Sunday, November 29, 2009

Criar igreja e se livrar de impostos custa R$ 418

Bastaram cinco dias úteis e R$ 418,42, somando gastos com cartório e obtenção de CNPJ, para a reportagem da Folha criar uma igreja. Com o número no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, os três fundadores da igreja puderam abrir uma conta bancária e fazer aplicações livres de Imposto de Renda e Imposto sobre Operações Financeiras.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/


DE PAPO PRO AR
(Me and Julio Down by the Schoolyard – Paul Simon)
- Irajá Menezes & Fran Papaterra -

Por causo dumas dama
Que rolou na cama
Mãe deu queixa na delegacia
Pai sortô uns grito
Chegô no distrito
E ordenô prao delega’de polícia:

Bota no xilindró
Bota no xilindró
O pai falô: bóóóóta ele no xilindró.

Mãe perde a fome
Se alguém diz meu nome
Qué sabê se eu penso que ela é trôxa
Pai falô anssim
Se põe as mão ni mim
Ele me interna em Franco da Rocha

Aí eu me mandei
Não sei direito aonde eu vô indo
Eu me mandei
Quando eu olho pra trás não consigo corrê
Mas eu faço pose
De gente bacana
E sigo tocando um violão de papo pro ar

Sigo tocando um violão de papo pro ar

Ô, ô…

Depois de uns par de três mês
Carmei tra vez
Fiz um empréstimo e fundei uma igreja
Vai indo bem o negócio
Eu e meus dois sócio
Já saímo até na capa da Veja

Eu me mandei
Não sei dizer aonde eu vô indo
Eu me mandei
Quando eu olho pra trás eu não consigo corrê
Mas eu faço pose
De gente bacana
E sigo tocando um violão de papo pro ar

E sigo tocando um violão de papo pro ar


http://irajamenezes.wordpress.com/

Brasil assume liderança contra aquecimento global

Le Monde

Jean-Pierre Langellier - Enviado especial a Manaus

O Brasil se posiciona resolutamente na liderança da luta contra o aquecimento climático. Agora assumindo com orgulho um papel de líder entre os países do Sul, o presidente Lula quer chegar a Copenhague com um texto que tenha força de lei, prova de sua vontade política.

Um ano atrás, o Brasil havia anunciado um "Plano Nacional de Mudanças Climáticas" no qual se comprometia a reduzir "de maneira constante" o desmatamento. Essa promessa não foi acompanhada por nenhuma data. Essa relativa timidez tinha diversas causas. O lobby do agronegócio, influente em Brasília e amplamente sustentado pelo ministério da Agricultura, exercia pressões hostis a qualquer medida que fosse restritiva demais para os produtores agrícolas e os pecuaristas.

Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil e futura candidata do partido de Lula, temia que objetivos ambientais com números e datas determinadas entravassem, em plena crise, o plano plurianual "de aceleração do crescimento", um conjunto de grandes obras de infraestrutura, dotadas de US$ 290 bilhões (R$ 505 bilhões), pelo qual ela é responsável.

No decorrer do ano de 2009, as disposições mudaram. Após seis meses de recessão, o Brasil saiu da crise, incólume e com a moral em alta. A aproximação de Copenhague apressou a reflexão. Em julho de 2009, durante uma reunião dos países emergentes à margem do G8 de L'Aquila, o Brasil pareceu apoiar a posição chinesa que consiste em jogar a culpa sobre os países industrializados do Norte, poluidores históricos, e em recusar, por esse fato, a se associar a seus esforços para reduzir os efeitos do aquecimento.

A nova política brasileira em matéria de meio ambiente, anunciada em 13 de novembro, marca uma verdadeira ruptura. O Brasil promete aquilo que nem a China, nem a Índia, nem a Rússia - os outros BRIC - parecem dispostas a fazer. Ele assume "o compromisso voluntário" de reduzir em até 39% suas emissões de gás de efeito estufa em relação às previsões de 2020. Ele as limitará a 1,6 bilhão de toneladas, no lugar dos 2,7 bilhões previstos caso nada fosse feito, ou seja, menos que os 2,1 bilhões emitidos em 2005 - o ano recorde - e pouco mais que o 1,5 bilhão descartado em 1994. O Brasil é considerado, segundo cálculos, o quarto ou quinto maior emissor mundial de gás de efeito estufa, em razão sobretudo das queimadas que acompanham o desmatamento da Amazônia e provocam, sozinhas, cerca de 60% das emissões.

O grosso do esforço brasileiro dirá respeito à floresta, com uma redução do desmatamento da Amazônia de 80% até 2020. Mas ele também afetará as árvores da savana, a pecuária, especialmente nos pastos degradados, o uso de fertilizantes, os biocombustíveis, o desenvolvimento da hidroeletricidade e de fontes alternativas de energia, uma siderurgia mais limpa.

Outro sucesso

Esses objetivos foram integrados ao "plano climático" que Lula quer ver adotado pelo Congresso de Brasília antes de Copenhague. Para isso, ele pediu que o procedimento legislativo de votação entre as duas Câmaras seja acelerado. A senadora Ideli Salvatti, relatora do projeto, prometeu dizer aos representantes americanos em Copenhague: "Não só podemos, como fizemos", alusão ao famoso "Yes, we can!" de Barack Obama.

Em Copenhague, Lula poderá mencionar um outro sucesso. Entre agosto de 2008 e julho de 2009, o Brasil registrou o menor desmatamento anual desde a implantação em 1988 de um sistema de controle por satélite. A superfície desflorestada diminuiu 45% em relação ao ano anterior.

Coisa raríssima, os compromissos assumidos por Lula receberam elogios unânimes dos políticos e dos militantes ecologistas, do Greenpeace até a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que é uma provável futura candidata à Presidência sob a bandeira do Partido Verde. A ambição proclamada por Lula reflete uma conscientização dos perigos do aquecimento, em especial para o próprio Brasil - que a imprensa menciona quase diariamente - e do fato de que a proteção do ecossistema pode andar de mãos dadas com um forte crescimento.

A população muda em sintonia. Segundo recentes pesquisas, os brasileiros colocam o meio ambiente no terceiro lugar de suas principais preocupações, atrás da criminalidade e da educação.

Tradução: Lana Lim

Saturday, November 28, 2009

6ª temporada de Lost estreia no dia 2 de fevereiro de 2010

Nem 20 nem 27 de janeiro como vinha sendo especulado. A 6ª e última temporada de Lost estreia no dia 02 de fevereiro de 2010 nos EUA, uma terça-feira, dia inédito para exibição da série por lá. O anúncio foi feito oficialmente pela ABC nessa 5ª feira e confirmado imediatamente pelo produtor Carlton Cuse via Twitter. No dia da estreia, a ABC exibirá um especial da série às 20h e às 21h o episódio duplo LA X.

A data de estreia no Brasil via AXN ainda não foi divulgada, mas leitores do Dude nos informam via e-mail e twitter que já existiriam chamadas no canal apontando o mesmo mês de fevereiro como o do início do último ano da série, o que se confirmado representaria um intervalo bem mais curto entre a exibição americana e a brasileira.

Sexta-feira, Novembro 20, 2009 - dudewearelost.blogspot.com

Monday, November 23, 2009


Ilitch

Sunday, November 22, 2009

Introdução ao livro O Risco de Cada Um
Jurandir Freire Costa

Os artigos deste livro foram escritos em épocas diversas e com diversos propósitos. Alguns são mais técnicos e, para serem lidos com proveito, requerem familiaridade com a teoria psicanalítica; outros abordam temas culturais e podem ser entendidos, sem maiores dificuldades, pelo público leigo. Todos, contudo, têm um só intuito, o de enriquecer o debate sobre as formas de subjetivação.

Os dois primeiros capítulos concernem à gênese da subjetividade. No capítulo 1 debato as hipóteses sobre a origem cerebral da subjetividade, opondo argumentos contra essa forma materialista-reducionista de conceber nossa vida mental. No capítulo 2 o tema discutido é o da interioridade ou do que chamamos mundo interno ou realidade interior. O assunto, embora muito próximo da experiência psicológica corrente, é extraordinariamente difícil de ser teorizado. No entanto, conhecer melhor o funcionamento e o valor ético da vida interior me parece fundamental para avaliarmos os efeitos subjetivos do declínio da cultura dos sentimentos e do sucesso social de teses sobre a causalidade neural da realidade psíquica.

Os capítulos 5 e 8 são pontuais no escopo e no estilo de exposição. Ambos se ocupam da função da linguagem na constituição da mente, a partir de teorias filosóficas ou psicológicas de inspiração neopragmática. São artigos voltados para o esclarecimento de conceitos, donde a argumentação ao pé dos termos e o semblante de aridez que, eventualmente, possam apresentar aos que não são treinados neste tipo de diálogo. Decidi publicá-los, mesmo assim, como contribuição aos que se interessam por este gênero de investigação do domínio da psicanálise.

Finalmente, os capítulos 3, 4, 6 e 7 são os primeiros passos de pesquisas em curso nos seminários e grupos de estudo dos quais participo, e que tratam da relação entre o sujeito e a transcendência. Julgo que a questão é crucial para a vida cotidiana e para a clínica psicanalítica. De modo breve, o problema pode ser condensado na hipótese da “transcendência escondida”. A expressão – imprecisa e provisória – sugere que a atual crise de valores não significa ruptura, mas uma nova relação do sujeito com o transcendente. Considero que continuamos referidos ao Outro transcendente, isto é, àquilo que dá sentido a nossa existência como seres livres e autônomos, e que este Outro se corporifica no cânone da racionalidade grega e da espiritualidade judaico-cristã. Embora seja verdade que a autoridade de líderes espirituais, adultos, educadores, pais etc. perdeu grande parte de sua força normativa, e que os ideais de auto-realização sentimental e de decência pública a ela associados vêm sendo corroídos pelo cientificismo midiático, pela moral do espetáculo e pela fetichização das “leis do mercado”, isto é apenas metade da história. A outra metade mostra que persistimos prestando contas do que queremos ser a algo que ultrapassa a imanência de nossas vontades, emoções ou razões. A novidade da situação não está na recusa do vínculo com a transcendência; está no preço que nos dispomos a pagar por esse vínculo.

Deixando o campo da metáfora, penso que a relação do sujeito com o Outro nas hierarquias simbólicas tradicionais rege-se pela moral do sacrifício, cujos pilares são o sentimento de culpa e desamparo. Hoje, esta moralidade não mais ocupa o centro da vida coletiva. O deslocamento, obviamente, trouxe à tona aspirações e comportamentos nem sempre aceitáveis ou frutíferos.

Estamos, por exemplo, tentando substituir a sabedoria pela magia, a prudência pelo conformismo, a ousadia pela insolência, a coragem pela bravata e a ciência pelo simulacro da onipotência. Nada disso, porém, prova que todos nós tenhamos tornado moralmente relativistas, cínicos, arrivistas ou sociopatas. Tornamo-nos, isto sim, indivíduos desenraizados, desfiliados, que já não conseguem justificar velhas crenças sobre a vida reta e confundem troca de crenças comdescrença. Em suma, por trás da mascarada da auto-suficiência racional, secular, leiga, científica ou qualquer outra similar, o transcendente recalcado retorna, mas sem se deixar reconhecer, ou, o que dá no mesmo, sem poder inscrever seus imperativos na notação ética da tradição.

Explicitando o que foi dito de maneira concisa, habituamo-nos a entender a moralidade como a conseqüência de duas premissas implícitas na ética sacrificial: a da culpa e a do desamparo originários. A primeira integra a espiritualidade judaico-cristã, interpretada na chave do racionalismo metafísico grego, e postula que a origem e o sentido da vida são dons gratuitos da divindade transcendente. O Outro divino seria necessário, onisciente, onipresente, onipotente e benevolente, enquanto o sujeito seria contingente, finito, mortal e, finalmente, portador da nódoa humana por excelência, a inclinação para o Mal. Ao nascer, portanto, ele já chegaria ao mundo cabisbaixo, acusado de inadimplência ontológica, pois a dívida que lhe foi imposta seria impagável.

Viver equivaleria a sentir-se culpado por fruir de um benefício ao qual não se fez jus. O único meio de atenuar a culpa esmagadora e psicologicamente imotivada seria encená-la no ritual do sacrifício. Nos repetidos gestos de reconhecimento da dívida, o sujeito pagaria em pequenas parcelas o tributo devido ao Outro, desonerando-se do excesso de culpa que, sem a penitência, torna-lo-ia um animal triste.

A segunda premissa – contida no pensamento secular histórico-filosoficamente moderno – afirma que o Outro não é um criador benevolente, mas um déspota homicida, capaz de matar filhos ou súditos pelo monopólio do gozo. É a célebre tese da gênese violenta da cultura, mais conhecida pela máxima do homem lobo do homem. Segundo esta narrativa – tácita ou tematizada em numerosas teorias políticas, econômicas ou sociais – o ponto zero da cultura seria a guerra de todos contra todos. Naqueles tempos, diz-se, o pai primordial e os irmãos da horda viviam em luta contínua uns contra os outros. Um belo dia, a fratria homicida, exausta de tanto matar e de perceber a nulidade do morticídio, concluiu um pacto de paz no qual cultuava a memória do pai assassinado. Aí residiria a cena inaugural do desamparo humano. O sujeito é desamparado porque teme, de modo permanente, a morte pelo abandono ou pelo ódio da parte de quem poderia fazê-lo viver. O ritual sacrificial, neste relato, rememora o crime e a culpa e celebra a expiação e o exorcismo de desejos assassinos realizados no passado e potencialmente realizáveis no presente.

Em resumo, a sociabilidade seria uma instituição instável mantida em equilíbrio pela renovação dos protestos de culpa e desamparo. O sacrifício foi o artefato cultural construído para defender-nos dos excessos da culpa ou do pavor da morte decorrentes de nossa dependência para com o Outro ameaçador.

Ora, sustentam alguns estudiosos, este ideário moral estaria minguado na cultura contemporânea por falta de credibilidade teórica ou ineficiência prática. Os indivíduos, em função disso, passaram a se conduzir como átomos erráticos que giram em torno de nada e deslizam para lugar nenhum.

A moral do sacrifício, diz-se, era repressiva e neurotizante; a do descompromisso é niilista, leviana, inconseqüente, suicida, quando não psicotiforme ou perversiforme. Resta, então, esperar o Apocalipse ou engrossar a fila dos que vão resignadamente para o abatedouro enquanto lamentam as boas e velhas neuroses perdidas.

Ao abordar as idéias de desamparo, culpa, dívida, fé religiosa, criatividade, ética e transgressão em autores como Freud, Nietzsche, Bérgson ou William James, procurei acrescentar outros elementos a essa trama intelectual. Minha sugestão é a de que podemos resignificar o ato sacrificial – guardando ou não o mesmo significante – mediante a crítica de alguns de seus pressupostos. Aqui aparece a influência confessa dos “espectros de Winnicott”, retomando livremente a expressão de Derrida.

Partindo da definição winnicottiana do sujeito como realidade transcional, tentei desconectar a noção de sacrifício das idéias correlatas de submissão, perda de autonomia, objetificação de si ou instrumentalização do outro. A meu ver, essa conexão só faz sentido se aceitarmos o mito da dívida impagável e da gênese violenta da cultura. Minha intenção, assim, foi a de reter as bases da ética sacrificial, isto é, a referência e a reverência ao Outro transcendente, dissociando-as, todavia, da culpa obssessional e da figura de um Outro cronicamente suspeito de malignidade.
Acreditava naquela época, como acredito cada vez mais, que o mito do Outro como tirano benevolente ou déspota assassino é um mito opcional.

Podemos, perfeitamente, incluir o respeito à vida e à integridade moral do sujeito no rol dos nosso deveres éticos sem endossar uma visão paranóica de mundo, e encontrei em Winnicott um razoável suporte para esta convicção.

Dois conceitos são indispensáveis ao entendimento da teoria winnicottiana sobre a relação do sujeito com o Outro transcendente: espontaneidade e confiança. A espontaneidade concerne à ação criativa do sujeito no ambiente que, no vocabulário do autor, recobre o que designamos como mundo cultural. A cultura, para Winnicott, não é primordialmente uma engrenagem protetora contra a culpa ou a impotência diante de impulsos assassinos auto ou heterodirigidos; é o terreno privilegiado de manifestação da espontaneidade criadora. Bem entendido, seu papel de barreira contra os excessos do gozo sádico, masoquista ou qualquer outro não é posto em dúvida.

Realçar, porém, o lado disforme e escandaloso do fato cultural significa isolar o pingo vermelho da imensidão branca restante, inexplicavelmente ignorada por quem retrata a vida da perspectiva do Mal radical.

O mito da gênese violenta da cultura é inaceitável para a metapsicologia winnicottiana por duas razões. A primeira é de ordem epistemológica.

Cultura não é uma coisa ou situação à qual se possa assinalar origem e fins particulares, pelo fato de ser apenas um nome dado aos efeitos da prospecção tateante do mundo pelo sujeito. Dito de outro modo, “cultura” é o resultado da atividade exploratória e criativa humana que, ao se defrontar com a resistência ou a complacência dos provimentos ambientais, utiliza-os como matéria prima do que, a posteriori, assumirá o significado de desejos ou necessidades.

Para Winnicott, então, cultura não é uma lente racional blindada que o sujeito fabrica para se abrigar da intrusão do Outro; é o fator indispensável para a construção da vida subjetiva.

Qualquer versão da cultura que a defina como uma montagem simbólica ou material subordinada à lógica de meios adequados a fins é um equívoco ou uma contrafação. A lógica da cultura não é a da técnica produtora de coisas. Esta seria uma descrição infiel do equipamento cultural que, por definição, é um fenômeno aberto à multiplicidade imprevisível de eventos, cujas causas e finalidades são criadas retrospectivamente, tendo em vista outros possíveis horizontes de significação. Deste modo, enquadrar a cultura na moldura da culpa diante de uma dívida impagável ou do desamparo frente à ameaça de morte, se não é falso, é tendencioso. Estes sentimentos, como assinalarei adiante, não são o fundamento da atividade cultural; são o eco do credo moral que reprova a indiferença e a crueldade para com o outro humano.

A segunda razão pela qual a tese da gênese violenta da cultura é incompatível com o pensamento winnicottiano é de ordem psicológica. Neste ponto insere-se o conceito de confiança. A espontaneidade, relembro, refere-se à relação do sujeito com sua agressividade criadora; a confiança, em contrapartida, concerne à presença ativa do Outro. O sujeito só manifesta sua espontaneidade, diz Winnicott, porque o Outro – a mãe-ambiente, em sua terminologia – apresenta-lhe objetos e situações passíveis de intervenção criativa. Em seu mito das origens, no início não estava a culpa ou o medo de aniquilamento; estava um Outro que doa o necessário e o adequado ao exercício da criatividade. Sem isso, o sujeito ficaria paralisado no mundo interior de suas fantasias ou se esgotaria no trabalho inútil de vencer obstáculos humanamente instransponíveis. O Outro oblativo, por conseguinte, não coincide com o Outro aterrorizante, que exige do sujeito o que ele não pode dar ou que o exclui, arbitrariamente, do gozo sexual e do direito à existência.

Mas assim como não é o Outro do terror, também não é o Outro do bem-estar. O Outro winnicottiano desafia o sujeito; intima-o a fazer e a falar sobre o que faz; a enfrentar a densidade e a opacidade dos objetos do mundo;. A se desiludir e a recomeçar; por fim, e sobretudo, a saber que o objeto da criação cultural não é algo que se possui individualmente, mas que se divide com o outro, sob pena de não haver investimento, paixão ou entusiasmo pelo produto criado. É um Outro, portanto, fonte de inquietude, de perguntas sem respostas, de desejos adiados e de esperanças que tornam a vida interessante. As áreas de repouso emocional, para Winnicott, não estão no começo do processo de subjetivação; estão no intermezzo criador, na passagem do mundo interior ao exterior, na interação incessante entre o sujeito e o Outro ou no vaivém ininterrupto entre o passado e o futuro. Assim, ou confiamos de imediato e sem cláusulas de reserva na disposição do Outro para partilhar conosco a tarefa de criar o sentido da existência ou entramos em colapso psíquico e cultural.

Em outras palavras, os postulados fundamentais do sacrifício – se é que o uso da noção, como disse acima, ainda se justifica – podem manter-se, desde que sejam configurados como aposta na confiabilidade do Outro. A disposição para confiar, certamente, não tem seguro contra riscos.

Podemos enganar-nos quanto à boa vontade do Outro ou quanto à nossa própria disponibilidade para repartir o produto da criação. Podemos, igualmente, desentender-nos quanto à natureza dos objetos e eventos que merecem o esforço criador; quanto ao tempo que devem durar como objetos de desejo; quanto ao montante afetivo com que devem ser investidos etc. Não podemos, entretanto, dispensar a premissa de confiança, pois, sem ela, não saberíamos como viver uma vida que valesse a pena ser vivida.

Na leitura winnicottiana, por isso, a noção de abandono ganha outro tom psicológico e ontológico: não mais abandono como desamparo, como inermidade diante do perigo de morte, mas como entrega. Assim como o bebê se abandona aos cuidados da mãe suficientemente boa; os amantes uns aos outros; o crente ao seu Deus etc. O ethos kierkegaardiano do “temor e tremor” em face ao Outro aterrador dá lugar à ação e ao discurso; à experimentação mundana; à satisfação ou insatisfação com o experimento ensaiado; ao retraimento na interioridade ou à saída para a exterioridade, enfim, à reafirmação da relevância do Outro como condição sine qua non da continuidade da existência.

Essa idéia simples e prosaica suscitou críticas sarcásticas. Muitos viram nela um rousseauísmo angelical, pronto para o consumo das almas pias e... pré-freudianas, é claro! Winnicott, porém, não nega a existência da desmedida sexual, da repetição masoquista, do narcisismo paranóico ou da latência demoníaca do que Freud chamou pulsão de morte ou do que Lacan chamou de Real.

Ele apenas argumenta, com base em Darwin, que se a teoria infernal da vida psíquica fosse consistente estaríamos todos loucos ou mortos!

Podemos, sem dúvida, ser destruídos como indivíduos ou como espécie pelo que temos de pior. Mas o fato de nascermos munidos com dispositivos de alerta contra o Mal, o sofrimento e a impiedade acena para a hipótese contrária. Na média, o ciclo da doação e da recepção funciona a contento. Os transtornos no circuito da troca são anomalias que não renovam a regra. O sentimento de desamparo persecutório e de culpa obsessional não é o fato primeiro da humanização; é a conseqüência de falhas na constituição do espaço transicional, que podemos redundar em distúrbios da economia pulsional.

Contestar a presença da miséria humana, psíquica ou cultural, não é prenúncio de “fim do mundo”; é viver “no mundo”. Sem frustrações, medos, contrariedades, por fim, sem os sintomas que o afeto originário da angústia nos faz produzir, estaríamos despreparados para lidar com as pulsões destrutivas que nos habitam e não teríamos razões para recorrer ao gancho do Outro transcendente que nos sustenta na difícil tarefa de viver. Este Outro foi e pode vir a ser imaginarizado de várias maneiras, segundo as formas de vida, os jogos de linguagem ou as estratégias de poder/saber prodeminantes em um dado período histórico-cultural. Mas, seja qual for a imagem que façamos dele, ou confiamos gratuitamente em sua donatividade ou se sucumbe à desintegração psíquica.

Voltando, agora, ao núcleo da discussão, entendo que o desenho da subjetivação proposto por Winnicott exprime, no registro psicológico, as exigências éticas implicadas na relação do sujeito com o Outro transcendente da tradição judaico-cristã. O que mudou, na contemporaneidade, não foi a relação do sujeito com seus ideais éticos básicos: mudaram as formas de subjetivação e as imagens da Alteridade. Em última instância, o Outro e o sujeito da tradição permanecem, senão intocados, no máximo ligeiramente arranhados em suas fundações.

O sujeito, hoje como outrora, continua sendo idealmente visto como uma criatura aberta a novas identificações e avessa à cristalização em “identidades” intolerantes ao diferente, ao estranho, ao que “não é como nós”. Tal idéia de subjetivação deita suas mais profundas raízes na noção cristã de vida messiânica. Como notaram entre outros, Max weber, Heidegger e Giorgio Agamben, o ideal do sujeito irredutível à posição social que ocupa, aos bens materiais que possui ou às origens étnicas herdadas tem seu modelo na vida interina dos cristãos primitivos. Do mesmo modo, a idéia do Outro confiável nasce da mais genuína crença judaica na integridade da promessa e da justiça divinas, tão bem analisadas nos comentários de pensadores como Jacob Taubes, Jacques Derrida ou John Caputo. Finalmente, o culto à persuasão racional como mandamento áureo da negociação de conflitos é um legado do ideal grego da polis democrática, diferente nisso da violência muda comum aos “bárbaros”.

Guardar o valor cultural deste Outro, entretanto, não significa congelar a ética em morais agonizantes; significa sentir-se autorizado a usar o tesouro da história que nos é familiar. Ou, se se prefere, a redimensionar o alcance da montagem sacrificial, revisando-a no que envelheceu, alargando-a com o aporte de outras tradições e reforçando-a no que acharmos digno de ser preservado. Deste modo, creio, podemos confrontar-nos com o enigmático ou o traumatizante, que, ocasionalmente, nos afetam e surpreendem, sem ceder à sedução da vitimização impotente ou da acusação paranóica ao próximo.

O Outro transcendente não se tornou, como pensam alguns, um burocrata da razão técnicoeconômica ou um funcionário do narcisismo egóico. Insistimos em concebê-lo como o invisível que queremos ver; o indizível que queremos dizer; o bom, o belo e o verdadeiro que gostaríamos de alcançar. Imaginá-lo como força ou fraqueza; grandiosidade ou humildade; elevação ou visceralidade; mundanidade ou celestialidade é uma questão de variação cega, seleção retentiva e decisão subjetiva.

Kleist disse que, ao perdermos a inocência, as portas do paraíso se trancam atrás de nós. Mas complementou: é sempre possível dar uma volta ao mundo e descobrir a brecha por onde entrevemos que o paraíso perdido não estava antes nem estará depois; está ao lado. Está em cada ato de justiça praticado ou pleiteado; em cada palavra que honra o que temos de melhor e condena o que nos degrada, enfim, cada ato que torna o convívio humano mais livre e solidário.

Enquanto tais valores permanecerem vivos, a vida do Outro transcendente está garantida. É este o risco de cada um e de todos nós.

Disponível no site http://jfreirecosta.sites.uol.com.br

Saturday, November 21, 2009

Tesão e Direitos Humanos

RENATO JANINE RIBEIRO

Ex-diretor da Capes, filósofo diz que opinião pública ignora a questão central no caso da aluna da Uniban: a esfera do desejo

A universitária do microvestido conseguiu um milagre: juntou todo o mundo, da UNE à direita, na defesa dela e na condenação aos alunos que a insultaram e, depois, à universidade que quis puni-la. Mas há um viés na abordagem que me preocupa. O que atraiu a sociedade para o caso foi seu lado sexual. É o chamariz, tanto que a Folha levou uma atriz [vestida com minissaia] a quatro universidades do centro de São Paulo para ver se seus alunos são diferentes dos da periferia.

Mas, lançada a isca, a imprensa não fica à sua altura e vai opinar de maneira legalista. O sexo é chamariz, mas não é estudado. Já a educação é uma grande (outra) questão, mas também não é aprofundada. Começando pelo fim: a educação proporcionada pela Uniban está sendo questionada a partir desse caso, e não em sua qualidade. Que ela é criticada faz tempo, sabe-se. Mas está melhorando?

Por coincidência, como diretor que fui da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], responsável pela avaliação da pós-graduação brasileira, vi avanços da Uniban nos seus mestrados e no único doutorado. Não sei de sua graduação. Seria preciso avaliar se ela está melhorando ou piorando, em vez de ler generalidades que não respondem a essa pergunta central.

O outro aspecto é o cerne do caso. Uma vez deflagrada a polêmica, sumiu de cena o que a causou - o microvestido. Vi o advogado da aluna, de terno, defendendo seu direito de vestir-se como quiser. Foi uma síntese perfeita das contradições que o caso traz à luz. Para defender uma moça que gosta de mostrar o corpo, recorre-se à linguagem formal (e à roupa idem) da profissão jurídica. Fala-se dela como se fosse perseguida por ser judia, negra, comunista ou ter uma síndrome.

O sexo perturba

Só que ela não foi ofendida no fluxo dessas discriminações tradicionais, e sim porque gosta de mostrar o corpo. Por que essa questão central se perde na vagueza das fórmulas ("cada um é livre para fazer o que quiser", "para ir e vir" etc.)? Defendo essas liberdades. Mas, quando entra o sexo, ele as perturba.

No dia 22 de outubro, na Uniban de São Bernardo do Campo (SP), ela e centenas de jovens foram perturbadíssimos pelo sexo. Não adianta tentar, agora, abafar o assunto com generalidades legais - belíssimas, sim, fulcro de nossa civilização, mas pré-freudianas. Ou melhor: adianta.

É por isso que da esquerda à direita há um acordo geral. Um grande acordo para abafar o pequeno monstro. O monstro começa pelo desejo - que parece ser mais comum nas mulheres - de ser vista, admirada, desejada. A moça fez por isso. Não sabia o quanto estava despertando o monstro. Quando percebeu, deve ter-se assustado. Sorte, pelo menos, que ninguém foi machucado (ela não foi).

Mas o fato é que vimos o nervo exposto de algo que é mais atávico e forte que um preconceito contra judeus, negros ou, mesmo, mulheres. Entraram em cena uma sexualidade provocante e respostas, masculinas e femininas, a ela. Quer dizer que os rapazes tinham razão em xingá-la? Qualquer alfabetizado entenderá que não. Não tinham esse direito. Mas, que foram mexidos, foram. Que ela queria mexer com eles, queria. O que ela desejava de fato, ela provavelmente não sabe (Freud não saberia). Talvez, depois de tudo por que passou, não saiba mais. Nem eles, depois de expostos na mídia, saibam mais o que queriam.

Id e ego

De todo modo, a imprensa não se preocupou em saber como foi, nas cabeças de centenas de jovens que estavam lá, aquela noite. Alunos da Uniban mal foram entrevistados. Como as alunas que apareceram na TV discordavam da manifestação da UNE "em favor delas", a imprensa preferiu não aprofundar o assunto. Não dá para reduzir esse assunto à pauta dos direitos em geral ou das discriminações contra a mulher.

Não tem nada a ver com mulher não ser presidente ou CEO de empresa. Até porque nesse campo, o do desejo que o homem sente só por ver uma mulher bonita, ela tem um poder que ele não tem. Faz bem a universidade, em que o abscesso se rompeu, em discutir esse assunto à luz da cidadania? É essencial. Mas gostaria que não ficasse no genérico dos direitos humanos (que eu defendo, nem preciso repetir). Espero que saiba devolver à cena a questão importante que irrompeu naquela noite terrível: a questão do sexo em face da liberdade, da cidadania e tudo o mais. A questão do id em sua negociação com o ego. É uma grande questão, pouco tratada.

Mas não acredito muito. Falar na generalidade dos direitos humanos não afetará o âmago das pessoas, portanto é mais fácil. Não obrigará a discutir como lidar de maneira racional (a grande conquista da civilização, que inclui os direitos humanos) com o que é mais irracional em nós, sobretudo os mais jovens - um desejo desabrido a desafiar valores, interditos, tudo. Os rapazes podiam ser preconceituosos. Mas pareciam estar tarados por ela. A tara poderia vencer - ou reiterar - o preconceito. Como mudar o final do jogo, seu resultado? Eis a questão.

Como o tesão se relaciona com os direitos humanos? Dá para repetir o mantra de que uma mulher poderosa, desejável, ciente do que desperta nos homens, é ao mesmo tempo um sujeito racional capaz de deliberar em sã consciência se quer ou não um deles?

Dá para acreditar que um homem, assim excitado, facilmente aceite a decisão da mulher de negar-se a ele? O estupro é inadmissível, mas dizer que esses controles são fáceis é iludir a sociedade. [O sociólogo alemão] Norbert Elias entendeu bem a questão. Ele disse, décadas atrás: ao contrário do que se imagina, quando se exibe mais o corpo, sobretudo o feminino, exige-se mais - e não menos - autocontrole. Porque se requer do espectador que não ataque aquele corpo desejado.

Essa exigência é necessária? É. Mas é fácil? Não. Veja-se um baile funk. Vejam-se as publicidades na TV.

Um direito e um problema

Essa história tem sido lida como uma parábola do moderno e do reacionário. Moderno é a moça fazer o que quer com o corpo, inclusive mostrá-lo. Reacionário é ser contra isso.

Mas a atualidade intensa do conflito é que ele não tem essa temporalidade moderna, que é dos demais direitos humanos. Pois, por um lado, mexe com a libido, que tem fortíssima base natural e uma temporalidade muito mais lenta.

Por outro lado, a mulher se exibir o quanto queira é conquista recente. O homem não saber lidar com isso também é um dado acentuado recentemente. Há um elemento natural, há um confronto hipermoderno. A reação "conservadora" também é hipermoderna. O que não dá é para dizer que a moça se exibir não é problema, é direito. É direito, sim, mas só interessa a ela porque é problema. Alguém acha que [a apresentadora] Sabrina Sato imitaria a aluna se os homens não babassem por ela (Sabrina ou Geisy, não importa)?

É esse efeito que se quer produzir. É ele que, produzido, incomoda muita gente. E é esse incômodo - a consciência, o reconhecimento de que há um incômodo, um problema quase sem solução, o que Kant chamaria de uma antinomia - que incomoda muito mais.

O que devemos é enfrentar o incômodo, reconhecer sua originalidade. Desse ponto de vista, temos uma oportunidade ímpar, justamente porque difícil, de reflexão e de proposição.

RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de ética e filosofia política na USP.

Thursday, November 19, 2009

Wednesday, November 18, 2009

UMA BURCA PARA GEISY
Miguezim de Princesa

I

Quando Geisy apareceu

Balançando o mucumbu

Na Faculdade Uniban,

Foi o maior sururu:

Teve reza e ladainha;

Não sabia que uma calcinha

Causava tanto rebu.

II

Trajava um mini-vestido,

Apertado e cor de rosa;

Perfumada de extrato,

Toda ancha e toda prosa,

Pensou que estava abafando

E ia ter rapaz gritando:

"Arrocha a tampa, gostosa!"

III

Mas Geisy se enganou,

O paulista é acanhado:

Quando vê lance de perna,

Fica logo indignado.

Os motivos eu não sei,

Mas pra passeata gay

Vai todo mundo animado!

IV

Ainda na escadaria,

Só se ouvia a estudantada

Dando urros, dando gritos,

Colérica e indignada

Como quem vai para a luta,

Chamando-a de prostituta

E de mulherzinha safada.

V

Geisy ficou acuada,

Num canto, triste a chorar,

Procurou um agasalho

Para cobrir o lugar,

Quando um rapaz inocente

Disse: "oh troço mais indecente,

Acho que vou desmaiar!"

VI

A Faculdade Uniban,

Que está em último lugar

Nas provas que o MEC faz,

Quis logo se destacar:

Decidiu no mesmo instante

Expulsar a estudante

Do seu quadro regular.

VII

Totalmente escorraçada,

Sem ter mais onde estudar,

Geisy precisa de ajuda

Para a vida retomar,

Mas na novela das oito

É um tal de molhar biscoito

E ninguém pra reclamar.

VIII

O fato repercutiu

De Paris até Omã.

Soube que Ahmadinejad

Festejou lá no Irã,

Foi uma festa de arromba

Com direito a carro-bomba

Da milícia Talibã.

IX

E o rico Osama Bin Laden,

Agradecendo a Alá,

Nas montanhas cazaquistãs

Onde foi se homiziar

Com uma cigana turca,

Mandou fazer uma burca

Para a brasileira usar.

X

Fica pra Geisy a lição

Desse poeta matuto:

Proteja seu bom guardado

Da cólera dos impolutos,

Guarde bem o tacacá

E só resolva mostrar

A quem gosta do produto.
a

Sunday, November 15, 2009


Obama's secret messenge to Fox News
(from facebook)
cn

Saturday, November 14, 2009



Caetano Veloso
Un vestido y un amor (Fito Páez)


Te vi
juntabas margaritas del mantel
ya sé que te traté bastante mal
no sé si eras un ángel o un rubí
o simplemente te vi

Te vi
saliste entre la gente a saludar
los astros se rieron otra vez
la llave de Mandala se quebró
o simplemente te vi

Todo lo que diga está de más
las luces siempre encienden en el alma
y cuando me pierdo en la ciudad
vos ya sabes comprender
es solo un rato no más
tendría que llorar o salir a matar
te vi, te vi, te vi
yo no buscaba a nadie y te vi

Te vi
fumabas unos chinos en Madrid
hay cosas que te ayudan a vivir
no hacías otra cosa que escribir
y yo simplemente te vi

Me fui
me voy de vez en cuando a algún lugar
ya sé, no te hace gracia este país
tenías un vestido y un amor
y yo simplemente te vi

Todo lo que diga está de más
las luces siempre encienden en el alma
y cuando me pierdo en la ciudad
vos ya sabes comprender
es solo un rato no más
tendría que llorar o salir a matar
te vi, te vi, te vi
yo no buscaba a nadie y te vi

A Tuberculose do Faraó

ANTONIO CICERO

Por ocasião da morte de Lévi-Strauss, o antropólogo francês Philippe Descola, interrogado sobre "quem seriam os gênios de hoje", citou, em primeiro lugar, Bruno Latour. Mal pude crer no que li. A primeira coisa que me vem à mente, sempre que leio ou ouço o nome de Latour, é o título do excelente livro de Alan Sokal e Jean Bricmont, Imposturas Intelectuais.

E, embora ele tenha merecido todo um capítulo nessa obra, esse título me vem à cabeça por outra razão: é que, anos atrás, caiu-me nas mãos um exemplar de um dos mais ridículos livros que já li: o Jamais Fomos Modernos (Ensaio de Antropologia Simétrica), de Latour, do qual me poupo - e ao leitor - de falar.

Estaria Descola sendo sarcástico? Não. Ele pretendia estar sério. Isso me pareceu lamentável, tratando-se do diretor do Laboratório de Antropologia Social do Collège de France. Entretanto, lembrei-me de duas teses de Latour que, de tão grotescas, chegam até a ser engraçadas. Uma é sobre os dinossauros; a outra, sobre Ramsés 2º. O leitor talvez já as conheça, pois não são novas. Mas, na dúvida, vou contar ao menos a que fala de Ramsés 2º.

Antes, observo que Latour é frequentemente classificado de "construtivista - ou melhor, construcionista-social". Isso não é surpreendente, já que seu livro Vida de Laboratório, de 1979, escrito em parceria com o sociólogo inglês Steve Woolgar, tem como subtítulo A Construção Social dos Fatos Científicos. Em 1986, porém, o subtítulo foi removido e Latour passou a recusar essa classificação.

Contudo, sua recusa diz mais respeito ao adjetivo "social" do que ao substantivo "construção", pois ele continua acreditando que os fatos científicos são construídos. Para o idealista Latour, em última análise, a natureza e a realidade são aquilo que cientistas decidem que sejam, e não algo que preexista à investigação científica.

Mas vamos à história. Em 1976, a múmia de Ramsés 2º, acometida por fungos e mofo, foi enviada à França para ser tratada. As fotos de sua chegada foram publicadas pela revista "Paris-Match", com a legenda: "Nossos cientistas socorrem Ramsés 2º, que adoeceu 3.000 anos após sua morte".

Ao ler essa legenda, Latour precipitadamente pensou que ela se referia a outro fato: o de que os cientistas, tendo examinado os restos mortais do faraó, haviam anunciado a descoberta de que ele morrera de tuberculose. "Profundo filósofo", escreveu então, "aquele que redigiu essa legenda admirável". Por que "profundo filósofo"?

Porque, ao contrário dos seres humanos que se guiam pelo bom senso, o autor dessa legenda teria "compreendido" que Ramsés 2º não poderia, no ano 1213 a.C., ter morrido de um bacilo que foi descoberto por Robert Koch somente em 1882...

Para o bom senso "grosseiro", é claro que o bacilo já existia muitíssimo antes de Koch o descobrir. Já para o "sutil" Latour, "antes de Koch, o bacilo não tem existência real. [...] Os pesquisadores não se contentam com "des-cobrir': eles produzem, fabricam, constroem". Assim, o bacilo da tuberculose foi "construído" na época moderna.

Mas, então, como é que ele pode ter causado a morte do faraó, em 1213 a.C.? "Afirmar, sem outras formalidades, que o faraó morreu de tuberculose", diz Latour, "significa cometer o pecado cardeal do historiador, o do anacronismo". Se fosse assim, seria anacronismo afirmar, "sem outras formalidades", que a lei da relatividade tivesse vigência antes de Einstein a demonstrar; ou que a lei da evolução das espécies vigorasse antes de ser enunciada por Darwin.

E quais são as "outras formalidades"? Suponho que consistam em fazer a ressalva de que, para nós, que vivemos depois de 1976, o faraó morreu de tuberculose, mas não para quem viveu antes de 1976. Ora, se isso quer dizer simplesmente que antes de 1976 não sabíamos que o faraó em 1213 a.C. morreu de tuberculose, então é uma verdade: mas não passa precisamente da verdade trivial que o bom senso já conhecia, de modo que, nesse caso, Latour nada diz de novo.

Se, por outro lado, quer dizer que, antes de 1976, o faraó, em 1213 a.C., não morrera de tuberculose, então é um disparate: é "nonsense", e é sem dúvida o que ele pensa, ao afirmar que, "antes de Koch, o bacilo não tem existência real".

Mas devemos reconhecer ao menos um mérito ao artigo de Latour sobre Ramsés 2º: ele inadvertidamente efetua uma redução ao absurdo não só das suas próprias teses mas de todo o construcionismo contemporâneo.

nota do autor: tenho um amigo que odeia o Cicero, lê o Latour e não me lê. Essa é pra ele.

Friday, November 13, 2009



Imitação


Ninguém sabe quem sou eu
Também já não sei quem sou
Eu bem sei que o sofrimento
De mim até se cansou
Na imitação da vida
Ninguém vai me superar
Pois sorrio da tristeza
Se não acerto chorar
Mesmo assim eu vou passando
Vou sofrendo e vou sonhando
Até quando despertar

Dona Solução
Reveja meu caso com atenção
A esperança que é forte
Mora no meu coração

from http://www.youtube.com/user/lucianarmp para um moço aê

Foto: Pedro Ladeira / Futura Press

Estudantes da UnB tiraram a roupa em apoio a Geisy Arruda

11 de novembro de 2009


Cerca de 100 alunos da Universidade de Brasília (UnB) ficaram nus ou seminus, nesta quarta-feira, durante uma manifestação de apoio a Geisy Arruda, a estudante de Turismo que chegou a ser expulsa da Universidade Bandeirante (Uniban), em São Bernardo do Campo (SP), por assistir aulas usando um vestido curto.

"Pela liberdade de expressão e o fim da opressão machista", diziam alguns cartazes usados no protesto dos estudantes da UnB.

No último dia 22, Geisy teve que deixar a Uniban de São Bernardo do Campo sob escolta policial depois de ser hostilizada e agredida verbalmente pelos estudantes da instituição simplesmente por usar o vestido curto.

O grupo comparou o caso da Uniban com situações de preconceito e machismo registrados na UnB. Um exemplo citado durante a manifestação foram os atos de violência sexual ocorridos na universidade, como o ataque a uma estudante de 18 anos, em abril deste ano.

A estudante de Serviço Social e militante do Klaus, grupo da causa GLBT da UnB, Luana Gaudad, 20 anos, afirmou que "Todos os dias as mulheres e outras minorias sofrem agressões na universidade. São agressões verbais, falta de segurança e assédios por parte de professores e funcionários. Todas as minorias, aqui, estão vulneráveis e expostas".

O protesto foi convocado pelos alunos da Sociologia, e rapidamente se espalhou por e-mail e pelo Orkut. "Acreditamos que o movimento estudantil, assim como o movimento social, não pode aceitar nenhuma forma de agressão, machismo ou preconceito", disse Rodolfo Godoi, estudante de sociologia.

No domingo passado, a Uniban anunciou que tinha decidido expulsar Geisy devido a sua "flagrante falta de respeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade". A onda de protestos gerada pela decisão da universidade foi tamanha que levou a instituição de ensino a readmitir a estudante dois dias depois de expulsá-la.

Com informações da EFE da UnB Agência

dica: http://carlazavatierifotografia.blogspot.com/
es

Wednesday, November 11, 2009

Uniban - franquia na China

Estudantes chineses denunciam 'patrulhas do beijo' em universidade

Estudantes chineses denunciaram que uma universidade do leste da China criou patrulhas para policiar casais que estejam se beijando nas dependências do instituto.

Segundo mensagens dos estudantes da Universidade Florestal de Naninjg colocadas na internet, as patrulhas são formadas por estudantes voluntários da própria faculdade, que verificam se os casais estão se abraçando, beijando ou sentados próximos demais.

De acordo com o correspondente da BBC em Xangai, Chris Hogg, a universidade afirmou que as patrulhas estão ajudando a "limpar a atmosfera" em seu campus.

As patrulhas são supervisionadas por professores. Os voluntários trabalham em turnos de duas horas entre as 10h30 e as 21h.

Em murais virtuais do site da universidade uma mulher descreveu como ela e o namorado foram abordados pela patrulha. Eles estavam sentados juntos quando um patrulheiro se colocou atrás deles e começou a tossir até que eles se separassem.

Outros estudantes reclamam que as autoridades da universidade deveriam gerenciar a instituição ao invés de fiscalizar namorados e acrescentam que é uma vergonha a publicidade que foi gerada com a notícia das patrulhas.

Em uma das reclamações postadas, o estudante Gui Ya afirma que a notícia "está se espalhando pela internet. É como estar nu em público".

"A medida é uma vergonha. A universidade não será uma universidade de verdade", escreveu um colega.

Os voluntários que não reportarem as infrações também podem sofrer punições, o que não pode ser confirmado pelo correspondente da BBC, pois a universidade não respondeu às suas ligações.

Sunday, November 08, 2009

Repleto de livros?

A Divina Comédia dos Mutantes - Carlos Calado

O Encontro Marcado - Fernando Sabino



Jeito de estudante se portar levou à expulsão, diz Uniban

Antes que passe despercebido: o assessor jurídico da Uniban declara em entrevista que a escola expulsou a estudante Geisy Arruda pelo compromisso que tem com 60 mil alunos. 4.000 e-mails teriam sido recebidos "se queixando da exposição da instituição"; não por causa dos baderneiros que reivindicaram o direito de estuprar a moça, mas porque as "meninas" do curso de turismo estão ganhando fama de "putas"! Quer dizer - antes que passe despercebido - há um consenso dentro e no entorno da universidade quanto a certas questões referentes a ética, moralidade, bons costumes, etc. e ao tipo de prejuízo que a comunidade avalia como relevante. A idéia da instituição, seus pais, alunos, coordenadores, funcionários, assessores jurídicos, se utilizarem do episódio para debater moralidade, ética, bons ou maus costumes parece, portanto, ingênua: não há muito o que "discutir". Processar no rigor da lei e puni-los com uma indenização justa é o que resta. Mais, a comunidade Uniban já anunciou, sequer se propõe a pensar a respeito.

O assessor jurídico da Uniban, Décio Lencioni Machado, afirma que a falta de uma postura ética de Geisy Arruda causou sua expulsão. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por ele à Folha.

FOLHA - Por que a decisão?
DÉCIO LENCIONI MACHADO - Por meio dos depoimentos dos alunos, professores, funcionários e mesmo dela, constatou-se que a postura dela não era adequada há algum tempo. O foco não é o vestido. Tem menina que usa roupas até mais curtas. O foco é a postura, os gestos, o jeito de ela se portar. Ela tinha atitudes insinuantes.

FOLHA - Como assim?
MACHADO - Ela extrapolava, rebolando na rampa, usando roupas que os colegas pudessem verificar suas partes íntimas. Isso tudo foi dito em vários depoimentos e culminou no que ocorreu no dia 22 de outubro. Foi o estopim de uma postura recorrente da aluna.

FOLHA - Por que o anúncio? Não acham que estão expondo a aluna?
MACHADO - A exposição dela vem ocorrendo desde a semana seguinte a 22 de outubro. Ela se utilizou de todos os veículos de comunicação para divulgar [o que aconteceu] e vem declarando que, inclusive, tem interesse em ser atriz. Estamos querendo usar os mesmos veículos, não para expô-la, porque exposta ela já está, mas porque tenho compromisso com 60 mil alunos. Recebemos 4.000 e-mails de alunos, pais, pessoas da comunidade, se queixando da exposição da instituição, em especial do curso de turismo, porque as meninas estavam sendo chamadas de "putas".

Saturday, November 07, 2009

Professor,

Você está recebendo uma coleção de três volumes que compõem o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil organizados da seguinte forma:

• Um documento Introdução, que apresenta uma reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil, situando e fundamentando concepções de criança, de educação, de instituição e do profissional, que foram utilizadas para definir os objetivos gerais da educação infantil e orientaram a organização dos documentos de eixos de trabalho que estão agrupados em dois volumes relacionados aos seguintes âmbitos de experiência: Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo.

• Um volume relativo ao âmbito de experiência Formação Pessoal e Social que contém o eixo de trabalho que favorece, prioritariamente, os processos de construção da Identidade e Autonomia das crianças.

• Um volume relativo ao âmbito de experiência Conhecimento de Mundo que contém seis documentos referentes aos eixos de trabalho orientados para a construção das diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabelecem com os objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática.

Para garantir o acesso e o bom aproveitamento deste material, o MEC coloca à disposição de cada profissional de educação infantil seu próprio exemplar, para que possa utilizá-lo como instrumento de trabalho cotidiano, consultá-lo, fazer anotações e discuti-lo com seus parceiros e/ou com os familiares das crianças usuárias das instituições.

A organização do Referencial possui caráter instrumental e didático, devendo os professores ter consciência, em sua prática educativa, que a construção de conhecimentos se processa de maneira integrada e global e que há inter-relações entre os diferentes eixos sugeridos a serem trabalhados com as crianças. Nessa perspectiva, o Referencial é um guia de orientação que deverá servir de base para discussões entre profissionais de um mesmo sistema de ensino ou no interior da instituição, na elaboração de projetos educativos singulares e diversos.

Estes volumes pretendem contribuir para o planejamento, desenvolvimento e avaliação de práticas educativas que considerem a pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de gênero, social e cultural das crianças brasileiras, favorecendo a construção de propostas educativas que respondam às demandas das crianças e seus familiares nas diferentes regiões do país.

Secretaria de Educação Fundamental

Monday, November 02, 2009




http://verbeat.org/blogs/manualdominotauro/

E se quando as drogas estiverem legalizadas, ou, mesmo, perderem seu valor de mercado, tornando o negócio pouco atrativo, o crime organizado priorizar a venda de armas?

Teia dos Negócios Humanos

[...] "a violência desencadeada pelo crime é parte de um fenômeno que perpassa alianças, disputas e interesses entre grupos criminosos e também parcelas da elite social".

As organizações criminosas na Europa e nos EUA se enquadram em três categorias amplas: empresas ilegais, associações criminosas e "governo do submundo".

Empresas ilegais, como grupos que realizam tráfico de drogas, tendem a ser pequenas e encaixadas em redes criminosas maiores.

Associações criminosas fornecem status e sustentação mútua e atendem, indiretamente, atividades econômicas ilícitas dos seus membros.

Elas regulam o comportamento entre os membros, como uma associação profissional, e podem desenvolver uma estrutura hierárquica.

"Governos do submundo" precisam ter uma estrutura hierárquica para evitar o conflito interno e trabalhar efetivamente. Eles também precisam ser reconhecíveis. Em muitos casos, isso é conseguido por meio de alguns símbolos.

Associações criminosas podem funcionar como "governos do submundo".

Klaus von Lampe - no +mais!

+mais!

Uma Medida de Pó


EUCLIDES SANTOS MENDES - DA REDAÇÃO

O crime organizado é um "governo do submundo", defende o pesquisador alemão Klaus von Lampe. Ele é autor do livro Crime Organizado (publicado na Alemanha em 1999).

Professor de justiça criminal na Universidade da Cidade de Nova York (EUA) e um dos nomes mais respeitados em sua área, Von Lampe estuda a formação e a atuação do crime organizado, sobretudo na Europa. Em entrevista à Folha, ele diz que a violência desencadeada pelo crime é parte de um fenômeno que perpassa alianças, disputas e interesses entre grupos criminosos e também parcelas da elite social.

"Criminosos geralmente prestam serviços às elites sociais", afirma. Reduzir o poder do crime organizado - que chegou a derrubar um helicóptero da polícia, no Rio Janeiro - segundo Von Lampe, depende de ações que partam do Estado e da sociedade.

Ele ainda defende, na entrevista abaixo, a descriminalização controlada das drogas, o que, diz, poderia reduzir o tráfico e seus custos sociais.


FOLHA - A legalização do uso de drogas é uma medida eficaz para combater o narcotráfico?

KLAUS VON LAMPE - Em primeiro lugar, não acho, por várias razões, que uma legalização total de todas as drogas seja praticável. O que é mais viável é a descriminalização, juntamente com um alto nível de regulação. Em segundo lugar, o número de consumidores, o impacto negativo sobre eles, os custos sociais do uso de drogas e o volume do tráfico poderiam ser reduzidos significativamente fornecendo o acesso legal às drogas atualmente ilegais. Todas as pesquisas sobre os efeitos da oferta controlada de drogas aos consumidores - como a heroína dada aos viciados em heroína - indicam que isso apresenta mais vantagens que desvantagens.

FOLHA - Que drogas dão mais dinheiro ao crime organizado?

VON LAMPE - Depende do fornecimento, da demanda e dos traficantes de drogas. Quanto mais elevados são a intensidade da aplicação da lei e os custos de transporte, mais elevado será o valor por unidade. Por isso os traficantes colombianos trocaram a maconha por cocaína quando os EUA intensificaram os esforços contra o contrabando na região do Caribe. A maconha era, simplesmente, muito volumosa.

FOLHA - O que sustenta o fluxo do tráfico de drogas?

VON LAMPE - Oferta e procura, e também um número justo de coincidências entre os meios de transporte, os contatos pessoais, as preferências e as habilidades dos traficantes.

FOLHA - No Brasil, organizações como o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, e o Comando Vermelho, no Rio, agem mesmo com vários de seus líderes presos. Como o sistema carcerário e a legislação penal contribuem para o fortalecimento do crime organizado?

VON LAMPE - Há diversos exemplos, historicamente, de organizações criminosas (e, de forma geral, de redes criminosas) que estão sendo formadas dentro das prisões. Isso não é uma surpresa, a prisão é um lugar de encontro para pessoas que pensam de modo parecido. O fenômeno das gangues nas prisões parece ter relação, em parte, com superlotação e conflitos entre os detentos. A solução óbvia seria reduzir a superlotação nas prisões, procurando alternativas ao aprisionamento e /ou expandindo as capacidades do sistema carcerário.

FOLHA - Qual deve ser a responsabilidade do Estado no combate às organizações criminosas?

VON LAMPE - É importante que a pressão na aplicação da lei em criminosos seja elevada. A polícia precisa de determinadas ferramentas de investigação para ser eficaz. Além dos meios repressivos, a polícia e a sociedade devem desenvolver medidas preventivas contra a logística de grupos criminosos, reduzindo as oportunidades para o crime organizado e para os criminosos se estabelecerem e manterem contatos com outros criminosos.

FOLHA - Sua tese de doutorado trata do conceito americano de "crime organizado". Como nasceu o crime organizado nas sociedades modernas? A vida urbana foi fundamental para isso?

VON LAMPE - Eu examinei o conceito de crime organizado, que foi consistentemente usado no discurso político sobre o crime desde 1919, começando em Chicago [EUA]. Mas ele não é confinado necessariamente aos ambientes urbanos.

FOLHA - Em áreas dominadas pelo tráfico de drogas em cidades como o Rio de Janeiro, organizações criminosas têm influência na comunidade local. Pode haver mudanças na percepção social do crime dentro e fora da área controlada?

VON LAMPE - Traficantes de drogas controlando um território são um problema que, acho, precisa ser visto sob diferentes ângulos. É preciso focar membros individuais, a gangue e seus símbolos, o contexto situacional de lugares de encontro, o transporte, o armazenamento e a venda das drogas. É preciso identificar os problemas sociais que conduzem à tolerância e à aceitação de traficantes de drogas em comunidades, a ponto de serem imitados pelos jovens. Não há nenhuma solução aplicável de maneira geral. É preciso sempre olhar a situação específica.

FOLHA - Como funciona a estrutura de poder do crime organizado?

VON LAMPE - Há diferentes manifestações do crime organizado. Na maior parte da Europa Ocidental, o crime organizado está ligado ao fornecimento de mercadorias e serviços ilícitos, e atividades como fraude, roubo, saque e extorsão. Em algumas regiões da Europa e dos EUA, esses crimes ocorrem no contexto de um "governo do submundo", isto é, estruturas mais ou menos formalizadas que controlam e regulam atividades ilegais. Normalmente, nesses casos, os criminosos são forçados a compartilhar seus lucros ilegais com os grupos que se especializam no uso da violência e podem receber, em retorno, benefícios como proteção. Às vezes, há uma sobreposição entre empresas ilegais e o "governo do submundo" - por exemplo, quando membros de uma família da máfia na Sicília (Cosa Nostra) estão envolvidos no tráfico de drogas. Às vezes, os grupos começam como empresas ilegais e procuram ganhar o controle sobre um território. Eles estabelecem então um monopólio ou licenciam as atividades de outros criminosos. Por exemplo, um grupo do tráfico permite a um número limitado de indivíduos vender drogas em um determinado território. Em algumas regiões da Europa - e, historicamente, também nos EUA - há uma aliança entre o mundo e o submundo. Os criminosos colaboram com políticos e homens de negócios. Tais alianças emergem quando os governos e a sociedade civil são fracos. Os interesses particulares e políticos são perseguidos, mesmo violando a ordem legal e constitucional existente. Criminosos geralmente prestam serviços às elites sociais. Quando essas alianças se rompem, como no caso do cartel de Medellín [na Colômbia] e da máfia siciliana no começo dos anos 90, as elites políticas e dos negócios prevalecem no conflito militar subsequente, porque as elites sociais podem fazer todo o uso de recursos estatais (incluindo a polícia e as Forças Armadas).

FOLHA - Quais são as diferenças entre o crime organizado na Europa e nos Estados Unidos?

VON LAMPE - As organizações criminosas na Europa e nos EUA se enquadram em três categorias amplas: empresas ilegais, associações criminosas e "governo do submundo".

Empresas ilegais, como grupos que realizam tráfico de drogas, tendem a ser pequenas e encaixadas em redes criminosas maiores.

Associações criminosas fornecem status e sustentação mútua e atendem, indiretamente, atividades econômicas ilícitas dos seus membros.

Elas regulam o comportamento entre os membros, como uma associação profissional, e podem desenvolver uma estrutura hierárquica.

"Governos do submundo" precisam ter uma estrutura hierárquica para evitar o conflito interno e trabalhar efetivamente. Eles também precisam ser reconhecíveis.

Em muitos casos, isso é conseguido por meio de alguns símbolos.

Associações criminosas podem funcionar como "governos do submundo".

Em contraste, as demandas na estrutura da organização são bastante diferentes para empresas ilegais e outras formas de organização criminosa, de modo que elas raramente aparecem como uma organização.


Vício ou dependência
RUY CASTRO


A palavra "dependente" começa a se cristalizar no universo da droga. Passou a constar da linguagem das famílias, da imprensa e até da polícia, substituindo aos poucos a antiga e rançosa "viciado", para se referir a uma pessoa presa de uma substância que lhe altera os sentidos e da qual ela parece não poder prescindir. Para alguns, talvez seja uma firula semântica, sem maior significado. Para outros, é um avanço rumo à compreensão do problema.

"Viciado" carrega um estigma de deboche e libertinagem - uma espécie de síndrome de Baudelaire e Edgar Poe no século 19, sem a grandeza literária de ambos -, tornando quase indefensável quem possa ser definido por ela. É sinônimo de sem-vergonha, de alguém que, "podendo levar uma vida regular e estável", prefere encher a cara às 7h da manhã no botequim ou meter-se pelas cafuas em busca de droga.

Supõe-se que o viciado seja assim por vontade própria. Se não se emenda é porque lhe falta força de vontade, sólida formação moral ou, mais uma vez, vergonha na cara. A tal vida regular e estável não lhe interessa - ele só quer a esbórnia.

Tudo bem, mas e se essas escolhas já não estiverem ao seu alcance? É comum que o sujeito ainda disponha de uma centelha de lucidez, que lhe permitiria parar com as substâncias, recuperar-se e salvar-se. Mas o condicionamento orgânico, alheio à sua vontade, é mais forte - esmaga a sua razão e não o deixa cortar o fornecimento. É a dependência, e é uma doença.

A compreensão do problema não inocenta os que matam sob o efeito da droga. Mas é importante para fazer o Brasil enxergar os seus milhões de dependentes, discutir a sério a descriminação e a saúde pública, e começar uma campanha maciça de esclarecimento e prevenção - nossa única chance de futuro.


I can recall my desire / every reverie is on fire
and I get a picture of all our yesterdays

Sunday, November 01, 2009


Alguém me perguntou: "Ela é sua musa?", disse Almodóvar, cujas colaborações de longa duração com atrizes, começando com Carmen Maura durante os anos 80, foram notoriamente frutíferas e às vezes tão voláteis quanto. "Bem, sim. Ela é uma musa para mim no sentido de que uma musa é alguém que o torna melhor do que você é. Acho que sou um diretor melhor com ela, porque ela acredita que eu sou melhor do que eu sou, e essa fé cega me dá muita força."