Sunday, June 28, 2009

O absurdo e o suicídio

Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder. E se é verdade, como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável, deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela vai preceder o gesto definitivo. Estão aí as evidências que são sensíveis para o coração, mas é preciso aprofundar para torná-las claras à inteligência.

Se me pergunto em que julgar se uma questão é mais urgente do que outra, respondo que é com ações a que ela induz. Eu nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que detinha uma verdade científica importante, abjurou-a com a maior facilidade desse mundo quando ela lhe pôs a vida em perigo. Em um certo sentido, ele fez bem. Essa verdade não valia a fogueira. Se é a Terra ou o Sol que gira em torno um do outro é algo profundamente irrelevante.

Resumindo as coisas, é um problema fútil. Em compensação, vejo que muitas pessoas morrem por achar que a vida não vale a pena ser vivida. Vejo outras que paradoxalmente se fazem matar pelas idéias ou as ilusões que lhes proporcionam uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é, ao mesmo tempo, uma excelente razão para morrer).

Julgo, portanto, que o sentido da vida é a questão mais decisiva de todas. E como responder a isso? A respeito de todos os problemas essenciais, o que entendo como sendo os que levam ao risco de fazer morrer ou os que multiplicam por dez toda a paixão de viver, provavelmente só há dois métodos para o pensamento: o de La Palisse e o de Dom Quixote. É o equilíbrio da evidência e do lirismo o único que pode nos permitir aquiescer ao mesmo tempo à emoção e à clareza. Em um assunto simultaneamente tão modesto e tão carregado de patético a dialética clássica e mais sábia deve, pois dar lugar - convenhamos - a uma atitude intelectual mais humilde e que opera tanto o bom senso como a simpatia.

Albert Camus - O Mito de Sísifo


Karl Jaspers

Karl Jaspers: Cidadão do Mundo?

Ninguém pode ser cidadão do mundo quando é cidadão do seu país. Jaspers, em seu Origins and goal of history [Origem e meta da história] (1953), discute extensamente as implicações de um Estado e um império mundiais. Qualquer que fosse a forma que pudesse assumir um governo mundial com poder centralizado sobre todo o planeta, a própria noção de uma força soberana a governar toda a Terra, com o monopólio de todos os meios de violência, sem controle e verificação por parte de outros poderes soberanos, não é apenas um pesadelo ameaçador de tirania, mas seria o fim de toda vida política, tal como a conhecemos. Os conceitos políticos se baseiam na pluralidade, diversidade e limitações mútuas. Um cidadão é, por definição, um cidadão entre cidadãos de um país entre países. Seus direitos e deveres devem ser definidos e limitados, não só pelos de seus companheiros cidadãos, mas também pelas fronteiras de um território. A filosofia pode conceber o globo como a terra natal da humanidade e uma lei não escrita eterna e válida para todos. A política trata dos homens, nativos de muitos países e herdeiros de muitos passados; suas leis são as cercas positivamente estabelecidas que cingem, protegem e limitam o espaço onde a liberdade não é um conceito, mas uma realidade política viva. O estabelecimento de um Estado soberano mundial, longe de ser o pré-requisito da cidadania mundial, seria o fim de qualquer cidadania. Seria não o clímax da política mundial, mas seu fim absolutamente literal.

Hannah Arendt - Homens em Tempos Sombrios

Inconveniência dos fatos

Reportagem se manteve sóbria e precisa na descrição dos atos do cantor

MÁRIO MAGALHÃES - DA SUCURSAL DO RIO

É desonesto o jornalista que apresenta como novidade informações que ele mesmo veiculou antes.

E é mentiroso quem, com base em falsidades, acusa de reciclagem quem buscou informações novas. A reportagem no Mais! no domingo passado descreveu, entre seus destaques, três fatos:

a) Wilson Simonal declarou em depoimento ao Dops da Guanabara, em 24/8/71, ter comparecido ao órgão "visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico";

b) nas alegações finais e na apelação do processo 3.540/ 72 da 23ª Vara Criminal, Antonio Evaristo de Moraes Filho, advogado de Simonal, avalizou a declaração do cantor;

c) relatório confidencial do Dops, de 30/8/71, classificou o artista como "elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação".

Há muito mais na reportagem, na qual inexiste uma só crítica ao documentário de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.

Ontem e hoje

Ainda assim, sobreveio a agressão. Na TV Cultura, Langer atacou na terça-feira: "Acho que é questão de ética profissional, de um jornalista [este repórter], que se diz jornalista pelo menos, de usar um documento que ele mesmo já usou e falar que é um documento novo".

A única reportagem que eu escrevera sobre o assunto, "Juiz apontou cantor como informante", saiu na Folha em 26/7/00.

Convido Langer a citar trecho em que conste algum documento enumerado acima. Se conseguir, evidencia reciclagem. Caso contrário, desmascara quem de fato mente e fere a "ética profissional".

Em 2000, só tive acesso a 11 folhas do processo, que contém 655 - a íntegra foi obtida semanas atrás. Eram as 11 páginas da sentença, que ignora as declarações de 24/8/71, as manifestações do defensor e o relatório do Dops.
Formar juízo

Em referência ao depoimento de Simonal sobre delações, Langer afirmou: "Ele é usado no filme". Faltou esclarecer em que sequência, já que o documento não é exibido nem mencionado na obra.

Sobre o mesmo documento, Manoel assinala quando ele "aparece" no filme: "O próprio Simonal o divulga, na grande imprensa, em 1971. (Inclusive, no nosso documentário exibimos duas dessas reportagens: "Terror ameaça Simonal" e "Simonal se diz de direita e com bons serviços prestados à Revolução')".

A verdade: essas reportagens (a primeira de "O Dia" de 28/8/71 e, a segunda, do "Jornal do Brasil" de 29/8/71) antecipam ou noticiam o teor de outro depoimento de Simonal, prestado na 13ª DP do Rio em 28/8/71 e datilografado em 111 linhas, quando ele se definiu como "homem de direita", mas nada falou nem foi indagado sobre ser informante da ditadura militar.

Como a Folha anotou há uma semana, esse depoimento "vazou à imprensa".

As reportagens evocadas por Manoel - cópias à disposição - nada informam acerca da declaração anterior de Simonal ao Dops, em 24/8/71, reconhecendo-se informante, e que embasa a reportagem de domingo deste jornal.

Manoel especula que a declaração do cantor se dizendo informante, feita antes da prisão do escriturário Raphael Viviani, poderia ser "fabricada a posteriori".

A teoria conspiratória exigiria um advogado fraudador processual ou inepto a ponto de ser enrolado por Simonal e pelos torturadores de Viviani. Quem conheceu o "doutor Evaristinho", gigante do direito e homem digno, não o imagina nesses papéis.

Porém, a hipótese de "história (de) cobertura", formulada por Manoel, constou da reportagem. O jornal contemplou versões distintas e inconciliáveis, editando um painel plural.

Ao gênero jornalístico da reportagem não cabe patrocinar opiniões ou causas, mas difundir fatos e ideias que contribuam para que o leitor forme juízo. Os fatos são inconvenientes para quem prefere ocultá-los e agora tenta desqualificar uma reportagem sóbria e precisa desqualificando o jornalista.

O cartaz do filme sobre Simonal pergunta: "Culpado ou inocente?". Na busca da resposta, há quem sonegue informações históricas. A autenticidade dos documentos publicados pela Folha foi confirmada por todas as partes na Justiça, inclusive Simonal. Eles são registros da trajetória do grande cantor, e o jornalismo não deve apagá-los.

+ debate

Alguns probleminhas

Produtor de Ninguém Sabe o Duro Que Dei, sobre Wilson Simonal, critica reportagem publicada no Mais! de domingo passado

CLAUDIO MANOEL - ESPECIAL PARA A FOLHA

No último domingo, Simonal foi, mais uma vez, julgado e condenado. Desta vez, pela Folha, numa matéria sensacionalista, enorme (com destaque na primeira página e tudo), assinada por Mário Magalhães.

Foram diversas páginas, todas provocadas pela "descoberta de um fato novo", um documento inédito que provaria de maneira cabal e definitiva que Simonal foi um informante do Dops. Então tá! Mas só que existem alguns probleminhas. Em primeiro lugar, o documento inédito não é inédito.

Ao tentar se defender da acusação de que teria sido mandante do sequestro do seu ex-contador, Simonal (orientado por seus advogados, segundo depoimento da própria vítima, no documentário Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei, meu, de Micael Langer e Calvito Leal) afirmou que havia prestado queixa anterior de supostas ameaças terroristas e, por isso, tinha pedido que o Dops investigasse.

O que o tal documento usado como base na reportagem diz é, mais ou menos, isto: Simonal tenta tirar o corpo fora do imbróglio policial que protagonizou dizendo que era alvo constante dos subversivos, porque simpatizava com o regime de 1964, e acreditava que o Dops poderia ajudá-lo, já que o órgão também atuava no meio artístico, à procura de opositores etc. e tal...

Por isso, ele emprestou seu carro (um Opala) para ajudar nessa "operação".

Quando fui procurado pelo autor da já citada reportagem, seu tom era grave. Ele havia descoberto documentos, tinha tido acesso a mais de 600 páginas, lido vários depoimentos que acusavam Simonal; e, o mais importante, num documento (o tal) anterior ao caso do sequestro de Raphael Viviani (o contador), o "rei da pilantragem" assume que tinha vínculos com o Dops.

Respondi que conhecia direitinho as tais 600 páginas, já que possuo cópias do processo inteiro há mais de cinco anos, e que não lembrava de nenhuma menção com data anterior ao sequestro. O repórter, simplesmente, me afirmou que o documento foi lavrado às 15 horas do mesmo dia em que Viviani seria sequestrado (às 23h). A princípio não entendi.

Disse para ele que, exatamente pela coincidência do dia, isso provaria o oposto. Que o tal depoimento comprometedor tinha a maior cara de ser meio "construído", de ser alguma espécie de álibi, de história de cobertura. Simonal, pra dar coerência a sua linha de defesa, apresentou uma queixa dada anteriormente (que também poderia ser "fabricada a posteriori").

Ou seja, o tal documento não é anterior ao caso do sequestro, é parte tão fundamental dele que o próprio Simonal o divulga, na grande imprensa, em 1971 (no documentário, há duas dessas reportagens: "Terror ameaça Simonal" e "Simonal se diz de direita e com bons serviços prestados à Revolução").

Também perguntei, já que ele estava tão interessado nos aspectos jurídicos do caso, se não tinha lido o arrazoado do juiz ao proferir a sentença que condenou Simonal.

Em sua argumentação final, o ilustre meritíssimo alega que não tem como julgar os agentes do Dops, já que estávamos vivendo um estado de exceção e, por isso, não era da competência dele avaliar atos que poderiam ser de "segurança nacional", mas Wilson Simonal, que era civil, não tinha esse tipo de cobertura; portanto, pena de cinco anos e quatro meses pra ele.

Essa questão não seria um pouco mais intrigante para um jornalista? Se Simonal pertencesse, de fato, a algum mecanismo de repressão em plena "era Médici", por que ele não teve nenhuma proteção?

Seu caso foi o único processo que envolveu agentes do Dops, tortura, prisão ilegal que saiu em toda a mídia da época. No período de censura mais dura, Simonal apanhou sem ser socorrido. Para um cara que era "amigo dos hômi" ele não foi uma presa fácil demais ?

Lendo os depoimentos do processo, testemunhos de defesa e acusação no julgamento, fica-se muito mais com a impressão de uma grande confusão, de uma vendeta boçal que degringolou, do que se joga luz em ligações políticas bizarras.

Também é fajuta a argumentação, citando promotores e juízes (e depois desmentindo "en passant" centenas de linhas depois), que, na época, a Justiça aceitou as provas de que Simonal era informante ou colaborador. Ele nunca poderia ter sido condenado por ser informante simplesmente porque isso não é crime.

E, mais, se em 1971 fosse provado que era um colaborador, jamais seria julgado por isso -seria condecorado. Não é curioso que um "crime" (delação), que além de não ser um crime tipificado e de ser, praticamente, impossível de provar, não prescreva nunca?

Por que, depois de décadas, de esquecimentos, perdões e mudanças de conjuntura, a pergunta que só querem fazer é se "ele era ou não era"? Não fica meio subentendido que, "se ele fosse", então era merecedor de todo o castigo e muito mais? Delatar é mesmo a coisa mais imperdoável que um ser humano pode fazer?

Não existem perguntas ainda mais interessantes ou originais? Naquela época, a luta era, realmente, entre democratas e autoritários? Os que queriam pluralidade, diversidade de opiniões, liberdade de expressão não eram, na verdade, minoria?

No espectro político-ideológico da época, quem, ao alcançar o poder, não queria prender e eliminar opositores? Quantos, em nome da luta contra a ditadura, tinham seus próprios projetos totalitários e defendiam com ardor (e também com pôsteres e camisetas) genocidas de vários calibres?

Também não entendi a citação sobre a facilidade que o repórter teve para contactar o ex-contador do Simonal. Se era tão fácil, por que só fez o contato cinco anos após termos conseguido seu depoimento inédito e esclarecedor para o nosso documentário?

E, voltando ao velho Simona e à questão de ele ser um famigerado colaborador da ditadura: era, realmente, justo esperar que um negro, pobre, favelado tivesse a mesma percepção dos "anos de chumbo" que alguém com formação universitária, classe média alta etc. e tal?

CLAUDIO MANOEL é produtor e diretor do documentário Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei. A íntegra deste texto foi publicada em http://blog.simonal.com/

Saturday, June 27, 2009

Michael Jackson (1958 - 2009) aos 50, sem plásticas

Thursday, June 25, 2009

AMADO MICHAEL

(Tom Zé)

Negro da luz que desbota branco
Tanto talento tormento tanto
Tanta afronta de pouca monta.

Eia! virtudes em farta ceia
Todo encanto que pode o canto
Toda fiança que adoça a dança.

Que deus nos furta vida tão curta?
Mundo lamenta: ele mal cinquenta!
A ninguém ilude essa bruxa rude.
Paroxismo desse Narciso
Que achou desgosto no próprio rosto
E apedrejou-se com faca e foice.

Avança a rua (uma dor que dança)
E em seus telhados mandibulados
Requebra os hinos do dançarino.
Niños, rapazes, se sentem azes
Herdeiros todos e seus parceiros
Revelam parque, porto e favela.

II

Da Grécia três te trouxeram Graças
Arcas repletas de belas artes
Arcas que deram ciúme às Parcas.

Que luz trarias tu, mitologia,
Para um tal desatino de destino
Que o espandongado toma por fado?

Porque o povo grego disse que
Se a hybris o herói consigo quis,
Se condiz ao lado dela ser feliz
Ele mesmo será pão e maldição
Enquanto gera para os olhos de Megera.


Wednesday, June 24, 2009

O major Curió não é "uma pessoa comum"

ELIO GASPARI

O ex-agente do SNI é um retrato do Brasil do final do século 20, feio, brutal e dissimulado

O repórter Leonencio Nossa trouxe o major Curió de volta ao palco. Aos 74 anos, com os cabelos pintados de vermelho, ele vive seu último ato no interior da Amazônia. Agarrado a uma velha mala, conta mais uma vez sua história da Guerrilha do Araguaia. Nesse conflito se chocaram comandantes militares ineptos, seduzidos pelo banditismo, e uma liderança do Partido Comunista do Brasil que jogou cerca de 70 jovens numa "guerra popular" iniciada em 1972 com a fuga do chefe político (João Amazonas) e terminada dois anos depois, com a fuga do chefe militar (Angelo Arroyo).

Numa região de lendas superlativas, Curió se tornou um dos brasileiros que marcam a história da segunda metade do século 20. Numa desgraça dessas que descem do além, o tempo que viu JK viu Curió também. Sem se conhecer o Brasil das luzes de Juscelino não se entende o que veio a ser o país. Conhecendo-se o país das sombras de Curió, aprende-se porque muitas coisas ainda são como são.

Seu nome é Sebastião Rodrigues de Moura, cadete da Academia Militar das Agulhas Negras, oficial do Centro de Informações do Exército, agente do SNI, senhor de baraço e cutelo do maior garimpo a céu aberto do mundo, em Serra Pelada; deputado federal e prefeito (pelo PMDB), da cidade brotada de um casario de bordéis, hoje denominada Curionópolis. Em suma, um daqueles sujeitos que, não sendo "uma pessoa comum", patrocinam desditas com a bolsa e o aparato da Viúva.

Curió participou do massacre dos militantes do PC do B que se renderam ou foram capturados pelas tropas do Exército a partir de outubro de 1973. Felizmente apresentou informações e documentos que ajudam a comprovar uma política de extermínio que só teve paralelo em Canudos ou na Guerra do Contestado. Ele poderá ajudar a reconstituir o cenário de delinquência no qual oficiais do Exército matavam pessoas que se haviam rendido, com quem haviam se familiarizado e, possivelmente, de quem recebiam até mesmo serviços domésticos. Ao contrário dos demais oficiais que participaram da matança, Curió foi muito mais que isso, sempre movendo-se nas beiradas da fronteira da expansão social e geográfica do Brasil. Aí está o aspecto instrutivo de sua figura.

A serviço da ditadura, comandou ações repressivas e negociadoras em regiões de conflitos fundiários. Esteve no Rio Grande do Sul quando amanhecia o MST, mas foi na região do Bico do Papagaio que se tornou uma espécie de vice-rei. Até aí, teria sido mais um coronelzinho de castanhais. Em 1977, quando caçava guerrilhas inexistentes em busca das diárias do CIE, acharam ouro por perto, em Serra Pelada.

Curió coroou-se imperador das crateras e, em nome do governo federal, organizou o trabalho de 30 mil garimpeiros. (É possível que de Serra Pelada tenham saído cerca de 30 toneladas de ouro e uma parte foi mandada por via expressa para o Banco Morgan, na tentativa de segurar um governo quebrado.) Quando Brasília tentou impedir o garimpo manual, o major que perseguira guerrilheiros instrumentalizou a maior revolta popular ocorrida na Amazônia. Prevaleceu e elegeu-se deputado federal.

O Curió das degolas de prisioneiros é o mesmo líder de garimpeiros miseráveis que se elegeu deputado federal e prefeito. Não é "uma pessoa comum", parece pertencer ao passado, mas nunca abandona por completo o presente.

Sunday, June 21, 2009

Simonal - Ninguém Sabia o Dedo Duro Que Fui

Todos os documentos que integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª Vara Criminal, concluído em 1976 e em "cujas 655 folhas jamais houve divergência", apontam: "dos amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos estiveram de acordo que Simonal - e ele assentia - era informante do Dops".

Parece claro que foi a classe artística quem o acabou punindo, já que o crime pelo qual foi julgado e condenado - três meses por constrangimento ilegal - viria a lhe custar apenas nove dias de cadeia.

Ser a favor da ditadura, ser de direita ou, no limite, até mesmo informante da polícia política era (e é) uma escolha possível a qualquer um. O que não se poderia esperar era que alguém que fazia uso dos benefícios de pertencer à classe artística para ganhar pontos com o governo militar merecesse o perdão daqueles a quem traiu.

Que ele mandou torturar o ex-funcionário já estava provado. Com os documentos do processo 3.450 fica evidente a intimidade de Simonal com o aparato criminoso do regime militar. Por que os artistas da música brasileira, louvados até hoje como heróis da resistência, deveriam ter feito menos do que expulsá-lo do convívio? Não é o mesmo que pedir para que as Forças Armadas poupassem os guerrilheiros do Araguaia?

Simonal não foi condenado ao ostracismo por ser de direita, por racismo, ou por inveja. Ele recebeu a punição típica por um crime típico de guerra. Pena de morte por traição. Nesse caso, morte simbólica, ao contrário das execuções pelas quais seus "chapinhas" Fleury, Borges e Vasconcellos foram responsáveis. Não há intolerância. Mantê-lo por perto seria "dormir com o inimigo". Por que esperar isso de quem, repito, ele traiu? Acrescente-se que Simonal praticamente não ficou preso. Claro que isso aumentou a sede de vingança dos traídos, todos tão humanos e falíveis quanto Simonal.

De toda maneira, se ele precisava da classe artística e da imprensa especializada para se manter, deveria ter cuidado melhor de suas amizades. Silvio Santos, Delfim Neto, os militares, a T.F.P. e as senhoras de Santana nunca tiveram problemas por serem rejeitados pelas esquerdas. Eu, de minha parte, não ia querer dividir o estúdio com ele nunca mais! Vá procurar sua turma! X-9...

Cláudio Manoel, diretor de Ninguém Sabe o Duro Que Dei pergunta: "Por que não passa? Digamos que fosse provado que o cara foi um informante da ditadura. Trinta anos depois da Lei da Anistia, o que interessa isso?". E o torturado, Raphael Viviani, de 68 anos, responde: "Como é que eu vou esquecer uma coisa dessa?" (...) Se você me visse antes e depois daquela noite que eu passei sendo torturado lá, não diria que é a mesma pessoa." Por que não estender a pergunta a Marcelo Rubens Paiva, a Clarice Herzog ou à família de Zuzu Angel?

"Sabendo da origem humilde dele, do fato de não ter tido um pai, você consegue imaginar ser possível a atitude que ele tomou", diz o filho, Max de Castro. "Ainda que nada justifique", completa. Não. Nada justifica. Muito menos explica. Humilde e sem pai, milhões de brasileiros são. Quase ninguém encomenda surras nos desafetos. Muitos menos ainda constroem laços com o monopólio oficial da violência visando benefícios. Pobreza e ausência de ética não andam necessariamente juntos. Juntam-se por opção. Foi essa opção que Wilson Simonal fez. Pagou o preço.

Fontes: Caderno Mais+ e Folha Online

Exército tentou intimidar, diz promotor

O processo contra Wilson Simonal foi a primeira ação penal em que atuou um jovem promotor que chegava aos 30 anos, o hoje deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).

Ele conta que, conhecida a sentença em 1974, o telefone de sua casa não parou de tocar: "Ligavam xingando. Eram fãs do Simonal".

Biscaia relata ter sido alvo de pressões para pedir a absolvição dos cinco réus - em vez disso, acusou-os. Três foram condenados.

"Em duas oportunidades, veio um cidadão, cujo nome eu não recordo, ao meu gabinete e disse que era assessor jurídico do comando do 1º Exército."

O antigo promotor diz ter ouvido: "As Forças de Segurança têm interesse nesse processo. O senhor tem que examinar com todo o cuidado".

"Respondi: "Vou examinar com todo o cuidado, como examino tudo". Ele disse: "Mas eu estou dizendo que as pessoas aqui são ligadas às forças de sustentação do governo revolucionário". "Ele começou a tentar justificar esse ponto de vista e de alguma maneira também me intimidar."

Biscaia caracteriza como "absolutamente insuspeito" o juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto, que condenou três réus a cinco anos e quatro meses de reclusão. "Ele é de família de militares."

"Naquela época tinha muito juiz acovardado", emenda o ex-professor de Processo Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Jorge Alberto Romeiro Jr. "Menna Barreto, que era um homem conservador, fez boa Justiça. É um homem de bem."

Sem arrependimento

Representando Raphael Viviani, vítima de tortura no Dops, Romeiro foi assistente de acusação. Trabalhou praticamente de graça, inconformado com "uma coisa horrorosa, covarde. A tortura é repugnante. O pessoal do Dops não ia fazer isso se o Simonal não fosse um colaborador".

Romeiro tornou-se desembargador, aposentou-se por iniciativa própria e voltou a advogar. Lamentou o acórdão que em 1976 resultou na redução da pena para três meses.

Filho de um ex-ministro do STM (Superior Tribunal Militar), afirma que certa feita indagou a outro antigo ministro da corte, o general Siseno Sarmento, sobre gestões no Tribunal de Justiça do RJ.

De 1968 a 71, o oficial comandou o 1º Exército, no Rio.

"Perguntei: "O senhor não teve interferência ali?". Ele deu uma risada. "Claro que tive." "Então o senhor procurou algum desembargador?" "Procurei. Pedi para ele e tal"."

Os dois desembargadores autores do acórdão em que a sessão de tortura foi tipificada como crime de constrangimento ilegal já morreram.

Menna Barreto é neto de um dos três membros da junta que governou o Brasil por pouco mais de uma semana em 1930. De juiz ele passaria a desembargador. Hoje é consultor jurídico. Defende sua sentença em primeira instância: "Arrependimento? Nenhum. Julguei de acordo com a prova que estava nos autos".

Ele afirma não ter sofrido pressões -"Eu jamais aceitaria". Destaca que inexistiu no processo divergência sobre a colaboração de Simonal com o governo. "E há o depoimento de um tenente-coronel afirmando isso."

Reportagem tentou falar com os filhos de 2ª a 5ª passadas

A Folha tentou da tarde da segunda-feira até a quinta, todos os dias e por diversos meios, entrevistar os cantores Wilson Simoninha e Max de Castro, filhos de Simonal. Na segunda, por e-mail, seguiram informações sobre o conteúdo da reportagem de hoje. As mensagens foram repassadas às assessorias na terça, após telefonemas.

Nos dois dias seguintes, prosseguiram os esforços para ouvir os artistas, até a conclusão desta edição. As assessorias disseram que a agenda artística dificultou o contato com os cantores.

Recentemente, os irmãos têm enfatizado a importância das muitas e novas iniciativas de difusão da obra do pai, morto em 2000. Em 2008, a Folha publicou reportagem sobre o filme "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei".

Max disse considerar a história "incompleta", pois o documentário exibe o depoimento de Raphael Viviani na parte final: "Não há contra-argumentos depois. E a coisa não é tão simples como aparece no filme. Não fica claro que houve ações anteriores [à ida ao Dops]. Ele [Simonal] procurou saber o que estava acontecendo [em relação ao suposto desfalque].

Sabendo da origem humilde dele, do fato de não ter tido um pai, você consegue imaginar ser possível a atitude que ele tomou [hein???], ainda que nada justifique". Depois, Max criticou o jornal por ter publicado que o filme era uma investigação da relação de Simonal com a ditadura.

"O documentário é sobre a saga de um homem negro, filho de uma empregada doméstica, que sai da pobreza, do nada, para se tornar um dos maiores artistas do Brasil durante os anos 1960", escreveu em resposta.

"Atrapalhou minha vida, acabou com a dele", diz vítima

Quase quatro décadas depois dos eletrochoques acionados com manivela e do espancamento que ele denunciou ter sofrido e sentença judicial reconheceu, Raphael Viviani, 68, esboça em mão dupla seu balanço sincero da história: "Isso aí atrapalhou deveras a minha vida, passei um sufoco muito grande. E ele também acabou com a vida dele".

"Ele" é Wilson Simonal, o ex-patrão cuja firma foi alvo de uma reclamação trabalhista do seu antigo chefe de escritório - e não contador, como até hoje se repete - contratado em outubro de 1970 e demitido em junho seguinte.

Em 24 de agosto de 1971, por volta das 23h50, um agente e um colaborador do Dops apanharam-no em casa. Era o dia seguinte à notificação da queixa pela Junta de Conciliação.

na companhia de Simonal, levaram-no para a repartição policial - de onde ele sairia por volta das 20h do dia 25, após redigir de próprio punho uma confissão de apropriação indébita.

Obrigaram-no - foi isso que a Justiça concluiu - a escrever que gastou o dinheiro em "noitadas, bebidas e mulheres". No processo, não consta prova ou indício documental de desvio.

"Como é que eu vou esquecer uma coisa dessa?", pergunta, sobre os idos de 1971. "Não tem jeito de esquecer aqueles dias tumultuados. Se você me visse antes e depois daquela noite que eu passei sendo torturado lá, não diria que é a mesma pessoa."

"Uma foto antes e uma depois, elas saíram num jornal vagabundo, que inverteu toda a minha história, você não diz que é a mesma pessoa. É uma coisa que eu não vou esquecer. Vou acabar levando para o túmulo."

Viviani conversou com a Folha por telefone - foi fácil encontrá-lo recorrendo à lista, pelo nome de um parente que mora com ele em um bairro da zona oeste de São Paulo.

O escriturário conta estar aposentado por invalidez permanente - um diabetes que teria começado a se manifestar em seguida à sua detenção.

Ele reapareceu publicamente com um depoimento no filme "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei".

Como ainda recordava o tom antipático contra ele em segmentos consideráveis do jornalismo, nos dias e semanas posteriores à sua passagem pelo Dops, falou ao documentário "para desabafar um pouco".

"Estava todo mundo formando ideia contra mim. Vou esclarecer isso aí, não devo nada, seria bom. Minha família não gostou que eu tenha feito isso. E até hoje eles não querem que eu mexa mais com isso. E eu não tenho muito o que falar."

Para delegado, "ele não era informante"

ENTÃO Nº 2 NO DOPS, ZONILDO CASTELLO BRANCO ISENTA CANTOR DE COLABORAÇÃO COM POLÍCIA POLÍTICA


O delegado aposentado Zonildo Castello Branco afirma que Wilson Simonal não era informante do Departamento de Ordem Política e Social, apesar de um relatório interno do Dops sustentar o contrário.

Em 1971, quando o informe foi elaborado no órgão - ao fim seria anexado ao processo 3.540/72 -, Castello era o diretor da Divisão de Operações, o número dois da polícia política no Rio.

Foi ele quem encaminhou para o diretor o relatório de autoria do inspetor Mário Borges. "Simonal era muito ligado, conhecia o Mário Borges, mas colaborador não era, não."

O delegado sustenta que enviou o informe ao superior, sem nenhuma restrição às informações, porque esse era o método. "Eu apenas submetia o relatório à consideração."

A Folha localizou no Rio o empresário Sérgio de Andrada Guedes, um dos três condenados no processo. Conversou com ele por telefone, Guedes prometeu ligar, mas não respondeu mais aos recados.

Ele foi um dos dois homens que buscaram Raphael Viviani em casa na noite de 24 de agosto de 1971. No processo, aparece como colaborador do Dops e industrial - hoje sua empresa tem mais de 300 funcionários.

"Muito pouco sei daquilo. Sei tanto quanto vocês, imprensa", disse ele, no único contato com o jornal.

A condição de informante "parece uma história de cobertura", diz o ator e cineasta Cláudio Manoel, sobre o depoimento em que o cantor assim se assumiu.

Ele é codiretor do filme que conta a vida de Simonal.

"Estranho que no próprio dia em que o cara vai ter essa ação ele vai e presta queixa." Seria uma forma de justificar a colaboração do Dops em uma iniciativa sem cunho político.

"Acho impossível provar a condição de informante, sendo ou não." Critica: "Parece mais relevante é que de uma certa forma a questão de ele ser ou não informante parece decisiva para justificar se merecia ou não ter sofrido o tipo de lepra que sofreu".

Cláudio identifica crueldade com Simonal: "Por que não passa? Digamos que fosse provado que o cara foi um informante da ditadura. Trinta anos depois da Lei da Anistia, o que interessa isso?".

Na sua opinião, houve contra Viviani "uma operação truculenta, estúpida e de vendeta pessoal que descambou para o errado".

Inocente

Logo que uma enorme leva de marinheiros foi presa pelos golpistas de 1964, dois advogados de 38 anos de idade se desdobraram para, sem cobrar um tostão, dar conta de tantas defesas urgentes: Antonio Evaristo de Moraes Filho e Antônio Augusto Alves de Souza.

Eles ficariam de tal modo marcados que seus detratores pró-regime gracejavam: não eram causídicos de porta de xadrez, mas de porta de fortaleza - instalações militares onde os clientes eram encarcerados.

Ao se ver em apuros, Simonal procurou Evaristo. O motivo era óbvio, diz Alves de Souza: "Ele era um advogado excepcional, o melhor da época".

Durante todo o processo 3.540/72, a dupla representou Simonal. Evaristinho, como chamavam o criminalista, era homem de esquerda. Morreu em 1997. Assinou sozinho os principais documentos da defesa, inclusive os que avalizam o depoimento em que o cantor se reconhece informante.

Seu colega, que "não era politizado", afirma que ambos nunca tiveram dúvidas de que a versão de Simonal no episódio era verdadeira: ele dizia não saber de tortura contra Viviani.

A Justiça não lhe deu razão, mas a defesa obteve vitória relativa ao limitar a três meses a pena final, sem necessidade de cumpri-la na prisão.

"Se ele fosse realmente culpado, não se sentiria atingido", diz Alves de Souza. "Por isso acredito piamente na inocência. Ele se sentia profundamente infeliz. Em nenhum momento ficou provado nos autos que participou da tortura ou que estava presente, o que evidencia a inocência."

De fato, nenhum depoimento, nem o de Viviani, sustentou que Simonal torturou ou assistiu às sevícias. Ele foi condenado por ser considerado corresponsável por constrangimento ilegal, mas não agressor.

Para Alves de Souza, Simonal foi vítima de "perseguição ideológica": "Da mesma forma que havia a perseguição estatal contra aqueles que tinham a ideologia de esquerda, o pessoal que era perseguido se voltou contra ele".

A intolerância feriu: "Pela mesma maneira que se julgava crime de ideologia, o que é um absurdo, as pessoas que se diziam comunistas queriam acusá-lo por ser um homem que tinha outra ideologia, por ser de direita".

A inveja teria contribuído: "Os invejosos anônimos aproveitaram aquele momento para ajudar a derrubá-lo. Os arrivistas que querem subir à custa do sofrimento alheio".

O elo perdido

RELATÓRIO CONFIDENCIAL DO DOPS, DE 30 DE AGOSTO DE 1971, REFORÇA LIGAÇÃO COM O ARTISTA


Relatório interno do Departamento de Ordem Política e Social da Guanabara, com carimbo "confidencial", resumiu em 30 de agosto de 1971 a relação com Wilson Simonal:

"É elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava".

O signatário foi o chefe da Seção de Buscas Ostensivas, Mário Borges. O destinatário, o chefe do Serviço de Buscas, José Pereira de Vasconcellos.

No mesmo dia, o diretor da Divisão de Operações, Zonildo Castello Branco, endereçou aquele relatório sigiloso ao diretor do departamento, coronel do Exército Gastão Barbosa Fernandez. O coronel encaminhou-o à Justiça, que o anexou ao processo 3.540/72.

Seu conteúdo não foi contestado por ninguém.

Produzido no calor da repercussão em torno da detenção de Raphael Viviani, o documento evoca episódio em que o Dops deu proteção a Simonal por três meses contra supostos "subversivos" que teriam prometido estourar bombas no teatro em que o artista estava em cartaz.

Ele ajuda a entender o grau da intimidade que permitiu, para resolver pendenga privada, surrar um cidadão em prédio público onde funcionários se dedicavam a questões de Estado: combater oposicionistas, em particular os de grupos armados.

Menos de quatro semanas antes da chegada de Viviani, o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira foi preso e levado para o Dops, onde o torturaram.

Seu martírio prosseguiu na instalação do Exército em que funcionava o DOI (Departamento de Operações de Informações). Raul Amaro saiu de lá para o hospital, onde morreu.

No comando da radiopatrulha que o transportou entre o Dops e o DOI estava Mário Borges, conforme a edição 2009 do "Dossiê Ditadura - Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1974-1985)", organizado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Borges foi um dos cinco réus no processo decorrente da tortura contra Viviani. Acabou absolvido porque não participou das sevícias e tinha álibi de que estava ausente - em missão contra a "subversão".

Em 1985, o Projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, inventariou a tortura durante a ditadura. Foram numerosas as denúncias de presos políticos apontando Mário Borges e José Pereira de Vasconcellos como torturadores.

Forças Armadas

O relatório do Dops que descreve a colaboração de Simonal com outros órgãos ganhou mais verossimilhança com o interrogatório do tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira, na 23ª Vara Criminal, em 29 de julho de 1974.

Testemunha de defesa do cantor, ele afirmou: "Conhece o primeiro acusado [Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas".

Em 1974, o oficial estava lotado na Escola Superior de Guerra. Em 1971, era relações públicas do 1º Exército, comando da Força na Guanabara (que hoje equivale ao município do Rio de Janeiro) e em outros Estados. Pereira disse ter sido procurado por Simonal, que lhe falou sobre ameaças que estaria sofrendo. O militar sugeriu que recorresse ao Dops.

Nos anos 1990, Simonal obteve um atestado da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) assegurando que ele nunca foi seu informante.

A SAE sucedeu o SNI (Serviço Nacional de Informações) da ditadura.

O nome do SNI não aparece, entretanto, no processo 3.540, no qual Simonal é reconhecido como informante do Dops e colaborador do 1º Exército.

Em 1972, o cantor contextualizou em juízo a origem da intimidação: "[...] Desde que participou de uma Olimpíada do Exército fazendo um show, e de fazer [sic] um disco da Shell de propaganda do governo, isto é, fazia indiretamente propaganda do governo, passou a receber telefonemas anônimos que lhe faziam [sic] ameaças a si e a sua família".

"Comunistas"

Ele repetidamente proclamou a camaradagem com integrantes da polícia política. Em 1971, de acordo com o "Correio da Manhã", mencionou José Pereira de Vasconcellos como "meu grande amigo".

Logo depois do mandado de prisão expedido em 1974, entregou-se ao Dops de São Paulo. "O delegado Sérgio Fleury é meu chapinha e tudo vai correr dentro do figurino", disse, conforme o "Última Hora".

Responsável por dezenas de assassinatos, Fleury foi o mais destacado policial no combate à luta armada durante o governo do general Emilio Garrastazu Médici (1969-74).

Em seus últimos anos, Simonal reclamou do que considerava um viés persecutório do jornalismo contra ele. Mas, em seguida à surra em Raphael Viviani, a versão do artista foi encampada por parcela expressiva da imprensa.

Reportagens céticas em relação aos relatos de Simonal provocaram irritação, sugere nota do colunista Ibrahim Sued na edição de "O Globo" de 4 de setembro de 1971.

A nota: "As autoridades militares estão começando a ficar de olho em certa imprensa marrom, principalmente no que se refere aos artistas... Eu estou apenas advertindo. Quem avisa amigo é... O mar não está pra peixe...".

O semanário "O Pasquim" foi o primeiro que tratou Simonal como "dedo-duro". Com a sentença de 1974, a revista "Veja" publicou que a operação contra Viviani "foi facilitada pelo fato de Simonal também ser informante da polícia".

A fama de delator custou-lhe vaias e xingamentos em shows.

Em agosto de 1982, ainda na ditadura, a Folha circulou com entrevista de Simonal em que ele afirmou:

"Dizer que eu dedurei os cantores comunistas é meio calhorda. Eles próprios nunca negaram que eram comunistas. Chico Buarque, Caetano Veloso jamais disseram o inverso. E qualquer criança sabe o que eles são..."

Depois, Simonal disse que suas declarações foram distorcidas. O jornal respondeu que nada havia alterado.

1971/1976

24 de agosto de 1971

"O declarante aqui comparece visto a confiança que deposita nos policiais aqui lotados e visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico; que o declarante, quando da revolução de março de 1970, digo 64, aqui esteve oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos; que o declarante de certa feita ou, melhor, quando apresentava o seu show "De Cabral a Simonal" no teatro Toneleiros, foi ameaçado de serem colocadas bombas naquela casa de espetáculos; que o declarante nesta época solicitou a proteção do Dops para sua casa de espetáculo, o que foi feito e nada se registrando de anormal."

Wilson Simonal de Castro, em depoimento ao Dops

30 de agosto de 1971

"Como sabe V. Sa., o cantor Wilson Simonal é elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava."

Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops, para José Pereira de Vasconcellos, chefe do Serviço de Buscas, em informe confidencial

16 de novembro de 1972

"O primeiro acusado, Wilson Simonal, era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividade de elementos subversivos."

Mário Borges, inspetor do Dops, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

29 de julho de 1974

"Conhece o primeiro acusado [Wilson Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas."

Expedito de Souza Pereira, tenente-coronel do Exército, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

14 de outubro de 1974

"Simonal se diz, com todas as letras neste processo, um colaborador dos órgãos de informação, por se tratar de homem de direita. A sua defesa corroborou isso com cifras definitivas [...]. Daquela época ["Revolução de 1964'] ao fato da denúncia se perfizeram 7 anos e meses de atividade policial auxiliar voluntária de Simonal (que, aqui, num processo comum, deve ficar imune a aplausos ou críticas), por conseguinte. Lapso de tempo esse que, evidentemente, levou o cantor-acusado a ter, pelo menos, grande afinidade com os agentes do Dops, para não falar em proteção."

Alegações finais do assistente de acusação Raphael Viviani, na 23ª Vara Criminal, assinadas pelo advogado Jorge Alberto Romeiro Jr.

1974

"Ficou cabalmente esclarecido que o suplicante, na tarde de 23 de agosto, inclusive a conselho de um oficial superior do Exército, compareceu ao Dops, onde prestou formalmente um depoimento em que se queixou de estar sendo vítima de telefonemas ameaçadores, por parte de elementos supostamente subversivos. [...] O suplicante, ao dirigir-se ao Dops, por recomendação de um oficial superior do Exército, o fez em decorrência das ameaças aterrorizantes que vinha sofrendo, revestidas de caráter político."

Alegações finais em favor de Wilson Simonal de Castro, na 23ª Vara Criminal, assinadas pelo advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho

11 de novembro de 1974

"Que Wilson Simonal de Castro era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops é fato confirmado [...]."

João de Deus Lacerda Menna Barreto, juiz da 23ª Vara Criminal, na sentença do processo 3.540/72

9 de dezembro de 1974

"O primeiro apelante, Wilson Simonal de Castro, era colaborador das Forças Armadas e informante do Dops [...]."

Antônio Carlos Biscaia, promotor de Justiça, em contra-razões de recurso

3 de junho de 1976

"Resulta duvidosa, entretanto, a finalidade de diligência, cabendo aqui destacar-lhe dois aspectos. O primeiro, quanto à colocação feita junto ao Dops, noticiando ameaças dirigidas ao cantor Wilson Simonal, pelo fato de ser o mesmo colaborador das autoridades na repressão à subversão, o [que] torna a diligência ordenada regular, como reconheceu a sentença."

Desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, da 3ª Câmara Criminal, no acórdão da apelação nº 62.372

Chega de conversa mole?

Os Dez Dedos Duros de Simonal

Simonal 3.540/72

PROCESSO A QUE A FOLHA TEVE ACESSO EXPLICITA COLABORAÇÃO ENTRE CANTOR E O DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL; EM VIDA, ARTISTA DESMENTIA VÍNCULO COM ÓRGÃOS DE SEGURANÇA


Wilson Simonal de Castro, um dos mais talentosos cantores do Brasil [hein???] em todos os tempos, declarou formalmente em 1971 que era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), a polícia política do antigo Estado da Guanabara.

Seu depoimento na polícia foi avalizado reiteradamente em processo judicial por seu advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho.

A declaração de Simonal e a confirmação de Evaristo nunca foram divulgadas - conhecem-se apenas as manifestações de proximidade do artista com o Dops, mas em público ele negava ter sido informante.

A Folha teve acesso ao processo 3.540/72, do qual consta o depoimento em que Simonal reconhece seus serviços.

Ele foi processado sob acusação de ser o mentor de uma sessão de tortura - em dependências do Dops- para obter confissão de desfalque de Raphael Viviani, ex-funcionário de sua firma.

Relatório confidencial do Dops, anexado aos autos e ainda hoje inédito, explicitou a ligação - reafirmada por um agente do órgão, Mário Borges, em interrogatório na Justiça.

Testemunha de defesa do artista, o tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira descreveu-o como "colaborador das Forças Armadas". Foi Simonal (1938-2000) quem se disse "colaborador dos órgãos de informação", sublinharam Viviani e seu advogado, Jorge Alberto Romeiro Jr.

O Ministério Público, representado pelo atual deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), apontou o intérprete como "colaborador das Forças Armadas e informante do Dops". Sentença proferida pelo juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto concordou.

Acórdão (decisão de corte superior) do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), assinado em 1976 pelos desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, referendou: Simonal era "colaborador das autoridades na repressão à subversão". Foi a palavra final da Justiça.

Todos esses documentos integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª Vara Criminal, concluído em 1976 e em cujas 655 folhas jamais houve divergência: dos amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos estiveram de acordo que Simonal - e ele assentia - era informante do Dops.

Em abril, a Folha pediu ao TJ para ler os papéis. Localizados em junho, eles foram consultados pelo jornal na íntegra. A história que eles descortinam vai na contramão de versões que rejeitam a relação do cantor com o aparato de segurança da ditadura militar (1964-85).

Entrevistas com sobreviventes da época e pesquisa em periódicos jogam luz no episódio.

Em 2000, a Folha publicou reportagem com base na sentença de 11 páginas, encontrada no Arquivo Público do Estado do RJ, que guarda o acervo do Dops.

Contudo, não achou cópia do conjunto do processo nem do informe interno acerca de Simonal, da declaração em que ele se afirmou colaborador ou de lista de eventuais pessoas delatadas por ele.

Desde a década de 1930 havia informantes da polícia política nos meios culturais do Rio. Eles não costumavam ser identificados nominalmente em relatórios, como se constata no Arquivo do RJ.

Tortura

A controvérsia sobre as conexões do cantor ressurgiu com vigor devido ao documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.

O filme narra da ascensão ao estrelato à morte no ostracismo, determinada pela imagem de "dedo-duro" - função que no fim da vida Simonal contestava ter desempenhado. Ele se dizia alvo de mentira inventada por inimigos, de racismo e de perseguição da esquerda.

O cantor não foi julgado pela colaboração com a ditadura, mas por ter levado Viviani para a sede do Dops, na rua da Relação, região central do Rio.

Simonal foi ao departamento e emprestou seu carro aos policiais, que buscaram Viviani em casa quase à meia-noite de 24 de agosto de 1971, passaram pelo escritório do artista e terminaram na rua da Relação.

torturaram Viviani com choques elétricos, socos e pontapés até ele assumir por escrito o desvio.

Simonal estava no Dops, para onde ajudou a transportar - desde seu escritório, em Copacabana - o ex-chefe de escritório da Simonal Comunicações Artísticas.

Ele não participou da tortura nem a testemunhou.

Um inquérito foi instaurado na 13ª DP porque a mulher do funcionário registrou o desaparecimento.

Foram condenados o cantor, um policial do Dops, Hugo Corrêa de Mattos, e um colaborador do órgão, Sérgio de Andrada Guedes. Em 1974, por crime de extorsão, a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão. Em 1976, depois da desclassificação do crime para constrangimento ilegal, a três meses. Simonal passou nove dias detido. Os três negaram as acusações.

"Subversivos"

Relatos jornalísticos recentes sustentam que foi o inspetor Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops e notório torturador de presos políticos, a fonte original da classificação de Simonal como informante.

Na 23ª Vara, Borges disse que o cantor "era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividades de elementos subversivos".

Não citou a identidade dos "elementos". O interrogatório do policial ocorreu em 16 de novembro de 1972.

Acontece que, 450 dias antes, Simonal já prestara declarações no Dops que foram anexadas ao processo e não chegaram ao noticiário.

Às 15h de 24 de agosto de 1971, perto de nove horas antes da diligência contra Viviani, Simonal afirmou ter ido à rua da Relação "visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico". Também não nomeou os "movimentos".

Ou seja, o primeiro a sustentar que Simonal era informante foi ele mesmo, e antes da ação da polícia. Na ocasião, o cantor lembrou que no golpe de Estado de 1964 esteve no Dops "oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos" - outro denunciado por sevícias contra opositores.

Simonal assinalou que se aproximou ainda mais do Dops quando pediu e obteve proteção contra uma ameaça de explosão de bombas em um show.

Em 1971, ele se queixou de um "grupo subversivo" que prometia sequestrá-lo se não "arrumasse" dinheiro.

A voz anônima parecia, ele disse, a de Viviani.

Na 13ª DP, o cantor depôs em 28 de agosto. Apresentou-se como "homem de direita" e relembrou ter dito no Dops (no dia 24) que conhecia, "como da área subversiva", "uma irmã do senhor Carlito Maia" - era a produtora cultural Dulce Maia, ex-presa política e àquela altura exilada.

Esse depoimento vazou à imprensa, mas nele Wilson Simonal calou, nem lhe perguntaram, sobre a atuação como informante.

30 anos depois

Decisão deve mudar cursos de jornalismo

Fim da obrigatoriedade do diploma, determinada na semana passada pelo Supremo, provoca discussão em universidades


Diretores de escolas dizem que procura por cursos não deve diminuir e comparam futuro da carreira ao que ocorre com publicitários


O fim da obrigatoriedade do diploma de jornalismo, determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), deve aumentar a qualidade dos cursos e trazer mudanças nas grades curriculares ou nas opções de formação oferecidas.

A opinião é de professores e diretores dos principais cursos de jornalismo do país. Para muitos deles, a decisão irá "reestruturar a categoria".

À frente das escolas de jornalismo, especialistas preveem a oferta de mais opções de pós-graduação na área e até a possibilidade de uma volta ao currículo em que os alunos faziam primeiro disciplinas humanísticas e, nos últimos anos da graduação, as disciplinas práticas.

A opção abriria a chance para pessoas com formações em outras áreas cursarem uma habilitação em jornalismo, mais curta que um curso universitário integral. Todas essas possibilidades estão em discussão no Ministério da Educação, onde um grupo vem estudando modificações nos currículos.

Hugo Santos, diretor de Comunicação e Artes da Estácio Ensino Superior, aposta em cursos mais tecnológicos e ampliação das opções de pós-graduação em jornalismo.

O professor José Marques de Melo, que atua na Universidade Metodista de São Paulo, vê nos mestrados profissionalizantes uma tendência, como ocorre nos EUA. Apesar disso, ele defende a boa formação de jornalistas generalistas, para que os jornais atendam a um público cada vez mais amplo.

A valorização da formação universitária específica na área e a procura por vagas oferecidas nos vestibulares não devem sofrer modificações, dizem professores e diretores.

Muitos comparam o futuro de seus cursos ao que já ocorre na publicidade - profissão na qual o diploma não é uma exigência. "Os empresários da publicidade procuram estagiários e profissionais com formação na área e a procura pelos cursos é muito alta", diz Ricardo Schneiders, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

José Luiz Proença, da Escola de Comunicação e Artes da USP, lembra que os cursos de jornalismo são anteriores ao decreto-lei de 1969 - parcialmente derrubado pelo STF. "No tempo anterior à obrigatoriedade [do diploma], os cursos já tinham procura", diz.

Leonel Aguiar, coordenador do curso de jornalismo da PUC-RJ, diz que os cursos "com excelência acadêmica" continuarão sendo procurados pelos que querem se iniciar na profissão.

"Quem tem talento e quiser ser um bom jornalista vai aproveitar muito se escolher um bom curso", afirma Carlos Costa, coordenador de Jornalismo da Cásper Líbero.



Bean on Creu

Saturday, June 20, 2009


http://www.brasiliana.usp.br/

...mas não matam.

Mais de 27% dos homens sul-africanos já estupraram



Uma sondagem realizada pelo Conselho de Pesquisa Médica (CPM) da África do Sul revelou que 27,6% dos homens do país admitem já ter cometido estupro. A prática é considerada um dos principais motivos para o alto índice de infecção pelo vírus HIV entre os sul-africanos - 12% de 47 milhões.

Foram entrevistados na pesquisa do CPM 1.738 homens em áreas rurais e urbanas das Províncias (Estados) do Cabo Ocidental e de KwaZulu-Natal.

A pesquisa aponta que 74% dos sul-africanos que admitem ter cometido estupro o fizeram pela primeira vez antes dos 20 anos de idade - e 10% antes dos dez anos de idade. Cerca de 5% dos entrevistados admitiram já ter violentado outros homens.

O estupro chamado "íntimo", de atuais ou ex-parceiras, foi cometido por 14%. É nesse grupo que, segundo os pesquisadores, foi verificada a maior relação entre a prática do estupro e a infecção por HIV. Já entre o total de homens que dizem ter cometido o crime e o total dos que dizem não tê-lo cometido a diferença não é significativa.

Quase a metade dos homens que já estupraram o fizeram duas ou mais vezes - 7,7% estupraram mais de dez mulheres. E 1 em cada 10 deles afirmou tê-lo feito na companhia de "gangues" de estupradores.

"O estupro é um problema que vem das ideias de masculinidade na África do Sul. A posição do homem é superior à da mulher na sociedade e legitima esse tipo de comportamento", disse a diretora do setor de gênero do CPM, Rachel Jewkes.

Para os pesquisadores, a alta incidência entre os mais jovens aponta para o risco de reversão de avanços obtidos nos últimos anos em relação à desigualdade de gênero e para a necessidade de uma abordagem não apenas repressiva em relação ao tema.

"Uma mudança precisa estar ligada à existência de modelos alternativos sobre como ser homem, o que exige melhorias no sistema educacional e maiores oportunidades de emprego para os mais jovens", diz Jewkes.

O perfil dos homens que disseram ter estuprado não aponta, no entanto, relação direta com a pobreza. Segundo o relatório, eles se encontram geralmente em camadas intermediárias de renda e escolaridade.

Estupro e Aids são temas sensíveis na África do Sul. Além da alta incidência de ambos, posições públicas de autoridades como o atual presidente, Jacob Zuma, e o seu antecessor, Thabo Mbeki, têm gerado revolta nos últimos anos entre ativistas de combate à Aids.

Em 2006, Zuma enfrentou uma acusação de estupro e foi inocentado. No processo, o político, que preserva a tradição de poligamia, justificou o sexo sem proteção pelo fato de tomar uma ducha após o ato.

Wednesday, June 17, 2009

Sombras sobre a USP

Marcelo Coelho

Um grupo de provocadores ameaça a ordem e o Estado de Direito. Impossível negociar com extremistas desse tipo, dado o irrealismo de suas reivindicações. Para preservar a paz da comunidade e o império da Lei, a saída é a intervenção de uma força militar.

Esse raciocínio pode ser aplicado, sem grande irrealismo, à crise vivida na Universidade de São Paulo. De fato, há minorias radicais. Tudo indica que é impossível negociar com elas. De fato, a ordem deve ser preservada. Tudo indica que o patrimônio público precisava ser defendido de invasões e quebra-quebras.

Só que a fraseologia não difere muito da que justificou o golpe militar de 1964.

Aquela época tinha seus extremistas, dispostos, por exemplo, a fazer a reforma agrária "na lei ou na marra". Eram, certamente, minoritários na população. Havia uma ordem a ser preservada, e uma legalidade para a qual os movimentos de massa não conferiam grande importância. Só uma intervenção militar daria conta da "baderna".

É triste ver pessoas de belo currículo democrático, notoriamente perseguidas pelo regime militar, apoiando a ocupação da USP pela PM. Sem dúvida, a polícia age agora com autorização judicial e o golpe de 1964 foi, afinal, um golpe.

Do ponto de vista político, entretanto, as situações se assemelham. Como em 1964, muitos "democratas" agora acham que é preciso reprimir pela força as "minorias radicais", contando com o aparato militar para defender a ordem, contra a "baderna".

Este artigo - prometo - será imparcial. Não vejo valor em alguns argumentos do lado contrário. É muita abstração condenar a presença da PM porque a universidade é um local "de pensamento, não de violência", "de ideias, não de barbárie".

A USP é isso, mas não é um jardim peripatético: é também um lugar de trabalho, onde pessoas ganham salário, reclamam, fazem greves, piquetes e invasões.

Piquetes e invasões não são atos isentos de violência, e palavras de ordem não costumam ser obras-primas de reflexão e de pesquisa. De resto, há uma diferença óbvia entre intervenções armadas que se dedicam a sufocar o pensamento e a liberdade de cátedra, e as que se encarregam de reprimir militantes sindicais.

Convocar a PM foi um erro. Só serviu para acirrar, e não pacificar, os ânimos na USP. A retirada da PM é o primeiro passo para a superação da crise.

O problema é saber por que se chegou a esse ponto - em que pessoas respeitáveis acabam achando que "só a PM resolve essa baderna". Quando acontece isso, um sistema de representação e de poder se revela disfuncional. A política deixa de funcionar e a força prevalece.

Se "minorias radicais" conduzem o processo, cabe perguntar onde estão as maiorias moderadas. Deveriam estar presentes nas assembleias (e piquetes) que decidem mobilizações em nome de todos.

Nada mais alienado do que condenar o fato de uma assembleia "de gatos pingados" ter decidido uma greve quando não se participa dela.

Estivesse presente nas assembleias, a "maioria ordeira" da USP negaria legitimidade aos movimentos de reivindicação. Em última análise, prefere delegar a defesa da ordem à PM.

Diante de dezenas de ativistas enraivecidos, quatro policiais (que não são "a repressão", mas têm nome, estado civil e endereço) foram cercados e humilhados moralmente. Quando chegou o reforço, professores, funcionários e estudantes (que têm nome, estado civil e endereço) foram atacados com gás e balas de borracha.

Tudo se desumaniza, porque está em jogo uma contradição estrutural. Temos uma máquina burocrática - a da reitoria e seus órgãos ossificados de decisão - contra uma máquina sindical - que segue a lógica da mobilização de massas.

Acontece que as massas são imaginárias (reduzem-se a uma minoria) e que a estrutura de poder na USP, supostamente defensora da lei e da ordem, é tudo menos democrática. Quando ninguém representa ninguém, ou representa mal, não há negociação humana possível, e a violência prevalece.

O mesmo dilema levou a crises violentas no sistema político brasileiro, tempos atrás. Minorias "extremistas" se iludem com a omissão da maioria "ordeira", que não se dá ao trabalho de mobilizar-se pela "ordem" e pela "moderação". Afinal, tem as tropas a seu dispor.

Sunday, June 14, 2009

Saturday, June 13, 2009

Na Faécia, Atená, aparecendo em sonho a Nausícaa, filha do rei, admoesta-a a ir lavar suas roupas na praia (provavelmente em algum rio que desembocava no mar), onde ela encontra Odisseu que aí viera parar numa balsa. Nausícaa o encoraja a procurar a hospitalidade (ksenía) de seus pai, o rei Alcínoo e a rainha Areté, o que o herói se dispõe a fazer. Aceito na corte dos Feácios e sem revelar seu nome, Odisseu lá permanece por vários dias, toma parte em uma competição de disco e, finalmente, é convidado pelo rei a sentar-se no salão para ouvir o famoso cantor cego Demódoco, “que a Musa muito amara, e lhe dera bens e males: / dos olhos o privara, mas lhe dera a doce canção ” (Od. 8.63-4). Demódoco canta três rapsódias: a primeira, sobre a disputa entre Odisseu e Ájax Telamônio pelas armas de Aquiles; a segunda, sobre o caso amoroso de Afrodite e Hefesto, que pode ser ouvida no link abaixo de acordo com a reconstrução hipotética de G. Danek (Univ. de Viena) e S. Hagel (Academia de Ciências da Áustria):



Quantcast

(fonte: Homeric Singing: An Approach to the Original Performance)

Odisseu, a fim de testar a suposta inspiração divina de Demódoco, o convida a cantar sobre o estratagema do cavalo de Tróia, por ser um assunto em que o mesmo poderia verificar a veracidade dos contos musicados pelo bardo. Este, de fato, canta o episódio tão vividamente e com tantos detalhes que Odisseu, deixando-se levar pela emoção, irrompe num choro descontrolado, traindo, assim sua identidade.

http://mithologiai.blogspot.com/

O clássico e o contemporâneo

Antonio Cicero

No artigo anterior, critiquei a obsessão dos brasileiros pelos contemporâneos*

Através de e-mails e comentários no meu blog, alguns leitores atacaram aquilo que consideraram ser o conservadorismo do artigo "O desejo do contemporâneo", publicado aqui, em 28 de maio. Em primeiro lugar, há os que supõem conservadora a minha crítica à obsessão de grande parte dos intelectuais brasileiros pelo "dernier cri" europeu ou americano. Mal se conhece o "dernier cri", eu dizia, "e ele já deixou de o ser, de modo que, correndo-se atrás do próximo, deixa-se para pensar por conta própria mais tarde". Observei, ademais, que "quem só deseja estar "up to date" acaba por jamais ler os clássicos". Também essa implícita defesa da leitura dos clássicos foi tida por conservadora.

Ora, "um clássico é um clássico", como afirma o poeta Ezra Pound, "não porque se conforme a certas regras estruturais ou se enquadre em certas definições (das quais o seu autor provavelmente nunca ouviu falar), mas porque possui certo eterno e irreprimível frescor". É clássica a obra que permanece sempre nova.

No caso da filosofia, isso ocorre quando, independentemente de concordarmos ou não com as teses defendidas por uma obra, ela nos solicita a questionar e a pensar de modo mais claro e mais profundo aquilo que realmente pensamos.

É assim que podemos, à primeira vista, não concordar em nada com A República, de Platão, ou com Ser e Tempo, de Heidegger, por exemplo; entretanto, durante e após a leitura de tais livros, temos que mudar nosso modo de pensar. Nenhuma paráfrase, explicação ou interpretação de semelhantes obras jamais seria capaz de substituir a leitura delas. Além disso, é a partir de semelhantes leituras que sabemos o que é ou o que deve ser a filosofia.

É claro que, quando consideramos determinado problema filosófico hoje, devemos conhecer o "status quaestionis", isto é, o estado em que se encontra a discussão sobre esse problema, e isso significa que é preciso saber o que pensam sobre ele os nossos contemporâneos. Estes, ademais, exatamente por serem nossos contemporâneos, são capazes de levar em conta certas preocupações que só se tenham manifestado ou tornado prementes exatamente na nossa época. Por isso, no meu artigo anterior não critiquei o interesse, mas a obsessão que os brasileiros demonstram ter pelos contemporâneos. E o fiz porque observo que ela chega ao ponto de ter como contrapartida o desprezo pelos clássicos.

Essa obsessão pelos contemporâneos corresponde, é claro, ao desejo de superação do provincianismo. Sentido-se "atrasados", os brasileiros se esforçam por se livrar do passado, de modo a alcançar o tempo presente, que imaginam pertencer aos outros. Em tal esforço, dado que a tradição filosófica lhes parece pertencer ao passado, os brasileiros a alienam. É assim que perdem a posse direta dos clássicos que, por direito, é tanto deles quanto de qualquer outro povo contemporâneo. Fugindo do provincianismo espacial, caem no provincianismo temporal.

Mas meu artigo foi considerado conservador também por outra razão. É que a referência que nele fiz às "bobagens ou trivialidades que são cotidianamente escritas sobre Nietzsche por alguns dos seus fãs" foi tida como um ataque a Nietzsche. Associando esse pretenso ataque ao autor de Genealogia da Moral com a crítica que eu havia feito, no artigo anterior, a certas teses de Foucault, houve quem pensasse detectar uma mudança para o conservadorismo na minha orientação filosófica, sintetizada do seguinte modo: "Antes Nietzsche e Foucault; agora Hegel e Aristóteles".

Na verdade, nem antes fui discípulo dos primeiros nem sou agora dos segundos; além do que há dúvidas sobre se os segundos são mais conservadores do que os primeiros. Em Foucault, critiquei sua defesa incondicional do regime reacionário instaurado pelo aiatolá Khomeini, bem como o relativismo cultural com o qual racionalizou essa defesa.

Quanto a Nietzsche, longe de atacá-lo, cheguei a emulá-lo. No ensaio "Sobre o Uso e o Abuso da História para a Vida", ele mesmo acusa os seus contemporâneos de "adaptarem o passado às trivialidades contemporâneas".

É o que penso que alguns dos meus contemporâneos fazem com o próprio Nietzsche. Este, aliás, não tinha admiração nenhuma pelos seus contemporâneos, de modo que se considerava, sobretudo, extemporâneo. "Ao procurar biografias", aconselhava ele, "não queiram as que tragam o refrão "Fulano de Tal e o seu tempo", mas as que na página de título tenham que dizer "Um lutador contra o seu tempo'".

* http://antoniocicero.blogspot.com/2009/05/o-desejo-do-contemporaneo.html

A Revanche da Inteligência

Manuel da Costa Pinto


Assunto Encerrado
traz ensaios em que o italiano Italo Calvino entra em litígio com o neorrealismo


"Não existe teoria que não seja um fragmento, cuidadosamente preparado, de alguma autobiografia".

Se a frase do poeta francês Paul Valéry soa hiperbólica, certamente se aplica a Assunto Encerrado, de Italo Calvino (1923-1985), com ensaios e textos de conferências escritos a partir de 1955. Hoje, o autor italiano é conhecido sobretudo por livros que associam imaginação fabulesca e jogo matemático - como nas permutações narrativas de Se um Viajante numa Noite de Inverno e As Cidades Invisíveis - ou pelos ensaios de Seis Propostas para o Próximo Milênio - em que cultiva valores estéticos como "leveza", "velocidade", "multiplicidade" etc.

Não deixa de ser surpreendente, portanto, que esse livro, cujo subtítulo é "Discursos sobre Literatura e Sociedade", tenha por preocupação central temas como representação do real e engajamento. Nesse sentido, pode de fato ser considerado o percurso autobiográfico, sob a forma de artigos teóricos, de um escritor que começou a escrever sob influxo do neorrealismo, mas logo derivou para as parábolas de O Visconde Partido ao Meio ou O Cavaleiro Inexistente.

No texto de apresentação de Assunto Encerrado, o escritor afirma que os seus textos da década de 50 partiam do "projeto de construção de uma nova literatura que por sua vez servisse para a construção de uma nova sociedade".

Mas o que ele mesmo qualifica como "ambição juvenil" surge, logo no primeiro ensaio, "O Miolo do Leão", como reflexão madura e em litígio com a redução da narrativa italiana a "um mundo que precede a consciência, bruto, aceito em sua totalidade, sem inventário, ora com a exaltação de um violento enlevo afetivo, ora com a passividade de quem nada mais pode fazer a não ser registrar objetivamente".

O alvo é claro: uma prosa que, sentindo a impotência da literatura frente às exigências do Pós-Guerra, preconiza a "anulação de si mesmo", fazendo do escritor um pedagogo populista, nostálgico de formas pré-modernas de sociabilidade (o mundo dos camponeses e operários).

Para o leitor brasileiro, o discurso de Italo Calvino cabe tanto para o nosso regionalismo quanto para a prosa brutalista que tenta alguns contemporâneos. E, se ele valoriza no próprio neorrealismo uma "literatura de tipo ensaístico e problemático" (como Cristo Parou em Eboli, de Carlo Levi), os demais textos de Assunto Encerrado - sobre a relação entre ficção e ciência ou o magnífico "Os Níveis de Realidade em Literatura" - servem como "revanche da inteligência" e da consciência reflexiva, essa potência que confia na imaginação literária como forma de sobreviver à negatividade da história.

LOST ou Fringe?

Destroços do Airbus não têm sinais de fogo

Para especialistas, o estado das peças e dos corpos já encontrados fortalece a hipótese de que não houve explosão no ar

Situação reforça suspeita de que as falhas que levaram à queda devem ter ocorrido de forma muito rápida; mais 6 cadáveres são resgatados

Os primeiros destroços do Airbus-A330 da Air France recolhidos no mar não contêm sinais de chamuscamento ou de ação de fogo. As 37 peças, resgatadas e apresentadas ontem em Recife, estão dilaceradas, em pedaços de no máximo 3 metros de comprimento.

O avião, com 228 pessoas a bordo, caiu no oceano Atlântico na noite de 31 de maio, quando operava um voo entre o Rio e Paris. Ontem foram recolhidos mais seis corpos, o que eleva a 50 o total já resgatado.

Segundo especialistas, a condição do material apresentado, aliada ao estado dos corpos já encontrados - com sinais de fraturas e nenhum deles carbonizado -, fortalece a tese de que não houve explosão no ar, pelo menos em parte do avião.

As bordas dos destroços não são uniformes. Aparentam-se a pedaços de papelão rasgados com as mãos. Entre as peças, destacam-se duas poltronas usadas por comissários de bordo.

Os assentos estão desarmados, encostados a um resto de parede branca ainda intacto. Os cintos de segurança, com fivelas vermelhas, estão abertos e recolhidos, como se não tivessem sido usados no voo.

A situação reforça a suspeita de que os problemas que levaram à queda do Airbus devem ter ocorrido de forma muito rápida, sem tempo até mesmo para que a tripulação buscasse se proteger. Os pilotos também não deram nenhum aviso por rádio ao centro de controle.

Todas as peças de plástico encontradas, incluindo lonas e um pequeno pacote amarelo, permanecem intactas, sem deformações, indicando que não houve incêndio no local onde elas estavam guardadas.

A Aeronáutica, que apresentou os destroços, não fez comentários sobre os objetos recolhidos no oceano nem suposições sobre as condições em que foram encontrados os assentos dos comissários.

A avaliação unânime de oito especialistas ouvidos pela Folha é que as 37 peças e os 50 corpos resgatados ainda representam muito pouco para levar a conclusões sobre o acidente.

Parte deles, porém, avalia haver indícios de que a aeronave se despedaçou. Alguns veem semelhança com a queda do Boeing da Gol, em 2006, que se desintegrou no ar após colidir com um jato Legacy - foram achados destroços na mata num raio de até 20 quilômetros de distância uns dos outros.

"Se tivesse batido inteiro [no mar], com certeza o cone de cauda, o estabilizador vertical e horizontal estariam íntegros", afirma Roberto Peterka, ex-investigador de acidentes aéreos, lembrando que o estabilizador vertical do Airbus foi achado separado das outras partes.

De acordo com a Aeronáutica, ainda não é possível confirmar o local exato da queda do avião. Segundo o diretor do Departamento de Controle do Espaço Aéreo da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Ramon Borges Cardoso, há uma "provável área" do acidente, num raio de 70 quilômetros do ponto onde a aeronave emitiu o último sinal eletrônico. Essa área dista 850 km de Fernando de Noronha, ainda em águas brasileiras.

O oficial diz que também não há como afirmar se o avião da Air France caiu inteiro no mar ou se despedaçou no ar. Segundo ele, as buscas podem ser prorrogadas até o dia 25, e não ser encerradas no dia 19, conforme previsão anterior.

A responsabilidade pela investigação do acidente é da França. O tenente-brigadeiro disse não haver data para entregar as peças ao governo francês. Um perito da França chegará a Recife no domingo para analisar os destroços.

No mesmo dia, novas peças resgatadas no mar, entre elas um grande pedaço que aparenta ser a parte traseira do avião, chegarão ao continente, a bordo da fragata Constituição.

Friday, June 12, 2009

Os 100 anos de Hannah Arendt

Texto de autoria de Cláudia Perrone Moisés, publicado no jornal Valor Econômico, de 14 de outubro de 2006

Existem autores cuja biografia pode não ter muita importância para o entendimento de sua obra. No caso de Hannah Arendt, podemos dizer que é o oposto. O conhecimento de sua vida tem importância fundamental para se aceder a seu pensamento: centrado que é nos acontecimentos que ela presenciou, na sua experiência de judia alemã refugiada do nazismo e nas observações que pôde fazer da sociedade norte americana, na qual viveu a maior parte de sua vida.

Neste sentido, Julia Kristeva denomina gênios, no seu estudo dedicado ao gênio feminino (Hannah Arendt, Melanie Klein, Colette) aqueles que nos obrigam a contar sua história de vida, por ser indissociável de suas intenções, das inovações trazidas pelo seu pensamento e seu ser, do florescimento das questões, das descobertas e dos prazeres que elas criaram. Essas contribuições nos dizem respeito tão intimamente que não podemos deixar de recebê-las sem enraizá-las na vida de seus autores.

Hannah Arendt nasceu em Hannover, na Alemanha, em 14 de outubro de 1906, proveniente de uma família de judeus de classe média que eram membros do partido social-democrático. Na infância, já era reconhecidamente brilhante: aos três anos, mostrava-se capaz de falar corretamente acerca de qualquer assunto. Mas também já tinha sua reputação, comprovada posteriormente, de rebelde e independente: expulsa da escola por ter liderado um boicote contra um professor que a teria insultado, preparou-se sozinha para o ingresso na faculdade. Em 1924, aprovada com distinção na Universidade de Berlim, estuda grego e latim, assim como teologia. Decidida a buscar tudo que fosse importante no âmbito dos estudos da filosofia na época, parte para a Universidade de Marburg, onde conhece o filósofo Martin Heidegger, com quem, além de ter aulas, viveu um romance que a marcaria pela vida toda. Esse romance foi duramente criticado em razão das posições próximas do nazismo de Heidegger e a pretensa falta de condenação dessa postura por parte de Arendt. Na verdade, Arendt não deixou de criticá-lo em cartas a amigos, conforme registra a sua extensa correspondência, mas visitou-o no pós-guerra diversas vezes, além de defender e difundir seu pensamento nos Estados Unidos.

Com ele Hannah Arendt aprende o que passaria a ser seu método principal: o pensar apaixonado, isto é, a possibilidade de uma síntese entre o pensar e o estar vivo. Pensar não é pensar sobre alguma coisa, mas pensar alguma coisa. Não existiria neste pensar oposição entre razão e paixão ou entre o espírito e a vida. Dos tempos passados com Heidegger levaria, além do pensar apaixonado, o amor pela poesia, mas também uma visão crítica em relação a uma filosofia voltada para o indivíduo em isolamento. Esta seria, posteriormente, uma de suas principais preocupações em relação à modernidade: a tentação do ser humano para a interiorização e a conseqüente perda do espaço público ou do que ela chamou de dignidade da política.

Nessa época, está preparando sua tese de doutorado, O Conceito de Amor em Santo Agostinho, e por recomendação de Heidegger parte para a cidade de Heildeberg para estudar com Karl Jaspers, de quem se tornaria amiga e discípula até o final da vida. Arendt herda de Santo Agostinho o conceito de comunidade. Para Santo Agostinho, amamos uns aos outros, pois pertencemos à mesma comunidade: todos nós descendemos de Adão (daí a idéia de gênero humano) e todos compartilhamos do mesmo destino: a morte. No entanto, é preciso observar que a morte, nesse contexto, não é algo negativo. A morte, para Santo Agostinho, remete necessariamente ao nascimento. Assim, nosso destino comum nos faz lembrar do início, do milagre do início, do novo começo, ou da natalidade, como diria Arendt, que passaria a ser uma categoria central de seu pensamento.

Em 1933, porém, Arendt e seu primeiro marido, Gunther Stern, um colega de faculdade especialista em filosofia da música, são forçados a sair da Alemanha rumo à França, em conseqüência do aumento das perseguições aos judeus. Ela já havia sido detida e interrogada diversas vezes em razão de seu trabalho para a Organização Sionista Alemã, com quem romperia em 1944 por discordar da posição do sionismo em relação à Palestina. Permanece em Paris até 1941, onde continua a desenvolver seus trabalhos tanto intelectuais como políticos, torna-se amiga de Walter Benjamin, separa-se do primeiro marido, casa-se com o segundo, o anarquista Henrich Blucher, que conhecera em 1936. Depois de ser presa num campo de concentração perto da fronteira espanhola (Gurs), por algumas semanas, decide fugir mais uma vez e parte para Nova Iorque, aonde viria a permanecer o resto de sua vida.

Nessa época Arendt já estaria marcada por três vertentes ou formas de pensar: a primeira, seria a utilização do mundo clássico como base para a verificação de proposições morais e políticas; a segunda, seria a filosofia cristã baseada em Santo Agostinho, em especial a questão da responsabilidade pessoal, e a filosofia cosmopolita de Kant; em terceiro lugar, os filósofos da tradição do existencialismo: Kierkegaard, Husserl e Heidegger.

Durante todo o tempo após sua fuga da Alemanha, Arendt se tornaria apátrida, isto é, sem nacionalidade alguma. E isso não é um detalhe, pois traria influência marcante para suas reflexões, como a idéia da importância do chamado “direito a ter direitos”, ou seja, da cidadania, na garantia dos direitos humanos. Somente em 1951 consegue a cidadania norte-americana. Esse ano também seria o de sua consagração. A publicação de sua obra Origens do Totalitarismo é saudada, nos EUA, como grande acontecimento e ela passa a receber o reconhecimento público de seu pensamento.

Em Origens do Totalitarismo Arendt descreve o processo pelo qual, depois dos Tratados de Paz que puseram fim à 1a. Guerra mundial, os direitos do homem herdados da tradição das Revoluções, passaram por uma prova de fogo. Considerados inexistentes para uma categoria de pessoas consideradas como “sem direitos” por serem apátridas, os direitos do homem demonstraram sua ineficácia quando desvinculados da cidadania. Essa foi também a situação das pessoas pertencentes às minorias nacionais de muitos países, que por força da guerra, haviam sido transformadas em refugiadas, sem encontrar um lugar no mundo. Eram os chamados “indesejáveis da Europa”, como dizia Arendt: uma vez fora do pais de origem, permaneciam sem lar, quando deixavam seu Estado, tornavam-se apátridas: quando perdiam seus direitos humanos, perdiam todos os direitos, eram o refugo da terra .

A crítica que Arendt efetua da questão dos direitos do homem diz respeito à sua abstração, que se tornaria manifesta no momento em que não tivessem mais apoio na cidadania: os direitos do homem, afinal, haviam sido definidos como inalienáveis porque se supunha serem independentes de todos os governos: mas sucedia que, no momento em que seres humanos deixavam de ter um governo próprio, não restava nenhuma autoridade para protegê-los e nenhuma instituição disposta a garanti-los. A emergência do totalitarismo, com seus requintes de crueldade em relação aos seres humanos destituídos de proteção estatal, só veio a ser possível, segundo Arendt, porque foi precedida por um processo, no entre guerras, que ela denominou destituição do humano. Esse processo se deu por etapas: primeiro, a destruição jurídica e moral dos indesejáveis, para chegar então à sua destruição psicológica e física. Não é por acaso que os nazistas iniciaram a perseguição aos judeus e outras minorias dentro da Alemanha, privando-os da cidadania. A desnacionalização havia-se tornado poderosa arma da política totalitária. A “solução final” de Hitler, aponta Arendt, seria uma eloqüente demonstração de como liquidar os problemas relativos às minorias e aos apátridas. O nazismo ilustraria, de forma concreta, a vacuidade de princípios humanistas e de direitos abstratos em relação a pessoas privadas de cidadania.

Conforme aponta Celso Lafer (introdutor do pensamento de Arendt no Brasil) em seu estudo fundamental, A Reconstrução dos Direitos Humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, a reflexão que Arendt efetua em torno da condição de apátrida permite-lhe concluir que, num mundo como o do século XX, inteiramente organizado politicamente, perder a cidadania significava ser expulso da humanidade, de nada valendo os direitos humanos aos expelidos da trindade Estado/povo/território.

Nem a sacralização do direito natural pelo pensamento humanista, oriundo do Iluminismo, nem o modelo do Estado-nação ofereceram garantias para impedir o advento do totalitarismo e as bárbaries que se seguiram. O conceito de direitos humanos, baseado na suposta existência de um ser humano em si, desmoronou no mesmo instante em que aqueles que diziam acreditar nele se confrontaram pela primeira vez com seres humanos que haviam realmente perdido todas as outras qualidades e relações específicas – exceto que ainda eram humanos. O mundo não viu nada de sagrado na abstrata nudez de ser unicamente humano. Esta última frase seria um anúncio do que, a partir de Foucault, passando por Georgio Agamben e outros pensadores da modernidade, seria denominado biopolítica.

Origens do Totalitarismo, e A Condição Humana (1958) são as obras que contêm as idéias mais difundidas de Arendt. Em A Condição Humana, publicada em 1958, ela procura responder à pergunta: o que estamos fazendo? E a partir de três categorias de atividades da vida ativa - o labor, o trabalho e a ação - aponta para a destruição das condições de existência do ser humano no mundo moderno, operada pela sociedade de massa. Nesta obra, sua proposta consiste em detectar o que é genérico e o que é específico na condição humana, por meio do estudo dessas três atividades fundamentais, que integram o que ela denomina de vita activa.

O labor é uma atividade derivada da necessidade e concomitante futilidade do processo biológico. Porque é a atividade que os homens compartilham com os animais, qualifica-a como a do animal laborans. Segundo ela, o labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujo crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana do labor é a própria vida.

O trabalho, ao contrário do labor, não está contido no processo vital. É através dele que o homem, neste caso o homo faber, cria coisas, extraídas da natureza, convertendo o mundo num espaço de objetos partilhados pelo homem. É a atividade que garante a permanência de um mundo comum, a durabilidade do mundo. É esta durabilidade que empresta às coisas do mundo sua relativa independência dos homens que a produziram, garantindo a permanência do mundo.

A terceira atividade, a ação, segundo ela, é a única que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, e tem como atributo criar a possibilidade para o exercício da liberdade e, conseqüentemente, a instauração do novo. No entanto, a ação desencadeia um processo irreversível e imprevisível. Preocupada com a fragilidade dos assuntos humanos em que os atos são irreversíveis e imprevisíveis e para garantir aos homens o espaço público, Arendt apresenta como possível solução, o emprego de duas potencialidades da própria ação: o perdão e a promessa. A única solução possível para o problema da irreversibilidade – a impossibilidade de se desfazer o que se fez, embora não soubessem ou não pudessem saber o que se fazia – é a faculdade de perdoar. Para Arendt, existem, contudo, duas ressalvas a serem feitas em relação ao perdão. A primeira diz respeito ao que ela denomina imperdoável ou "mal radical", na esteira de Kant, cujo exemplo mais próximo eram os crimes contra a humanidade cometidos pelos nazistas na 2a. Guerra Mundial, em relação aos quais não haveria a possibilidade de perdão. A outra ressalva consiste na idéia de que o que se perdoa não é o ato e, sim, o agente. O perdão é dirigido a alguém que cometeu algo. É, portanto, um ato de amor.

Quanto à possibilidade de um substrato divino do perdão, Jacques Derrida, que também se dedicou profundamente ao tema (Foi et Savoir), em entrevista a Elisabeth Roudinesco, ao falar de Arendt, nos lembra que, para ela, o perdão é uma experiência puramente humana, mesmo no caso do Cristo, que ela, para lembrar suas raízes terrestres, chama sempre de Jesus de Nazaré.

Sendo as ações humanas, além de irreversíveis, imprevisíveis, como propõe Arendt: a solução para o problema da imprevisibilidade, da caótica incerteza do futuro, está contida na faculdade de prometer e cumprir promessas, chamando a atenção para o fato de que, contrariamente ao perdão, que sempre foi considerado irrealista e inadmissível na esfera pública, a promessa sempre esteve presente, desde os romanos, por meio da idéia da inviolabilidade dos pactos. A promessa instala ilhas de previsibilidade no oceano de incertezas dos assuntos humanos .

Como podemos ver, Arendt passaria a dedicar-se à política de forma integral. Em entrevista à televisão alemã, em 1964, afirmou: Não sou filósofa. Minha profissão – se pode ser chamada assim – é a teoria política. Eu me despedi irreversivelmente da filosofia. Estudei filosofia, mas isso não quer dizer que permaneci nela. A razão, por si mesma, a faculdade de pensar que possuo, tem necessidade de atualizar-se. A preocupação com a política permeia toda sua obra, quer pela análise de regimes ou sistemas de governo, como o totalitarismo, ou de temas correlatos, como autoridade, liberdade, revolução, violência e desobediência civil, em livros como Entre o Passado e o Futuro, Crises da República e Da Dignidade da Política. A seu ver, o exercício do pensamento político consiste em mover-se na lacuna entre o passado e o futuro, tomando os acontecimentos do presente, da experiência viva, dos quais o pensamento pode emergir.
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Em 1961, um acontecimento seria determinante no percurso intelectual de Arendt. Enviada para Jerusalém para assistir e cobrir, para a revista New Yorker, o julgamento do criminoso nazista Eichmann, que se transformaria posteriormente no livro, Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal, essa experiência resultará no retorno à filosofia. Foi no seio da comunidade judaica, estendendo-se posteriormente a outros meios, que se desenvolveu a mais famosa polêmica gerada pelo livro. Gershom Scholem foi implacável por ela ter relatado as condições da cooperação das lideranças judaicas, através dos Conselhos Judaicos, durante o estágio de deportação da “máquina de extermínio” nazista. Para um judeu, o papel desempenhado pelos líderes judeus na destruição de seu próprio povo é, sem nenhuma dúvida, o capítulo mais sombrio de toda uma história de sombras, dizia Arendt. Sendo acusada, por Scholem, de lhe faltar “amor ao povo judeu” (Ahabath Israel), responde que sempre considerou a sua judaicidade como algo dado que ela jamais quis mudar ou repudiar, mas que nunca amou povos ou coletividades - como o povo alemão, francês ou americano, ou a classe operária. Na mesma reposta afirma ainda que tinha grande confiança na capacidade de cada um pensar por conta própria. O pensar por conta própria é um legado de Lessing, uma das figuras intelectuais biografadas por ela no belíssimo livro Homens em Tempos Sombrios.

A expressão banalidade do mal foi outro foco de discórdia por ter sido vista como trivialização do ocorrido. Para alguns, Arendt havia traído a idéia do mal radical defendida anteriormente passando a considerá-lo apenas como banal. Ocorre que Arendt nunca abandonou a idéia do “mal radical”, mas o que presenciou em Jerusalém não se enquadrava na definição. A banalidade do mal estava ligada à incapacidade de pensar e à execução automática de tarefas do burocrata moderno.

Segundo Arendt, Eichmann não era um monstro, mas era difícil não desconfiar que fosse um palhaço. Até suas últimas palavras foram frases feitas. Diante dessas palavras, Hannah Arendt explica por que teria sido levada a adotar a expressão “banalidade do mal”. Foi como se naqueles últimos minutos estivesse resumindo a lição que este longo curso de maldade humana nos ensinou - a lição da temível banalidade do mal, que desafia as palavras e os pensamentos. Apesar de concordar com a pena de morte aplicada, ela nos deixa um alerta: faz parte da própria natureza das coisas humanas que cada ato cometido e registrado pela história da humanidade fique com a humanidade como uma potencialidade muito depois da sua efetividade ter-se tornado coisa do passado. Nenhum castigo jamais possuiu poder suficiente para impedir a perpetração de crimes.

Já no final da vida, a partir do início dos anos 70 ela retorna então à filosofia. Ainda sob o impacto de seu relato do julgamento de Eichmann, em que se deparou com a incapacidade de pensar como uma possibilidade para a dificuldade do juízo, é porque Eichmann não pensava no que estava fazendo, que não tinha a capacidade de identificar sua conduta como criminosa, ela começa a escrever A Vida do Espírito, obra que ficaria inacabada com sua morte em 4 de dezembro de 1975, e que seria dividida em três partes: o pensamento, a vontade e o juízo. Uma das perguntas neste livro seria: o que estamos fazendo quando estamos pensando? Sua preocupação consistia em indagar como podemos, sem nos afastarmos do mundo ou transcendermos a ele, retirar-nos apenas o bastante, ou seja, ter a distância necessária para chegar à compreensão.Outra pergunta daí resultaria: é a capacidade de pensar que nos faz distinguir entre o bem e o mal?

A compreensão é a base do pensamento de Arendt: dizia que não queria educar ou convencer, mas apenas compreender. Pedia ainda que não fizéssemos esforços para concordar com ela, mas apenas pensar no que ela estava dizendo. Pensadora controvertida, manteve-se sempre afastada das escolas acadêmicas, partidos políticos e linhas ideológicas. Daí decorre a relutância de alguns meios em aceitar sua obra, pois, como ela mesma dizia, de certa forma, eu não me enquadro.

No que se refere à sua visão do mundo, podemos dizer que seu pensamento é realista, sem, no entanto, cair no pessimismo estéril. Após o julgamento de Eichmann, ela diria, de forma visionária: as razões particulares que falam pela possibilidade de repetição dos crimes cometidos pelos nazistas são ainda mais plausíveis. A assustadora coincidência da explosão populacional moderna com a descoberta de aparelhos técnicos que, graças à automação, tornarão ‘supérfluos’ vastos setores da população, até mesmo em termos de trabalho, e que, graças à energia nuclear possibilitam lidar com essa dupla ameaça com o uso de instrumentos ao lado dos quais as instalações de gás de Hitler pareceriam brinquedos de uma criança maldosa - tudo isso deve bastar para nos fazer tremer.

Estamos festejando o centenário de Hannah Arendt, o que não é uma celebração qualquer. Sua obra é permeada pela idéia do nascimento, do milagre do novo. O homem, para ela, é capaz de realizar o infinitivamente improvável, e isso só é possível porque cada homem é singular; a cada nascimento, vem ao mundo algo de singularmente novo. Há cem anos, “uma criança veio ao mundo”, alguém que acreditaria na possibilidade do início de um novo começo, mesmo vivendo numa época em que o mal se mostrou ao mesmo tempo banal e radical, mas sempre extremo. Viva Hannah Arendt!