Saturday, March 28, 2009


Anabazys e os últimos anos de Glauber Rocha

O longa-metragem Anabazys surgiu em meio ao trabalho de restauro dos filmes de Glauber Rocha que vem sendo feito desde 2003 por Joel Pizzini e Paloma Rocha, filha do cineasta. As sobras e imagens inéditas dos demais filmes de Glauber vinham sendo editadas para os extras dos DVDs das obras restauradas.

Mas a quantidade e a riqueza de imagens e sons deixados por A Idade da Terra - assim como o interesse despertado por eles em festivais internacionais - levaram Paloma e Pizzini a transformar o material num documentário com existência independente e condições de exibição nos cinemas.

Lançado agora, poucos dias depois da data (14 de março) em que Glauber completaria 70 anos, e 27 anos depois de sua morte, Anabazys aborda questões cruciais sobre o último período da vida do cineasta. Elas podem ser agrupadas em dois aspectos ligados entre si: as polêmicas posições políticas assumidas por ele na década de 1970 e o impacto estético desorientador provocado por A Idade da Terra.

"É um filme que não se pode classificar segundo as regras tradicionais, uma obra feita claramente com a ideia de que não se completa", diz o professor e crítico de cinema Ismail Xavier. "Glauber expressa todas as angústias que enfrentou na vida dele em face da história."

Elogios ao militares

Ismail, que coordena a reedição da obra escrita de Glauber pela editora Cosac & Naify, diz fazer esse trabalho com "um recorte bem claro de encorajar as pessoas a assistir ao trabalho" do cineasta, sem que suas declarações políticas venham a "servir de filtro" para chegar a ele. No calor da hora, isso não foi possível.

O grande abalo político causado por Glauber, então exilado, foi uma carta escrita ao jornalista Zuenir Ventura e publicada em março de 1974 na revista Visão. Nela, o cineasta defendia o apoio a uma suposta ala moderada ou progressista do Exército que conduziria a transição para um regime civil. Glauber elogiava o presidente Ernesto Geisel e o general Golbery do Couto e Silva, estrategista do governo militar a quem chamou de "gênio da raça".

Anabazys examina demoradamente o episódio e seus possíveis significados. "A leitura da realidade feita por Glauber era a de um artista" diz Joel Pizzini. "Sua intuição sobre política não pode ser analisada do ponto de vista teórico." Nem por isso, observa Ismail, o cineasta deixou de pagar um preço alto por suas declarações após a exibição de A Idade da Terra no festival de Veneza de 1980. O filme foi execrado nem tanto por sua estranheza formal, mas porque teria sido financiado pelo regime militar e estaria a serviço de forças de direita. Glauber protestou veementemente no palácio do festival, com sua gestualidade e franqueza verbal características, e tudo isso teve ampla repercussão.

Viés afetivo

"Foi uma experiência muito traumática para ele ter feito um filme visionário numa época de crise, quando o cinema industrial americano cooptava autores como John Cassavetes e Louis Malle", diz Pizzini, citando dois dos cineastas em competição no festival de Veneza daquele ano. A tensão vivida por Glauber na época foi um dos motores da criação de Anabazys, na medida em que faz parte das memórias de Paloma Rocha, que trabalhou como continuísta e atriz no filme do pai. O "viés afetivo", nas palavras dos realizadores, e a preciosidade do material que tinham em mãos os levou a dar um tratamento glauberiano ao que de início tendia a se circunscrever ao registro histórico.

Isso significou, segundo Pizzini, "desblocar" a edição que havia sido feita originalmente para o DVD, com seu formato adequado ao menu interativo, e criar um novo filme, em que A Idade da Terra se relaciona com trechos de outros títulos de Glauber, além de dar ao cineasta baiano a voz do narrador. Sobretudo, buscou-se "um fluxo mais livre, mais circular, às vezes delirante", em consonância com o estilo glauberiano. Foram suprimidos os créditos de identificação - A Idade da Terra é célebre por não conter nenhum letreiro e quase nenhuma palavra escrita - e tentou-se incorporar alguns conceitos estético-narrativos de Glauber, como a montagem nuclear, pela qual as sequências do filme podem ser vistas em ordem independente (o diretor queria, no caso de A Idade da Terra, que essa decisão ficasse a cargo do projecionista a cada exibição).

Anabazys resultou numa colagem com a grande abrangência que Ismail aponta como característica dos filmes de Glauber. Misturam-se cenas de vários filmes com entrevistas em vídeo e áudio, trechos das aparições do cineasta no programa de TV Abertura e bastidores de filmagens. Debatem-se questões políticas, estéticas e religiosas, e fala-se muito do cinema no Brasil, pelo qual Glauber trabalhou não só como autor, mas também como historiador e articulador. Sobre o estado geral da arte e da indústria, ele diz em Anabazys uma frase lapidar: "Uma coisa é conquistar o público; outra é explorar o público."

O protesto de Glauber em Veneza

O filme Anabazys, de Joel Pizzini e Paloma Rocha, é um extenso e rigoroso estudo sobre A Idade da Terra, último filme de Glauber Rocha (1939-1981), de quem Paloma é filha.

Joel e Paloma fizeram o seu recorte a respeito dessa parte da obra de um cineasta cujos filmes são inesgotáveis. E não só eles. Os fatos e as anedotas em torno de Glauber também parecem não ter fim. Um bom exemplo está no documentário Crítico, do crítico e cineasta Kleber Mendonça Filho, que comanda o blog Cinemascópio.

Para investigar a relação entre críticos e cineastas - e os efeitos dela nos filmes, Kleber entrevistou muita gente que atua de um lado e de outro. Quando foi ouvir o crítico francês Michel Ciment, nome destacado da revista Positif e veterano colaborador do Festival de Cannes, Ciment desenterrou de seu baú de memórias uma história sobre Glauber durante o Festival de Veneza em que A Idade da Terra (1980) foi exibido.

O crítico contou que ele e Glauber eram amigos cordiais, até o momento em que Ciment não gostou do filme de Glauber, e o cineasta passou a considerá-lo um opositor. Parênteses: Ismail Xavier ensina que a forma do duelo é fundamental na obra de Glauber, desde seu primeiro trabalho, Pátio (1959).

Voltando a Ciment, ele conta que estava no festival quando alguém se aproximou contando que um camponês muito moreno e maltrapilho estava fazendo um escândalo no lobby de um luxuoso hotel do Lido, que abrigava os convidados do festival. Como os brados do "camponês" eram numa língua incompreensível ao interlocutor de Ciment, ele julgou tratar-se de um protesto com reivindicações de fundo político ou social.

Era Glauber, que dava início à sua raivosa reação ao fato de A Idade da Terra não ter sido premiado em Veneza. Do discurso, Glauber partiu para uma passeata pela cidade, produzindo (também fora da tela) uma cena inesquecível aos espectadores que a testemunharam.

Sunday, March 22, 2009

Com a matéria da fantasia

Há três ficções diferentes em "Coraline e o Mundo Secreto": a primeira simula realidade; a segunda forma imaginação; a terceira inventa pesadelos

Não a chamem de Caroline. É Coraline. Ela não gosta que errem seu nome. Papai e mamãe trabalham muito. Escrevem sobre jardinagem, não têm tempo para ela. A casa é grande, velha, espessa de mistérios. Acabaram de se mudar. Os vizinhos são esquisitos.

Há três ficções diferentes em "Coraline e o Mundo Secreto", desenho animado de longa metragem, dirigido por Henry Selick. A primeira simula realidade. A segunda forma imaginações. A terceira, dilatada e assustadora, inventa pesadelos. Elas se juntam para tecer uma só presença, impalpável como a seda dos sonhos.

Só vá ver em terceira dimensão, com os óculos grandões distribuídos na entrada. Os efeitos não são supérfluos. "Coraline" depende da profundidade ilusória e das formas invadindo a sala. Criam, diante dos nossos olhos, a vertigem de um espaço que se alarga, se contrai, se desfaz, se reconstitui.

No final o céu que Van Gogh pintou em sua "Noite Estrelada", aquela de Saint-Rémy, na qual os astros giram em turbilhões, inspirou o diretor para uma apoteose. Mas o filme não oferece belezas fáceis. Suas formas ignoram a elegância corriqueira para exibir clara firmeza, posta ao serviço de uma invenção desbridada.

Coraline é uma bisneta da Alice no país das maravilhas, ou no dos espelhos. É, ainda, irmã dos filmes de terror. Clássica fraternidade: os grandes contos infantis são sempre aterradores. Eles ensinam o medo, sob forma fictícia e artística, para as crianças.

Fantasmas

Mario Bava, mestre do horror italiano, disse que se inspirou na "Branca de Neve" de Disney para criar uma das sequências de grande suspense em "A Maldição do Demônio" (1960).

O fascismo coibira os filmes de terror (e também os livros policiais... Ah! Essa gente que quer consertar o mundo proibindo coisas!), e sua imaginação de jovem cinéfilo foi alimentar-se onde pôde. Branca de Neve perdida numa floresta noturna, na qual cada ramo exala ameaça e agarra-se em suas roupas, é um modelo de angústia visual.

"Coraline" aumenta pouco a pouco as incertezas, as inseguranças, e acende pavores infantis: a ameaça latente de abandono, a fragilidade pela dependência e pela ignorância de tantos mistérios adultos. Desperta comichões de análise psicanalítica: no mundo duplo dos sonhos que a menina enfrenta, todos têm botões cosidos no rosto ao invés de olhos.

A mãe é o supremo vampiro, aranha metálica com patas de agulha. O pai, fraco e dominado, derrete como cera amolecida. Mas é um filme que basta a si próprio, driblando qualquer esquema interpretativo.

Round

Grande safra. Bons e excelentes, os novos filmes se sucedem. Um está bem no alto: "O Lutador", de Darren Aronofsky. Mickey Rourke se confunde com o personagem. O rosto verdadeiro, amassado, inchado, é autêntica máscara de carne.

A violência feroz do vale-tudo não passa de espetáculo. As lutas são fajutas, arranjadas nos vestiários. Puro teatro, como é teatro o erotismo nas danças da prostituta, caracterizada pela formidável Marisa Tomei.

Contudo, mais o filme avança, mais a fronteira entre espetáculo e vivido se desfaz.

Ringue

A brutalidade de "O Lutador" é superficial. Conta, de fato, a delicadeza dos afetos. Surge desde o início, na cena cavalheiresca em que os dois lutadores conversam, corteses e respeitosos, sobre os golpes do próximo combate.

Incerto percurso, o do lutador. Aos poucos, porém, uma iniciação progride e, enfim, o caminho se delineia.

Jorge Coli - +Mais!

Saturday, March 21, 2009

Uma extensão da privada - II

Sob a supervisão do naturalista capixaba Alfredo Ruschi, de quem Chateaubriand ficara amigo ainda nos anos 50, o jardim da Casa Amarela foi cercado por uma gigantesca gaiola, que tomava toda a fachada do imóvel, do chão ao telhado, feita de fina tela de arame, onde passaram a ser criadas centenas de beija-flores. "Esse viveiro é o passaporte da delicadeza", dizia Chateaubriand, "que ameniza a passagem dos paulistas civilizados que chegam da rua para visitar um rude jagunço nordestino." E, com a conspiração para o golpe militar que se avizinhava, era cada dia maior o número de paulistas e brasileiros em geral - mais ou menos civilizados - que cruzavam os jardins do casarão da rua Polônia. Aos poucos, a Casa Amarela se transformava num ponto obrigatório de encontro de civis e militares ostensivamente empenhados na derrubada do presidente João Goulart. A qualquer pretexto, o jornalista oferecia almoços e jantares - para os quais eram invariavelmente convidadas altas patentes militares envolvidas no golpe - nos quais o assunto principal era sempre a estaca que se cravava cada vez mais fundo no coração do regime e que, entre 31 de março e 1º de abril de 1964, iria exorcizar a todos do lobisomem que aterrorizava aqueles convivas: o fantasma dos comuno-pelego-petebistas, como a grande imprensa costumava tratar os apoiadores de Goulart. Também infalível era a sobremesa desses ágapes: discursos escritos por Chateaubriand vergastando João Goulart e a camarilha vermelha que o cerca, cada dia lidos por um personagem diferente. Ser escolhido para ler nessas cerimônias um discurso de Chateaubriand era uma honraria que às vezes cabia a seu principal executivo, João Calmon (agora eleito deputado federal), às vezes à enfermeira Emília Araúna, a um dos próprios convidados ou, ainda, a um nome escolhido dentre os mais destacados speakers ou atores do cast Associado: um dia era Paulo Cabral de Araújo, ex-locutor da Rádio Clube do Ceará e agora diretor de O Jornal, outro dia era o teleator Lima Duarte - um dos preferidos de Chateaubriand.

Desde que começara a conspirar contra Jango, nos primeiros meses de 1963, até a eclosão do golpe, em abril de 1964, foram raros os artigos escritos por Chateaubriand que não tratassem de política nacional. Quando não estava açoitando a reforma agrária, a UNE, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) ou o poder dos sindicatos, o jornalista costumava dedicar-se a cândidas reminiscências da infância, da adolescência ou do período em que vivera na Europa, na virada dos anos 10. Às vezes exagerava, ao afirmar que aos dezoito anos já usava guarda-costas ("Por uma questão de hábito, sempre andei com capangas. Uso escolta desde 1910"), outras dedicava-se a contar sua convivência de meio século ("um verdadeiro caso de amor ") com um octogenário que ele chamava de mobiliário sentimental da Casa Amarela: seu eterno mordomo Henri Gallon. Da família, quase nunca falava. E quando o fazia era para revelar, sem qualquer cerimônia, a cruel relação que mesmo depois de doente continuava a manter com os filhos - chegando, inclusive, a renegar publicamente a indiscutível paternidade de Gilberto (que, ironia do destino, cada dia se parecia mais fisicamente com o pai): "João Calmon só me desobedeceu duas vezes - a primeira e a segunda foram quando mandei demitir meu único filho varão da direção do Diário de Pernambuco, que ele ali colocara. A terceira ordem de demissão do diretor rebelde ele não ousaria deixar de executá-la: estava em jogo a disciplina. [...] Para mostrar a secura da minha alma, basta dizer que torci o pescoço da minha filha e do filho varão que possuo. O outro, adotei-o; não tem uma gota do meu sangue".

Não era a família, entretanto, o que o preocupava. O Chateaubriand dos primeiros meses de 1964 estava empenhado em uma verdadeira cruzada para "salvar a ordem capitalista ameaçada pela corja vermelha que ocupa o Palácio do Planalto". Com seu único dedo funcional, passava o dia na IBM disparando petardos para todos os lados. Nem os amigos a quem ele devia tantos favores como Juscelino Kubitschek, agora senador pelo estado de Goiás, escapavam. Quando a convenção nacional do PSD o escolheu candidato à sucessão de Goulart, nas eleições marcadas para o ano seguinte, o jornalista fuzilou-o como "um agente de Marx e Lenin, urrando como um boi vadio para o curral reformista". Para Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil de Goulart, Chateaubriand também reservava adjetivos pesados: "Não é um fanático; menos um neurótico; jamais um histérico: ele é simplesmente um velhaco que resolveu ganhar a vida fazendo canais de exploração através deste fraco presidente para operar as esquerdas e trazer as massas aos seus planos infernais". Preocupado com a atuação de Arraes, "o Mefistófeles do Nordeste", perguntava indignado: "E onde anda o IV Exército, que nada faz?". Quando o governo decretou o regime de cinco horas de trabalho diário para os jornalistas, Chateaubriand esperneou contra "a determinação obscena", afirmando que "o verdadeiro homem de imprensa, que palpita dentro de seu ofício, como os repórteres Tico-Tico, Carlos Spera e Nelson Gatto, não pode se sujeitar ao relógio, porque a notícia não acontece com hora marcada". Aproveitou para protestar contra a inflação, revelando que a folha de pagamento dos Associados de São Paulo saltara de 80 milhões de cruzeiros em dezembro de 1963 para 200 milhões em janeiro de 1964 (de 138 mil para 346 mil dólares de então).

No dia de 13 de março, quando o presidente João Goulart realizava o célebre "comício das reformas" no Rio de Janeiro, Chateaubriand oferecia na Casa Amarela um grande almoço ao banqueiro Amador Aguiar, dono do Bradesco - na verdade, apenas mais um pretexto para juntar os conspiradores. Como aperitivo, o jornalista pediu a Lima Duarte, "o único locutor da Tupi com voz de barítono verdiano ", que lesse seu discurso do dia - uma verdadeira conclamação ao levante popular -, que, como todos os anteriores, seria publicado no dia seguinte como artigo nos jornais Associados: [...] "Só temos uma mensagem para mandar aos inimigos da paz pública. Será irmos para as ruas, como já fizeram os homens e as mulheres de Minas Gerais, chuçar as hordas marxistas que o governo arregimenta e comanda, de acordo com os planos do comuno-nacionalismo. A montagem levantada contra a livre empresa e que pede cobertura para a marcha contra a Constituição tenta levar o Exército e as massas a ocuparem São Paulo e o Brasil, em nome de doutrinas e métodos que são o oposto de tudo o que se edificou nesta terra. Somos nós que vamos assumir a ofensiva. Nós é que vamos defender a nação espoliada por carreiristas e aventureiros, candidatos a uma ditadura das esquerdas".

Dias depois do comício, o governador Magalhães Pinto apareceu na Casa Amarela levando nas mãos a cópia de um manifesto à nação que pretendia que fosse assinado por todos os governadores contra o governo - articulação que, naturalmente, não chegou a progredir. Em uma reunião solene - da qual participava, entre outros, a pudica Lily Whitaker Gondim, presidente de O Cruzeiro -, Magalhães contou que fizera contatos com os governadores Nei Braga, do Paraná, Petrônio Portela, do Piauí, Seixas Dória, de Sergipe, e até com Miguel Arraes, de Pernambuco. Antes de avançar em seu plano, o governador mineiro queria ouvir a opinião de Chateaubriand sobre os termos do documento. Alguém leu o manifesto e Magalhães quis saber o que Chateaubriand achava dele. Com a voz quase inaudível de sempre, o jornalista desculpou-se, dizendo que estava meio afônico, com pouco fôlego, e pediu a um enfermeiro que fizesse pressão sobre seu esôfago para que a voz saísse melhor. Com um sorriso maroto nos lábios, em vez de qualquer palavra ele soltou um sonoro peido, e, diante do olhar atônito de todos, declarou, risonho: - "Essa é a única resposta que posso dar a um manifesto que tem a assinatura de Seixas Dória e de Miguel Arraes".

Fernando Morais - Chatô, o Rei do Brasil

Friday, March 20, 2009

Fazendo da vida pública uma extensão da privada

Por fim chegou o 2 de junho, dia da coroação e do maior problema que Chateaubriand iria enfrentar naquela agitada temporada: acometido de uma infecção na próstata, ele era obrigado a urinar a cada meia hora (Paulo Albuquerque, seu médico do Rio, chegara a aconselhá-lo a desistir da aventura londrina, pois se sabia que a cerimônia da coroação duraria cinco horas sem interrupções). Mas o jornalista já havia planejado em segredo a solução: vestiu um grosso sobretudo sobre a casaca, e com uma gilete abriu dois taIhos nos forros dos bolsos do casaco de lã. Pediu ao bar do hotel duas garrafas vazias de Coca-Cola e enfiou cada uma num bolso do capote. Às oito da manhã, conforme mandava o protocolo, dirigiu-se à Abadia de Westminster.

Com todos os chefes e subchefes de delegações devidamente instalados em seus lugares, finalmente Elizabeth II apareceu na porta principal da nave. Sob os olhares de presidentes, primeiros-ministros, príncipes, reis e rainhas que se puseram de pé, ela atravessou em passos lentos, quase imperceptíveis, a extensão que separava a porta principal do trono instalado no fundo da abadia. A cinco metros de distância daquela que, minutos depois, seria a soberana de oito nações, 65 protetorados e de uma população de 600 milhões de brancos, negros e amarelos que compunham um quinto dos habitantes do planeta, Chateaubriand enfiou as mãos nos bolsos do sobretudo, desabotoou a braguilha, tirou o pênis para fora e urinou aliviado, tomando o cuidado de não errar a pontaria ao mirar no minúsculo gargalo da garrafa vazia de Coca-Cola.

Quando Elizabeth II se colocou de costas para o espaldar do trono e postou-se de frente para o homem que iria coroá-la - Geoffrey Francis Fischer, primaz da Inglaterra e arcebispo de Canterbury -, Chateaubriand já havia enchido quase meia garrafa. Só às onze e meia da manhã (nessa hora toda a primeira garrafa tinha sido completamente abastecida) é que o arcebispo iniciou o ritual: segurou no ar, sobre a cabeça da futura rainha, a coroa de santo Eduardo, e virou-se sucessivamente para o norte, o sul, o leste e o oeste, como se estivesse se dirigindo aos povos da Comunidade Britânica espalhados por todos os quadrantes do planeta, e indagou:
- Senhores: eu vos apresento a rainha Elizabeth II, a vossa rainha incontestável. Por isso pergunto a vós todos que aqui viestes: estais dispostos a render-lhe homenagem e prestar-lhe vossos serviços?

Chateaubriand aproveitou o som dos clarins e das gaitas de foles que enchiam a abadia para repetir pela décima vez a operação: abriu a braguilha, tirou de novo o pênis para fora, cuidadosamente, e inaugurou a segunda garrafa despejando nela um curto e reconfortante jato de urina. Os representantes de todas as colonias e protetorados ali presentes responderam em coro à pergunta do arcebispo de Canterbury: - Deus salve a rainha Elizabeth!

A liturgia durou as exatas cinco horas previstas pelo protocolo. Quando a cerimônia chegou ao fim, Chateaubriand esgueirou-se por entre a multidão de chefes de Estado que caminhavam em direção contrária, rumo à porta de saída, foi até um dos banheiros da abadia e depositou no chão as duas salvadoras garrafas.

Fernando Morais - Chatô, o Rei do Brasil

Wednesday, March 18, 2009

O fim do mundo segundo um carioca

Aquela Água

RUY CASTRO

RIO DE JANEIRO - Os cientistas advertem. Depois de passar décadas subindo apenas alguns centímetros por ano, o mar pode se elevar em, no mínimo, 1,80 m até o ano de 2100. O motivo é aquele, tão denunciado pelos ecologistas e desprezado pelas potências egoístas, para quem o problema não é com elas: o degelo das calotas polares e a expansão térmica, significando um aquecimento que provoca o aumento de volume da água.

Para os entendidos, as primeiras regiões a serem atingidas serão o oeste do oceano Pacífico, o litoral da Austrália e a Groenlândia. Mas nós, no Rio, devemos botar as barbas literalmente de molho. Talvez quem more em Santa Teresa, no Cosme Velho, no Horto, no Alto Leblon e em outros bairros mais altos não se sinta tão ameaçado. Os cidadãos da orla, no entanto, já podem imaginar o que 2100 lhes reserva.

Certo dia, o mar dará um longo suspiro, como se perdesse de vez a paciência, e transbordará de sua caixa. Cobrirá a praia, atravessará as pistas e os canteiros, jogar-se-á contra os prédios e entrará pelas garagens, arrastando cardumes de sardinhas e manjubas. Os carros boiarão, ficarão se chocando uns contra os outros e a areia penetrará em seus motores.

Peixes que, com razão, mantinham distância do homem quando este entrava no mar, tomarão as portarias de assalto e terão de socializar com zeladores, síndicos e membros do conselho fiscal dos condomínios. Os polvos se recusarão a estender a mão. A água subirá acima do 1,80 m previsto e atingirá os playgrounds, salões de festas e primeiros andares. Os elevadores serão interditados. As caixas de gordura explodirão. Enfim, o caos.

Você dirá que, em 2100, eu não estarei mais aqui, nem vocês, nem nenhum de nós. Pelos padrões de hoje, é provável. Mas, com os avanços da medicina, sabe-se lá?

Que artigo confuso!

Um ser irracional

Não tenho a intenção de espezinhar ninguém, mas o caso da menina estuprada aos nove anos me leva a dizer algumas coisas desagradáveis.

Na semana passada, escrevi um texto condenando a dureza do arcebispo de Olinda e Recife. Ele se dedicava a condenar os médicos que fizeram o aborto da menina, sem ligar muito para o estuprador.

Causas desse tipo tendem a ser fáceis para o articulista. Recebi várias mensagens de apoio. Vieram também as manifestações em contrário. A respeito destas, sem nenhum triunfo pessoal, gostaria de fazer alguns comentários.

A maior parte dos que me condenavam seguia uma linha dura e objetiva. "Se o direito canônico estabelece a excomunhão de quem aborta um bebê, trata-se em última análise de obedecer ao direito canônico."

Quem não conhece esse tipo de argumentação? A lei é a lei.

Você pode optar entre obedecê-la ou não. Mas, se quiser ser desobediente, saia da igreja, saia do catolicismo, saia de qualquer ambiente em que a lei vigora. "Brasil: ame-o ou deixe-o". Conheço bem esse tipo de raciocínio, aparentemente racional, evidentemente autoritário.

Alguns dias depois, a CNBB editou um documento, muito hábil, no qual o raciocínio dos "duros" terminou desautorizado. A própria hierarquia católica sabe quando determinadas condenações, plenamente válidas segundo a letra da lei, tornam-se desumanas.

Não pretendo ter nenhum conhecimento a respeito do direito canônico. Sei, como pessoa humana, o momento em que a lei barbariza o destino de uma pessoa humana.

Quando surgiram as primeiras fotos de crianças assassinadas pelos mísseis de Israel, a reação foi semelhante. O articulista (que se horrorizava) estava desinformado, não conhecia todos os lados da questão...

Desculpem-me, mas, se ser racional é ignorar a morte de crianças, se ser racional é gritar contra o aborto de uma menina de nove anos, ocupo orgulhosamente o papel de um ser irracional. Coloco meus sentimentos - meus sentimentos humanos - acima do legalismo, da formalidade, da lógica de quem os critica.

No fundo, o que está em jogo é a razão de Estado. Esses intelectuais conservadores confiam mais no Pentágono, no Departamento de Defesa de Israel, nas leis editadas pelo papa, do que neles mesmos.

Quando o Partido Comunista Francês decidiu apoiar Hitler, em 1939/1940, foram poucos os que pediram demissão. Os intelectuais-soldados obedeciam mais a Hitler e a Stalin que a seu próprio julgamento. Mas o "próprio julgamento" não exige acrobacias de inteligência. É uma questão, acho eu, mais de sinceridade do que de sofisticação.

Contra pessoas inteligentíssimas, George Orwell e Albert Camus exerceram seu próprio e simples julgamento (burríssimo, para quem quiser) ao condenar a violência lógica do Estado.

"Razão de Estado": eis a cifra de tudo o que, hoje em dia, invoca-se contra a simples razão do homem. Sinceramente, sinto-me sitiado por "racionais" de todo tipo, capazes de argumentar minuciosamente a cada bombardeio, a cada ato desumano de autoridades temporais ou eclesiásticas, quando o único argumento a ser invocado, a rigor, é o da pura e automática decência.

Com certeza, não há critérios claros para o que é decente numa ou noutra situação específica. Há um jogo entre autonomia e obediência pessoal, que obviamente os artistas, intelectuais e escritores enfrentam, com as limitações que se conhecem.

Foi também isso o que se deu entre a CNBB e o arcebispo de Recife. A mera obediência às leis contrastava, mesmo dentro da hierarquia católica, com uma certa flexibilidade de parte dos outros.

Conclusão a tomar, válida para quem é ou não é articulista: desobedeça; esqueça a lógica dos que sabem mais do que você; confie no próprio bom senso, não na razão do Estado.

Termino de um modo óbvio. O indivíduo católico está mais dotado do que os demais para atingir o máximo de sua possibilidade moral? Acho que não. Sei apenas que não é preciso muita teologia para impregnar-se de uma verdade sobre a qual ninguém é soberano.

Mas é comum, nestes anos festivos, uma ideologia que reza, estranhamente, contra a própria autonomia do pensamento. Uma obediência que parece orgulhosa e soberba, quando segue ordens superiores, em uma espécie de subordinação feliz e suicida.

Marcelo Coelho - Folha Ilustrada

Monday, March 16, 2009

Vaticano critica excomunhão no caso de aborto de menina de nove anos

Em artigo publicado pelo jornal da Santa Sé, o Osservatore Romano, neste sábado, o presidente da Academia Pontifícia para a Vida, Monsenhor Rino Fisichella afirma que os médicos que praticaram o aborto na menina de 9 anos, grávida de gêmeos após ter sido estuprada pelo padrasto, não mereciam a excomunhão. 

"São outros que merecem a excomunhão e nosso perdão, não os que lhe permitiram viver e a ajudarão a recuperar a esperança e a confiança, apesar da presença do mal e da maldade de muitos", escreve Monsenhor Rino Fisichella, um dos mais próximos colaboradores do papa Bento 16 e maior autoridade do Vaticano em bioética. 

Na avaliação do prelado, o arcebispo de Recife e Olinda, José Cardoso Sobrinho, foi apressado e deveria ter se preocupado primeiro com a menina. 

"O caso ganhou as páginas dos jornais somente porque o arcebispo de Olinda e Recife se apressou em declarar a excomunhão para os médicos que a ajudaram a interromper a gravidez. Uma história de violência que, infelizmente, teria passado despercebida se não fosse pelo alvoroço e pelas reações provocadas pelo gesto do bispo." 

Segundo Monsenhor Fisichella, o anúncio da excomunhão por parte de D. Jose Cardoso Sobrinho colocou em risco a credibilidade da Igreja Católica. 

"Era mais urgente salvaguardar a vida inocente e trazê-la para um nível de humanidade, coisa em que nós, homens de igreja, devemos ser mestres. Assim não foi e infelizmente a credibilidade de nosso ensinamento está em risco, pois parece insensível e sem misericórdia", escreve o bispo. 

'Como um machado' 

Na avaliação do prelado, a prática do aborto neste caso não teria sido suficiente para dar um parecer que "pesa como um machado", porque houve uma contraposição entre vida e morte. 

Ele reconhece que, devido à idade e às precárias condições de saúde, a menina corria sério risco de vida por causa da gravidez. E justifica os médicos, que em sua opinião, merecem respeito profissional. 

"Como agir nesses casos? É uma decisão difícil para os médicos e para a própria lei moral. Não é possível dar parecer negativo sem considerar que a escolha de salvar uma vida, sabendo que se coloca em risco uma outra, nunca é fácil. Ninguém chega a uma decisão dessas facilmente, é injusto e ofensivo somente pensar nisso." 

De acordo com o presidente da Academia Pontifícia para a Vida, segundo a moral católica a defesa da vida humana desde sua concepção é um princípio imprescindível. 

O aborto não espontâneo sempre foi e continua sendo condenado com a excomunhão, que é automática.

"Não era, portanto, necessária tanta urgência em dar publicidade e declarar um fato que se atua de forma automática, mas sim um gesto de misericórdia."

em 14/03

CNBB desautoriza iniciativa de bispo sobre excomunhão

Ainda que tenha tentado preservar o arcebispo d. José Cardoso Sobrinho, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desautorizou a iniciativa do arcebispo do Recife e Olinda de anunciar a excomunhão da mãe da menina de 9 anos submetida a um aborto na semana passada e da equipe médica que participou da interrupção da gravidez. A menina, que teria sido estuprada pelo padrasto, estava grávida de gêmeos.

O secretário-geral da CNBB, d. Dimas Lara Barbosa, disse que a mãe da menina não está excomungada, pois agiu sob pressão e com o objetivo de salvar a vida da filha. “Não temos elementos para dizer qual médico está excomungado e qual não está. Depende do grau de consciência de cada um”, disse ainda d. Dimas. Segundo o secretário-geral, estão excomungados somente os profissionais “conscientes e contumazes” na prática do aborto.

Durante entrevista coletiva, foi distribuído um documento sobre excomunhão, assinado pelo assessor canônico da CNBB, padre Enrique Pérez Pujol, que destaca o fato de que a punição não deve ser aplicada em meio a uma polêmica. A afirmação de d. José Cardoso Sobrinho sobre a excomunhão da mãe e dos profissionais envolvidos no aborto foi feita um dia depois da interrupção da gravidez. As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".

Em 13/03

Sunday, March 15, 2009

Dois exemplos de mau jornalismo, de "opinionismo", de retórica auto-centrada sob disfarce de argumentação. Alguém concordou com o arcebispo de Recife e Olinda? Não que eu tenha visto. A própria hierarquia da Igreja se pronunciou oficialmente a favor de suas declarações? Também não. Na verdade, médicos e mãe da menina não foram excomungados. O que se viu foi dom José Cardoso Sobrinho escolher a hora mais inadequada possível para praticar sua militância. Para lembrar que o aborto é "crime" passível de excomunhão. O que a Igreja diz toda hora, ele resolveu fazer no pior momento! Volto a dizer: a atitude - absolutamente condenável, mas individual - do arcebispo não reverberou, não resultou. Pelo contrário, criou constrangimento imediato, gerou protestos.

Querem os jornalistas discutir o dogma. Mas discutir o dogma da Igreja é tão pretensioso! O resultado só poderia ser esse: Danuza tem que se valer do recurso de ressucitar as imagens mais esteriotipadas à disposição (grifei as piores), para no fim ter condições de dizer que não se preocuparia em ser excomungada. Marcelo Coelho, ao seu estilo, vai encontrar contradições no discurso católico (grifei também). Mas se o problema do arcebispo é excesso de "coerência"! Como é excessivamente "coerente" o discurso de Danuza e Marcelo Coelho. Quando os dois colunistas escrevem, escrevem só a favor de seus próprios dogmas. Danuza, ao invés de produzir um artigo, deixa a impressão de que deveria ter optado por uma conversa com o analista, tamanha a quantidade de lembranças incômodas de sua infância que vêm a tona. Marcelo Coelho, ainda que aponte a inabilidade do arcebispo, o principal do problema, ainda assim, parece se confiar no consenso de seus leitores a favor de uma prática mais humanista que a Igreja deveria, supostamente, adotar. No que consiste esta prática? Pronunciar-se contra a propaganda de cerveja na televisão ou contra a exposição das crianças ao consumismo desenfreado? Por que não outras? E que diferença há entre os dogmas ancestrais da Igreja e as idiossincrasias do jornalista a não ser o fato de que ambos pretendem se colocar em nível de verdade?


Falando um pouco de religião

DANUZA LEÃO

Eu estudei em colégio de freiras e posso falar de cadeira dos recreios que perdi aos sete, oito anos, ajoelhada no milho na capela, para pagar os meus pecados. Isso não é sadismo em alto grau? Fico tentando lembrar que pecados seriam esses.
Teria falado na hora da aula? Teria comido um pedaço da sobremesa antes do almoço? Teria deixado de fazer algum dever?
E as freiras ainda nos induziam a fazer
sacrifícios, tipo deixar de comer uma mariola ou uma paçoca por amor a Deus. Sacrifício, a palavra que define a Santa Igreja Católica. E a missa obrigatória em todos os domingos e dias santificados? Depois disso, igreja, para mim, só em excursão turística - e assim mesmo só algumas. É possível considerar o desejo sexual um pecado, um orgasmo um pecado, ter relações sexuais, mesmo de casais casados na igreja, sem outra intenção, a não ser a de procriar, um pecado? E ao considerar quase tudo que dá prazer um pecado, não dá para perceber o quanto as mentes católicas são doentes? E malvadas?
Os sacrifícios, tão cultuados entre os católicos -
cordas apertando a cintura, debaixo do vestido, até sangrar, eram um grande sinal de amor a Deus. Mas o que deve acontecer naqueles conventos e seminários, com aquele monte de moças e rapazes com seus hormônios explodindo, mas tendo que seguir o sentido contrário ao da natureza para amar a Deus sobre todas as coisas, isso é segredo, e jamais saberemos o que lá se passa - mas minha mão no fogo eu não boto. Será que são todos castos?
Dos padres pedófilos
se fala um pouquinho, mas logo o assunto é esquecido. E da excomunhão dos médicos que fizeram o aborto na menina de nove anos estuprada não vou nem falar, porque tudo já foi dito.
Para a Santa Madre Igreja,
quanto mais se sofre mais se tem direito ao reino dos céus. Quem tiver uma doença grave será recompensado, se for cego, surdo, mudo e paralítico, é considerado um santo, praticamente, e ai dos que são felizes, dão risadas e gostam da vida. Estes estão condenados às trevas do inferno.
Para ser um católico de verdade é preciso sofrer, e quanto mais, melhor.
Como têm prestígio as carolas vestidas de preto, com um véu na cabeça e um terço na mão, falando que este mundo está perdido (e levando um pratinho de biscoitos para os padres). Perdido está quem não aproveitou esta vida e nunca ouviu falar em felicidade, pois o que vem depois ninguém sabe direito. Pelo menos, ninguém voltou pra contar.
Mas também me revoltam as invenções praticadas em nome de Deus, das mais banais às mais revoltantes.
Quem pode, em sã consciência, jurar amor "até que a morte nos separe?" Quem faz uma jura dessas é hipócrita, porque até as crianças do jardim-de-infância sabem que a vida não é assim.
Mas do que
os cardeais gostam mesmo é dos paramentos, das vestes de brocado, dos cálices de ouro, dos tronos incrustados de pedrarias, do luxo das igrejas de ouro, dos quadros mais preciosos deste mundo e de dar declarações absolutamente inúteis, tipo "o papa está muito preocupado com a fome no mundo", como se essa preocupação resolvesse alguma coisa. Esse papa, aliás, que veste Armani e sapatos vermelhos de Prada. Se o Vaticano se desfizesse de metade de seus tesouros, é bem possível que não houvesse mais fome no mundo. Fui batizada, crismada e fiz a primeira comunhão, mas não cheguei ao ponto de me casar no religioso; e não me incomodaria nem um pouco se fosse excomungada.


Estupra, mas não aborta
MARCELO COELHO

Bombas de fragmentação, também chamadas de "cluster" ou bombas-cacho, funcionam assim. Você lança uma bomba sobre uma área mais ou menos indefinida, uns quatro campos de futebol, digamos. Pontaria não é o importante.
O objetivo não é destruir um alvo muito específico, como um centro de atividades terroristas, uma ponte, ou uma fábrica de armamentos no país inimigo.
A bomba que você lançou - pode ser chamada de "bomba-mãe"- dá à luz centenas de bombas menores, que se espalham pela região, como se fossem uma chuva de granadas.
Como ninguém é perfeito, muitas dessas "granadas" ou submunições não explodem na hora certa e ficam no solo, à espera de que uma criança invente de tocar nelas. De modo que a região se transforma num verdadeiro campo minado.
Leio que, segundo a Cruz Vermelha, há 400 milhões de pessoas vivendo em terrenos semeados com essas bombas.
O Brasil é um dos países que produzem, estocam e exportam esse artefato bélico.
Por isso mesmo, o Brasil participou apenas como observador de uma convenção internacional no ano passado, na Noruega, em que 94 países assinaram um tratado para banir essas bombas.
Não creio que qualquer nação do mundo possa reivindicar foros de santidade em questões de defesa militar. Mas o Brasil até que tem um currículo razoável, se comparado a muitos outros países.
Acontece que as tais bomba "lança-granadas" são produzidas aqui. E exportadas, pelo que se sabe, a países como Irã e Arábia Saudita. O Brasil ficou, portanto, sem assinar nada. Isso foi em dezembro.
Mais informações no site da ONU www.mineaction.org e também em www.clusterconvention.org. Este último site afirma, aliás, que na próxima quarta-feira, 18, há mais uma chance para assinar o tal tratado. Um evento com esse objetivo será realizado na sede da ONU, em Nova York.
Bem que o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, poderia aproveitar o embalo dos últimos dias e excomungar os produtores brasileiros dessas tais bombas de fragmentação.
O arcebispo de Olinda e Recife não poderia excomungar aos produtores brasileiros de bombas de fragmentação pois, fabricar bombas de fragmentação não é crime passível de excomunhão no código de leis da Igraja Católica, assim como estupro e assassinato não o são.
Na pessoa do presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina, o cardeal Giovanni Re, o Vaticano manifesta seu apoio ao arcebispo de Olinda e Recife, que excomungou a mãe de uma menina de nove anos, grávida de gêmeos após ter sido estuprada pelo padrasto. A mãe da menina autorizou o aborto. Os médicos que o fizeram foram excomungados também.
A atitude desse arcebispo é tão estreita e sem caridade, que fica até vulgar criticá-la como merece. Mas quando leio que o padrasto, o homem acusado de estuprar a menina, não foi excomungado, não resisto à tentação.
Assim como se martelou muito a frase de Maluf sobre o "estupra, mas não mata", bem que dom José mereceria ser celebrizado pelo "estupra, mas não aborta".
Não vou discutir a questão do aborto neste espaço. Uns serão contra com motivos importantes, outros, como eu, são a favor de sua legalização.
Mas veio de um padre, evidentemente contrário ao aborto, uma atitude mais bonita nesse episódio. Márcio Fabri dos Anjos, que é também professor de bioética, declarou na TV outro dia que "a primeira palavra que eu esperava ouvir da Igreja é a de que Deus está do lado de quem sofre". A própria nota oficial da CNBB mostra atitude mais hábil e reflexiva que a do arcebispo.
Afinal, por que não ouvir, dialogar e consolar, antes de condenar?
Fora da discussão do aborto, o que mais me incomoda é a "pauta", como se diz em linguagem jornalística, que a hierarquia católica segue na maior parte do tempo.
Parece que tudo se resume a condenar a camisinha, no lado conservador, ou discutir a privatização da Vale do Rio Doce e a Alca, no campo da esquerda.
Lideranças católicas no Brasil teriam muitos outros assuntos a tratar. Por que não reclamam, por exemplo, de coisas como a propaganda de cerveja na televisão ou da exposição das crianças ao consumismo desenfreado?
Em casos como esses, fugiriam de uma teimosia doutrinária quase talebânica e poderiam construir algum consenso, para variar um pouco. E, já que se trata de defesa da vida, podiam pensar nas bombas que o país produz, em vez de condenar a mãe de uma menina de nove anos estuprada pelo padrasto.

Saturday, March 14, 2009

Thursday, March 12, 2009

CNBB afirma que arcebispo de Olinda não excomungou envolvidos no aborto de criança em PE

O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Dimas Lara Barbosa, afirmou hoje (13) que o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, não excomungou nenhum dos envolvidos no aborto da menina de 9 anos violentada em Alagoinha (PE). Segundo Barbosa, o arcebispo apenas lembrou uma norma existente no direito canônico. Segundo o secretário, o estupro não é punido com excomunhão porque não está previsto nas leis da igreja.

Dom Dimas Lara Barbosa lembrou que a prática do aborto ocasiona excomunhão instantânea. "Em alguns casos especiais, se prevê esse tipo de pena, em que a pessoa pelo simples fato de cometê-lo, se coloca fora da comunhão", disse, após o encerramento da reunião do Conselho Permanente da entidade.

"As pessoas que trabalham contra o nascituro, conscientemente, se colocam fora da comunhão da igreja, porque elas já não comungam com o pensamento cristão, que é em defesa da vida", afirmou Barbosa.

Barbosa preferiu não opinar sobre a excomunhão das pessoas envolvidas no aborto. "Não sabemos quem tinha consciência ou não do ato", disse. Entretanto, para ele, a pessoa menos responsável é a mãe da menina, pois ela agiu sob pressão ao autorizar o aborto.

O presidente da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha, afirmou que a excomunhão não tem relação com condenação eterna. "Excomunhão não é sinônimo de condenação ao inferno. Digo isso por causa do imaginário popular, quando alguém é excomungado parece que foi condenado ao inferno." Ele explicou que o ato de excomungar alguém é a punição de um delito e pode ser reconsiderado pela igreja se a pessoa não infligir novamente o código canônico.

Segundo ele, a repercussão da excomunhão dos médicos envolvidos mudou o foco da situação e esvaziou o debate da sociedade. "Esse aspecto tão repugnante do que foi o crime praticado, se diluiu diante da história da excomunhão", disse.

Sunday, March 08, 2009

Cinco contos por mês? Adivinhamos perfeitamente a admiração dos leitores. Então uma cantora de sambas no Brasil ganha cinco contos mensais? Cinco contos para se colocar diante de um microfone, durante duas ou três horas, e cantar uma dessas músicas simples, fáceis, populares, inventadas pelos malandros dos morros? Pois é, leitor amigo, cinco contos! Há por aí muito cantor de coisas clássicas, com vários anos de estudos em conservatórios, com diplomas vistosos, com todos os incidentes e acidentes de um curso dificílimo, que não ganha a terça parte desse ordenado, que vive de outras coisas, que luta desesperadamente pela vida.

O rádio trouxe essa inovação e, sobretudo, essa revelação: o samba, a canção, o tango, o fox, a modinha têm um valor novo, imenso, desconcertante. Engraçado, não é?

Editorial da Revista da Semana em 1944, indignado com os valores do contrato assinado entre Carmen Miranda e Rádio Tupi do Rio de Janeiro. O salário mensal de Carmen equivaleria, em 1994, a pouco mais de 2400 dólares.

Fernando Morais - Chatô, o Rei do Brasil

Saturday, March 07, 2009

VIXE!!!

1

Arcebispo afirma que aborto é mais grave que estupro

Dom José defende não excomungar o padrasto da menina de nove anos, que a estuprou

O arcebispo de Olinda e Recife (PE), dom José Cardoso Sobrinho, disse ontem que o aborto é um crime mais grave que o estupro ao defender a excomunhão da mãe e dos médicos responsáveis pela interrupção da gravidez de uma menina de nove anos e não a do padrasto da garota, que admitiu tê-la estuprado. Ele ainda afirmou que o presidente Lula, que condenou a decisão da igreja, é um "católico mais ou menos".

"Católico que é católico aceita a lei da igreja. Quem não aceita é católico mais ou menos, e isso não existe", disse. Para os médicos, a continuidade da gestação de gêmeos poderia ser fatal à menina, que pesa cerca de 30 quilos.

Em entrevista concedida ontem à Folha por cerca de uma hora, na sede da regional da CNBB em Recife, o religioso disse que o padrasto da menina, que confessou à polícia ter abusado sexualmente da garota e da irmã dela de 14 anos por cerca de três anos, não foi excomungado -como aconteceu com a mãe e os médicos.

Segundo ele, o crime de estupro não está incluído nos delitos gravíssimos da igreja que causam a excomunhão automática - como aborto, heresia e violência física contra o papa, entre outros -, apesar de ser considerado "pecado".

"De acordo com a lei de Deus, a igreja condena todos os pecados. Homicídio é pecado. Quem comete não está excomungado, mas é um pecado grave. Roubar, assaltar e estuprar também são pecados, mas não tão graves como o aborto."

Arrependimento

O arcebispo reafirmou que todos os envolvidos no aborto - mãe e médicos, menos a própria menina, que não possui idade para discernir o que ocorria - estão automaticamente excomungados da igreja, o que significa não poder receber os sacramentos, como a eucaristia e o casamento.

Dom José disse que os excomungados podem deixar a condição e, se se arrependerem, serem absolvidos em confissão.

Em entrevista à Folha na quinta-feira, o médico e católico praticante Rivaldo Mendes de Albuquerque, 51, um dos que interromperam a gestação da menina, disse lamentar a decisão. "Tenho pena do nosso arcebispo, que não conseguiu ser misericordioso com o sofrimento de uma criança inocente, desnutrida, franzina, em risco de vida, que sofre violência desde os seus seis anos."

A menina, que estava com quase quatro meses de gravidez de gêmeos e passou pelo aborto na quarta, recebeu ontem alta. Ela e a mãe foram levadas a um abrigo em local não divulgado. A menina vai continuar recebendo atendimento médico e psicológico. O padrasto está preso desde o dia 27, no presídio de Pesqueira, cidade vizinha a Alagoinha, onde a família morava.

2

Vaticano apóia excomunhão após aborto no Brasil

Um alto clérigo do Vaticano defendeu neste sábado a excomunhão da mãe e dos médicos que ajudaram uma menina de nove anos de idade a abortar no Brasil.

A menina havia ficado grávida de gêmeos após ser abusada pelo padastro.

O cardeal Giovanni Batista Re, que preside a Congregação da Igreja Católica para Bispos e a Comissão Pontifica para a América Latina, disse ao jornal italiano La Stampa que os gêmeos "tinham o direito de viver" e que ataques contra a Igreja Católica brasileira eram injustos.

A declaração vem um dia depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o arcebispo que excomungou os envolvidos no aborto.

O Brasil só permite abortos em caso de estupro ou riscos para a mãe. Os médicos disseram que o caso da menina de nove anos se enquadrava nas duas situações, mas o arcebispo de Olinda e Recife, José Carlos Sobrinho disse que a lei de Deus está acima de qualquer lei humana.

Ele disse que as excomunhões se aplicariam à mãe e aos médicos, mas não à menina por causa da idade dela.

'Caso triste'

O cardeal Re disse ao La Stampa que o arcebispo estava certo em excomungar a mãe e os médicos.

"É um caso triste, mas o problema real é que os gêmeos concebidos eram pessoas inocentes que tinham o direito de viver e não podiam ser eliminados", disse.

"A vida deve sempre ser protegida, o ataque contra a igreja brasileira é injustificado".

A menina, que vive em Pernambuco, foi supostamente abusada sexualmente pelo padrastro por vários anos, possivelmente desde que tinha seis anos de idade.

CAPITALISMO IDEAL

Você tem duas vacas. Vende uma e compra um touro. Eles se multiplicam, e a economia cresce. Você vende o rebanho e aposenta-se... rico!

CAPITALISMO AMERICANO

Você tem duas vacas. Vende uma e força a outra a produzir leite de quatro vacas. Fica surpreso quando ela morre. 

CAPITALISMO FRANCÊS 

Você tem duas vacas. Entra em greve porque quer três.

CAPITALISMO CANADENSE

Você tem duas vacas. Usa o modelo do capitalismo americano. As vacas morrem. Você acusa o protecionismo brasileiro e adota medidas protecionistas para ter as três vacas do capitalismo francês.

CAPITALISMO JAPONÊS

Você tem duas vacas, né? Redesenha-as para que tenham um décimo do tamanho de uma  vaca normal e produzam 20 vezes mais leite. Depois cria desenhos de vacas chamados Vaquimon e os vende para o mundo inteiro.

CAPITALISMO ITALIANO

Você tem duas vacas. Uma delas é sua mãe, a outra é sua sogra, maledetto!!!

CAPITALISMO BRITÂNICO

Você tem duas vacas. As duas são loucas.

CAPITALISMO HOLANDÊS

Você tem duas vacas. Elas vivem juntas, não gostam de touros e tudo bem.

CAPITALISMO ALEMÃO

Você tem duas vacas. Elas produzem leite pontual e regularmente, segundo padrões de quantidade, horário estudado, elaborado e previamente estabelecido, de forma precisa e lucrativa. Mas o que você queria mesmo era criar porcos.

CAPITALISMO RUSSO

Você tem duas vacas compradas no mercado negro. Conta-as e vê que tem cinco. Conta de novo e vê que tem 42. Conta de novo e vê que tem 12 vacas. Você pára de contar e abre outra garrafa de vodca.

CAPITALISMO SUÍÇO

Você tem 500 vacas, mas nenhuma é sua. Você cobra para guardar a vaca dos outros.

CAPITALISMO ESPANHOL

Você tem muito orgulho de ter duas vacas.

CAPITALISMO PORTUGUÊS

Você tem duas vacas... E reclama porque seu rebanho não cresce...

CAPITALISMO CHINÊS

Você tem duas vacas e 300 pessoas tirando leite delas. Você se gaba muito de ter pleno emprego e uma alta produtividade. E prende o ativista que divulgou os números.

CAPITALISMO HINDU

Você tem duas vacas. Ai, de quem tocar nelas.

CAPITALISMO ARGENTINO

Você tem as duas vacas mais lindas que o mundo já viu. Você se esforça para ensinar as vacas a mugirem em inglês... As vacas morrem. Você entrega a carne delas para o churrasco de fim de ano do FMI.

CAPITALISMO BRASILEIRO

Você tem duas vacas. Uma delas é roubada. O governo cria a CCPV - Contribuição Compulsória pela posse de Vaca. Um fiscal vem e lhe autua, porque embora você tenha recolhido corretamente a CCPV, o valor era pelo número de vacas presumidas e não pelo de vacas reais. A Receita Federal, por meio de dados também presumidos do seu consumo de leite, queijo, sapatos de couro, botões, presume que você tenha 200 vacas e, para se livrar da encrenca, você dá a vaca restante para o fiscal deixar por isso mesmo...

Sunday, March 01, 2009

Lista de sites organizada por convidados do Caderno +Mais!


www.radicalphilosophy.com


Revista britânica de filosofia contemporânea com vários artigos muito bons sobre política e estética.

www.lacan.com

Revista norte-americana de psicanálise onde também podem ser encontrados artigos interessantes sobre cinema.

www.art-press.fr

Com um pouco de paciência, é possível encontrar bons artigos sobre arte.

www.ircam.fr

Várias informações e artigos sobre música contemporânea.

Pinacoteca do Estado

Por fim, um lugar real: um dos raros museus de São Paulo onde há boas exposições.

Vladimir Safatle é professor de filosofia na USP.

news.google.com.br

É a página de entrada do meu navegador Firefox, e volto a ela de hora em hora, acompanhando uma seleção de manchetes nacionais e internacionais, e culturais, conforme vão acontecendo. É superficial e, às vezes, vem com fatos irrelevantes (tipo um "serial killer" em Aracaju), mas em geral contém as notícias que estarão nos jornais do dia seguinte. Obrigatório e grátis.

www.nytimes.com

Um site nada careta, e incontornável, cheio de matérias interativas e multimídia. As seções de arte, ciência e tecnologia (são) fornecem alimento para conversas em festas sem fim. Quando morre um grande nome, o "Times" libera todos os artigos que publicou sobre o assunto ao longo dos anos, durante uma semana, incluindo vídeos e resenhas. O mundo todo o copia. Às vezes, é (pode ser) substituído pelo "The Washington Post" ou o "Los Angeles Times" (que tem grandes fotógrafos) no meu café da manhã, em que sempre um deles está presente. Grátis.

www.alternet.org

A esquerda será fashion em 2009. Alternet reúne jornalistas independentes em artigos, fora da grande imprensa americana. Li recentemente uma reportagem sobre a favela de Mumbai onde se passa "Quem Quer Ser um Milionário?" [Oscar de melhor filme], do diretor inglês Danny Boyle, naturalmente desancando o adorável filme.

www.google.com/prado

O que pode oferecer o Museu do Prado a você que não tem dinheiro para ir a Madri? Algo muito melhor. Viajar (virtualmente) dentro de 14 obras-primas. Por meio do (programa de computador) Google Earth, você parte do planeta Terra e penetra no museu. Atravessando diversas salas, você mergulha no interior de um quadro, por exemplo "O Jardim das Delícias" de [Hieronymus] Bosch, e chega a níveis de detalhes nunca experimentados por um ser humano. A pintura se torna hiper-real, em reproduções de 14 milhões de pixels. A cada aproximação, a tela do seu computador se torna um quadro diferente, que você pode capturar, e cada personagem, visto nos livros como um pequeno ponto na multidão de figuras, adquire agora uma presença assustadora, dominando um espaço próprio. Macrocosmos e microcosmos se integram de forma nova, graças à tecnologia. A ideia de um visitante de museu explodiu em favor de um operador de olhares.

www.artdaily.org

Todas as exposições do mundo diariamente chegam nessa newsletter, com um resumo e uma foto. O interessante é perceber a variedade de ofertas. Todas as exposições que estamos perdendo e não vamos ver nunca.

www.ubu.com

Nostalgia vanguardista em tempos de arte pós-contemporânea. Começou como um site de poesia experimental, hoje é um repositório gigante de recursos sobre arte sonora, performances, escrita conceitual, etnopoética, filmes e vídeos. Demanda semanas para ser explorado conscientemente.

www.sensesofcinema.com

Artigos sobre cinema e diretores, filmografias, análises, algumas muito detalhadas. De origem australiana, é o cinema no sentido universal. Tem edições regulares, com uma revista e um banco de dados. Eles veem para você os filmes que você não vai ver nunca -ou melhor, que você não precisa perder tempo assistindo.

www.realitystudio.org

Neste ano, em que se comemoram 50 anos de "Almoço Nu", de William Burroughs, nada melhor que viver numa comunidade burroughsiana como esse estúdio de realidade, dedicado a explorações de sua obra. Afinal, "Almoço Nu" quer dizer isso: a realidade nua na ponta do garfo.

www.rhizome.org

Site dedicado às relações entre arte e tecnologia, com pensamentos de ponta e obras de "net.arte" divertidas e engenhosas que podem ocupar a mente durante todo um fim de semana de chuva em casa.

Arthur Omar é cineasta, fotógrafo e artista plástico.

www.imdb.com

O site tem tudo sobre cinema, desde a invenção do cinematógrafo ao Oscar deste ano: filmes, atores, técnicos, diretores e mais.

www.economist.com

Revista muito bem escrita, deixa clara sua opinião e apresenta fatos objetivos e análises procedentes.

www.kiosco.net

O site tem jornais do mundo todo. Ver sempre "El País" e "The New York Times", ambos com informação de qualidade e articulistas brilhantes.

Artes Visuais

Em sites como Frieze (www.frieze.com), Artforum (artforum.com), Canal Contemporâneo (www.canalcontemporaneo.art.br), Trópico (www.uol.com.br/tropico), Fórum Permanente (www.forumpermanente.org), e-flux (www.e-flux.com), Akimbo (www.akimbo.biz), Europeana (www.europeana.eu) e The European Library (search.theeuropeanlibrary.org) pode-se ver e ler de tudo.

Ivo Mesquita é curador da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Galeria Choque Cultural (www.choquecultural.com.br)

Adoro esse lugar compacto, localizado em Pinheiros [bairro paulistano], onde podemos nos atualizar sobre o estado das artes plásticas mais radicais pelo mundo. O acervo e a colaboração com galerias de outros cantos só têm crescido em quantidade e em qualidade.

Portal Sesc (www.sescsp.org.br/sesc/)

Inegavelmente, o Sesc-SP é responsável por uma avalanche cultural a um custo baixo, quando não gratuito. Mas há um equívoco importante e recorrente. Justamente quando consegue produzir ou trazer espetáculos fundamentais, a cota reservada para patrocinadores e convidados da instituição deixa o público, iniciado pelo próprio Sesc, de fora. É uma atitude que deveria ser repensada por essa instituição que presta serviços tão relevantes à cultura brasileira.

Uia! (uiadiario.blogspot.com)

Blog com dicas de shows e baladas bem selecionadas, gratuitas ou quase gratuitas. Mas atenção: você tem que correr, porque as coisas acontecem no dia em que são publicadas! Essa é a característica do blog. É tudo pra já.

Galeria do Rock

Para mim, a galeria do rock é um dos principais "museus" vivos da cultura de rua paulistana. Passar por lá num sábado de manhã é o equivalente a frequentar o ensaio da Mangueira, ver uma ópera no Teatro Amazonas ou sair no bloco do Olodum -uma experiência cultural imperdível.

Cinemateca Brasileira

Quando morei fora do Brasil, virei rato de cineclubes e cinematecas, algo bastante comum nos anos 1980. Muita gente não sabe que aqui em São Paulo temos a Cinemateca Brasileira, com um acervo fantástico de documentários e cinejornais, além de todo o acervo da TV Tupi [primeira emissora do Brasil, inaugurada em 1950], disponível para consulta. Sem falar, é claro, da programação contínua de cinema em suas salas de projeção.

Marcelo Tas é âncora do programa de TV "CQC" (Band).

Plano B

Em que outra loja você pode encontrar uma seleção caprichada de discos de Stockhausen, cantos xamânicos ianomâmis e Wanderley Cardoso? E também um centro cultural essencial: toda sexta-feira há apresentações de graça com música extremista planetária. Já passou por seu micropalco da Lapa carioca o japonês Tetuzi Akiyama (um dos melhores shows da minha vida) ou os suecos do Enema & Gejonte (na sexta-feira de Carnaval!), além do "quem é quem" da vibrante cena do barulho brasileiro: www.myspace.com/planoblivesessions

RSS

A conexão de um leitor RSS com novas ferramentas de busca de sites como Twitter (twitter.com), Technorati (technorati.com) ou Google Acadêmico (scholar.google.com.br), entre muitos outros, torna possível para qualquer pessoa se manter atualizada em tempo real com quase todas as conversas mantidas em sites, blogs ou microblogs pela internet inteira. Por exemplo: via FeedReader (software livre, www.feedreader.com), eu acompanho, cada vez mais instantaneamente, tudo o que se publica virtualmente sobre Georges Perec [escritor francês do século 20], Fernão Mendes Pinto [explorador português do século 16], Meteorango Kid [herói do filme homônimo dirigido por André Luiz Oliveira, em 1969], Roy Wagner [antropólogo norte-americano] etc., de forma automática, evitando o trabalhão de visitar todos os sites onde as informações foram publicadas originalmente (ou onde se pode buscar por essas informações).

www.kk.org/thetechnium

Em seu blog The Technium, podemos acompanhar a preparação do próximo livro de Kevin Kelly, autor de "Out of Control" [Fora de Controle] e fundador da revista "Wired". É uma reflexão fundamental sobre o mundo tecnológico, que cada vez mais se comporta como se tivesse "vida" e "mente" próprias. Kelly não esconde novas ideias que (se inéditas) impulsionariam a venda do livro depois de lançado. Ele entrega tudo em detalhes: todo seu processo de pensamento e descoberta fica exposto em tempo real, numa obra em progresso discutida coletivamente.

gigaom.com

Criado pelo blogueiro Om Malik, é a melhor fonte de informações sobre novidades tecnológicas comunicacionais, do wi-fi de banda larguíssima aos games on-line. Acompanho mais de perto a seção NewTeeVee, que aborda as metamorfoses constantes e inesperadas da relação entre vídeo e internet.

Hermano Vianna é antropólogo e pesquisador musical.

Percepção

Creio que é difícil encontrar algum lugar que não seja fonte de cultura e de informação também. O custo mais baixo que conheço é olhar, ouvir, cheirar. Tudo isso permite aceder a formas diversas de cultura que nos são expostas constantemente: o modo de se vestir e de se comportar das pessoas, o aspecto das ruas, dos edifícios, dos rabiscos nas paredes, dos cartazes; as paisagens "naturais", que se transformam imediatamente pelo olhar cultural de cada um. O item 1 seria portanto "qualquer percepção que esteja ao nosso alcance".

Bibliotecas

Existem mais bibliotecas públicas do que se imagina. Mesmo em muitas cidades pequenas ou perdidas. Mesmo nas prisões. Boas ou ruins, nelas sempre se acha alguma coisa que nos interesse e que signifique um aporte cultural. Assim, item 2: "A biblioteca mais próxima que encontrarmos".

Locadoras

Hoje, o acesso aos DVDs não é um privilégio. Existem locadoras espalhadas por todos os lugares. Nelas, muitos filmes "que não são lançamentos", como dizem, podem ser alugados por preços irrisórios. Item 3: "As locadoras mais próximas que tivermos".

Leitura pela internet

A presença da internet se amplia cada vez mais. Nela está a mais extraordinária mina cultural de baixo custo que se possa sonhar. Toda a literatura clássica se encontra ali, muitas vezes em excelentes edições. O site da Biblioteca Nacional possui uma grande quantidade de livros digitalizados: www.bn.br/portal/. Coleções inteiras de revistas, como a "Careta" (objdigital.bn.br/acervo-digital/div-periodicos/careta/careta-anos.htm), ou a "Scena Muda" e a "Cinearte" (estas duas na página do museu Lasar Segall, www.bjksdigital.museusegall. org.br/revistas.htm), estão disponíveis. Basta fuçar. Há ainda a disponibilidade de inúmeros jornais do mundo inteiro, como o "The New York Times" (www.nytimes.com), tão generoso que chega a oferecer um dicionário para o leitor: clicando sobre uma palavra, aparece um ponto de interrogação que nos leva para o verbete! Item 4: "leitura pela internet".

Artes plásticas e música

Além da leitura, a internet oferece artes plásticas e música de graça. De todos os incontáveis sites, para as artes plásticas não hesito em afirmar que o mais formidável é a Web Gallery of Art (www.wga.hu), organizado por universitários húngaros: um banco de quase 30 mil reproduções de alta qualidade, acompanhadas por comentários sucintos, mas precisos e plenamente confiáveis. No caso da música, o quinto canal da Filodiffusione (www.radio.rai.it/filodiffusione) é formidável, com uma programação exclusivamente musical, sem comentários, imbatível pelas escolhas que são certamente feitas por uma equipe muito sofisticada de especialistas. Item 5: "artes plásticas e música pela internet".

Jorge Coli é crítico e colunista da Folha.