Saturday, January 31, 2009

Um músico paulistano, amigo de um amigo meu foi convidado a participar de um evento artístico com índios de Roraima. Lá chegando, uma de suas tarefas seria a de acompanhar um pequeno coro que planejava apresentar uma canção. A canção era Imagine. Mas vertida para o idioma falado na tribo. Compositor experiente, o amigo do meu amigo ia traduzindo do inglês para o português os versos de John Lennon ao mesmo tempo em que auxiliava o intérprete na busca dos termos exatos que permitissem encaixar a nova letra na métrica, rimando onde fosse possível. Heaven, country, people, peace, todos estes substantivos abstratos foram sendo traduzidos para a língua local, exceto um deles: greed, que quer dizer ganância. Os índios não tinham uma palavra correspondente.


Friday, January 30, 2009

Pois pra mim
Você é uma besta mitológica
com cabelo pixaim parecida com a Medusa
Eu disse isso
Pra rimar com a soma dos quadrados dos catetos
Que é igual à porra da hipotenusa

Os números vaticinam

If you have always wanted a career in show biz or the arts, you might be given a chance for fame later in life during these years. This is definitely an inspirational time that will also serve to expand your social circle. You might also find yourself becoming an influential voice in your community. Falling in love is also possible.

43-51 - Life Path - 3rd Pinnacle

Wednesday, January 28, 2009

Tuesday, January 27, 2009

Você foi agora a coisa mais importante que já me aconteceu
Neste momento em toda a minha vida
Um paradoxo do pretérito imperfeito complexo com a Teoria da Relatividade

Saturday, January 24, 2009

A Estrela Dalva

A estrela Dalva
Quando o sol desponta
Pede a conta
E vai pra casa a pé

Pela janela alguém acena
E ela não vê
Segue apressada o boulevard
Até o Largo do Café

Dobra à direita, pega a Quinze e pode ouvir
Deitado, ali, sob a marquise, alguém pedir
A voz que pede estende a mão cinzenta
Sem nenhum pra dar, lamenta

A estrela Dalva
Desce a rua estreita
Rente
À Catedral da Sé

Fecha os olhos
Lembra algum lugar
Hesita
Atravessa entre os carros
Distraída
Compra cigarro
Encontra as chaves de cor
Deixa pra trás a avenida
Entra no elevador

Desfaz a cama
Esquenta o chá
Medita
Esquece acesa a luz do abajur

A estrela sobe a persiana
E dorme olhando pro céu azul


Friday, January 23, 2009

Lígia
( Jobim com alguns re-toques de Chico Buarque )

Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba
Não vou a Ipanema
Não gosto de chuva
Nem gosto de sol

E quando eu lhe telefonei
Desliguei, foi engano
O seu nome eu não sei
Esqueci no piano
As bobagens de amor
Que eu iria dizer
Não, Lígia, Lígia

Eu nunca quis tê-la ao meu lado
Num fim de semana
Um chope gelado
Em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon

E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão
O seu nome rasguei
Fiz um samba-canção
Das mentiras de amor
Que aprendi com você
Lígia, Lígia

[ solo instrumental sobre a parte A ]

E quando você me envolver
Nos seus braços serenos
Eu vou me render
Mas seus olhos morenos
Me metem mais medo
Que um raio de sol
Lígia, Lígia

Thursday, January 22, 2009

[...] duas configurações passionais estão na base do sentimento de vergonha: exposição e inferioridade. A exposição pode ser real ou virtual. Quanto à inferioridade, ela pode advir do simples fato de se estar exposto (o "grau zero" da vergonha, às vezes chamado de "embaraço"), do fato de ser rebaixado por outrem (humilhação), e, nos casos mais frequentes, do fato de se compartilhar o juízo negativo, real ou virtual de outrem.

Yves de La Taille - Vergonha, a Ferida Moral



Wednesday, January 21, 2009

Little boxes - Malvina Reynolds

Little boxes on the hillside,
Little boxes made of ticky tacky,
Little boxes on the hillside,
Little boxes all the same.
There's a green one and a pink one 
And a blue one and a yellow one,
And they're all made out of ticky tacky
And they all look just the same.

And the people in the houses
All went to the university,
Where they were put in boxes
And they came out all the same,
And there's doctors and lawyers,
And business executives,
And they're all made out of ticky tacky
And they all look just the same.

And they all play on the golf course
And drink their martinis dry,
And they all have pretty children
And the children go to school,
And the children go to summer camp
And then to the university,
Where they are put in boxes
And they come out all the same.

And the boys go into business
And marry and raise a family
In boxes made of ticky tacky 
And they all look just the same.
There's a green one and a pink one
And a blue one and a yellow one,
And they're all made out of ticky tacky
And they all look just the same.


Tuesday, January 20, 2009

TRANSMATERIA CONTRASENSO

Nas unidades de Distraídos Venceremos (1983-1987), resultado do impacto da poesia de Caprichos e Relaxos (1983) sobre a fina e grossa cútis da minha sensibilidade lírica, calmes blocs ici-bas chus d'un désastre obscur, cadeias de Markoff em direção a uma frase absoluta, arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não da realidade, evidentemente) da referência, através da rarefação.
Seria demais, certamente, supor que eu não precise mais da realidade.
Seria de menos, todavia, suspeitar sequer que a realidade, essa velha senhora, possa ser a verdadeira mãe destes dizeres tão calares.

É quando a vida vase.
É quando como quase.
Ou não, quem sabe.

Curitiba, janeiro de 1987

Monday, January 19, 2009

entre os garotos de bicicleta
o primeiro vagalume
de mil novecentos e oitenta e sete

hoje à noite
lua alta
faltei
e ninguém sentiu
a minha falta

abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri
antigamente eu era eterno

Leminski - Distraídos Venceremos

Sunday, January 18, 2009

Biblioteca básica - Contra o Método
Gilberto Dupas - especial para o +mais!

Contra o Método é um precioso libelo de Feyerabend contra a onipotência da ciência. Produzir ciência é construir metáforas provisórias sobre fenômenos ou comportamentos para os quais nunca teremos conhecimento pleno. Para ele a ciência deve ser protegida das ideologias, e as sociedades democráticas, da ciência, que precisa ser ensinada como uma concepção entre muitas, não o único caminho para a verdade.
"A Lua está me seguindo" ou "a pedra caiu verticalmente" são meras aparências? Ciência e técnica nunca serão neutras, estarão sempre a serviço de interesses e visões de mundo.


Este ensaio é a primeira parte de um livro a propósito do anarquismo que seria escrito por Lakatos e por mim. Cabia-me atacar a posição racionalista; Lakatos, por seu turno, reformularia essa posição, para defendê-la e, de passagem, reduzir meus argumentos a nada. Juntas, as duas partes deviam retratar nossos longos debates em torno desse tema — debates que tiveram início em 1964, prosseguiram em cartas, aulas, chamadas telefônicas, artigos, até quase o último dia de vida de Imre, e se transformaram em parte de minha rotina diária. A origem do ensaio explica o seu estilo: trata-se de uma carta, longa e muito íntima, escrita para Imre e cada frase perversa que contém foi escrita antecipando frase ainda mais ferina de meu companheiro. Também é claro que o livro, como se apresenta, está lamentavelmente truncado. Falta-lhe a parte mais importante, a réplica da pessoa para quem foi elaborado. Publico-o, entretanto, como testemunho da forte e estimulante influência que Imre Lakatos exerceu sobre todos nós. Paul K. Feyerabend

O carteiro

O crítico literário George Steiner, que diz ter como função "entregar as cartas" dos grandes escritores, avalia as mudanças das formas criativas no último século, defende o valor artístico da TV e afirma que Shakespeare, hoje, seria roteirista e aprovaria uma versão em quadrinhos para Hamlet

JUAN CRUZ

George Steiner está prestes a completar 80 anos e publicou no ano passado My Unwritten Books (Meus Livros Não Escritos, New Directions, 192 págs., US$ 23,95, R$ 56), que causou escândalo, sobretudo no Reino Unido, de cuja Universidade de Cambridge ele foi professor respeitadíssimo.
O escândalo o diverte porque, imagina, deve-se à surpresa sentida por alguns quando observaram que esse livro do professor Steiner, um dos grandes filósofos europeus, cuja idade avançada é desmentida por sua mente extremamente desperta, relata experiências sexuais muito explícitas (e próprias) sem que o pudor o leve a moderar sua linguagem.
O ensaio que motivou o escândalo diz respeito à linguagem e faz a defesa das línguas minoritárias, algumas das quais Steiner imagina que devam ser excelentes para a prática do sexo. O texto começa em tom contundente: "Como é a vida sexual de um surdo-mudo? Com que incitações e cadência ele se masturba? Como o surdo-mudo vive a libido e a consumação?". É claro que a obra não é apenas isso (nem se limita a esse ensaio): é um olhar inteligente sobre os assuntos aos quais Steiner alguma vez quis dedicar um livro (mais precisamente, sete) e que acabaram ficando pelo caminho.

PERGUNTA - Quer dizer que se escandalizaram?

GEORGE STEINER - Sim, muitos. Nunca antes alguém perguntou como é a vida sexual de um surdo-mudo. Já o fizeram em relação aos cegos, mas nunca aos surdos-mudos.

PERGUNTA - É uma pergunta inquietante.

STEINER - Porque as perguntas importantes com frequência são inquietantes. Existe um comentário lindamente desagradável de Heidegger sobre o porquê de a ciência ser tão enfadonha. Ele disse que é porque ela só tem respostas.

PERGUNTA - Havia uma pichação no Equador que dizia: "Quando finalmente tínhamos as respostas, nos mudaram as perguntas".

STEINER - É verdade. Mas as perguntas podem ser inquietantes, e as perguntas relativas ao erótico o são.

PERGUNTA - Ao ler esse ensaio em especial, "As Linguagens de Eros", poderíamos pensar que o sr. não tem pudor algum, nenhum medo das possíveis consequências.

STEINER - Foi por isso mesmo que não escrevi o livro! Escrevi um ensaio, sete ensaios no lugar de sete livros. Estou prestes a completar 80 anos e, como não estou disposto a escrever sete livros, escrevi ensaios sobre o que teria gostado de escrever e por que não o fiz. A melhor definição da vida foi dada por Samuel Beckett: "Faça de novo. Tente outra vez. Erre outra vez. Erre melhor". Eu quis errar melhor, e é isso o que procuro dizer com este livro.

PERGUNTA - Essa frase de Beckett o sr. usa em um contexto em que fala sobre a tristeza e o pessimismo.

STEINER - A tristeza e o pessimismo... Você sabe por que sou tão pouco popular entre meus colegas acadêmicos? Há uma razão muito simples. Ainda jovem, eu já disse que havia uma diferença abismal entre o criador e o professor, o editor, o crítico. E meus colegas não gostaram de ouvir isso.
O capítulo deste livro que foi mais difícil de escrever, "Inveja", é precisamente sobre essa relação com os professores. Foi um pesadelo escrevê-lo. Suei em cada sentença. Como a gente se sente ao viver rodeado pelos grandes, sem ser um deles? Fui o membro mais jovem da Universidade Princeton. Ali vivi ao lado de Einstein e Oppenheimer, e ali eu soube o que eram os gigantes. Veja esse pequeno retrato que está ali [um retrato desenhado de Steiner em sua juventude; debaixo dele está escrito, em italiano, "il postino" - o carteiro]. Eu quero ser o carteiro, quero que me chamem "O Carteiro", como esse personagem maravilhoso do filme sobre Pablo Neruda.
É um trabalho muito bonito ser professor, aquele que entrega as cartas, embora não as escreva. Meus colegas odeiam ouvir isso. A vaidade dos acadêmicos é enorme! Derrida disse que toda a literatura, até mesmo a maior, é mero pretexto. Ao inferno com Derrida! Shakespeare não é um pretexto, Beckett não é um pretexto, Neruda não o é, nem Lorca.

PERGUNTA - O senhor se irrita com Derrida.

STEINER - O que ele disse sobre o pretexto é uma piada de mau gosto. Somos os carteiros, e somos importantes. Os escritores precisam de nós para chegar a seu público. É uma função muito importante, mas não é o mesmo que criar.

PERGUNTA - Em algum momento o sr. diz, com relação ao romance, que hoje este pode às vezes parecer um gênero pré-histórico.

STEINER - Não, eu situaria Proust, Mann, Joyce entre os maiores criadores. O que quero dizer é que talvez os romances estejam chegando ao fim, porque no mundo de hoje imagens e histórias infinitas nos chegam diretamente em nossas casas. Duvido muito que tenhamos outro Proust, outro Faulkner. Os grandes mestres contemporâneos escrevem de maneira breve. Veja o caso de Kafka, o quanto ele é fragmentário. Hoje Shakespeare seria um roteirista.

PERGUNTA - E quem seriam os romancistas de hoje?

STEINER - É muito difícil responder essa pergunta. Acho que Mario Vargas Llosa o é. A Festa do Bode é, sem dúvida alguma, um dos melhores romances de hoje. Também o é Cem Anos de Solidão, de García Márquez. O Tambor, de Günter Grass. Filhos da Meia-Noite, de Rushdie. Philip Roth talvez seja a pessoa mais inteligente que existe, e sua trilogia sobre a política norte-americana [Pastoral Americana, Casei com um Comunista e A Marca Humana] é magnífica.
Mas o próprio formato do romance corre perigo. As pessoas estão procurando formas mais experimentais. Por que os livros de história, de sociologia e as biografias são mais bem escritos? A prosa de Lévi-Strauss é melhor que o livro de qualquer romancista francês. Há até economistas que escrevem com mais estilo que os próprios romancistas.
Aprenderam com o romance e aplicam o que aprenderam. Mas veja o que acontece hoje. Um rapaz escreve um livro; se tem sorte, o livro é publicado, passa 16 dias nas livrarias e então imediatamente o tiram do mercado. Como se vão fazer escritores dessa maneira? Se isso tivesse acontecido na época de Joyce, ele jamais teria resistido. Você sabe que a Unesco tem uma lista dos livros mais lidos do mundo? E nela há apenas um título francês.

PERGUNTA - Deixe-me adivinhar: Madame Bovary.

STEINER - Oh, não, o que você está dizendo? O Pequeno Príncipe. E isso é alarmante. Vendem-se milhões de exemplares todos os anos. Mas as pessoas não leem Madame Bovary.

PERGUNTA - O sr. acha que deveríamos nos preocupar com essas listas?

STEINER - Sem dúvida. Elas indicam que livros foram best-sellers e em que momento. Houve uma época em que os best-sellers eram Balzac e Dickens. Há uma diferença abismal entre o gênio experimental de escritores como Borges e Beckett e o grande público. É muito provável que milhões de pessoas leiam literatura em formato de gibi. Há pouco li uma versão de Hamlet em quadrinhos e me pareceu brilhante. Reduziram o texto para os momentos essenciais, e Shakespeare certamente teria dito: "Nada mal. Meu texto era longo demais". Rarará.

PERGUNTA - Essa reflexão lembra alguns aspectos de seu livro, em que o sr. discute o confronto entre cultura e mídia e o futuro da cultura.

STEINER - A cultura do futuro não será nossa cultura. A cultura elitista e humanista que conhecemos só pertence a alguns poucos. Recorde que vou completar 80 anos e que antes de completar 20 eu comecei a publicar artigos sobre o porquê de a cultura não fazer frente ao fascismo e aos nazistas.
O que aconteceu? Aqui temos países com culturas superiores, temos as melhores escolas, o melhor teatro, a melhor música. E estes países nossos se converteram em infernos. E não são apenas os países - há grandes artistas que aderem ao fascismo. Nunca deixei de me fazer essa pergunta, e, embora não tenha a resposta, posso afirmar que a cultura e o humanismo não são inteiramente inocentes nem positivos. Walter Benjamin dizia que toda grande obra se ergue sobre uma montanha de desumanidade. É uma verdade incômoda.
Cinema e TV são as formas mais criativas de expressão. Estão cheios de lixo, mas toda grande cultura teve muito lixo

PERGUNTA - E o futuro?

STEINER - O que o futuro nos reserva, se evitarmos a guerra? Evitá-la supõe problemas de superpovoamento. Veja os jovens: eles ficam fartos. Um dia vão acabar com os velhos, não saberão o que fazer com eles.

PERGUNTA - Que panorama!

STEINER - É muito fácil ficar sentado aqui, nesta sala, e dizer "o racismo é horrível!". Mas me pergunte a mesma coisa se você se mudar para a casa ao lado de uma família jamaicana que tem seis filhos e ouve reggae e rock and roll o dia inteiro. Ou quando meu assessor vier me dizer que, desde que a família jamaicana se mudou para a casa ao lado, o valor do meu imóvel caiu pela metade. Pergunte-me, então! Dentro de todos nós, de nossos filhos, e para manter nosso conforto, nossa sobrevivência, se você riscar um pouco verá aparecer muitas zonas escuras. Não se esqueça.

PERGUNTA - Neste livro, o sr. fala da maldade humana, mas compensa falando do lado solidário das pessoas, da compaixão, da amizade...

STEINER - Sim, tudo isso está dentro de cada um de nós e depende das circunstâncias. Se fazem mal a nossos filhos, somos capazes de matar a sangue frio.

PERGUNTA - E outro assunto que o preocupa é que esses personagens estão ganhando destaque pelas mãos de estrelas da mídia.

STEINER - Hegel dizia que toda nova tecnologia é uma nova filosofia. Bill Gates e seus engenheiros transformaram o mundo. O Google transformou a percepção, a memória, como nos comunicamos. A tecnologia é a força mais criativa do momento. Do mesmo modo como o cinema e a televisão são as formas mais criativas de expressão. Sim, estão cheios de lixo, mas toda grande cultura teve muito lixo. Há uma ou duas revoluções que se aproximam e têm a ver com o transplante da memória. Não estamos muito distantes de implantar chips de memória em doentes de Alzheimer. Daríamos a eles um passado artificial. Se isso acontecer, como ficará o eu?

PERGUNTA - E a outra revolução?

STEINER - Está por chegar, me inspira muito medo, e, francamente, prefiro não estar vivo. Poderemos viver uma média de 120 anos. Dentro em muito pouco, será possível rejuvenescer células. Seremos substituíveis, como o motor de um automóvel. O que acontecerá quando os jovens tiverem que cuidar e alimentar tantas pessoas mais velhas? A próxima guerra civil pode ser essa.

PERGUNTA - Parece tema de um romance de Saramago.

STEINER - De um romance e de um pesadelo. Os jovens de hoje precisam pagar impostos, residências para idosos, comida, casa. Há cada vez mais idosos. Acredito firmemente no direito à eutanásia. Envelhecer sem dignidade é um horror. Antes, as famílias mais ou menos podiam dar conta de seus idosos. Agora já não podem mais. Talvez a próxima crise seja a de gerações.

PERGUNTA - Ela já não existe?

STEINER - Não, nós a estamos contendo. Os jovens não saem por aí assassinando os velhos. Em certas culturas esquimós, isso é feito. Quando chega o inverno, os jovens obrigam os velhos a sair de casa ou do iglu, para morrer, para que os jovens possam sobreviver.

PERGUNTA - E existe alguma luz à vista, professor, algo que se consiga enxergar depois do túnel? Há países emergentes, culturas que vão se impondo. A China, por exemplo.

STEINER - Acho que a próxima força artística, intelectual e científica virá da Índia. Temos muitos alunos chineses, e eles são bons anotadores e dizem sim a tudo. Mas os indianos discutem, fazem perguntas.

Este texto foi originalmente publicado na íntegra no jornal El País. Tradução de Clara Allain. +mais!

Saturday, January 17, 2009

The Hawaii Concert

I



II



III

O Mito da Caverna
Extraído de A República de Platão

SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.

GLAUCO - Imagino tudo isso.

SÓCRATES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam silêncio.

GLAUCO - Similar quadro e não menos singulares cativos!

SÓCRATES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?

GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.

SÓCRATES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?

GLAUCO - Não.

SÓCRATES - Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?

GLAUCO - Sem dúvida.

SÓCRATES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?

GLAUCO - Claro que sim.

SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.

GLAUCO - Necessariamente.

SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.
Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?

GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.

SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?

GLAUCO - Certamente.

SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe- ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais?

GLAUCO - A princípio nada veria.

SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.

GLAUCO - Não há dúvida.

SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.

GLAUCO - Fora de dúvida.

SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.

GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.

SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?

GLAUCO - Evidentemente.

SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?

GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.

SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?

GLAUCO - Certamente.

SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa - porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade - tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?

GLAUCO - Por certo que o fariam.

SÓCRATES - Pois agora, meu caro GLAUCO, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.

Um Borges "cancionista"?

PRÓLOGO

Toda leitura envolve colaboração e quase cumplicidade. No Fausto devemos admitir que um gaúcho possa acompanhar o argumento de uma ópera cantada em um idioma que não conhece; no Martín Fierro, um vaivém de bravatas e de queixumes justificados pelo propósito político da obra, mas inteiramente alheios à índole sofrida dos camponeses e às cautelosas maneiras do cantador.

No caso modesto de minhas milongas, o leitor deve suprir a música ausente com a imagem de um homem que cantarola na entrada de seu vestíbulo ou em um armazém, acompanhando-se à guitarra. A mão demora-se nas cordas e as palavras contam menos que os acordes.

Eu quis evitar o sentimentalismo do inconsolável "tango-canção" e o manejo sistemático do lunfardo, que infunde um ar artificioso às singelas coplas.

Que eu saiba, estes versos não requerem nenhum outro esclarecimento.

J.L.B.
Buenos Aires, junho de 1965.


MILONGA DE MANUEL FLORES

Manuel Flores vai morrer.
Isso é moeda corrente;
Morrer é um desses costumes
Que todo mundo consente.

E me dói ainda assim
Despedir-me desta vida,
Desta coisa tão de sempre,
Tão doce e tão conhecida.

Olho minhas mãos na aurora,
Olho nas mãos minhas veias;
Com estranheza eu as olho
Como se fossem alheias.

Virão os quatro balaços,
Com os quatro o esquecimento;
Merlin disse sábio: a morte
Começa no nascimento.

Quanta coisa em seu caminho
Estes olhos terão visto!
Quem sabe o que mais verão
Depois que me julgue Cristo.

Manuel Flores vai morrer.
Isso é moeda corrente;
Morrer é um desses costumes
Que todo mundo consente.

PARA AS SEIS CORDAS - Para las Seis Cuerdas - 1965 - Tradução de Nelson Ascher

15/12/2008 - 06h12
Criminalista mostra por que as prisões brasileiras falham; leia capítulo

da Folha Online

Munido de estatísticas e fatos estarrecedores, o advogado criminalista e articulista da Folha Luís Francisco Carvalho Filho mostra no livro A Prisão como o sistema prisional brasileiro falha na recuperação e reintegração de cidadãos.

O livro alerta para o desinteresse político sobre o assunto e o custo humano que a prisão representa para a sociedade brasileira. O primeiro capítulo do livro, que integra a série "Folha Explica", pode ser lido abaixo.

Dois Mundos

A prisão priva o homem de elementos
imprescindíveis à sua existência,
como a luz, o ar e o movimento.
Hildebrando Thomaz de Carvalho, Hygiene das Escolas e das Prisões, 1917

Crueldade e Descontrole

Em 18 de fevereiro de 2001, o Brasil seria surpreendido por uma super-rebelião de presos. Sob a regência da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que se notabilizara pela prática de atos de violência e fugas sensacionais, 28 mil detentos de 29 unidades prisionais do estado de São Paulo, em 19 cidades, amotinaram-se ao mesmo tempo. A Secretaria de Assuntos Penitenciários só readquiriu o controle da situação 27 horas depois e contabilizou 16 mortos.

Ocorrência de tal magnitude não se explica apenas pelo atrevimento do chamado crime organizado ou pela posse de telefones celulares, contrabandeados para dentro dos presídios com a conivência do sistema de segurança. Um caldo de revolta e desespero anima os movimentos da massa prisioneira do país.

Dias depois do levante, um parlamentar ouviria ameaças de retaliação caso o governo estadual se recusasse a negociar uma lista de reivindicações, da qual apenas um item se relacionava diretamente com a organização: o cancelamento das transferências feitas para desarticular o PCC. Os outros itens da pauta diziam respeito ao tratamento que todos recebem: fim da tortura, punição de agentes penitenciários por abuso de poder e espancamentos, melhoria da assistência judiciária gratuita e fim das revistas vexatórias das visitas.1

Dois episódios nada explosivos, de impacto bastante reduzido, capazes de afetar apenas o cotidiano de seus protagonistas, também revelam o estado de nossas prisões.

Em 16 de outubro de 2001, Augusto Sátiro de Jesus, 45, funcionário de uma rede de restaurantes havia 18 meses, foi detido em flagrante delito com uma coxa e uma sobrecoxa de frango, com prazo de validade vencido, no interior de sua mochila. Sem dinheiro para comprar comida, segundo sua versão, correu o risco de passar pelo crivo da vigilância dos patrões com o produto do "crime", avaliado pela polícia em R$ 0,90. Preso por furto qualificado (por ter abusado da confiança do empregador), sem assistência de advogado, ele permaneceria 16 dias numa cela de 12 metros quadrados com outros 25 homens, num dos muitos distritos policiais da cidade de São Paulo.2

Cerca de um ano antes, duas jovens advogadas paulistanas foram procuradas por um homem negro, acompanhado da mulher e de uma criança de colo, em situação jurídica inusitada, que poderia fazer parte da narrativa de Lewis Carroll em Aventuras de Alice no País das Maravilhas. Condenado à prisão, ele recebera autorização para passar o fim de semana com a família. Por motivo de doença, apresentara-se à portaria da penitenciária com atraso. Foi simplesmente impedido de entrar. O funcionário da recepção fechou arbitrariamente as portas da prisão para ele, deixando-o do lado de fora - "livre" e perplexo, ameaçado de ser considerado fugitivo e perder o prontuário de bom comportamento. As advogadas, acostumadas a formular pedidos de liberdade, viram-se na contingência de requerer sua prisão, o que, evidentemente, logo se deferiu. Dias depois, receberiam um telefonema de agradecimento, quando também souberam que o preso, como retaliação, fora punido com isolamento.

As prisões brasileiras são insalubres, corrompidas, superlotadas, esquecidas. A maioria de seus habitantes não exerce o direito de defesa. Milhares de condenados cumprem penas em locais impróprios.

O Relatório da caravana da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados por diversos presídios do país, divulgado em setembro de 2000, aponta um quadro "fora da lei", trágico e vergonhoso, que invariavelmente atinge gente pobre, jovem e semi-alfabetizada.

No Ceará, presos se alimentavam com as mãos, e a comida, "estragada", era distribuída em sacos plásticos - sacos plásticos que, em Pernambuco, serviam para que detentos isolados pudessem defecar.

No Rio de Janeiro, em Bangu I, penitenciária de segurança máxima, verificou-se que não havia oportunidade de trabalho e de estudo porque trabalho e estudo ameaçavam a segurança.

No Paraná, os deputados se defrontaram com um preso recolhido em cela de isolamento (utilizada para punição disciplinar) havia sete anos, período que passou sem ter recebido visitas nem tomado banho de sol.

No Rio Grande do Sul, na Penitenciária do Jacuí, com 1.241 detentos, apesar de progressos, havia a assistência jurídica de um único procurador do estado e, em dias de visita, o "desnudamento" dos familiares dos presos, com "flexões e arregaçamento da vagina e do ânus".

Há uma mistura estrategicamente inconcebível de pessoas perigosas e não-perigosas. Há tuberculosos, aidéticos e esquizofrênicos sem atendimento.3 O cheiro e o ar que dominam as carceragens do Brasil são indescritíveis, e não se imagina que nelas é possível viver.

Quem ler os trabalhos resultantes das incursões de Percival de Souza (nos anos 70) e Drauzio Varella (nos anos 90),4 cada um a seu modo, à Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, o maior presídio do país, verá que, durante décadas, milhares e milhares de homens foram remetidos para um mundo assustador, onde nada é capaz de lembrar propósitos de reabilitação.

Os motins se espalham. Em 2 de janeiro de 2002, rebelião no presídio de segurança máxima Urso Branco, em Porto Velho, Rondônia, deixaria um saldo de pelo menos 27 mortos, os corpos espalhados pelas celas, muitos deles mutilados, resultantes do confronto de grupos rivais. Os cadáveres eram retirados por trator tipo retroescavadeira, que os recolhia do interior do presídio e os jogava num caminhão, que os levaria para o IML. O presídio tinha capacidade para 360 homens e abrigava cerca de 900. Em dezembro de 2001, a arquidiocese local já alertara para a iminência de uma "carnificina".5

Curiosamente, o próprio diretor do presídio, afastado do cargo dois dias depois da mortandade, fora condenado em 2001 a cumprir pena de dois anos e um mês de prisão por prevaricação e falsidade, acusado de ter explorado o trabalho de presos na reforma de sua residência particular.6

Do lado de fora dos muros, os índices de criminalidade violenta aumentam, os sentimentos de impunidade e insegurança se generalizam. As leis e os magistrados tendem a ser cada vez mais severos. O sistema judiciário é profundamente desigual. A exclusão econômica aumenta ainda mais a freguesia das prisões.

O número de presos cresce em ritmo acelerado. O censo penitenciário de 1995 apontava a existência de 148.760 presos no Brasil: 95,4 para cada grupo de 100 mil habitantes (critério internacional para o cálculo da taxa de encarceramento nos diversos países). O censo de 1997 detectava a prisão de 170.602 homens e mulheres, com taxa de encarceramento de 108,6 e déficit de 96.010 vagas.

Em abril de 2001, já havia 223.220 presos no Brasil, o que representava 142,1 detentos para cada grupo de 100 mil habitantes. A maior concentração estava em São Paulo, com 94.737 presos e uma proporção sensivelmente mais alta: 277,7 presos para cada grupo de 100 mil habitantes.7

Em outubro de 2001, existia déficit de pelo menos 26 mil vagas no complexo formado pelas penitenciárias e pelas carceragens das delegacias de polícia de São Paulo. O poder público se esforça, mas lembra a fábula do homem que tenta evitar o vazamento da represa com o dedo. Como admitem as autoridades, só para dar conta do crescimento da população presa mensalmente (de 800 a mil réus), seria necessário construir um novo presídio a cada trinta dias.8 E presídios custam muito caro.

As cifras não contabilizam os infratores menores de 18 anos, que tecnicamente não estão presos, mas "internados", e não cumprem pena, mas recebem "medida socioeducativa". No primeiro semestre do ano 2000, foram aplicadas mais de 99 mil medidas socioeducativas contra adolescentes em São Paulo; entre elas, contavam-se 54.871 casos de liberdade assistida, 21.729 casos de prestação de serviço à comunidade e 17.088 internações compulsórias.9 São os presos de amanhã.

A imagem do país no exterior se deteriora: entidades internacionais de defesa dos direitos humanos têm sistematicamente condenado as terríveis condições de vida dos presídios brasileiros. O sistema é visto como um rastilho de pólvora e fator de incentivo à violência. Não só pela desumanidade medieval que patrocina, mas pela absoluta ausência de interesse político em relação ao que acontece em seu interior.

Exclusão e Negócio

Nossos números são aparentemente modestos se o parâmetro de comparação é o sistema prisional dos Estados Unidos da América, que, em 30 de junho do ano 2000, abrigava 1.931.859 presos.10

É o equivalente à população de Brasília ou à soma das populações inteiras de cidades prósperas do estado de São Paulo, como Campinas, São José dos Campos e Santos. São 702 detentos para cada grupo de 100 mil habitantes - a mais alta taxa de encarceramento do planeta. Se a base de crescimento for mantida, estima-se que em 31 de dezembro de 2005 haverá mais de 2,2 milhões de presos nos EUA.

Além da população encarcerada, uma quantidade assombrosa de homens e mulheres, mais de 4,5 milhões, estava sob a vigilância do sistema punitivo norte-americano (ameaçados de prisão no caso de não-cumprimento das exigências impostas pela Justiça), em regime de suspensão da pena privativa de liberdade (probation) ou em liberdade condicional (parole) em dezembro de 2000. A soma de pessoas presas ou vigiadas correspondia a 3,1% da população residente adulta dos EUA (uma em cada 32 pessoas nessa faixa etária).

O mais rico país do mundo não pratica em seus presídios a crueldade crua que invariavelmente se encontra nos cárceres do Terceiro Mundo, mas o gigantismo do sistema faz com que a violência sexual contra prisioneiros, por exemplo, torne-se motivo de grande preocupação.

Ao contrário de outros países, que ainda não se voltaram para o problema, como se a hipótese do "estupro"11 fosse inerente à perda da liberdade, há nos EUA uma saudável mobilização contra a violência sexual (rape), prática entranhada no sistema, inclusive como mecanismo de punição informal de presos. Por seu impacto psicológico devastador, a violência sexual é apontada como um dos fatores determinantes da reincidência criminal e como uma das principais causas de suicídio, que, por sua vez, é uma das principais causas de óbito entre encarcerados. Em outubro de 2001, uma organização não-governamental exclusivamente voltada para a questão (a Stop Prison Rape) estimava em cerca de 364 mil o número de atos de violência sexual praticados por ano nas prisões dos EUA. Atingem, sobretudo, jovens e presos não-violentos.12

Os números expõem, também, o caráter racista do sistema. Apenas cerca de 6% da população norte-americana é composta de homens negros e adultos, mas quase a metade dos presos são homens negros e adultos. A taxa de encarceramento de negros em 1994 era em média 7,66 vezes superior à taxa de encarceramento de brancos. Em Minnesota, havia 1.275 presos negros e 56 presos brancos por grupo de 100 mil habitantes dos respectivos universos populacionais. Em Nova York, 1.138 negros e 202 brancos. No Texas, 1.943 negros e 178 brancos (Stern, p. 50 e 119).

A quantidade crescente de presos ainda indica um cenário de exclusão política, sem paralelo em países democráticos. Segundo cálculo de 1998,13 cerca de 3,9 milhões de pessoas adultas estariam sem direito político de votar nos EUA em virtude dos efeitos colaterais da condenação. Além dos efetivamente encarcerados, diversos estados impedem o voto de condenados em regime de probation ou parole. Outros inviabilizam o direito de voto até de condenados que já cumpriram suas penas. O quadro atinge de forma marcante a minoria negra: cerca de 1,4 milhão de indivíduos (13% do total). Em dez estados, a proporção era de um em cada cinco negros sem direito de voto.

A sensação de insegurança e a queda dos índices de criminalidade têm estimulado o movimento encarcerador. Em 1980, eram 1.842.100 pessoas presas ou vigiadas (probation e parole); no final do ano 2000, eram 6.467.200.14 O custo anual do sistema ultrapassou US$ 40 bilhões. O número de presos é tão expressivo que interfere, decisivamente, nos cálculos das taxas de desemprego.

Medidas legislativas baseadas no princípio da "tolerância zero" (que pretende prevenir delitos mais graves com a punição de infrações mais leves), apoiadas pela maioria da população, indicam que a disposição dos governantes não é prender apenas os autores dos crimes violentos, e sim abortar carreiras criminosas no nascedouro, não se importando com o custo humano, financeiro e político disso.

Em alguns estados norte-americanos, a aplicação de leis conhecidas por three strikes you're out (expressão emprestada do beisebol, um dos esportes mais populares do país) pode resultar hoje na prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional, de reincidentes em três delitos não-violentos.

Nas últimas duas décadas, os EUA endureceram o regime punitivo, modificaram suas prioridades orçamentárias e ampliaram a infra-estrutura carcerária, recorrendo, inclusive, à iniciativa privada para a construção e gestão de penitenciárias.

As prisões e os réus passaram a ser o núcleo de um poderoso interesse industrial, um grande negócio. Na esteira da globalização, empresas dedicadas ao cárcere movimentam milhões de dólares anualmente, prometendo aliviar as despesas estatais e resolver o problema da superlotação. Segundo Minhoto, já têm interesses econômicos espalhados por países como França, Canadá, Inglaterra, Alemanha, Austrália e Porto Rico. Para elas, pelo menos, o crime compensa.

Este livro tem por objetivo introduzir o leitor no assunto prisão. Além de discorrer sobre as origens e os desenvolvimentos históricos dos sistemas penitenciários, traz explicações rápidas do regime punitivo brasileiro atual. No último capítulo, são apresentadas algumas das principais polêmicas: dos efeitos negativos causados no ser humano pelo encarceramento às tendências de privatização, do absoluto desinteresse político em torno da figura do preso à discussão sobre a eficácia da prisão como instrumento de combate à violência.
Trata-se de um livro breve. O pequeno conjunto de obras que serviu de base para sua elaboração constitui um acervo de leitura recomendável para quem pretende se aprofundar, mas é apenas uma amostra do quanto já se escreveu, mais e melhor, sobre o tema.

1 Folha de S.Paulo, 21/2/2001, p. C3, "Líderes do PCC Ameaçam Novas Rebeliões".
2 Folha de S.Paulo, 2/11/2001, p. C3, "Homem Fica 16 Dias Preso por Furtar Comida".
3 O Estado de S. Paulo, 24/11/2001, p. C10, "Juiz Quer Indulto Para Presos em Fase Terminal". Jornal do Advogado (OAB/SP), novembro 2001, p. 9, "Doenças Graves e Contagiosas nas Carceragens".
4 Todas as referências a livros e documentos podem ser encontradas na Bibliografia final. Apenas artigos de periódicos e sites serão indicados nas notas de rodapé.
5 O Globo, 4/1/2002, p. 8, "Governo Vai Apurar Rebelião em Rondônia". Na véspera, a imprensa chegou a noticiar a morte de 46 detentos.
6 O Globo, 5/1/2002, p. 5, "Diretor de Presídio Já Tinha Sido Condenado".
7 Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (www.mj.gov.br/snj/depen/sipen/).
8 Folha de S.Paulo, 16/10/2001, p. C3, "Seria Necessário Construir um Presídio por Mês".
9 Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (www.mj.gov.br/sedh/dca/mse1sem2000.htm).
10 Allen J. Beck e Jennifer C. Karberg, Prison and Jail Inmates at Midyear 2000. Washington: Bureau of Justice Statistics Bulletin, U.S. Department of Justice, March 2001 (www.ojp.usdoj.gov/bjs/).
11 No Brasil, a violência sexual contra homens é definida não como estupro, mas como "atentado violento ao pudor".
12 Stop Prison Rape (www.spr.org).
13 The Sentencing Project e Human Rights Watch, Losing the Vote - the Impact of Felony Disenfranchisement Laws in the United States (www.hrw.org/reports98/vote).
14 U.S. Department of Justice, Bureau of Justice Statistics (www.ojp.usdoj.gov/bjsglance/tables/).

A Prisão - Autor: Luís Francisco Carvalho Filho - Editora: Publifolha - Páginas: 88
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

Justiça dá 48 h para Sabesp melhorar água do Guarujá

Justiça deu um prazo de 48 horas, após notificação, para que a Sabesp melhore a qualidade da água fornecida ao município do Guarujá, litoral de SP. A Folha revelou, em abril de 2007, que testes encontraram coliformes na água acima do estabelecido pelo Ministério da Saúde.

Shit happens

Na Grande SP, 'gatos' desviam 5,4 bi de litros d'água

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) identificou no ano passado 21.165 imóveis com equipamentos de medição de água fraudados na capital paulista e em outros 36 municípios da região metropolitana. O volume de água desviado chega a 5,4 bilhões de litros em um ano, suficientes para abastecer por um mês uma cidade de 1,5 milhão de habitantes.

Para encontrar os fraudadores, foram realizadas 155.569 vistorias por técnicos da Sabesp nas cidades da Grande São Paulo. Com a regularização dos "gatos", voltam a ser arrecadados R$ 26,1 milhões por ano. O consumo irregular não faz distinção social. Tanto moradores de regiões da periferia quanto de bairros nobres - como Higienópolis, Jardins e Campo Belo - fraudam equipamentos de medição. "Temos casos de estabelecimentos famosos nos Jardins, como restaurantes, que adulteram os hidrômetros", afirmou o gerente da Unidade de Negócios Centro da Sabesp, José Antonio Soares de Oliveira.

No ano passado, após vistoria, um famoso restaurante em Moema, que violava o hidrômetro, teve de pagar R$ 70 mil à Sabesp. Um edifício de luxo no mesmo bairro da zona sul também fez uma ligação clandestina. Quando a fraude foi descoberta, o condomínio pagou o que devia: R$ 87 mil. Normalmente estabelecimentos de áreas nobres deixam a água passar por um tempo e depois voltam o hidrômetro ao normal para driblar os fiscais, segundo a Sabesp.

Quando os técnicos detectam a fraude, a pessoa recebe um auto de intimação e tem cinco dias para regularizar a situação. Um sistema calcula quanta água deixou de ser paga. Não há cobrança de multa.

Friday, January 16, 2009

Fincher faz ensaio sobre perdas da vida

Envelhecer e parecer cada vez mais jovem, se possível com a aparência de Brad Pitt. Esta obsessão contemporânea acaba de acontecer como milagre, claro que graças aos poderes de Hollywood. Com este ponto de partida O Estranho Caso de Benjamin Button deve arrastar multidões aos cinemas, mas o que elas encontrarão nem sempre se resume à satisfação de seus desejos.

O filme, dirigido pelo craque David Fincher, toma por base um conto de Francis Scott Fitzgerald, cuja ideia fantástica ganha corpo em imagens ricas das possibilidades digitais, que permitem a Pitt desempenhar várias fases da vida, com exceção da velhice invertida, quando é substituído em cena por um garoto e um bebê.

Com um roteiro assinado por Eric Roth (vencedor do Oscar em 94 por Forrest Gump) e produção da dupla Kathleen Kennedy e Frank Marshall, que estiveram por trás dos maiores sucessos da trupe de Spielberg, O Estranho Caso de Benjamin Button confunde-se um pouco com as fábulas históricas contadas por Robert Zemeckis tanto nos filmes da série De Volta para o Futuro como em Forrest Gump.


Nas mãos de David Fincher, cineasta mais interessado em aventuras mentais (vide Se7en e Zodíaco) que em físicas, o destino às avessas do personagem ganha mais o sentido de parábola, de um relato alegórico pronto para nos dar lições.

O espetáculo das transformações está, claro, presente o tempo todo, fazendo-nos rir e emocionar com as dificuldades pelas quais passa o velhinho peralta quando se depara com os primeiros passos de bengala, o vigor sexual inesperado na primeira transa e tantas outras situações de ruptura de expectativas que fazem a delícia do longa.

Sob tais jogos, no entanto, é para a própria vida, no sentido de um ciclo que desenha o movimento de início, meio e fim no tempo, que o filme chama nossa atenção. E a inversão física de Brad Pitt em cena ilumina ainda mais tal percurso, fazendo-nos enxergar algo que queremos esquecer: que a seta do tempo nos orienta para a morte, e que os sinais de decrepitude podem significar outra coisa que o avesso do vigor da juventude (sobre a imagem do cartaz o diretor conta: "Eu o fiz pensando que ela mostra o quão equivocada é a ideia de que a juventude é consumida quando somos jovens").

O modo de o filme escapar do território exclusivo da fantasia é a contraposição de duas histórias, uma do próprio Benjamin, e outra de Daisy, uma idosa em estado terminal numa cama de hospital. A existência invertida dele é interceptada e narrada por ela, ainda sobrevivente, mas já no fim do próprio ciclo. É esta perspectiva terminal, portanto, que o filme nos oferece para vermos mais de perto o "espetáculo" do rejuvenescimento cuja conclusão todos já sabemos.
E mesmo que diante das aparições cada vez mais luminosas da beleza juvenil de Pitt a personagem de Daisy, ao envelhecer, exclame "Você está tão perfeito!", o contraste só se intensifica com a progressão do filme, insistindo que a grande ambição de David Fincher foi fazer um filme sobre o tempo, sobre as mudanças, certamente, mas, sobretudo, sobre o que se vai e o que se perde com sua passagem.

Cássio Starling Carlos - Crítico da Folha 

Wednesday, January 14, 2009

PREFÁCIO

Eu nunca pensei muito sobre como eu iria morrer - achei que eu tinha motivos suficientes nos últimos meses - mas mesmo que eu não tivesse, eu não iria imaginar assim.

Eu encarei sem respirar através do longo aposento, dentro dos olhos escuros do caçador, e ele olhou agradavelmente de volta pra mim.

Com certeza essa foi uma boa forma de morrer, no lugar de outra pessoa, outra pessoa que eu amava.

Nobre, até. Que deve ser levado em conta pra alguma coisa.

Eu sabia que se eu nunca fosse para Forks, eu não estaria encarando a morte agora. Mas, aterrorizada como eu estava, eu não podia me fazer lamentar a decisão.


STEPHENIE MEYER - Crepúsculo (Twilight) - Primeiro livro da série.

Monday, January 12, 2009



Thanks to inguinoranssa.wordpress.com

Saturday, January 10, 2009

50 Ways to Leave Your Lover

words & music by Paul Simon

The problem is all inside your head, she said to me
The answer is easy if you take it logically
I'd like to help you in your struggle to be free
There must be fifty ways to leave your lover

She said it's really not my habit to intrude
Furthermore, I hope my meaning won't be lost or misconstrued
But I'll repeat myself at the risk of being crude
There must be fifty ways to leave your lover
Fifty ways to leave your lover

Just slip out the back, Jack
Make a new plan, Stan
You don't need to be coy, Roy
Just listen to me
Hop on the bus, Gus
You don't need to discuss much
Just drop off the key, Lee
And get yourself free

She said it grieves me so to see you in such pain
I wish there was something I could do to make you smile again
I said: I appreciate that and would you please explain
About the fifty ways

She said why don't we both just sleep on it tonight
And I believe in the morning you'll begin to see the light
And then she kissed me and I realized she probably was right
There must be fifty ways to leave your lover
Fifty ways to leave your lover

Just slip out the back, Jack
Make a new plan, Stan
You don't need to be coy, Roy
Just listen to me
Hop on the bus, Gus
You don't need to discuss much
Just drop off the key, Lee
And get yourself free


"Ingênua, sim. Burra, não" - Entrevista Susana Vieira

Uma das atrizes mais bem pagas do país conta como o marido, Marcelo Silva, que morreu de overdose há um mês, a traiu, roubou e até a filmou nua para chantagear

A atriz Susana Vieira, de 66 anos, casou-se três vezes e teve muitos relacionamentos. Nenhum deles foi tão traumático e expôs tanto sua intimidade quanto o último, com o ex-policial militar Marcelo Silva, que, aos 38 anos, sucumbiu a uma overdose de cocaína em dezembro passado. Bonita, sorridente e com 5 quilos a menos, Susana relata as cenas repugnantes a que foi submetida nos capítulos finais do seu casamento. A atriz conta que o ex-PM lhe surrupiou joias, dinheiro, eletrodomésticos e pretendia chantageá-la. Refeita de golpes na vida real que nem os mais criativos autores de novela foram capazes de imaginar, Susana diz que já conseguiu superar o escândalo e está pronta para amar de novo.

Sandra Brasil / Ernani d’Almeida - Veja

Seu marido, Marcelo Silva, foi preso e expulso da Polícia Militar do Rio por se drogar e espancar uma prostituta em um motel. Depois, a senhora descobriu que ele mantinha uma amante. Em seguida, Marcelo morreu de overdose ao lado dela. Qual foi o pior desses momentos?

Nunca vivi nada comparável ao primeiro grande baque, que foi o episódio do motel. Mas também nada se compara à nossa separação e à morte dele. Nem (a autora de novelas) Glória Perez seria capaz de escrever uma história como essa. Depois do escândalo do motel, perdoei o Marcelo porque jamais imaginei que ele aprontaria de novo. Mas nem o Marcelo nem aquela amante dele (a nutricionista Fernanda Cunha) eram inocentes. Só peço que não escreva o nome dessa mulher junto do de Susana Vieira, que é a vítima.

Muita gente apostou que o seu casamento terminaria depois do episódio do motel.

Eu chorava de saudade do Marcelo. Era uma mulher apaixonada. Ele era sedutor, me amava e a gente transava bem. Aliás, só soube agora que pessoas com deformidade da mente, como ele, transam muitíssimo bem. Não me nego ao amor e estou cheia dessa história de que mulher de 60 anos tem de namorar homem de 70. Sou uma estrela. Não estou nem aí para preconceitos.

As traições de Marcelo têm relação com o fato de que ele tinha quase trinta anos menos que a senhora?

Só diz isso quem se sente no direito de me julgar. Apareceram até uns psicanalistas para falar do caso da Susana Vieira, a sessentona que se casou com um jovem de 35 anos. Eles diziam que eu estava com um garoto. Por favor, quem tem 35 anos não é jovem nem garoto. Jovem é o Cauã Reymond (de 28 anos). Mais velho do que ele já é senhor. Sei o que estou dizendo. Antes de casar com o Marcelo, passei dezessete anos com o Carson Gardeazabal. Quando nós começamos, ele tinha 24 anos e eu, 43. E quer saber? Sou mais jovem em curiosidade, energia e disposição do que o Marcelo e o Carson juntos. Não fico procurando garotão em porta de universidade, mas não tenho culpa se sou desejada por jovens.

Por que a senhora resolveu se casar com Marcelo em vez de apenas namorar com ele?

Foi Marcelo quem quis casar. Pensei: por que não? Por que não me casar de noiva? Não é pecado nem crime. Eu estava apaixonada e não devia nada a ninguém. O problema era que ele tinha 35 anos e era policial militar. Aliás, o preconceito por ele ser PM era pior do que o da diferença de idade. Dias antes do casamento, soube que ele era dependente químico. Lidar com isso, com um adicto, foi uma novidade a mais para mim. Eu acreditei na reabilitação dele.

A senhora já superou a traição, a separação e a morte de Marcelo?

Foi difícil. Não chorei nem gritei, mas entrei em estado de choque. Fui parar no consultório da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (autora do livro Mentes Perigosas: o Psicopata Mora ao Lado). Precisei de quatro sessões para me recuperar das revelações que a amante dele me fez ao telefone. O stress a que ela me submeteu equivale ao de um sequestro. Perto dessa mulher, a Flora (vilã de A Favorita) é boazinha. As coisas que ouvi dela eram de uma crueldade que nenhuma novela jamais mostrou. Falou até das posições preferidas na cama – tanto as deles quanto as nossas.

A senhora trouxe a mãe de Marcelo, Regina, do subúrbio para a Barra da Tijuca. O que será dela agora?

Minha querida, ela herdou do filho uma conta bancária muito boa, fruto dos desvios de dinheiro da reforma da minha casa. Levou um Polo, que passei para o nome do Marcelo porque ele recebeu mais de 20 000 reais em multas. Além disso, a mãe dele ficou com seis malas de roupas masculinas, 47 pares de tênis e relógios. Tudo de grife. Marcelo roubou minha alma, meu sentimento e muito mais. Pedia que colocassem 2 000 reais a mais em notas de material de construção para embolsar a diferença.

Marcelo a roubou?

Tirou joias, perfume importado e até um aparelho de micro-ondas que ainda estava na caixa. Marcelo pôs a culpa no caseiro. Depois, eu soube pela amante dele que o Marcelo levou o micro-ondas para esquentar comida no flat dela. Quando as joias sumiam, ele também culpava os empregados. Eu não acreditava. Achava que tinha perdido. Ele as tinha dado de presente a ela. A mulher ficou até com meu BlackBerry. Ela me contou que ia escondida aos restaurantes, ensaios de escolas de samba e outros lugares em que estávamos juntos. Eles se encontravam nos banheiros. Transaram na minha casa em Búzios enquanto eu estava na praia. E foi na minha cama.

O que mais a amante de Marcelo lhe contou?

Que ele desviou dinheiro da obra da minha casa. Era para custar 110 000 reais. Saiu pelo dobro. Se ele me dizia que um tijolo custava 12 reais, não checava. Ela sabia de tudo, até de quanto faltava para pagar o telhado. Só soube desses absurdos depois que o Marcelo morreu. Os empregados não diziam nada porque ele os ameaçava. Dizia assim: "Antes de falar alguma coisa para a Susana, lembra que sou polícia. Você some". Sabia que ele pediu à revendedora da Honda que emitisse uma nota superfaturada? Fez a mesma coisa na Volkswagen quando comprei o Polo. Felizmente, ninguém aceitou. Aquela mulher me contou que o Marcelo fez até um filme das nossas transas. Mas eu nunca achei a gravação. Se for verdade, espero que nunca apareça. Mas achei outra, a do chuveiro, no dia em que meu cofre foi arrombado.

Que filme é esse? Quem arrombou seu cofre?

Marcelo. Ele se escondeu atrás da porta do banheiro para me filmar tomando banho de touca na cabeça. Ainda por cima, fazia close das minhas partes íntimas enquanto eu me lavava. Ele ia usar o filme para me chantagear. Isso eu soube pelo pessoal da praia. O cara de uma barraca contou para minha sobrinha que o Marcelo ia cobrar 500 000 reais para me dar a gravação. Achei esse filme quando meu cofre foi arrombado.

Como foi isso?

Um dia depois que a amante dele me telefonou, encontrei meu quarto revirado com o cofre aberto. Nunca dei o segredo ao Marcelo, mas, do mesmo jeito que me filmou escondido, ele me viu abrindo o cofre e decorou o número. Sumiram meus dólares, euros, reais e as joias. Resolvi esconder a moto antes que o Marcelo a levasse também. Aí, descobri no bolso da jaqueta de couro dele o filme do banho e um documento importantíssimo.

Que documento?

O nosso contrato de casamento, que diz que ele não teria nenhum direito a meus bens em caso de separação. O documento estava no cofre. Meu filho, Rodrigo, disse ao Marcelo que ele havia assaltado meu cofre. Ele respondeu: "Não fui eu. Eu estava dormindo". Ou seja, ele sabia que o cofre tinha sido arrombado. Liguei para a Globo para contar do filme. Fui à Justiça pedir a separação de corpos. Falei que corria risco de vida. Os meus empregados contaram à juíza que eram ameaçados. Aí descobri que sabiam dos desvios de dinheiro. Voltei para casa com seguranças e coloquei o Marcelo para fora. Ele disse que prejudicaria a minha carreira. Era uma referência ao filme do banheiro, que, àquela altura, estava seguro dentro do meu sutiã.

O que a deixou mais magoada: ser traída em público ou guardar segredo sobre os roubos?

O pior foi a traição espiritual e calculada dele. Se ninguém me contasse, eu podia estar me enganando até agora.

Como, aos 66 anos, a senhora foi tão ingênua?

Ingênua e generosa. Ainda bem. O mundo não é feito de gente má, ladrões e assassinos? Sou boa. O nosso problema não era a diferença de idade, de nível social nem de formação. Quantas pessoas vieram do nada, viraram famosas e não roubaram? O desnível cultural pode ser suprido por outras qualidades. Namorei o jornalista Renato Machado (da Rede Globo) e casei com Carson, que fazia motocross. Não falava só de vinho e ostras com Renato e nem só de moto com Carson. O Marcelo me beijava muito. Imagina se eu não gostava? Eu, que sempre gostei de sexo, amor e carinho? Se ele me completava nesse departamento, não precisava falar de museu.

A senhora se dizia muito feliz. Essas descobertas apagaram as boas lembranças?

Posso ser ingênua, mas não sou burra. Uma traição de sete meses é uma covardia com uma pessoa famosa. Fui obrigada a ler um artigo de uma revista que me chamava de ridícula. Dizia que eu devia arrumar garotos apenas para transar, e não me casar com eles. Estou cheia de ouvir que velha tem de arrumar garotão só para transar. O que é isso? Se o cara trai, é ele o errado, não nós. Aliás, idade não existe para mim. Em primeiro lugar, sou uma estrela brasileira, como a Fernanda Montenegro e o Pelé. Não se pergunta em que ponto nós três deixamos de ser estrelas por causa da idade. Não somos sessentões, somos estrelas: Marília Gabriela, Elba Ramalho, todo mundo que chegou lá... Em segundo lugar, minha vida não é pautada por encontrar homem. Sempre gostarei de alguém, sempre beijarei e transarei. A gente tem o direito de amar quem quiser. Quem é que não gosta de homem bonito? Homem velho tem ex-mulher que vai encher a paciência e filho que vai chatear. Envelhecer deve ser horrível, mas, como não envelheço, estou ótima.

Podemos concluir que a senhora poderá aparecer em breve de namorado novo?

Podem, sim. Mas não agora. Acabei de sair de um redemoinho. Mesmo assim, já rolou paquera. Estou viva e aberta para tudo, mas ninguém nunca mais toca no meu dinheiro.

Seus colegas a classificam como competitiva e temperamental. Como eles reagiram ao seu drama?

Da melhor forma possível. A ligação mais importante que recebi e que me fez chorar foi a da (atriz) Renata Sorrah, justamente alguém que a imprensa diz ser minha desafeta. Nunca tivemos um ai. Sempre contracenamos, ela como má e eu como boa. Mas Renata estava tão sentida quanto eu. Não crio caso com ninguém. Estou na elite porque sou excelente profissional. Acha que eu seria tão respeitada na Globo se eu fosse esse mau elemento que pintam? Agora, quando contraceno com ator relapso e medíocre, chamo sua atenção, sim, e digo que lugar de estudar texto é em casa. A Carolina Dieckmann trabalha como eu. Aliás, o meu melhor trabalho foi com ela e a Renata Sorrah em Senhora do Destino.

O casamento com Marcelo será um trauma que atrapalhará seus relacionamentos futuros?

Deus me livre de trauma, filhinha. Não tenho trauma nem de pai, nem de mãe, muito menos de ex-marido, ex-bandido. Só quero esquecer que conheci Marcelo Silva. Enquanto o Marcelo estava vivo, fiquei trancada em casa com medo do que ele pudesse fazer comigo. A partir do momento em que, infelizmente, morreu, estou livre. Já sofri. Emagreci 5 quilos de nojo do que ele e a amante fizeram. Só tive pena uma vez: quando vi pela televisão o corpo dele no chão da garagem. Fora isso, só tive raiva, raiva e raiva.



Uma atriz à altura de seu personagem.

Friday, January 09, 2009

Anoche soñé contigo

Anoche soñé contigo y no estaba durmiendo
Todo lo contrario, estaba bien despierto
Soñé que no hacía falta hacer ningún esfuerzo
Para que te entregaras y en ti, yo estaba inmerso…

Qué lindo que es soñar! Soñar no cuesta nada.
Soñar y nada más… Con los ojos abiertos.
Qué lindo que es soñar! Y no te cuesta nada más que tiempo…

¿Qué hacer con tanta angustia, por cosas no resueltas…
Con toda esta energía, casi siempre mal puesta?
Si pudiera olvidarme por siempre de mí mismo,
Habrías de encontrarme allí en tu dulce abismo.

Qué lindo que es soñar! Soñar no cuesta nada.
Soñar y nada más… Con los ojos abiertos.
Qué lindo que es soñar! Y no te cuesta nada más que tiempo…

Coros: The Nada - Batería: Enrique ‘Zurdo’ Roizner - Bajo: Juan Alvarez - Eléctricas: Sebastián ‘Cheba’ Massolo - Guitarras y voces: Kevin Johansen.
Invitados: Judith Farrés y Albert Plá : Coros - Minino Garay: Cajón y Voz -
Mariano Massolo: Armónica.

Thursday, January 08, 2009

Wednesday, January 07, 2009

E este ano, que não acaba? Faltam 34 dias úteis pro Carnaval!
Aliás, já tem um bloco no Rio chamado FILHOS DE BAMBI. É a versão gay de Filhos de Gandhy. Com Barack OBAMBI e Mahatma BAMBI

José Simão - Ilustrada

Monday, January 05, 2009

Sunday, January 04, 2009

A camisa do homem feliz

Gravemente enfermo caíra prostrado numa cama o poderoso sultão Abou-Malek.

De todas as partes vieram remédios, sábios e curandeiros; fizeram-se preces públicas; prometeram-se honras e fortunas a quem o salvasse.

Apareceu um dia no palácio uma velhinha, declarando que o sultão só se restabeleceria se vestisse a camisa de um homem feliz.

Imediatamente partiram mensageiros a procurar. Principiando pela capital do reino, seguiram, então, pelas pequenas cidades e aldeias, passaram por todas as vilas, esquadrinharam todos os lugares.

Em parte alguma encontraram um só homem feliz, e por isso, inteiramente desanimados, iniciaram o regresso para a capital.

Uma tarde, passando por uma vasta campina, encontraram um pastor sentado à sombra de uma árvore.

Um deles lembrou-se de lhe dirigir a palavra:

— Vejo-o sentado aí, tão a seu gosto, que sou capaz de apostar que você é feliz.

— E se o senhor apostasse, ganharia pela certa, respondeu o pastor.

— Como? tornou o outro admirado. Então, você nada ambiciona? Nada quer?

— Nada.

— Não desejaria ser rico? Ser nobre? Viver num palácio? Morar na corte?

— Nada disso! e sorriu.

— Então há de me fazer um favor: preciso muito da sua camisa.

— Ah! isso é coisa que lhe não posso dar.

— Pois compro-a.

— Também não posso vender.

— Será, então, à força..., disse o mensageiro.

E ele e os outros, atiraram-se sobre o pastor e lhe arrancaram o paletó.

E foi aí que viram que o homem feliz... não tinha camisa.

Pimentel, Figueiredo - Histórias da Baratinha. Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1994, p.95-97


Fernando Carvalhaes
Quinta-feira, Agosto 24, 2006


Fernando Carvalhaes era músico, cantor, medievalista e professor de canto. Formou um grupo dedicado à música medieval, o Talea. A primeira vez que vi o Fernando cantar foi numa apresentação do Talea, lá por 93 ou 94... em Niterói. Lembro bem a forma genial como ele explorava a oralidade da música de trouveres e troubaours, mesclando declamação em português com o canto em provençal ou francês antigo. Na época eu já estava bastante envolvido com a música antiga mas aquilo era bem diferente do que eu estava acostumado a ver, não havia aquela pretensão, que hoje eu percebo ser absurda, de fazer uma música “autêntica”, igualzinho ao que tinham feito a setecentos anos atrás. O som do Fernando era contemporâneo e completamente informado sobre as origens da música que eles estavam interpretando.

Quando vim morar em Campinas, em 97, resolvi que era a hora de estudar canto com ele. Fernando Carvalhaes me mostrou como ninguém que cantar é um ato que envolve todo o corpo. Canta-se de forma integral, percebe-se cada movimento involuntário que dispersa a energia, busca-se ficar só com os movimentos necessários ao canto. O envolvimento dele com a técnica de Alexander era muito grande e parte fundamental da sua forma de ver o canto. Era como se precisássemos apenas aprender a “não fazer” todas os movimentos desnecessários que fazemos desde sempre. Depois era só cantar. Cantar de forma natural. É incrível pensar que um cantor fantástico como ele foi, e uma pessoa com toda esta percepção corporal sofresse a anos de uma doença rara que o enfraquecia e limitava bastante os seus movimentos.

Depois de um período de quase dois anos de um aprendizado intenso, apesar de não ser freqüente – as aulas eram a cada duas ou três semanas – precisei interrompê-las por questões pessoais. Ainda assim a informação daqueles quase dois anos continuou produzindo os seus efeitos contínuos por muito tempo. A maneira como encaro o canto e qualquer outra atividade corporal, seja andar de bicicleta ou lavar a louça, vem diretamente das conversas e aulas às vezes enigmáticas do Fernando.

Hoje, com a notícia de sua morte, não fiquei triste. Mas senti vontade de lembrar um pouco desse cara fantástico, que lembra bastante o Taliesin, o Merlin da forma como este personagem foi retratado em As Brumas de Avalon. Alguém dotado de uma grande capacidade, mas ao mesmo tempo preso a uma grande limitação física, para que sempre se lembrasse de o seu dom não era frívolo ou leviano, era mágico. E pensando bem mesmo, o Fernando foi mesmo um Mago.

Fábio Vianna Peres



Rindo de si mesmo

O ator Nando Bolognesi, 40, descobriu no palhaço uma forma de lidar com as limitações trazidas pela esclerose múltipla, diagnosticada aos 20 anos

Um ator pode interpretar vários personagens, mas só um palhaço. Isso porque o palhaço é uma caricatura do próprio intérprete. Para construí-lo, é preciso colocar uma lupa sobre as próprias falhas, inaptidões e pudores. Exacerbá-los, aceitá-los e expô-los ao público.
"Ser palhaço é ter talento para seus fracassos." É assim que Nando Bolognesi, 40, define a sua profissão. Da faculdade de economia, ele passou a estudar artes dramáticas, chegou ao palco como Comendador Nelson e acabou na área da saúde -foi integrante dos Doutores da Alegria por quatro anos e hoje desenvolve um projeto em hospitais psiquiátricos. Mas talvez o principal paciente do Comendador tenha sido ele próprio - o ator tem esclerose múltipla.
O problema surgiu em 1988, quando Nando, aos 20 anos, viajava pela Europa. No tempo livre, dedicava-se a uma paixão: o futebol. Destacava-se no campo, mas, um dia, viu que, às vezes, a perna não obedecia.
Pouco depois, percebeu que a sua letra estava estranha. Até que, certa manhã, não conseguiu apertar a válvula do desodorante. Assustado, voltou ao Brasil, onde foi diagnosticado.
A esclerose múltipla ocorre quando o sistema imunológico passa a atacar as células nervosas, levando à perda parcial dos movimentos e dos sentidos.
No caso de Nando, a doença era do tipo surto-remissão - após o tratamento de uma fase aguda, o organismo recuperava as habilidades atingidas. Mas os surtos deixavam sequelas, principalmente nas pernas.
Foi assim que o rapaz atlético deixou de ser o capitão do time de futebol para se tornar o último a ser escolhido. Os amigos, solidários, ainda o chamavam para as partidas. Mas ele acabava ficando de escanteio. "Eu não concebia a possibilidade de não jogar. Corria, remava, adorava esportes. É algo muito difícil de aceitar", lembra.
Vieram o luto, a terapia, a meditação transcendental. E, aos poucos, veio também o Comendador Nelson. "Comecei a ter que vivenciar o "perdedor". Mas era uma coisa amarga. Não era uma opção, como no palhaço. Era a minha vida."
E Nando reprimiu a doença. Tudo bem expor ao público sua leve tendência à rabugice e à nostalgia. Mas as limitações físicas ficavam camufladas. Assim, quando participava dos Doutores da Alegria, grupo de palhaços que visita crianças internadas, caminhava por horas pelos corredores dos hospitais, apesar da fraqueza nas pernas. Quando passou a integrar o espetáculo Jogando no Quintal, uma espécie de duelo entre palhaços, esforçava-se para encarar as duas horas de aquecimento mais duas de show.
Ao perceber que o cansaço era demais, consultou a equipe: será que o Comendador Nelson poderia usar uma bengala no palco? A resposta foi sim. "Assumi que o meu ritmo era outro. Eu lutava contra isso, tentava pular e correr como os outros. Até eu sacar que, quanto mais eu assumisse a minha condição, mais verdadeiro seria. Todo mundo está sempre procurando onde está a singularidade do seu palhaço. Pensei: está na minha cara. Parece óbvio, mas, para mim, não era."
Há cerca de três anos, Nando incorporou a bengala também no seu dia-a-dia.

Novo tratamento

A aceitação não significa conformismo, ele frisa. "Quero continuar buscando superar os limites que a esclerose coloca", afirma. Há cerca de cinco anos, esses limites aumentaram. A doença evoluiu de surto-remissão para progressiva secundária, ou seja, mesmo fora do período de surto, a doença progride lentamente.
Para combater a doença, Nando se submeterá, em janeiro, a um novo tratamento que une quimioterapia com transplante de células-tronco. No procedimento, o paciente recebe quimioterápicos, que inibem a produção das células imunológicas na medula óssea, e um soro, que "desliga" o mecanismo de combate ao sistema nervoso. Depois, células-tronco retiradas previamente de seu próprio corpo são implantadas e reativam a medula.
O método consegue estagnar a doença em grande parte dos casos e, em alguns, pode levar à recuperação de movimentos. Um estudo feito pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e pelo hospital Albert Einstein mostrou que o tratamento freou o avanço do mal em 28 de 41 pacientes.
Quando Nando sair do hospital, o Comendador Nelson poderá voltar a seus outros pacientes. Com alguns amigos, ele montou o projeto Fantásticos Frenéticos, que faz visitas semanais ao hospital-dia do Instituto A Casa, em São Paulo, que propõe ser uma alternativa ao tratamento manicomial.
A idéia da loucura atraía Nando desde a adolescência, quando ele acompanhava de seu quarto o movimento de um hospital psiquiátrico - anos depois, ele entraria nesse hospital para interpretar um interno, no filme Bicho de Sete Cabeças (2001), de Laís Bodanzky.
No Instituto A Casa, o trabalho é outro - a base é a interação do palhaço com os pacientes. Uma troca, na qual o Comendador também recebe cuidados. "Eu estava subindo uma escada e um paciente me segurou: "Não vai cair, hein, Comendador?" Veja só: ele era um homem que a sociedade considera incompetente. De repente, chega alguém ainda mais frágil, e ele tem a oportunidade de me amparar. Desconfio que esse é o poder do palhaço. Em uma sociedade tão competitiva, que cobra o tempo todo soluções, respostas, efetividade, ele é o oposto disso. É um alívio."

Amarílis Lage - Da Reportagem Local - FSP