Monday, April 27, 2009

Tuesday, April 21, 2009

#o1

SOBRE O AUTOR



PAULO LEMINSKI FILHO, nascido em Curitiba, Paraná, 38 anos atrás (24 de agosto, Virgo). Mestiço de polaco com negro, sempre viveu no Paraná (infância no interior de Santa Catarina).

Publicou: Catatau (prosa experimental), em 1976, Curitiba, ed. do autor. Não Fosse Isso e Era Menos / Não Fosse Tanto e Era Quase e Polonaise (poemas, 1980, Curitiba, ed. do autor). Publicou poemas, com fotos de Jaque Pires, no álbum Quarenta Cliques, Curitiba, 1979, Curitiba, ed. Etcetera.

Ex-professor de História e Redação em cursos pré-vestibulares, é diretor de criação e redator de publicidade. Colaborador do Folhetim da Folha de S. Paulo, resenha livros de poesia na Veja.

Poemas e textos publicados em inúmeros órgãos (Corpo Estranho, Muda, Código, Raposa etc.) de Curitiba, São Paulo, Rio e Bahia.

Teve seus primeiros poemas publicados na revista Invenção, em 1964, então, porta-voz da poesia concreta paulista.

Faixa-preta e professor de judô, vive em Curitiba com a poetisa Alice Ruiz, com a qual tem duas filhas.

Foram publicados pela Brasiliense Cruz e Souza (Encanto Radical), 1983, Caprichos e Relaxos (Cantadas Literárias), 1983, e Matsuó Bashô (Encanto Radical), 1983.


Esta obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a venda deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade são as marcas da distribuição, portanto distribua este livro livremente.
Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras.
Se quiser outros títulos nos procure : http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros,
será um prazer recebê-lo em nosso grupo.

#12

NAQUELE TEMPO

Natal — Alterações no calendário, realizadas na Idade Média, produzem esta aberração: Jesus teria nascido, na realidade, uns 3 ou 4 anos antes do ano que dá início à era que leva seu nome.

Sobre o mundo romano, Júpiter, o Imperador Augusto.

O próprio dia do seu nascimento é objeto de controvérsia. 25 de dezembro, entrada de um solstício, era uma data solene consagrada ao sol, ao deus solar Mitra, nume de origem persa, que fez enorme sucesso entre o povo e os soldados, na Roma Imperial, concorrendo com o cristianismo. Este assimilou do nitraísmo muitos ritos e mitos. Quem sabe a data do Natal.

Jesus com 12 anos
— Jesus encontrado por seus pais, discutindo com os sábios na sinagoga. Aqui, os evangelhos perdem a pista, só voltando a falar de Jesus depois de um

silêncio

de 18 anos.

Jesus com 30 anos — Jesus reaparece bruscamente em cena, entrando em ação, em contato com João, o Batista, seu guru.
Jesus começa a clamar o advento do Reino de Deus com as exatas palavras de João, que o batizou.

Jesus com 33 anos — Preso, sob a acusação de agitar as massas e pretender o Reino, Jesus é torturado e executado pela autoridade romana, mancomunada com a aristocracia sacerdotal de Jerusalém.

De 70 a 100 — Cristalização textual dos evangelhos; proliferação de evangelhos apócrifos.
Fulminante propagação da doutrina de Jesus em todo o mundo da bacia do Mediterrâneo. Paulo transforma a judaica mensagem de Jesus num credo aberto a todos os povos.

Século I — O avanço explosivo do cristianismo entre as massas escravas e proletárias de Roma provoca a reação do poder: violentas perseguições, a era dos mártires, os “testemunhos”.

Século II e III — A mensagem de Jesus começa a subir na vida.
Membros das classes mais altas de Roma convertem-se. A começar pelas mulheres. E por elementos da elite intelectual.

313 — Pelo Edito de Milão, o Imperador Constantino reconhece ao cristianismo o pleno direito à existência.

394 — Com o Imperador Teodósio, o cristianismo se torna a religião oficial do Império Romano. Catolicismo.



#11

SOBRE JESUS


Os textos evangélicos traduzi diretamente do original grego, tendo diante dos olhos a esplêndida versão latina de Jerônimo (século IV), o maior dos tradutores da Antiguidade, que, na Vulgata, passou toda a Bíblia do hebraico e do grego para o latim.

Sobre os essênios: Les Manuscrits du Desert de Juda, por Geza Vermès, Desclée Editeurs.

Quanto a uma bibliografia sobre Jesus, com a palavra João, no final de seu evangelho: “Jesus também fez muitas outras coisas: que se escrevessem, uma a uma, creio que nem o mundo todo poderia abrigar tantos livros que se deveriam escrever”. Tema central da espiritualidade do Ocidente, sobre Jesus, há bibliotecas.

Isso sem falar em quadros, esculturas, vitrais, composições de música erudita, filmes, óperas-rock.

Jesus é um momento de significação ininterrupta: um signo de leitura infinita.


João 4

1 ¶ E quando o Senhor entendeu que os fariseus tinham ouvido que Jesus fazia e batizava mais discípulos do que João

2 (Ainda que Jesus mesmo não batizava, mas os seus discípulos),

3 Deixou a Judéia, e foi outra vez para a Galiléia.

4 ¶ E era-lhe necessário passar por Samaria.

5 Foi, pois, a uma cidade de Samaria, chamada Sicar, junto da herdade que Jacó tinha dado a seu filho José.

6 E estava ali a fonte de Jacó. Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se assim junto da fonte. Era isto quase à hora sexta.

7 Veio uma mulher de Samaria tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber.

8 Porque os seus discípulos tinham ido à cidade comprar comida.

9 Disse-lhe, pois, a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (porque os judeus não se comunicam com os samaritanos).

10 Jesus respondeu, e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.

11 Disse-lhe a mulher: Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva?

12 És tu maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, bebendo ele próprio dele, e os seus filhos, e o seu gado?

13 Jesus respondeu, e disse-lhe: Qualquer que beber desta água tornará a ter sede;

14 Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna.

15 Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água, para que não mais tenha sede, e não venha aqui tirá-la.

16 Disse-lhe Jesus: Vai, chama o teu marido, e vem cá.

17 A mulher respondeu, e disse: Não tenho marido. Disse-lhe Jesus: Disseste bem: Não tenho marido;

18 Porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade.

19 Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta.

20 Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar.

21 Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai.

22 Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus.

23 Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.

24 Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.

25 A mulher disse-lhe: Eu sei que o Messias (que se chama o Cristo) vem; quando ele vier, nos anunciará tudo.

26 Jesus disse-lhe: Eu o sou, eu que falo contigo.

27 ¶ E nisto vieram os seus discípulos, e maravilharam-se de que estivesse falando com uma mulher; todavia nenhum lhe disse: Que perguntas? ou: Por que falas com ela?

28 Deixou, pois, a mulher o seu cântaro, e foi à cidade, e disse àqueles homens:

29 Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Porventura não é este o Cristo?

30 Saíram, pois, da cidade, e foram ter com ele.

31 E entretanto os seus discípulos lhe rogaram, dizendo: Rabi, come.

32 Ele, porém, lhes disse: Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis.

33 Então os discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe, porventura, alguém algo de comer?

34 Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra.

35 Não dizeis vós que ainda há quatro meses até que venha a ceifa? Eis que eu vos digo: Levantai os vossos olhos, e vede as terras, que já estão brancas para a ceifa.

36 E o que ceifa recebe galardão, e ajunta fruto para a vida eterna; para que, assim o que semeia como o que ceifa, ambos se regozijem.

37 Porque nisto é verdadeiro o ditado, que um é o que semeia, e outro o que ceifa.

38 Eu vos enviei a ceifar onde vós não trabalhastes; outros trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho.

39 E muitos dos samaritanos daquela cidade creram nele, pela palavra da mulher, que testificou: Disse-me tudo quanto tenho feito.

40 Indo, pois, ter com ele os samaritanos, rogaram-lhe que ficasse com eles; e ficou ali dois dias.

41 E muitos mais creram nele, por causa da sua palavra.

42 E diziam à mulher: Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo.

43 ¶ E dois dias depois partiu dali, e foi para a Galiléia.

44 Porque Jesus mesmo testificou que um profeta não tem honra na sua própria pátria.

45 Chegando, pois, à Galiléia, os galileus o receberam, vistas todas as coisas que fizera em Jerusalém, no dia da festa; porque também eles tinham ido à festa.

46 Segunda vez foi Jesus a Caná da Galiléia, onde da água fizera vinho. E havia ali um nobre, cujo filho estava enfermo em Cafarnaum.

47 Ouvindo este que Jesus vinha da Judéia para a Galiléia, foi ter com ele, e rogou-lhe que descesse, e curasse o seu filho, porque já estava à morte.

48 Então Jesus lhe disse: Se não virdes sinais e milagres, não crereis.

49 Disse-lhe o nobre: Senhor, desce, antes que meu filho morra.

50 Disse-lhe Jesus: Vai, o teu filho vive. E o homem creu na palavra que Jesus lhe disse, e partiu.

51 E descendo ele logo, saíram-lhe ao encontro os seus servos, e lhe anunciaram, dizendo: O teu filho vive.

52 Perguntou-lhes, pois, a que hora se achara melhor. E disseram-lhe: Ontem às sete horas a febre o deixou.

53 Entendeu, pois, o pai que era aquela hora a mesma em que Jesus lhe disse: O teu filho vive; e creu ele, e toda a sua casa.

54 Jesus fez este segundo milagre, quando ia da Judéia para a Galiléia.

#10

PARABOLÁRIO

Parábolas do Reino


Símile é feito o reino dos Céus
ao homem que semeou boa semente
em seu campo.
Quando seus homens dormiram,
veio um inimigo
e sobressemeou erva ruim no meio do trigo,
e se foi.
Quando o trigo cresceu,
e deu fruto,
então também apareceu a erva ruim.
Vieram pois os servos do pai de família
e lhe disseram:
— Senhor, por acaso não semeaste
boa semente no teu campo?
Donde vem a erva má?
E ele lhes disse:
— Um inimigo fez isso.
Os servos, porém, lhe disseram:
— Se queres, vamos e a colhemos.
E ele disse:
— Não, para que não suceda que, por acaso,
colhendo a erva má,
arranquem com ela o trigo (...)”

Símile é o reino dos Céus
a um grão de mostarda
que um homem, pegando,
semeou em seu campo.
Que é a menor de todas as sementes.
Quando, porém, crescer
é maior que todas as hortaliças,
e se faz árvore,
de tal forma que as aves do céu venham
e habitem em seus ramos.

Símile é o reino dos Céus ao fermento
que uma mulher pega e esconde
em três medidas de farinha,
até que tudo está fermentado.

O semeador, o grão de mostarda, o fermento do pão: é do mundo material, do trabalho simples, que Jesus extrai os símiles para anunciar o advento de uma nova ordem de coisas.

Mateus arremata: “todas estas coisas Jesus falou por parábolas às turbas. E sem parábolas não falava a elas.”

Nutritivo observar que, em português, a palavra “palavra” vem, exatamente, do grego “parábola”: toda palavra é parábola.

Símile é o reino dos Céus
a um tesouro escondido no campo.
O qual, o homem que acha
esconde
e, para desfrutar dele,
vai, vende tudo o que tem
e compra aquele campo.

Símile é o reino dos Céus
ao homem de negócios
que procura boas pérolas.
Acha uma pérola preciosa,
vai, vende tudo o que tem
e a compra.

Aqui, os termos de comparação deixam de ser agrícolas e fabris e passam a ser comerciais, monetários.

Assim, símile ao reino dos céus
são redes lançadas ao mar,
pegando todo tipo de peixes.
As quais, quando estão cheias,
puxam para a terra firme,
botando os peixes bons na cesta,
os ruins jogando fora.

As seis parábolas sobre o Reino têm seu símile no mundo do trabalho (agricultura, artesanato, culinária, comércio), culminando na parábola piscatória, haliêutica, evidentemente muito ao gosto dos pescadores entre os quais Jesus recruta seus primeiros e mais tenazes seguidores.

Mais adiante, Mateus registra outras parábolas sobre o reino: a dos servos devedores (18, 23), a dos operários da vinha (20, 1), a do rei que estava casando seu filho (22, 1), a das dez virgens (25, 1), que emenda direto com a parábola dos talentos (25,14).

Em matéria de sentido, Jesus sabia o que estava fazendo.

Muitos são os chamados,
poucos, porém,
os escolhidos.

Outras Parábolas

O que é que vocês acham?
Se alguém tiver cem ovelhas
e uma se perder do rebanho,
por acaso você não deixa
as noventa e nove pelos montes
e vai buscar a que se perdeu?
E se acontecer de encontrá-la
amém digo a vocês
que mais se alegra com ela
do que pelas noventa e nove
que não se perderam.

Aqui, Jesus fala das crianças, pelas quais tinha um apreço especial, em sua inocência vendo um ideal, um limite máximo, que propunha a seus obtusos asseclas.

Vocês são o sal da terra.
Se o sal perder o gosto
com que sal vai se salgar?
Não serve mais pra nada,
a não ser pra ser jogado
e pisado por aí.

Vocês são a luz do mundo.
Ninguém consegue esconder
a cidade sobre o monte.
E não se acende a lâmpada
para colocar sob a mesa,
mas no candelabro
para que luza sobre
todos os que estão na casa.

Ouviram o que foi dito,
amar o próximo,
odiar o inimigo.
Eu, em vez, contradigo:
vamos amar os inimigos,
fazer bem aos que nos odeiam,
rezar pelos que nos persigam
e nos caluniam.

Assim são os filhos
do pai dos céus.
Seu sol, ele faz que resplandeça
sobre os bons e os perversos
e chova igualzinho
sobre os errados e os certos.

Teu olho
é a lâmpada do teu corpo.

Se teu olho está bem,
todo o teu corpo está lúcido.

Se teu olho não estiver,
todo o teu corpo está tenebroso.

Pois se a luz que tens em ti
são trevas,
como não vão ser as próprias trevas?

Olhem só as aves do céu
que não plantam nem colhem
nem armazenam no paiol,
e o pai celeste
as abastece.

Acaso vocês
não são mais que essas criaturas?
Quem de vocês, por exemplo,
pensando,
poderia acrescentar um palmo
à sua própria estatura?

Se preocupar com roupa?
Vejam só os lírios do campo,
não trabalham nem tecem
e olha só como crescem.
Minha palavra a vocês,
nem Salomão em toda sua glória
jamais se vestiu com tanta beleza.
(Mateus, 6, 26)


Nos primeiros séculos da era cristã, deveriam circular incontáveis parábolas atribuídas a Jesus, umas, dele, outras, meio dele, outras, livres interpretações e desdobramentos do seu processo, desenvolvidas por intérpretes mais ou menos fiéis.

Em Lucas, o mais “artístico” dos evangelistas (corre que era médico e pintor), várias parábolas, que não constam em Mateus: a da figueira estéril, a da dracma perdida, a do filho pródigo.

Na parábola da dracma perdida, a recorrência do tema monetário:

Qual é a mulher
que, tendo dez dracmas,
se perder uma
não acende a lâmpada
e varre a casa e procura
até achar?
E quando acha,
chama as amigas e vizinhas
dizendo: vamos nos alegrar,
achei a dracma que tinha perdido.


Quanto à parábola do filho pródigo, nenhuma dúvida: nela, “Lucas” realiza a mais inteiriça peça ficcional dos evangelhos.

O capítulo 15 de Lucas, a partir do versículo 11, é a molécula de uma novela arquetípica, onde não falta nenhum dos melhores ingredientes do gênero: cor local, surpresa, adversidade da fortuna, rompimento, aventura, a fuga da origem, a volta às origens.

Um homem tinha dois filhos.
E o mais jovem deles disse ao pai:
pai, me dê a porção da substância
(= parte da herança) que me cabe.
E o pai dividiu a substância (a herança).
E não muitos dias depois,
todos reunidos, o filho mais moço
partiu para uma região longínqua,
e aí dissipou sua substância,
vivendo na opulência.
Na região, porém, fez-se forte fome
e ele começou a sentir falta de tudo,
e ele ficou muito mal de vida.
Então, ele partiu
e foi trabalhar para um proprietário da região.
O proprietário o mandou guardar porcos
em sua fazenda.
E tudo que queria era encher a barriga
com o farelo, que os porcos comiam
Mas ninguém lhe dava.
Reverso em si mesmo, disse:
— Quantos empregados na casa do meu pai
abundam em pão,
e eu morro de fome.
Vou me levantar e vou a meu pai
e direi a ele:
— Pai, pequei diante do céu
e diante de ti.
Já não mereço que me chames de filho.
Só quero um lugar entre teus empregados (...)

O resto da fábula todo mundo sabe.
A alegria com que seu pai o recebe e o perdoa. A festa que o velho fez para comemorar a volta do filho. A inveja e o ciúme do irmão mais velho, que não abandonou o patriarca e estranhou que a ingratidão seja recompensada com presentes e banquetes.

A entrada em cena, na trama, do irmão mais velho é um primor de ficção, cheio de cor, detalhe, movimento e até música:

O filho mais velho, porém,
estava na roça.
E quando voltava
e se aproximou da casa,
ouviu música de instrumentos e vozes.
E chamou um servo
para saber o que é que estava havendo.
E este lhe disse:
— Teu irmão voltou,
e teu pai mandou matar
um bezerro gordo
para comemorar.
O mais velho ficou puto
e não quis entrar.
O pai veio até ele
começou a pedir para ele entrar.
Mas ele, respondendo,
disse ao pai:
— Eis que, ano após ano,
trabalho para você,
nunca deixei uma ordem tua sem cumprir,
e você nunca me deu um cabrito
para eu churrasquear com meus amigos.
Mas esse teu filho aí que
devorou sua herança
com meretrizes,
ele volta,
você mata para ele um bezerro gordo.
Mas o pai disse a ele:
— Filho, você sempre está comigo,
e tudo o que eu tenho é teu.
Mas eu tinha que festejar e me alegrar
porque este teu irmão estava morto
e viveu de novo,
estava perdido
e foi achado.

Felizmente para a fábula, não é fácil decodificar seu sentido, seu significado doutrinário, teórico ou teológico.

A fábula parece pertencer ao ciclo das parábolas sobre o Reino.

E se aparenta a outras tendo como tema a volta do perdido (a ovelha, a dracma perdidas), a certeza do perdão. Nela, Jesus se justifica, para os fariseus, de sua amizade com publicanos e pecadores.

Observar a forte coloração masculina e patriarcal da cena toda, onde não há nenhuma mulher, nenhuma mãe, nenhuma irmã, nenhuma filha, nenhuma esposa.

Uma leitura atual, à luz da Economia, da Sociologia e da História, pode extrair da parábola um quadro muito claro das relações de trabalho e produção, na Palestina de Jesus, no meio agrário.

O pai-patriarca é proprietário de alguma extensão de terra, cultivada em regime familiar (o irmão mais velho volta do eito).

O trabalhador assalariado está presente: o filho pródigo se emprega, para guardar porcos. E, com fome, lembra que os empregados do seu pai (“mercenários”, na tradução de Jerônimo) têm pão.

Além destes, havia servos, submetidos, evidentemente, a um estatuto jurídico e social mais arcaico que o dos “mercenários”.

O velho patriarca mobiliza seus recursos para festejar a volta do caçula. Chama um servo e manda dar ao filho um manto novo, um anel e sandálias novas.

A propriedade parece ser uma unidade agrícola e pecuária: o patriarca manda matar um bezerro gordo, o mais velho reclama do cabrito que o pai nunca lhe deu.

Soa-me que é o único lugar dos evangelhos onde apareça alguma menção à música ou atividades musicais.

De volta do campo, o mais velho ouve música (“symphoniam et chorum”, no latim de Jerônimo), alegrando a festa da volta do caçula. Poderia haver, nas vilas, músicos profissionais, que um próspero fazendeiro contratava para abrilhantar suas celebrações.

Ou estes músicos poderiam estar entre os servos, como no Brasil Colônia, quando muita casa-grande tinha sua banda particular, constituída de escravos.

Seja como for, a chamada Parábola do Filho Pródigo é a unidade ficcional mais rica e mais redonda, mais ampla e mais realizada, de todo o Novo Testamento.

A inspiração artística que a conduz faz com que transcenda qualquer finalidade doutrinária mais imediata. E a afirma como objeto artístico autônomo, para figurar com brilho em qualquer antologia da narrativa mundial.

Apócrifos são as centenas de evangelhos dos primeiros séculos da era cristã, que a Igreja nascente desautorizou como testemunhos verazes da vida e doutrina de Jesus.

Heréticos, fantásticos, subterrâneos, chegaram até nós muito fragmentariamente, não acrescentando grande coisa ao que já sabíamos a partir de Mateus, Marcos, Lucas e João.

Destroço de um desses apócrifos é o chamado Fragmento Evangélico Egerton.

Consta de um fragmento de papiro proveniente do Egito, exarado em grego, em meados do século II.

Nele, brilha esta fábula, que os evangelhos oficiais não registram:

Jesus que estava andando,
parou na margem do Jordão,
estendeu a mão direita...
e semeou no rio...
............e (?)
à vista deles (...), a água
produziu frutos...


Os acidentes de grafia deste fragmento reproduzem as lacunas do papiro Egerton, que chegou até nós muito danificado: o texto original foi reconstituído, por equipes de especialistas, a partir de conjecturas e probabilidades.

Fragmento de um Apócrifo

O Evangelho da Infância conhecido como Evangelho Segundo Domingos

Jesus era menino, passou um cego na estrada. Jesus foi guiando o cego o dia inteiro, voltou só à noite. Maria já andava doida:

— Onde você andou, menino de Deus?!

— Por aí. Tem pão, mãe?

José nem falou nada: só deu o pão.

Dias depois Jesus subiu no telhado. Maria mandou descer. José nem ligou:

— Se cair, do chão não passa.

Os outros meninos chamavam Jesus de louco: será que tinham razão? Maria pensava tanto que a massa do pão até azedou. José só coçou a barba:

— O avô que eu mais gostava também era meio louco...

Na feira, Jesus sumia. Maria procurava — cadê, cadê? Jesus conversava numa roda de homens, ela nem acreditava. José erguia os ombros:

— Por que não?

Depois, Jesus ficava horas olhando as estrelas. Maria se preocupava:

— Que é que você tanto pensa, meu filho?

José sentava do lado dele, ficava cortando um cavaco. Na hora de dormir, o menino ainda estava lá olhando as estrelas. Maria chamava — Vem dormir, filho. E José dormia resmungando:

— Quando der sono, ele dorme.

E, um dia, no rio, José viu os primeiros pêlos no corpo de Jesus.

Contou a Maria:

— Está virando homem.

Maria suspirou — Graças a Deus, quem sabe agora endireita.

Mas Jesus agora só queria discutir com doutores. Maria amassava o pão com o coração miúdo:

— Ainda vão prender esse menino.

— Já é um moço — José sempre corrigia.

Até que um dia Jesus avisou: ia viajar. Maria ficou piscando de espanto, José se coçou muito antes de falar:

— Cuidado com a saúde e veja bem com quem anda.

Jesus voltou anos depois. Maria ajoelhou quando viu aquele homem entrando em casa.

— Graças a Deus — foi só o que ela falou.

— Oi, mãe — disse Jesus abraçando e, depois, olhou em volta — Tem pão?

José serrava umas tábuas, parou para abraçar Jesus, continuou a serrar.

— Voltou para ser carpinteiro, filho?

Jesus sentou cansado.

— Não sei o que fazer da vida, pai.

— Viaja mais — José falou se coçando — um dia você acha o que fazer.

— É — suspirou — acho que vou andar mais um pouco por aí.

Monday, April 20, 2009

Zdjecia pieknego miejsca, do którego zawsze jest warto powrócic...
Miejsca gdzie mozna sie wyciszyc i kontemplowac piekno natury...


http://dabrownofoto.blogspot.com/

#9

CAPÍTULO 8

O QUE FOI FEITO DE JESUS



“Deus factus est homo ut homo fíeret Deus.”
“Deus se fez homem para que o homem se
tornasse Deus.”
(Agostinho)

“Uma nação de estilo mágico é a
comunidade confessional, a associação de
todos aqueles que conhecem o caminho da
salvação e que são unidos, intimamente,
pelo idjma desta crença.”
(Oswald Spengler, O Declínio do Ocidente)

Traduções (tanto católicas quanto protestantes) dos evangelhos costumam vir carregadas de adições de nomes e títulos de capítulos, que não existem no original: o texto grego de Mateus, Marcos, Lucas e João são blocos de episódios e relatos, sem títulos dividindo as partes.

Tanto quanto possível, os evangelhos procuram manter uma cronologia lógica e linear de biografia, nascimento, desenvolvimento e morte de Jesus.

Mateus, Marcos e Lucas acompanham mais ou menos o mesmo desenho no enredo da saga de Jesus: muitos episódios de um são variantes de episódios dos outros evangelhos.

Por isso, esses três são chamados de “sinóticos”, em grego, literalmente, “os que vêem junto’’.

Singular é o caso do evangelho atribuído a João.

João teria sido o mais jovem dos discípulos de Jesus. Em seu nome, correm três epístolas do Novo Testamento. E — sobretudo — o Apocalipse, livro-fecho das Sagradas Escrituras, o Livro último, a profecia do Juízo Final, culminação da História.

A ser assim, João é um dos maiores poetas da literatura hebraica antiga: inexcedível, o esplendor imagético do Apocalipse.

Houve muitos apocalipses: era, entre os judeus, um dos gêneros textuais mais praticados um pouco antes e um pouco depois do advento de Jesus.

Nestes Livros do Fim do Mundo, narrava-se, com abundância de detalhes fantásticos, a Catástrofe Máxima da Culminação dos Tempos, quando a História, a aventura humana, adquiria seu sentido último, pesada e medida por um Super-Olhar vindo de Fora.

O conceito de apocalipse, como os de demônio e inferno, estranhos ao judaísmo primitivo, parecem ser de origem persa: assim, falavam o Zend-Avesta e Zaratustra nas crenças de Israel, depois que o rei iraniano Ciro libertou os hebreus do Cativeiro da Babilônia (616 a.C).

A mesma pena que escreveu o quarto evangelho teria, também, escrito o livro-ponto-final das Escrituras?

O fato é que o evangelho atribuído ao apóstolo João difere bastante dos demais.

Na ordem dos fatos. No encadeamento entre os episódios.

Nos detalhes inéditos. Em tudo, o evangelho de João discrepa.

Incontáveis gerações de exegetas despenderam eternidades para colocar em concordância o evangelho de João e os sinóticos.

Mas não é esta diferença “ficcional” que separa João e os outros. Jesus, nas palavras de João, parece ser outra pessoa. De fato, já é.



Na lembrança da sua “eclésia”, o nabi galileu começa a se transformar na Segunda Pessoa da Trindade, não mais filho de Deus, como todo mundo, mas Deus mesmo, sua parte que se fez carne e se envolveu, irremediavelmente, com a História concreta dos homens.

Começa o mistério da Encarnação, mito fundante do cristianismo e fonte de toda a sua vitalidade duas vezes milenar: a noção de que Deus, a Transcendência Absoluta, viveu, gozou e padeceu na carne do homem toda a miséria e a desgraça da condição humana.

A coincidência homem/deus era comum no Oriente.

Os egípcios não tinham nenhuma dificuldade em ver na pessoa dos seus faraós a presença de um nume, um deus. Um orixá, diria como brasileiro?

Com Jesus, foi diferente.

No evangelho de João, ele começa a aparecer, não como mais um deus ao lado dos outros, mas como parte da divindade mesma, da qual é parcela materializada em carne e osso no planeta Terra, feito palco de um drama divino, como se a Suprema Inteligência, Lógica e Sentido Último deste Escândalo que se chama Ser, tivesse vontade de viver aqui. Num mortal e sofrível corpo de homem.

Conforme a tradição, o mais jovem dos discípulos diretos de Jesus teria vivido mais de cem anos, modo oriental de dizer que é muito tardio o evangelho que leva seu nome.

Em João, definitivamente, Jesus deixa de ser uma pessoa real.

E ingressa, triunfante, na galeria das idéias-primas, aquelas que proclamam o sentido dentro da vida humana.

Há uma rima entre a condição escrava dos hebreus no Egito dos faraós, donde Moisés os tirou, e o status do cristianismo nascente, religião de escravos no Império Romano.

Oprimido entre muitos inimigos, o judaísmo, a fé de Jeová, reagiu criando o cristianismo, sua modalidade expansiva, proselitista, imperialista, universal.

Judaísmo e cristianismo sobreviveram a todos os Baal, todos os Zeus, todos os Ra, todos os Júpiter, de que foram contemporâneos e oponentes.

Católico ou protestante, o cristianismo é, sob muitos aspectos, o triunfo do judaísmo.

No ímpeto profético inspiradíssimo da abertura do evangelho de João, sempre se suspeitou da presença de odores de incensos gregos, (e egípcios) vindos das escolas filosóficas de Alexandria, no Egito, então, a capital intelectual do mundo mediterrâneo, onde milhares de judeus viviam há séculos:

No princípio,
era a palavra.
E a palavra
estava em Deus.
E Deus era a palavra.
Isto, no princípio,
estava em Deus.
Tudo aconteceu
através disto
e sem isto nada aconteceu
do que acontecido está.

Quão longe toda essa metafísica da fé simples dos patriarcas hebreus, ninguém saberia dizer com precisão. No intróito de João, Jesus desprende-se da carne humana.

E começa sua carreira como idéia. Ou como o que?

Tênia

Tênia ou Solitária é o nome comum dado aos vermes platelmintos das ordens Pseudophilidae e Ciclophylidae, que pertencem à classe Cestoda, que inclui vermes parasitas de diversos animais vertebrados, inclusive do homem. A Taenia solium e a Taenia saginata são as mais conhecidas por parasitarem o intestino delgado do homem. Os seus hospedeiros intermediários são o porco, no caso da Taenia solium, o boi no caso da Taenia saginata e os peixes no caso do Diphyllobothrium latum. Além de ser o hospedeiro definitivo, quando tem o lúmen do intestino parasitado, (de forma quase sempre benigna) causando a doença Teníase, o homem também pode se tornar hospedeiro intermediário, sendo acometido por uma doença mais grave, a Cisticercose, somente determinada pela Taenia solium.

Economia com juros é gasta no governo

MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL - Folha de São Paulo

O governo federal usou praticamente toda a economia que teve com a queda dos juros desde 2006 para reforçar sua própria estrutura e aumentar o salário do funcionalismo público. Pouco foi feito para elevar os investimentos, necessários para permitir que o país cresça sem solavancos.

É o que revela estudo feito pelo economista Alexandre Marinis, sócio da consultoria Mosaico, a pedido da Folha. Entre abril de 2006 e fevereiro de 2009, os gastos anuais do governo central com juros caíram cerca de R$ 40 bilhões. No mesmo período, as despesas com pessoal subiram iguais R$ 40 bilhões, e as de custeio, R$ 26,7 bilhões. Já as despesas de capital - os investimentos propriamente ditos - aumentaram apenas R$ 14,7 bilhões.

Escolex de T. solium

As Tênias possuem corpo segmentado composto por anéis, chamados proglótides ou proglotes. Habitualmente, para efeitos de esquematização, divide-se o corpo da tênia em três zonas: o escólex ou cabeça, o pescoço e o estróbilo. O escólice é a parte do corpo onde se encontram os órgãos de fixação do verme à mucosa intestinal do hospedeiro, quais sejam as ventosas, o rostro ou rostelo e a coroa de ganchos. O pescoço é uma região de intensa multiplicação celular, responsável pela formação das proglótides. O conjunto de proglótides é chamado de estróbilo. As proglótides, ao se afastarem da extremida anterior vão sofrendo um processo de maturação, passando pelos estágios de proglótides imaturos, maduros e grávidas, isto é, proglótides ainda sem aparelhos sexuais, as com aparelhos sexuais desenvolvidos e aquelas que já possuem ovos fecundados. As tênias são vermes hermafroditas e cada estróbilo maduro possui aparelhos sexual masculino e feminino. As proglótides grávidas estão na extremidade final do estróbilo e se soltam do corpo do verme, sendo então elimadas junto com as fezes. Esse processo de desprendimento das proglótides grávidas do estróbilo é chamado de apólise. Entre as tênias existentes, quatro têm o homem como hospedeiro definitivo. São elas a Taenia solium, Taenia saginata, Taenia asiatica e Diphyllobothrium latum.

O mês de abril de 2006 foi escolhido como marco inicial do estudo por duas razões. Naquele mês, o governo central registrou o pico do pagamento de juros acumulados em 12 meses. Também foi a partir de abril de 2006 que o governo acelerou a contratação e intensificou os reajustes salariais.

Ou seja, o aumento de gastos com funcionalismo e custeio não foi produto de um simples crescimento vegetativo e involuntário da máquina, mas, principalmente, do voluntarismo oficial.

Entre 2003 e 2005, nos três primeiros anos do governo Lula, o crescimento médio anual da folha de salários federais foi de apenas R$ 7 bilhões. Entre 2006 e 2009, esse aumento pulou para R$ 13 bilhões ao ano.

"A política econômica do segundo mandato do presidente Lula está sendo marcada não só pela queda dos juros, mas também pelo maior ciclo de contratações e de aumentos salariais ao funcionalismo de que se tem notícia", disse Marinis.

A Taenia solium adulta vive no intestino delgado do homem e tem como uma das características distintivas da Taenia saginata, a presença de uma dupla coroa de ganchos, armada sobre o rostelo, que auxilia na fixação do helminto à mucosa intestinal. O homem que possui teníase ou solitária, como também é chamada a doença causada pela presença desse animal no intestino, libera cerca de 40.000 ovos fecundados por anel eliminado nas fezes. Esses ovos contêm embriões denominados oncosferas.
O porco, hospedeiro intermediário, ingere os ovos que, ao chegarem no intestino, liberam a oncosfera. A oncosfera atravessa a mucosa digestiva, ganha a corrente sangüínea e se aloja em vários tecidos ou órgãos do animal. Nesses locais, evolui para um estágio larval, chamado cisticerco.
O homem se torna hospedeiro definitivo do animal quando ingere carne de porco crua ou malcozida contendo cisticercos. Ao ingerir ovos da tênia em vez de cisticercos, o homem passa a ser hospedeiro intermediário. Quando os ovos sofrem maturação e se tornam cisticercos no organismo humano, podem causar deficiência visual, fraqueza muscular e/ou epilepsia, dependendo do local onde se alojam. Essa doença é chamada cisticercose e é mais grave que a teníase. O tratamento normalmente é feito com Mebendazol administrado durante 3 dias.

Nos 12 meses entre maio de 2005 e abril de 2006, a Selic média estabelecida pelo Copom (Comitê de Política Monetária do BC) foi de 18,5%. Já nos 12 meses entre março de 2008 e fevereiro de 2009, a taxa caiu para 12,8% -uma redução de 5,7 pontos percentuais.

O levantamento ganha relevância com a perspectiva de novas quedas da taxa Selic até dezembro. Se a taxa média, acumulada em 12 meses, cair de 12,8%, hoje, para 10% no fim do ano, como prevê o mercado, estima-se em R$ 20,3 bilhões a redução do custo da dívida do governo federal.

"Esse valor equivale à metade dos ganhos já ocorridos com a queda dos juros desde 2006", disse Marinis. "Pela experiência recente, esse dinheiro não deve ir para investimentos. Os juros não são o único vilão das contas públicas. Sua redução não garante, necessariamente, o aumento dos investimentos."

Há também a Taenia saginata [recentemente reclassificada como Taeniorhyncus saginata], cujos hospedeiros intermediários são os bovinos, que se infectam através da ingestão dos ovos desse parasita, eliminados nas fezes do homem. No caso da Taenia saginata o homem pode ser apenas hospedeiro definitivo, diferente do que ocorre com a Taenia solium. As proglótides são eliminadas individualmente e fora das evacuações, forçando o esfíncter anal do portador. Esta espécie está disseminada mundialmente e o número de portadores humanos está estimado entre 40 e 60 milhões. T. saginata pode atingir até 12m de comprimento (comprimento do intestino humano).
A Taenia saginata tem quatro ventosas, mas não tem ganchos no escoléx, o que a diferencia da T. solium.
A Taenia saginata asiática é uma subespécie que infecta também o porco, causando cistos infecciosos no seu fígado.
As medidas profiláticas para a teníase determinada pela Taenia saginata são o saneamento básico, evitar a ingestão de carne bovina crua ou mal passada e a inspeção do abate dos bovinos destinados ao consumo humano.

Além dos gastos de custeio e da folha, as despesas com benefícios previdenciários também aumentaram mais do que os investimentos entre 2006 e 2009: R$ 51,8 bilhões.

Mais receita

Em entrevista à Folha, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, disse que a queda dos juros não pode servir de pretexto para a elevação descontrolada do gasto público.


Proglótide de T. saginata

#8

CAPÍTULO 7

JESUS JACOBINO


“Meu reino não é deste mundo.”
(Jesus)

“A História é um pesadelo do qual quero
acordar.”
(James Joyce)

“Eis que o reino de Deus está dentro de
vocês.”
(Lucas, 17,21)

Jesus, reformador ou revolucionário?

Essas categorias são muito modernas, filhas das Revoluções francesas, russa, mexicana, chinesa e cubana, talvez as únicas, até agora, dignas desse nome.

A tomada do poder pelas classes oprimidas raras vezes (alguma?) ocorreu na História.

A doutrina de Jesus, porém, tomou o poder no Império Romano, sem disparar um tiro, quer dizer, sem disparar uma flecha nem levantar uma espada.

Isso é um fato.

Como é fato que foi a burguesia quem inaugurou a idade das revoluções, com essa revolução francesa, que Lenin e Trotsky, pais da russa, chamavam A Grande Revolução.

Nela, a atuação mais radical foi a do Partido Jacobino, liderado por Robespierre, dito o Incorruptível, oposto aos girondinos, de tendência moderada (1793-1794).

Durante a breve ditadura dos jacobinos, milhares de cabeças rolaram na guilhotina, condenadas pela sumária justiça revolucionária (revoluções não costumam primar pela gentileza nem pelas boas maneiras).

Robespierre e os jacobinos queriam a pureza máxima do ideal revolucionário: democratização, republicanismo, secularização, em uma palavra, o racionalismo da burguesia iluminista, moldando a sociedade à imagem dos seus interesses e à semelhança dos seus negócios.

Robespierre pode parecer o paralelo mais inadequado para Jesus. Nenhum símile entre quem salvou a adúltera de apedrejamento, contra as leis de Moisés, e o advogado que, 1790 anos depois, condenou à morte, implacável, seus próprios companheiros de Partido e de militância, com o rosto de pedra de um rei assírio. Uma coisa, porém, Jesus e Robespierre têm em comum. Eles querem o exagero, a pureza de um princípio.

Nisso, são revolucionários. Apenas os métodos diferem.

Erro pensar que Jesus veio abrandar os rigores farisaicos da religião de Israel. Ele veio para tornar mais agudas as exigências dessa fé.

Um dos pontos essenciais de sua doutrina é a interiorização dos ritos.

Daí, sua hostilidade constante contra o exibicionismo da piedade dos fariseus.

Jesus os detesta porque mandam tocar trombeta na hora em que vão depositar esmolas no templo, para que todos saibam como eles respeitam a Lei.

Os fariseus lhe devolvem o rancor na mesma medida, classe ideologicamente dominante (o poder romano era inteligente demais para mexer na religião dos seus incontáveis súditos, pontuais pagadores de impostos, que importa que não adorem?).

Influências essênias, contato com João o Batista, Jesus acelera ao máximo essa tendência de interiorização dos ritos judaicos, que já tinha começado com os profetas, no século VII a.C.

O dentro e o fora começam a desaparecer: exterior e interior tendem a se encontrar num ponto infinito.

Jesus está inventando a alma: o super-signo que todos somos “dentro”. Essa, talvez, foi a sua revolução, a mais imperceptível de todas.

Jesus ocupa um lugar muito especial na lista dos Cromwels, Robespierres, Dantons, Zapatas, Villas, Lenins, Trotskys, Maos, Castros, Guevaras, Ho-Chi-Mins, Samoras Machel.

Talvez, seja inadequado aplicar à irradiação da doutrina de Jesus o qualificativo de “revolução”, afinal, uma categoria política essencialmente moderna, com implicações não apenas ideológicas mas, sobretudo, econômicas, administrativas, sociais e pedagógicas. E bélicas. Uma categoria essencialmente laica.

A saga de Jesus só faz sentido no interior de um mundo de intensidade religiosa máxima, como o judaísmo antigo, onde as motivações da fé comandavam todos os aspectos da vida. Uma existência inimaginavelmente mais rica do que esta jângal sem grandeza, que é a vida das grandes massas nas megalópoles abortadas pela Revolução Industrial.

Só um energúmeno iria pedir a um profeta da Galiléia, na época de Augusto, programas concretos de reforma agrária, projetos de participação nos lucros da empresa ou altas estratégias de tomada do poder através da organização militar das massas.

Ninguém, porém, que conheça os evangelhos pode deixar de ver o caráter violentamente utópico, negador (utopias são negações da ordem vigente: o imaginário é subversivo), prospectivo, des-regrado (r), da pregação de Jesus. Nem vamos sublinhar o teor popular de sua doutrina.

Impossível superar esta bem-aventurança:

Felizes os pobres,
porque deles é o reino.


A contradição (binária) pobre x rico, a mais elementar de todas, Jesus viu. E fulminou, brilhante:

Mais fácil
passar um camelo
pelo buraco de uma agulha
do que um rico
entrar no reino dos céus.


O profeta era radical:

Não se pode servir
a dois senhores:
a Deus e a Mammon.


Mammon, a divindade cananéia, cultuada pelos comerciantes, que propiciava bons negócios e fortuna em dinheiro.

Com Mammon, Jesus não queria parte.

Mais que populismo, esse pauperismo de Jesus parece ter raízes na tradição judaica.

Jesus apresenta traços ebionitas.

Ebion, em hebraico, é “pobre”.

Os ebion constituíram uma seita judaica, uma habhurah, anterior a Jesus, que se transformou numa das centenas de seitas judaico-cristãs que proliferaram por todo o Mediterrâneo, depois da morte do profeta.

Seu credo fundamental consistia em afirmar a santidade essencial da pobreza, da penúria de bens, da frugalidade, uma doutrina contra o ter.

O tema ebionista foi modulado muitas vezes na história do cristianismo, sempre com implicações subversivas e utópicas: Francisco de Assis, um de seus momentos mais altos. Concilio Vaticano II. Igreja dos pobres, no Terceiro Mundo. A essencial subversividade (“negatividade”) da doutrina de Jesus revela-se, porém, na própria realidade que ele anunciava, uníssono com os profetas de Israel: o iminente advento de um Reino. O Reino de Deus.

Um momento de atenção na palavra “reino”, vocábulo político, com implicações de poder, autoridade e mando.

Jesus não inventou a expressão nem o tema. Já está lá em Abdias, o mais antigo dos profetas (século VII a.C).

O Reino de Deus era a restauração da autonomia nacional do povo hebreu. Sobre isso, a autoridade romana não se equivocou, ao pregar o profeta na crux, exemplar suplício com que os latinos advertiam os rebeldes sobre os preços em dor da sua insurreição.

Esse o suporte material, sócio-econômico-político, da pregação, por Jesus, de um (novo) Reino, um (outro) poder.

Nessa tradução/translação do material para o ideológico, Jesus forneceu um padrão utópico para todos os séculos por vir.

As duas grandes revoluções, a Francesa e a Russa, estão carregadas de traços messiânicos de extração evangélica.

Ambas prometeram a justiça, a fraternidade, a igualdade, enfim, a per-feição, o ideograma da coisa-acabada projetada sobre o torvelinho das metamorfoses.

Natural que seja assim. Afinal, as utopias são nostálgicas, saudades de uma shangrilá/passárgada, estado de excelência que lá se quedou no passado, Idade de Ouro, comunidade de bens na horda primitiva, antes do pecado original da divisão da sociedade em classes, plenitude primitiva, paleolítica, intra-uterina, antes do pesadelo chamado História.

Apokatástasis pánton, locução grega, registrada nos Atos dos Apóstolos, expressa a esperança de Jesus e da Igreja (das igrejas) Primitiva.“Restauração de todas as coisas”, mas também “integral subversão de tudo”: apocatástase.

A revolução é o apocalipse, o Juízo Final de uma ordem e de uma classe social: o cristianismo primitivo cresceu à sombra da expectativa da segunda vinda, quando Jesus, vitorioso sobre a morte, voltaria, apocalipticamente, para julgar, ele que foi julgado e condenado pelas autoridades: o retorno do reprimido, a vendeta, o acerto de contas entre os miseráveis da terra e seus prósperos opressores e exploradores.

Nenhuma das religiões da terra foi construída em torno de um mito tão forte, tão fundo, tão básico.

A única exceção, quem sabe, seria o budismo.

Afinal, budismo e cristianismo têm um lugar para dialogar no tema da dor. E na nota da solidariedade. Da sim-patia, da compaixão.

Por aí, budismo e cristianismo, também, podem conversar, ainda, com o comunismo, cujas metas e mitos guardam tantos parentescos com as vivências mais fundamentais de um príncipe do Nepal chamado Buda e de um “rabi” hebreu, filho de um carpinteiro, chamado Jesus.

A força política da idéia de Jesus, porém, está no estabelecimento de um ultra/limite.

Amar os inimigos? Vender tudo e dar aos pobres? Ser “prudente como as serpentes e simples como as pombas”?

O programa de vida proposto por Jesus é, rigorosamente, impossível. Nenhuma das igrejas que vieram depois invocando seu nome e cultuando sua doutrina o realizou.

Religião saída de Jesus não poderia ter produzido Cruzadas, inquisição, pogrons e as guerras de religião entre católicos e protestantes, que ensangüentaram a Europa nos séculos XVI e XVII.

O programa de Jesus é uma utopia.

Curioso que, na frondosa bibliografia sobre os socialismos utópicos, nunca apareça a doutrina de Jesus como uma das mais radicais.

Lucas 10

1 ¶ E depois disto designou o Senhor ainda outros setenta, e mandou-os adiante da sua face, de dois em dois, a todas as cidades e lugares aonde ele havia de ir.

2 E dizia-lhes: Grande é, em verdade, a seara, mas os obreiros são poucos; rogai, pois, ao Senhor da seara que envie obreiros para a sua seara.

3 Ide; eis que vos mando como cordeiros ao meio de lobos.

4 Não leveis bolsa, nem alforje, nem alparcas; e a ninguém saudeis pelo caminho.

5 E, em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: Paz seja nesta casa.

6 E, se ali houver algum filho de paz, repousará sobre ele a vossa paz; e, se não, voltará para vós.

7 E ficai na mesma casa, comendo e bebendo do que eles tiverem, pois digno é o obreiro de seu salário. Não andeis de casa em casa.

8 E, em qualquer cidade em que entrardes, e vos receberem, comei do que vos for oferecido.

9 E curai os enfermos que nela houver, e dizei-lhes: É chegado a vós o reino de Deus.

10 Mas em qualquer cidade, em que entrardes e vos não receberem, saindo por suas ruas, dizei:

11 Até o pó, que da vossa cidade se nos pegou, sacudimos sobre vós. Sabei, contudo, isto, que já o reino de Deus é chegado a vós.

12 E digo-vos que mais tolerância haverá naquele dia para Sodoma do que para aquela cidade.

13 Ai de ti, Corazim, ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se fizessem as maravilhas que em vós foram feitas, já há muito, assentadas em saco e cinza, se teriam arrependido.

14 Portanto, para Tiro e Sidom haverá menos rigor, no juízo, do que para vós.

15 E tu, Cafarnaum, que te levantaste até ao céu, até ao inferno serás abatida.

16 Quem vos ouve a vós, a mim me ouve; e quem vos rejeita a vós, a mim me rejeita; e quem a mim me rejeita, rejeita aquele que me enviou.

17 ¶ E voltaram os setenta com alegria, dizendo: Senhor, pelo teu nome, até os demônios se nos sujeitam.

18 E disse-lhes: Eu via Satanás, como raio, cair do céu.

19 Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda a força do inimigo, e nada vos fará dano algum.

20 Mas, não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus.

21 Naquela mesma hora se alegrou Jesus no Espírito Santo, e disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai, porque assim te aprouve.

22 Tudo por meu Pai me foi entregue; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.

23 E, voltando-se para os discípulos, disse-lhes em particular: Bem-aventurados os olhos que vêem o que vós vedes.

24 Pois vos digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que ouvis, e não o ouviram.

25 ¶ E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?

26 E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês?

27 E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.

28 E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso, e viverás.

29 Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?

30 E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.

31 E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo.

32 E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo.

33 Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão;

34 E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;

35 E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar.

36 Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?

37 E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira.

38 ¶ E aconteceu que, indo eles de caminho, entrou Jesus numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa;

39 E tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra.

40 Marta, porém andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude.

41 E respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária;

42 E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada.

Sunday, April 19, 2009


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Saturday, April 18, 2009

CONTARDO CALLIGARIS - O Conto do Amor

Quando o revi, um mês mais tarde, meu pai também estava deitado em sua cama, e de novo dei um beijo em sua testa. Mas ele estava morto.

No fim do longo velório, quando todos foram embora, sentei na cama e fiz sua barba mais uma vez. Para onde quer que ele viajasse, para o céu ou para o nada, achei que gostaria de chegar de barba feita.

Depois do funeral, passei duas semanas em Milão. Com meu irmão, esvaziamos estantes e gavetas, guardando ou jogando fora papéis. Meu irmão ficou com as anotações de história da arte. Eu fiquei com os diários. As fotos a gente dividiu.


Ou melhor, ele levou a maioria delas e eu escolhi algumas, sobretudo retratos do meu pai em épocas diferentes.

Descobrimos uma caixinha de madeira, fechada a chave, no fundo da última gaveta do lado direito da escrivaninha do consultório de meu pai. Procuramos e experimentamos nela todas as chaves que encontramos. Sem sucesso. Chamamos um serralheiro, que conseguiu abrir a caixa sem estragá-la: continha as cartas trocadas entre ele e minha mãe durante o namoro. Havia dois conjuntos de cartas, as escritas por ele e as escritas por ela, cada carta em seu envelope original e cada conjunto reunido por uma fita de cor vermelha. Fiquei com as cartas, a caixinha e a nova chave feita pelo serralheiro.

Passei tardes inteiras olhando fotografias. Não os diapositivos das fér
ias de nossa família, que já estavam desbotados pelo tempo e que acabamos jogando fora, mas os álbuns de fotos em preto-e-branco, algumas de antes do casamento de meus pais, outras, quase todas, dos primeiros anos depois da guerra.

Ele tinha perdido os cabelos na guerra. Em 1940, em seu casamento, ele era um loiro esguio de cabelos encaracolados, com o rosto de um oval perfeito, quase feminino.

Na biblioteca de meu pai, peguei tudo o que achei sobre Sodoma, o catálogo da e
xposição de Vercelli de 1950, a monografia de R. H. Hobart Cust, de 1906, com suas reproduções monocromáticas, e a outra, de Andrée Hayum, de 1976 (uma raridade, como soube depois). Não encontrei nada que fosse especificamente sobre os afrescos de Monte Oliveto Maggiore.

Levei os livros para Nova York, mas lá apenas os folheei. Só me detive um pouco mais nos trechos que tratavam dos assistentes de Sodoma. Coloquei os volumes todos juntos numa mesma estante do meu consultório, e os esqueci.


Três ou quatro anos mais tarde, meu irmão, que não sabia da última conversa que meu pai havia tido comigo, mas percebera meu interesse por Sodoma, resolveu me presentear e me mandou pelo correio um ensaio que acabara de sair sobre o pintor, assinado por Roberto Bartalini. Percorri rapidamente o livro e o juntei aos demais, na mesma estante. De novo, os esqueci.

CHICO BUARQUE - Leite Derramado

Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. Você vai usar o vestido e o véu da minha mãe, e não falo assim por estar sentimental, não é por causa da morfina. Você vai dispor dos rendados, dos cristais, da baixela, das joias e do nome da minha família. Vai dar ordens aos criados, vai montar no cavalo da minha antiga mulher.

E se na fazenda ainda não houver luz elétrica, providenciarei um gerador para você ver televisão. Vai ter também ar condicionado em todos os aposentos da sede, porque na baixada hoje em dia faz muito calor.
Não sei se foi sempre assim, se meus antepassados suavam debaixo de tanta roupa. Minha mulher, sim, suava bastante, mas ela já era de uma nova geração e não tinha a austeridade da minha mãe. Minha mulher gostava de sol, voltava sempre afogueada das tardes no areal de Copacabana. Mas nosso chalé em Copacabana já veio abaixo, e de qualquer forma eu não moraria com você na casa de outro casamento, moraremos na fazenda da raiz da serra. Vamos nos casar na capela que foi consagrada pelo cardeal arcebispo do Rio de Janeiro em mil oitocentos e lá vai fumaça. Na fazenda você tratará de mim e de mais ninguém, de maneira que ficarei completamente bom. E plantaremos árvores, e escreveremos livros, e se Deus quiser ainda criaremos filhos nas terras de meu avô. Mas se você não gostar da raiz da serra por causa das pererecas e dos insetos, ou da
lonjura ou de outra coisa, poderíamos morar em Botafogo, no casarão construído por meu pai. Ali há quartos enormes, banheiros de mármore com bidês, vários salões com espelhos venezianos, estátuas, pé-direito monumental e telhas de ardósiaimportadas da França. Há palmeiras, abacateiros e amendoeiras no jardim, que virou estacionamento depois que a embaixada da Dinamarca mudou para Brasília. Os dinamarqueses me compraram o casarão a preço de banana, por causa das trapalhadas do meu genro. Mas se amanhã eu vender a fazenda, que tem duzentos alqueires de lavoura e pastos, cortados por um ribeirão de água potável, talvez possa reaver o casarão de Botafogo e restaurar os móveis de mogno, mandar afinar o piano Pleyel da minha mãe. Terei bricolagens para me ocupar anos a fio, e caso você deseje prosseguir na profissão, irá para o trabalho a pé, visto que o bairro é farto em hospitais e consultórios. Aliás, bem em cima do nosso próprio terreno levantaram um centro médico de dezoito andares, e com isso acabo de me lembrar que o casarão não existe mais. E mesmo a fazenda na raiz da serra, acho que desapropriaram em 1947 para passar a rodovia.

CHICO DOS BONECOS, ESTEVÃO MARQUES e SILVIA AMSTALDEN
Muitas coisas, poucas palavras - A oficina do professor Comênio e a arte de ensinar e aprender

Comenius de Jan Amos Komensky – Comênio, como ficou conhecido em países de língua portuguesa – nasceu em 1592 em Nivnice, Morávia (hoje República Tcheca), e faleceu em Amsterdã, em 1670. Ele foi o pioneiro de ideias hoje consensuais, entre elas aquelas que pregam a universalidade do direito à educação e o respeito e consideração pelas habilidades e vocações da criança, como também por suas emoções. O filósofo Comênio estava séculos à frente de seus contemporâneos, pois suas ideias só foram ouvidas no século 20.



BENÉ FONTELES - GiLuminoso - A Po.Ética do Ser

[...] O livro/cd GiLuminoso - A Po.Ética do Ser, de autoria de Bené Fonteles, é uma realização da Editora UnB, SESC São Paulo e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, destacando o lado poético do artista. Nele estão reunidos poemas, ensaios e fotografias sobre a vida e a obra de Gilberto Gil, por meio de grandes expoentes da cultura brasileira. Um cd, com uma seleção de poemas e interpretações musicais, dá voz e registro definitivo à obra de um dos principais artífices de nossa história musical.

Danilo Santos de Miranda - Diretor do Departamento Regional do SESC no Estado de São Paulo


#7

CAPÍTULO 6

JESUS MACHO E FÊMEA


“E soprou o Senhor Adonai um sono sobre Adão: quando dormiu, tirou uma de suas costelas e encheu o lugar com carne. E da costela que tirou de Adão o Senhor Adonai edificou a mulher”.

Neste mito do Gênesis, o fundamento metafísico do rigoroso patriarcalismo semita (hebreus e árabes).

Notável na estrutura do mito da origem de Eva é que ele constitui uma inversão da realidade: biologicamente, é o homem que sai da mulher, não a mulher do homem.

Curiosamente, o Gênesis, ainda por cima, referenda o mito com uma pseudo-etimologia, um argumento filológico, fundando o mito no próprio tecido morfológico da linguagem.

“E ela se chamou “mulher” porque do “homem” foi extraída”.

Em hebraico, homem é isch, mulher, ischah: nenhuma dúvida, ischah é uma forma derivada de isch...

O patriarcalismo falocrático, próprio dos pastores nômades, que eram todos os semitas em sua origem, encontrou sua tradução mais literal na poligamia, regime no qual a mulher desaparece enquanto pessoa, reduzida a uma fração de um harém. Os antigos hebreus e o judaísmo posterior são fundamentalmente patriarcalistas, bem como o cristianismo e o Islam, derivados diretos da fé de Moisés.

Nesses três credos (no fundo, um só), a mulher não tem acesso às funções sacerdotais: os intermediários entre o sacro e a humanidade são rabinos, padres, ulemás.

Isso vem de muito longe.

No livro do Gênesis, os primeiros grandes patriarcas hebreus (Abrão, Isaac, Jacó) têm muitas mulheres, como cabe a um próspero sheik do deserto.

Como distinguir o esplendor do reino de Salomão, sem lembrar das setecentas mulheres do seu harém, entre as quais brilhava, inclusive, uma filha do faraó do Egito?

Nesse universo patriarcal, falocrático, poligâmico, a mulher só pode ter uma existência, uma condição ontológica rarefeita, essencialmente subalterna, secundária, menor, algo entre os camelos e rebanhos e os humanos plenos, que são os machos.

Daí, os rigores da lei mosaica contra o homossexualismo e a sodomia, instâncias de aguda feminilização do homem, punidos com a morte.

Por isso mesmo, espanta o registro da saga de várias mulheres, entre os antigos hebreus, tal como os apresenta o Antigo Testamento: Míriam, irmã de Moisés, Judite, Rute, Ester.

Antes dos reis Saul e Davi, os hebreus eram regidos pelos shofethim, “juízes”. Um desses juízes foi Débora, uma mulher que dirigiu o povo hebreu durante os duros tempos da ocupação da Palestina contra os filisteus que a habitavam (uma antepassada de Golda Meir?). Um shofeth era, ao mesmo tempo, um líder militar e a suprema autoridade judiciária entre as doze tribos em que se dividiu o povo hebreu na conquista de Canaã/Palestina.

Como explicar a presença de uma mulher exercendo um cargo dessa importância numa sociedade onde o fálus é o cetro e a coroa apenas uma hipérbole da glande?

No Livro de Josué, Débora é chamada de “profeta”: uma mulher podia ser nabi, em Israel.

Essa anomalia, talvez, se explique pela permanência de resquícios matriarcais-tribais entre os hebreus. Talvez, se trate da infiltração de valores egípcios: na terra donde Moisés tirou seu povo reinou Hatsep-schut, faraó-mulher, que a tradição grega, através do historiador Heródoto, chamou Nitócris.

Os gregos da era clássica, aliás, sempre se espantaram com a liberdade de movimentos de que desfrutava a mulher no Egito, mais um dos absurdos desse povo cujos costumes soavam tão estranhos aos ouvidos helênicos.

Nos tempos de Jesus, a situação da mulher hebréia não deve ter melhorado muito, embora a poligamia dos tempos patriarcais pareça ter quase desaparecido, substituída pela monogamia, pelo menos entre as classes mais modestas.

Complexas as relações de Jesus com as Mulheres.

Parece que sua doutrina e sua presença exerciam grande fascínio sobre elas.

Marcos descreve a cena logo depois que Jesus, crucificado, morreu, “dando um grande grito”.

“Ali estavam também algumas mulheres que olhavam de longe, entre as quais Maria Madalena, e Maria, a mãe de Tiago o Menor e de José e Salomé, as quais, estando ele na Galiléia, o seguiam e o serviam e muitas outras que com ele tinham subido a Jerusalém”.

Seguiam-no e o serviam. Muitas outras. A saga de Jesus está cercada de mulheres.

O Evangelho de Lucas é mais exato.

“Indo ele, logo depois, por cidades e aldeias, pregava e anunciava o reino de Deus. Acompanhavam-no os doze e algumas mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e enfermidades. Maria, chamada Madalena, da qual havia expulsado sete demônios, Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes, e Susana, e outras muitas, que o serviam com seus bens”.

Eram as mulheres do séquito de Jesus que asseguravam sua subsistência, bem dentro de um esquema mãe-filho: eram as mulheres que davam de comer a Jesus.

Nada de anômalo nisso: a espiritualidade nas mulheres é mais intensa. Entre elas, todos os criadores de religiões, os inventores do signo transcendental, encontraram logo seus mais pacientes ouvintes e seus primeiros seguidores.

Até nesse tão masculino Islam, o primeiro convertido por Maomé à fé de Alá foi sua mulher Kadidja.

Na expansão da fé cristã, no Império Romano, o papel das mulheres parece ter sido fundamental.

Religião de escravos, em seus primórdios, o cristianismo passou por um processo de ascensão social até chegar ao palácio dos imperadores romanos. Nessas altíssimas rodas, os primeiros convertidos foram imperatrizes e grandes damas da família imperial. A partir da dinastia Flávia, em meados do século I, suspeita-se de cristianismo inúmeras imperatrizes e familiares de imperadores romanos.

O terreno já estava preparado pela infiltração da fé judaica entre as mulheres desde os primórdios do Império.

A historiografia romana imperial registra relações íntimas entre Popéia, amante de Nero, e o judaísmo de Roma (milhares de judeus na capital do Império no início da era cristã).

Com Jesus, não deve ter sido diferente.

As mulheres o ouviam melhor que os homens.

Nele, viam um pai? Ou um filho?

De pai, ele tinha o tom autoritário de quem sabe o que diz, porque fala em seu próprio nome: a certeza de quem é senhor de uma verdade que criou.

De filho, devia ter algo dessa fragilidade infantil dos homens muito espirituais: Jesus sempre gostou de crianças, e dizia mesmo que elas entrarão no Reino dos Céus antes de todos.

No Antigo Testamento, não há crianças.

Adão e Eva já são criados adultos.

E Moisés, bebê flutuando num cesto no Nilo, prepara apenas a saga do líder adulto.

De mulheres e crianças, porém, os Evangelhos estão cheios.

Muito curiosas as relações de Jesus com Maria, sua mãe.

Parecem ter sido muito ligados. O pai José desaparece logo da cena, ausente de todos os episódios: evidente que já tinha morrido quando Jesus, aos trinta anos, nabi sagrado em água, pelas mãos de João, o Batista, inicia sua militância.

Em algumas passagens dos evangelhos, Jesus parece ter em relação à mãe uma oblíqua atitude de repulsa.

Na fábula da transformação da água em vinho, num casamento no vilarejo de Caná, Jesus e sua mãe, convidados, discutem.

No episódio, Jesus a chama apenas de “mulher”.

Em outra ocasião, Jesus pregava cercado de ouvintes.

Alguém chega e lhe comunica que sua mãe e seus irmãos (parece que sua família não acreditava muito nele) tinham acabado de chegar para vê-lo.

“Minha mãe e meus irmãos? Minha mãe e meus irmãos são os que me ouvem”, respondeu aquele que multiplicava pães e peixes e transformava a água em vinho (a lenda evangélica pode estar baseada, imagino, em alguma expressão popular judaica que significava fazer “fazer o impossível”). De qualquer forma, a mãe estava com ele na hora de sua execução. E a ela, nessa hora, recomendou seu amado discípulo, João, o mais jovem dos seus seguidores, por quem tinha um carinho especial (na Ceia, o evangelho o registra com a cabeça reclinada no peito de Jesus).

De novo, chama Maria de “mulher”: “Mulher, eis aí teu filho”.

Depois da morte de Jesus, conforme os Atos dos Apóstolos, seus seguidores diretos parecem ter tido Maria em grande consideração. E ela parece ter desempenhado um papel prestigioso na formação da Igreja primitiva, traduzida na importância teológica que viria a adquirir na história do catolicismo (Maria vem a ser quase uma deusa-mãe, objeto de um culto especial, aberrante no mundo rigidamente patriarcal e machista do judaísmo primitivo).

Muitos episódios da saga de Jesus envolvem mulheres.

Nos evangelhos, porém, não há traços da vida sexual de Jesus.

Não admira. Jesus era nazir, um homem abstinente dos prazeres da bela aparência e do desfrute de fêmeas.

Não custa ver aí mais um traço essênio, já que esses monges do judaísmo professavam a abstinência do sexo como suprema oblação do seu mais forte desejo. Como negação da carne e da matéria. Como o mais alto sacrifício.

Para nós, geração permissiva, que viemos depois de Freud e Reich, é incompreensível um mundo em que o sexo é negado. Mas isso é possível. Milhões de monges e monjas, padres e freiras, disseram não ao mais imperioso desejo.

Vamos imaginar que Jesus disse não.

O desejo, porém, tem estranhas formas de se manifestar.

Formas sublimadas. Espiritualizadas. Abstratizadas.

Jesus, por exemplo, era muito namorador.

Em inúmeros episódios, vamos surpreendê-lo fazendo essa coisa vaga que pode ocorrer, sempre, entre homem e mulher (entre homem e homem, mulher e mulher), que se chama namorar.

Vejo Jesus namorando em duas ocasiões.

Com a mulher samaritana à beira do poço.

Jesus caminhava, naquele bruta sol da Ásia, ardendo de sede, quando chegou num poço.

Água à vista. Mas cadê o balde?

Nisso, surge uma mulher samaritana com um balde e uma corda.

Os samaritanos eram uma minoria dissidente do judaísmo ortodoxo, desprezados por todos os verdadeiros crentes.

Jesus entabula conversação com ela e pede-lhe água.

Ela se espanta: “como é que um judeu como você pede água a mim, samaritana?”.
Com ela, a seguir, Jesus entra num daqueles jogos parabólicos e trocadilhescos, nos quais ele era exímio:

se você me der dessa água,
vou te dar a água da vida,
água que, uma vez bebida,
sacia a sede para sempre.


Nenhuma dúvida que Jesus ganhou seu gole d’água.

Duas mulheres aparecem, nos evangelhos, em relação muito pessoal com o profeta, Maria e Marta, irmãs de Lázaro, um dos melhores amigos de Jesus: cada vez que chegava em sua aldeia, era na casa dele que o filho de Maria se hospedava. A lenda da ressurreição de Lázaro por Jesus atesta a solidez dessa amizade.

Lucas registra uma cena de terna intimidade entre Jesus e as irmãs de Lázaro.

“Indo Jesus e os seus a caminho, ele entrou numa aldeia.

Uma mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa.

Ela tinha uma irmã chamada Maria, a qual, sentada aos pés de Jesus, escutava-lhe a palavra.

Marta estava atarefada pelo muito trabalho doméstico e, aproximando-se, disse: Jesus, não te importa que minha irmã me deixe sozinha fazendo todo o serviço? Manda ela me ajudar.

Jesus respondeu, dizendo: Marta, Marta, você se inquieta e se perturba com muitas coisas. No entanto, só uma coisa é necessária. Maria escolheu a parte melhor, que ninguém vai tirar dela”.

Ao longo dos séculos, nos círculos de religiosidade cristã, o episódio sempre foi usado como parábola que ilustrasse a eminência da vida teórica sobre a prática (um mestre zen acharia exatamente o contrário...).

Marta, apenas (apenas, Alice?) lavava roupas, amassava o pão, assava o peixe, cozinhava a lentilha e queimava os dedos tirando a coxa de carneiro do forno, arrumando a casa, preparando a comida de todos.

Maria, sim, é que estava certa, arrodilhada aos pés do profeta, ouvindo as maravilhas que saíam da boca do nabi e poeta, palavras bonitas de tão verdadeiras, parábolas fascinantes, aforismos que deixavam alguma coisa vibrando dentro do coração da gente... Em João, o episódio aparece mais rico de detalhes.

“Seis dias antes da Páscoa, Jesus veio a Betânia, vila onde estava Lázaro, que Jesus tinha ressuscitado dos mortos.

Ali preparam uma ceia para ele, e Marta servia, e Lázaro era dos que estavam à mesa com ele. Tomando uma libra de ungüento de nardo legítimo, substância aromática de altíssimo preço, Maria derramou o óleo perfumado nos pés de Jesus e enxugou-o com seus cabelos”.

João acrescenta: “e a casa se encheu do cheiro do nardo”.

Aberrante esta sensorialidade do cheiro do nardo nos quadros tão abstratos e conceptuais da religiosidade judaica: nada mais resta que lembrar as cores, formas e aromas, eróticos, do Cântico dos Cânticos, o grande poema do amor físico, o Shir Ha-Shirim, uma das maiores obras-primas da literatura hebraica.

A este ato de amor, este excesso, este literal derramamento de Maria sobre Jesus, estranha metáfora de uma ejaculação às avessas, culminando com a fricção dos cabelos de Maria nos pés de Jesus, segue-se a intervenção de Judas Iscariotes, o discípulo que portava a bolsa de dinheiro da minicomunidade que cercava Jesus, roubava os companheiros e acabou por vender Jesus por trinta dinheiros. O ungüento que Maria derrama nos pés de Jesus vale dez vezes esse preço.

Judas: “por que não se vendeu esse ungüento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres?”

Jesus responde a Judas como se já estivesse morto, “guarde para minha sepultura”, o nardo sendo a substância com que se untavam os cadáveres.

Nesse relato, o cruzamento do tema erótico com o tema monetário, dentro da escritura crística.

De repente, uma mulher misteriosa e sem nome cruza os caminhos do profeta. É a adúltera, surpreendida em pleno delito, e trazida pelos fariseus até Jesus.

— Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra.

Jesus parecia ter uma compreensão muito profunda da mulher.

Não o bastante, evidentemente, para ver em Deus uma Mãe.

Para o filho de Maria, Deus é sempre pai, a nostalgia do pai, talvez aquele pai José, que morreu cedo demais, deixando um vazio insuportável e impossível de preencher.

Um vazio que só um Pai podia completar, com toda a grandeza do seu tamanho de pai. O pai cósmico, o Pai Total, o doador máximo de todos os sentidos, a suprema lógica última.

Pais, porém, são homens.

Em cada homem, o sexo do pai.

Por isso, Jesus não teve apóstolas.

Os doze que o acompanhavam mais de perto eram homens.

A eles, confiou tarefas, transmitiu doutrinas, passou poderes.

Por que Maria, Marta ou Madalena não foram chamadas como apóstolas, transmissoras da doutrina, como o foram o bancário Mateus ou Pedro, obtuso pescador a quem Jesus confiou a administração da sua habhurah, seu grupo, sua “eclésia”, talvez sabendo que a administração aos obtusos pertence?

Depois da morte de Jesus, as várias “eclésias” regionais foram se transformando em Igreja, com embriões de hierarquia, Igreja que herdou do Império Romano uma vocação para a unidade, a centralização e a ortodoxia.

Esse processo atinge seu primeiro ponto agudo com Paulo, judeu da Diáspora, fariseu, grego da cidade de Tarso, na Cilícia.

O nome pelo qual é conhecido o primeiro grande “epíscopo” da “eclésia”, em que se transformava a habhurah de Jesus, é uma latinização de Saul, nome do primeiro rei hebreu, o maior personagem da tribo de Benjamim, a que a família pertencia. A transformação do fariseu em cristão está materialmente registrada nesta passagem de S para P, em que Saul vira Paulo.

E vira o contrário. Saul é um nome de rei. Paulo, em latim, quer dizer “pouco”. Mas não foi pouco o que fez este judeu de origem, grego de língua e romano de cidadania, este homem que reunia em sua pessoa todo o melhor da civilização mediterrânea.

Com ele, a habhurah de Jesus, o pequeno círculo de crentes, se alastra e começa sua escalada até se transformar em religião oficial do Império Romano e do Ocidente. O primeiro grande “bispo” (em grego, epí-skopos, literalmente “o que olha por cima”), Saul/Paulo, além de ser um administrador com letra maiúscula, foi o primeiro teórico da doutrina de Jesus, nas notáveis cartas que escreveu às várias “eclésias”, igrejas regionais, as epístolas de Paulo, no Novo Testamento, textos só menores em autoridade aos próprios evangelhos.

Foi também um grande poeta/profeta capaz de dizer “a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus”, na mesma carta à “eclésia” de Corinto, na Grécia, onde consagra, para sempre, a inferioridade da mulher e seu afastamento definitivo do altar.

Depois de Paulo, na Epístola aos Coríntios, só restava às mulheres se transformarem em bruxas.

“A cabeça de todo varão é Cristo, e a cabeça da mulher é o varão (...) Na Igreja, o varão não deve cobrir a cabeça, porque é imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do varão, pois o varão não procede da mulher e sim a mulher do varão, nem o varão foi criado para a mulher, mas a mulher para o varão.”

Friday, April 17, 2009

# 6

CAPÍTULO 5

QUANTO CUSTA JESUS



“Por acaso, não se compram dois
pássaros por um centavo? e nenhum deles
cai sobre a terra sem vosso pai.
Os cabelos da vossa cabeça estão todos
numerados.
Não temas, portanto, ó melhores que
muitos pássaros.”
(Mateus, 10, 29)

A moeda é uma das maiores conquistas abstratas da humanidade.

Surgido na Lídia, por volta do século VII a.C., o dinheiro já aparece ligado à escravidão.

Escravidão, dinheiro, alfabeto — a trindade que define as sociedades da bacia do Mediterrâneo, em seu boom comercial que vai culminar nesse imenso Mercado Comum que foi o Império Romano.

Quando Jesus viveu, a economia de todo o mundo mediterrâneo já era monetária.

Nas mãos de egípcios, gregos, gauleses, ibéricos, judeus, circulavam sestércios e asses, cunhados por Roma, pequenos círculos de metal trazendo o perfil e o nome do Imperador, onipresença de Roma.

No mundo em que Jesus vivia, o dinheiro era a evidência da presença do dominador: o povo de Israel estava nas mãos do goiim, os pagãos, idólatras, politeístas, que não reconhecem o poder de Jeová, que não sabem que só há um Deus e que esse Deus escolheu um povo para crer nele e só nele.

Na Judéia, a mais ínfima moeda era um índice da humilhação nacional.

É possível fazer uma leitura monetária de Jesus.

Inúmeros episódios da sua saga estão marcados pela presença do dinheiro. Isso é, e, particularmente, sonante em Mateus.

Não admira.

Vejam só como Jesus conquista este apóstolo:

Quando Jesus passou por ali,
viu um homem sentado no telônio,
por nome Mateus.
E disse: me siga.
E levantando
o seguiu.


O telônio era um pequeno balcão onde os publicanos recebiam os impostos de Roma. Mateus era um publicano, tipo de gente odiada pelos judeus zelosos. Afinal, os publicanos são agentes da dominação romana.

Os publicanos, evidentemente, se entregam a operações financeiras, emprestando dinheiro, cobrando juros, vivendo enfim dessa suprema abstração do trabalho, que é a moeda.

Todo o pensamento abstrato dos gregos não passa de uma tradução conceptual de operações monetárias: lógica e juro, metafísica e porcentagem, filosofia e crédito são, no fundo, o mesmo fenômeno. Na época de Jesus, porém, os judeus não eram um povo de comerciantes nem de financistas.

Em toda a bacia do Mediterrâneo, onde eram milhões, disseminados entre todos os povos, os judeus eram célebres como artesãos, carpinteiros, pedreiros, tecelões, ourives, ferreiros. Nesse mundo de coisas, o dinheiro, trans-coisa, poder em estado puro, só pode ser um objeto do diabo.
Aliás, está na hora de falar do diabo.

O judaísmo primitivo desconhece demônios. Nada mais estranho ao puro monoteísmo do que imaginar, ao lado do ser supremo, um opositor, de poderes quase iguais aos dele.

Parece que aos judeus o demônio lhes veio da Pérsia.

A Pérsia dualista de Zoroastro e do maniqueísmo: o Princípio do Bem versus o Princípio do Mal.
Mas o demônio soube se insinuar junto ao trono de Jeová.

Lá está ele, no livro de Jó, tentando o justo. Jesus e seus contemporâneos acreditavam no diabo, o inimigo, o Outro, o anti-Deus, em hebraico, satan.

Este demônio, para Jesus, pode se chamar Mammon. A palavra aparece neste contexto curioso:

Ninguém pode servir
a dois senhores.
Pois vai odiar a um
e amar o outro.
Ou vai apoiar um
e desprezar o outro.
Não se pode servir a Deus
e a Mammon.


Mammon é uma palavra aramaica que significa “aquilo em que se confia”, isto é, “crédito”, e por extensão “riquezas, bens, dinheiro acumulado”.

Publicano de profissão, Mateus registra inúmeros episódios da vida de Jesus ligados ao dinheiro.
Até o caráter subversivo da missão de Jesus aparece ligado à moeda.

Os evangelhos narram a tentativa de armadilha em que seus inimigos o quiseram encurralar.

Fariseus e saduceus se aproximaram dele, apresentaram-lhe uma moeda com que se pagava o tributo a Roma. E lhe fizeram uma pergunta política:

A lei de Roma manda
que se pague este tributo a César.
O que é que você diz disto?


Jesus, que tinha sempre um humor muito pronto, pegou a moeda e perguntou:

De quem é esta efígie
gravada na moeda?


De César”, disseram.

A César o que é de César,
a Deus o que é de Deus.

Na resposta, Jesus contrapunha sua utopia místico-política do “Reino de Deus”, a mlechah Adonai, à estúpida realidade do império romano, criando-lhe um concorrente.

O tema monetário aparece ainda em parábolas importantes, como a da dracma perdida. Ou na fábula do óbolo encontrado na boca do peixe.

A comunidade, a fratria, dos seguidores de Jesus parece ter tido um esboço mínimo de organização financeira.

Entre os doze principais que o seguiam, a administração do dinheiro comum (traço essênio?) estava a cargo de Judas Iscariotes.

Pois foi Judas, o homem do dinheiro, quem traiu Jesus, apontando-o às autoridades.

Por exatamente trinta dinheiros. Trinta belas moedas de prata, com a imagem do Imperador de Roma.