temos essa escolha.

Thursday, October 23, 2008


População de robôs deve triplicar até 2011

Na mais recente edição da publicação World Robotics, que reúne as tendências para a robótica no mundo, especialistas da Federação Internacional de Robótica (IFR) afirmaram acreditar que em três anos a população de robôs triplicará.

O site The Guardian informou que em 2007 a população mundial destas máquinas foi de 6,5 milhões, sendo destes, 1 milhão de robôs industriais e 5,5 milhões de robôs de serviço, categoria que engloba dispositivos militares e brinquedos.

A população atual de robôs é maior que a de humanos em alguns países como a Papua Nova Guiné, com menos de 6 milhões de habitantes, ilustrou o blog Automaton.

Até 2011, o número de robôs deve crescer para 18,2 milhões, um crescimento pequeno no campo industrial (que subirá apenas 200 mil), mas enorme no campo de serviços, com 17 milhões de máquinas no total.

O World Robotics oferece estatísticas interessantes, informando que em 2007, 114.365 robôs industriais foram instalados mundialmente, número 3% maior que no ano anterior, e que para 2008 a tendência de crescimento é de 4%.

Os novos robôs valem US$ 6 bilhões, somados ao custo de software, periféricos e engenharia de sistemas. O custo total da robótica mundial sobe para US$ 18 bilhões. Na Europa a adoção de robôs industriais cresceu em 15%, com 34.900 unidades, todavia nas Américas as vendas deste tipo de máquinas foram somente 9% maiores que em 2006, com 19.600 mil unidades. Na Ásia a adoção de robôs em 2007 foi de 59.300 máquinas, número maior que em qualquer parte do mundo.

Em 2007, 12 mil robôs de serviço profissional foram vendidos mundialmente. Destes, 25% foram para o campo de defesa, resgate e segurança e 20% foram aplicados no campo - por exemplo, para ordenha automática. Outros robôs foram vendidos para limpeza (12%) e sistemas subaquáticos (12%).

No campo de serviço pessoal, as vendas de robô em 2007 atingiram 5,4 milhões de unidades, sendo destes 2 milhões dedicados ao campo do entretenimento. Das 3,4 milhões de máquinas restantes, compradas para fins domésticos, a maior parte foi de aspiradores de pó inteligentes (3,3 milhões de unidades) e cortadores de grama (110 mil), neste caso um total de US$ 1,3 bilhão.

O World Robotics pode ser obtido em diversos formatos pelo site worldrobotics.org por valores entre 400 euros e 1.000 euros.



No planeta da piada pronta?
(ou será melhor ter medo?)

http://www.geek.com.br/modules/noticias/ver.php?id=39925&sec=3

Wednesday, October 22, 2008

Monday, October 20, 2008

As que leio hoje

Natureza Humana - D. W. Winnicott

O Verão de 80 - Marguerite Duras

Noites Tropicais - Nelson Motta

Os Duelistas - Joseph Conrad

Wednesday, October 15, 2008

Tuesday, October 14, 2008

João Cabral em 1953:

Acho o verso livre uma aquisição fabulosa e que é bobagem qualquer tentativa de volta às formas preestabelecidas. Abrir mão das aquisições da poesia moderna seria para mim como banir a poesia do mundo moderno. Pois a verdade é que a realidade presente é rica demais para caber nessas formas hoje requintadas e artificiais das épocas de estabilidade cultural.
Isso não se aplica, é claro, às formas da poesia popular que usam a métrica e a rima com absoluta liberdade, sem transformá-las em condição essencial e ponto de partida da criação poética.

(Entrevista a Vinícius de Moraes, Manchete, Rio de Janeiro, 27 de junho de 1953)

João Cabral em 1988:

(...) Uma das coisas fatais da poesia foi o verso livre. No tempo em que você tinha que metrificar e rimar, você tinha que trabalhar seu texto. Desde o momento em que existe o verso livre, todo o mundo acha de descrever a dor de corno dele corno se fosse um poema. No tempo da poesia metrificada e rimada, você tinha que trabalhar e tirava o inútil.

(Entrevista a Mário César Carvalho, Folha de SP, Folha Ilustrada, São Paulo, 24 de maio de 1988)

do Blog do Antonio Cicero

Monday, October 13, 2008


http://diversao.uol.com.br/album/marilyn_daslu_2008_album.jhtm?abrefoto=2

Sunday, October 12, 2008




Quantcast


Po Amar.mp3


Pilhas:

Laços - R. D. Laing - 5ª edição 1986

Na Praia - Ian McEwan - 1ª reimpressão 2007

Música Impopular - Júlio Medaglia - 2ª edição 2003

A Balada do Velho Marinheiro - S. T. Coleridge - 2005



Saturday, October 11, 2008



A tanga e a sunga

Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - Em 1979, já presidente da República, o general João Figueiredo deixou-se fotografar de sunga e busto nu na Granja do Torto, exibindo um vigor físico invejável para um homem de 61 anos. E mais ainda por estar de tênis e meias, o que parecia realçar seus tendões, músculos e veias.
A foto era assustadora, não apenas por mostrar um presidente em trajes tão exíguos, mas por Figueiredo ser como era, brabo e meio grosso. Montava a cavalo pela manhã, varava de moto, sozinho, as ruas de Brasília durante a madrugada, e ameaçava prender e arrebentar quem se opusesse à abertura política que ele prometera.
Apesar disso, nunca ouvi nenhuma mulher suspirar ao vê-lo de sunga na tal foto. Ao contrário, havia algo de cafona e démodé naquela macheza explícita, pelo que diziam. Menos de um ano depois, em 1980, outra personalidade política brasileira - o ex-jornalista Fernando Gabeira, 39 anos, recém-chegado de quase dez anos de exílio - também se deixava fotografar, na praia de Ipanema, num traje sumário. Na verdade, mais sumário ainda: a tanga de sua prima Leda Nagle.
Em matéria de apuro físico, Gabeira não era páreo para o sarado Figueiredo. Magro por natureza, o exílio só enfatizara sua compleição frágil, quase esquelética, que aquele ridículo cache-sex expunha ao sol. Com tudo isso, as mulheres caíram em cima - Gabeira era um sucesso com elas, como sempre fora.
Na segunda-feira última, dia seguinte ao primeiro turno da eleição para a Prefeitura do Rio, Gabeira deixou-se fotografar de novo em trajes de banho, agora de sunga. Jornais e TVs despejaram ironias. Os adversários riram de orelha a orelha e analistas viram naquilo um golpe mortal em suas aspirações para o segundo turno. Dois dias depois, em nova pesquisa, Gabeira ultrapassou o favorito Eduardo Paes.

Trocadilho infame, porém irresistível:

A tanga e a tunga?

Friday, October 10, 2008


Since then, at an uncertain hour,
That agony returns:
And till my ghastly tale is told,
This heart within me burns.

http://www.fantastichorror.com/02/coleridge-therimeoftheancientmariner123.html

Wednesday, October 08, 2008

A crise das ONGs e das políticas sociais

PAUL SINGER

Há mais de um ano as relações entre o Estado brasileiro e as organizações não-governamentais estão em estado quase catatônico, devido a um enrijecimento crescente dos controles de convênios que regem as parcerias entre ambos.
As causas desse enrijecimento são múltiplas. O número de ONGs vem crescendo cada vez mais depressa, conforme os censos do IBGE das Fasfil (fundações e associações sem fins lucrativos): em 1996, havia 107.332 no Brasil; em 2002, elas passaram a ser 275.895; em 2005 (último censo), eram 338.162. Se o ritmo de crescimento do último triênio meramente se manteve, o número de ONGs deve neste ano andar por volta de 416 mil.
A análise dos resultados do censo de 2005 pelo IBGE aponta algumas razões desse crescimento acelerado: "A idade média das Fasfil, em 2005, era 12,3 anos, e a maior parte delas (41,5%) foi criada na década de 1990.
Entre os vários fatores que contribuíram, naquele momento, para o crescimento acelerado dessas entidades, destaca-se o fortalecimento da democracia e da participação da sociedade civil na vida nacional".
Mais adiante, o texto do IBGE diz que a maioria das entidades a partir dos anos 1990 é voltada para a promoção do desenvolvimento e da defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.
À medida que o Brasil se redemocratizou e passou a eleger governos cada vez mais comprometidos com políticas sociais de redistribuição da renda e de luta contra a exclusão social e a pobreza, era inevitável que essas políticas exigissem o engajamento de um número crescente de ONGs dedicadas à educação popular, à prevenção das causas da mortalidade infantil e subnutrição, à organização dos trabalhadores excluídos em associações autogestionárias e muitos outros objetivos análogos.
Com a expansão do número dessas entidades, vieram ONGs falsas, criadas para se apoderarem em proveito próprio de parte das verbas destinadas àquelas políticas.
As fraudes perpretadas pelas falsas ONGs são da mesma índole das praticadas pelos que desviam o recurso público destinado à compra de bens e à contratação de serviços a fim de assim se locupletarem.
As denúncias de fraudes cometidas por meio de ONGs repercutem do mesmo modo que os demais escândalos de corrupção, colocando-as num contexto que leva à suspeita todas as políticas sociais do governo federal.
Como reação natural, os órgãos de controle internos e externos ao governo passam a exigir novos controles, mais rígidos, além de substituir as parcerias entre o governo e as ONGs por chamadas públicas, o que destrói a confiança mútua construída em anos de colaboração entre os dois lados que conveniam e, em seu lugar, instaura a competição entre ONGs que atuam nos mesmos setores.
Estão sujeitos às novas regras institutos de pesquisa científica, entidades de assistência social, hospitais e universidades que não visam lucro, sindicatos, cooperativas, associações esportivas, entidades do Sistema S de ensino profissional, organizações indígenas, de quilombolas etc.
É óbvio que fraudes têm de ser prevenidas e severamente reprimidas, mediante controles cuidadosos e eficazes da natureza da entidade a ser conveniada, do valor a ser expendido, da efetiva execução das ações programadas e dos resultados alcançados.
Mas é fundamental evitar que os controles se somem e se multipliquem, o que não aumenta sua eficiência, só absorve recursos que deveriam ser aplicados na realização dos objetivos dos convênios.
Infelizmente, chegou-se ao extremo de assimilar os procedimentos dos convênios com ONGs aos da contratação de empresas de porte com fins de lucro. O que praticamente impede a realização de convênios com ONGs pobres, emanadas de comunidades carentes, as quais prestam serviços relevantes. E tende a entregar ao mercado a prestação de toda a gama de serviços acima referidos.
Não há motivos para duvidar das boas intenções dos que promovem a exacerbação dos controles, mas seus efeitos tendem a ser desastrosos para o povo pobre, que depende de serviços gratuitos de saúde, educação, assistência social etc.
É necessário que o desenho dos controles tenha a participação não só de representantes dos órgãos de controle e prevenção de fraudes mas também dos órgãos do governo que realizam convênios para cumprir as missões que a lei lhes atribui e sobretudo dos representantes das próprias ONGs autênticas, que são as maiores interessadas em coibir as práticas desonestas, que só as prejudicam, como as ocorrências do último ano fartamente comprovam.

PAUL SINGER , 76, economista, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).

Tuesday, October 07, 2008


A Condição Humana

Monday, October 06, 2008

Sunday, October 05, 2008

Mês das Crianças

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Saturday, October 04, 2008

New York Times critica e elogia Blindness

Crítica publicada ontem pelo jornal The New York Times diz que Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, "não é um grande filme principalmente porque não consegue transcender a fragilidade intelectual de sua fonte", referindo-se ao romance homônimo de José Saramago. A crítica diz que o longa é, no entanto, "cheio de exemplos" de como fazer um bom filme.

Wednesday, October 01, 2008