Sunday, September 20, 2009

Uma rápida passagem pelo myspace (não precisa muito) e fica clara a ausência da precariedade e da exuberância que marcavam a produção de música brasileira até o fim dos anos 80 do século XX. Exemplo de exuberância: Gilberto Gil, experimentando de tudo um pouco, errando muito, mudando sempre, pleno de falta de foco, transbordante de força criativa. Exemplo de precariedade: Belchior, Elba Ramalho, Ednardo, tirando leite de seus talentos de pedra. Exemplo de exagero: Fagner. Mistura de exuberância e precariedade: Maria Bethânia, capacidade dramática sem medida, musicalidade à beira do cômico. Algo de patético acompanha a escuta da temerária* e hoje praticamente extinta MPB, os (exuberantes) falsetes místicos de Milton, a pretensão metafísica (precária) de Caetano, a auto-confiança (exuberante) de Chico Buarque, capaz de cantar a palavra paralelepípedo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Na penúltima década dos 1900, as dezenas de bandas imitando o rock americano soavam totalmente brasileiras, pela reveladora precariedade da música que faziam.

Este tempo já passou. Não precisa muito, 45 minutos de myspace e está estampado o controle contábil de custo-benefício que organiza a produção de todos os estilos-bandas-cantores-cantoras-selos-coletivos-festivais-gravadoras. Nem exuberância, nem precariedade. Só eficácia. Os produtores ensinaram à gurizada espacializar o som, distribuir no espectro as frequências, a desempaçocar o track. Solos, levadas, instrumentos e instrumentistas eficazes (amplificadores de boa marca). Todo mundo fez aula. Todo mundo curte cuidar do make up. Todos os bateras sabem se comportar em cena. Todo mundo fica bem na foto. Todos os fotógrafos profissionais. Todos os encartes em elegante couché fosco. Assessores de imprensa cheios de contatos. Produtores antenados com as novas tendências. Clean. Pasteurizado. Anódino. Eficaz.

A eficácia, em si mesma e por si só, Lorenzo Mammì ensinou, é o oposto do que buscaram os dois grandes mestres brasileiros, João Gilberto e Antônio Carlos Jobim. João pelo exagero monástico, Tom pelo desmazelo caseiro, de quintal, quase sempre bêbado.

Vi que há por aí um livro, O Cálculo Neurótico do Gozo (algo assim) que, desconfio, pensa sobre a característica psíquica inextrícavel de pretendermos estar adequados à norma. Parece que, se é para a norma que gozamos ou não, muito esperto (e adequado aos novos tempos) é calcular o estritamente necessário para cumprir a determinação. Nem mais nem menos. Como aquele taxista que cobrava $10,00 por hora e só dirigia a 10 por hora. Lacan explica.

* Que se arroja aos perigos, sem pensar nas conseqüências que daí possam advir; imprudente.

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