Friday, February 27, 2009

João Gilberto: uma aventura na Itália

No verão de 1985, a fina flor da música brasileira estava de volta a Roma. Gal Costa, Jorge Ben e João Gilberto se apresentariam, em dias diferentes, num grande festival de música à beira do Rio Tevere. No dia do show de João, no fim da tarde, Gal me telefonou: "João Gilberto não vai fazer o show, sabia?", disse a voz inconfundível. Eu sabia. João tinha me telefonado pouco antes, "da casa de um amigo", para dizer que não ia cantar à noite. Tinha saído do hotel, estava escondido dos empresários italianos furiosos com o cancelamento do show, com a perda da lotação esgotada (6 mil ingressos vendidos), com as despesas da viagem de João e seu secretário Otávio Terceiro. A coisa estava feia: "Só recebemos as passagens dois dias antes... o avião parou três horas em Paris antes de ir para Roma... o ar condicionado do avião... o virus... a gripe... a garganta...", explica com voz rouca entre silêncios. João sabe que conheço alguns jornalistas e um dos empresários italianos que estão atrás dele, Sandro, o dono do bar "Manuia", casado com uma mulata brasileira. "Diga a eles que eu vim aqui para cantar. E não para não cantar. Que eu vou fazer Antibes e Montreux e depois eu volto aqui e faço o show", pediu com voz sofrida. A coisa estava feia desde o início da tarde. Como João não atendia o telefone, os empresários foram para o hotel. Com um médico. Se João estivesse mesmo com gripe, como dizia Otávio, o dottore lhe aplicaria uma injeção de efeito fulminante e ele estaria pronto para fazer o show. Foi quando João decidiu sair do hotel discretamente. Indiquei-lhe um médico, que atendia a Embaixada do Brasil, para o examinar e dar um atestado, e um advogado, para que ele pudesse sair do país. Mas pela fúria dos empresários deveria ter mandado também um guarda-costas. Os jornalistas e os empresários me ligam sem parar querendo saber de João. Digo o que ele me disse, não sei de onde. Ameaçam chamar os carabinieri. Um dos empresários, que eu não conhecia, diz que se encontrar João lhe dá um tiro. Coisa preta na Cidade Eterna. Sandro tenta em vão que Gal Costa e Jorge Ben façam um show juntos no lugar de João. No dia seguinte, devolvidos os ingressos e contabilizados os prejuízos, os ânimos estão, relativamente, mais calmos. João voltou para o hotel. Passo a tarde intermediando negociações entre ele e os italianos. Sandro quer que ele marque a nova data. Ele marca. Mas o outro empresário está furibundo e exige que João também deixe um depósito em dinheiro e pague pela publicidade. João se ofende. Diz que vai fazer o show depois de Antibes e Montreux. E parte para o Sul da França. Mas o sócio de Sandro está cuspindo fogo. Diz que tem certeza absoluta que João não vai voltar para fazer o show. E mais: que duvida até que ele faça o show em Antibes. E parte feroz para o Sul da França. Em Antibes, assiste extasiado o show perfeito de João, ovacionado pela platéia. Comovido, vai aos camarins se apresentar: nunca tinham se visto antes, se conheciam apenas por ameaças via terceiros. Abraça e beija João efusivamente. Tornam-se amigos de infância. Volta feliz para Roma certo que João fará o show na data marcada. Como de fato fez, com lotação esgotada e aplaudido de pé. Na primeira fila, o empresário truculento chorava e ria ao mesmo tempo.

Nelson Motta - http://sintoniafina.uol.com.br/cronicas.php?id=13




Wednesday, February 25, 2009

Ok, vamos encarar a questão: Olavo de Carvalho. A figura é controvertidíssima! Lembra o Paulo Francis dos momentos mais confusos e, pior, não escreve bem. É grosseiro, neurastênico, exagerado e sem humor. A Marilena Chauí falou que ele era um "filósofo de internet". Ele rebateu e disse que, então, ela era... um peido!!! Os seguidores, talvez, dão mais medo. Que confraria esquisita! Mas, meu negócio é encarar a questão. Alguns dos textos mais interessantes que li recentemente me chegaram por meio dele ou de seus admiradores. A Teoria dos Quatro Discursos do Aristóteles, por exemplo, e agora esse artigo curto, de 1977, publicado no Folhetim sobre a Flauta Mágica filmada pelo Bergman. Porra, é bom pra caramba! A parte que ele fustiga a "intelectualidade" eu teria cortado, mas chega, apesar da vergonha não vou mais esconder que tenho andado em más companhias. Chega. Nunca mais vou falar que li o Olavo no computador do quarto da empregada. Também não vou levar em conta que o Caetano deu agora pra ler o Olavo, porque o Caetano lê (e ouve) qualquer tipo de porcaria. Assumi. Seja o que Deus quiser. Vai até o site do moço que desenterrou o artigo: http://dennymarquesani.sites.uol.com.br, destaque para o lobo em pele de cordeiro de língua de fora contra o céu azul que ilustra a home.

Segredos da Flauta Mágica

Olavo de Carvalho
Folhetim nº 006, 27 de fevereiro de 1977

Toda obra de arte é um tecido de símbolos: palavras, riscos no papel, harmonias e desarmonias sonoras. Para entender um símbolo, é preciso conhecer o código – convenção, tradição ou analogia – em que se baseia. Códigos são uma coisa que ninguém nasce sabendo. São um dado cultural, que temos de aprender. Alguns deles aprendemos na escola, outros não. É o caso dos códigos e convenções simbólicas em que se funda uma obra de arte. Estes, alguém mais experimentado, fora da escola, tem de nos ensinar. Isto é ou deveria ser precisamente o trabalho da crítica: fornecer o dado de que não dispomos, ensinar a regra para que possamos jogar o jogo. No caso d’A Flauta Mágica, esse dado foi simplesmente omitido, e o público teve de jogar às escuras. A crítica preferiu tecer altas especulações estéticas sobre (isto foi título de um jornal carioca) “um Mozart bergmaniano e um Bergman mozartiano”, ao invés de explicar, simplesmente, de que se tratava. Assim, em resposta a uma crítica excessivamente especializada e gremial (cuja existência num país subdesenvolvido já é um fenômeno cultural que mereceria estudo), o público reagiu com uma espécie de pedantismo às avessas: o de gostar sem entender.

Não faltaram, inclusive, comentários de salão sobre o contraste entre a qualidade da música e a banalidade da história e do “filme enquanto filme” (nada se observando, porém, quanto ao filme enquanto lata de sardinhas ou manual de contabilidade). Na verdade, o dado omitido diz respeito precisamente à história. A Flauta Mágica não é, em hipótese alguma, tal como a entendeu um grande número de espectadores, uma proeza musical realizada sobre um conto de fadas meio água-com-açúcar: é a tradução musical e dramática de uma história altamente complexa, entremeada de uma simbologia e de uma filosofia tão estranhas aos hábitos do meio intelectual brasileiro do momento, que julgo improvável que mesmo a parcela mais intelectualizada do público tenha chegado perto de uma compreensão adequada do filme e de suas implicações culturais e éticas – sobretudo sem a ajuda da crítica.

No ano anterior ao da composição da ópera (1791), Mozart passou por uma séria crise moral e severas moléstias físicas, e esteve perto de morrer. Mas quem morreu não foi ele; foi seu amigo Ignatz von Born. Born, importante dignitário maçônico vienense, escrevera um livro, Os mistérios egípcios, que Mozart leu por essa época e que veio como uma resposta aos seus dilemas anteriores. Nele expunha-se a concepção (que não era de Born, mas de toda a maçonaria, seita a que pertenciam o próprio Mozart, e o libretista da Flauta, Emmanuel Schikaneder) a concepção da morte como símbolo de transformação, de passagem cruel mas necessária a um nível superior de espiritualidade. Impressionado pela morte de quem lhe ensinara a compreensão da morte, o mestre verteu em sua ópera toda a simbologia do livro de Born, construindo assim uma obra “hermética” no sentido literal (o de basear-se na doutrina de Hermes Trimegisto, fonte última do pensamento maçônico) e no sentido figurado – o de precisar de uma chave para abrir seus tesouros. Ao mesmo tempo, realizava um velho sonho: o de musicar uma história especificamente alemã que celebrasse a supremacia do amor e da sabedoria sobre os erras e as misérias humanas. Em sua devida perspectiva, no conto de fadas revela-se a exposição simbólica de uma doutrina integral e corrente sobre a natureza humana e suas relações com a divindade. Uma obra, portanto, que não se dirige tanto ao deleite estético dos nefelibatas de ontem e de hoje, quanto à educação e formação ética do ser humano. Num momento e num lugar onde o ser humano parece cada vez mais amesquinhado e desvalorizado, este seria o ponto que uma crítica responsável deveria ressaltar.

É evidentemente impossível resumir aqui a simbologia dessa obra gigantesca, só comparável, em alcance educativo como em complexidade simbólica, ao Fausto – semelhança que o próprio Goethe não deixou de apontar. Além de remeter o leitor interessado aos livros que cito no fim desta nota, limito-me a dar alguns exemplos mais flagrantes:

(1) Muitos espectadores se espantaram de que o príncipe Tamino, inicialmente dedicado a encontrar sua Pamina e livrá-la das garras do “cruel” Sarastro, de repente e sem motivo plausível mudasse aparentemente de objetivo e começasse a lutar para ingressar numa Irmandade. Pois é, não foi corte nem erro. Esse é precisamente um dos símbolos da doutrina maçônica exposta por Born: a busca da verdade é inicialmente confundida, na mente do homem, com a busca e libertação de uma mulher amada. Depois de sua conversa com o Orador (o sombrio sábio que ele encontra no terceiro portal do Templo – outro símbolo maçônico), o príncipe não muda de objetivo, mas passa a uma compreensão superior do seu objetivo: já não se trata de provar-se homem mediante a conquista de uma mulher, mas mediante um desafio muito maior: o de vencer-se a si mesmo.

(2) Por que a mãe de Pamina, a quem Tamino serve no começo da história é a “Rainha da Noite”, e Sarastro, a quem ele passa a obedecer depois, o representante, como ele mesmo diz, “do poder da luz solar”? Porque na astrologia, arte a que os maçons tanto se afeiçoam, a Lua, senhora da noite, simboliza o mundo vago, obscuro e indefinido da natureza de onde o homem emerge, e o Sol simboliza o ideal de ordem, plenitude e racionalidade para onde o homem se dirige. Tamino, menino assustado que foge de um dragão imaginário, começa por obedecer a Lua (símbolo, em astrologia, da unidade indiferenciada mãe-filho) e evolui até obedecer, depois imitar, depois assumir o lugar do pai, o Sol. Em termos modernos, evolui do inconsciente para o consciente, segundo a fórmula freudiana: “Onde houver Id, haverá Ego.”

(3) Por que três fadas – moças – conduzem Tamino à Lua, e três “espíritos de luz” – meninos – até Sarastro, o Sol? Porque na doutrina hermética (de Hermes Trimegisto), “assim como é em cima é embaixo”, ou seja, os vários planos da realidade – no caso, o plano da natureza e o plano do espírito – têm um certo jogo de correspondências mútuas. Assim, aos três elementais (que é como os gregos chamavam as fadas e duendes que representam o impulso natural de bondade) correspondem, no plano do espírito, outros tantos personagens simétricos e opostos. Conduzindo Tamino de um mundo a outro, os três meninos representam a prudência e a inteligência, atributos do deus Mercúrio, e desempenham ainda a outra função mercuriana: a de deus psicopompo, quer dizer, em grego “condutor de almas”, aquele que estabelece a ponte entre dois mundos opostos, tendo como objetivo último a concórdia e a paz.

(4) Por que o filósofo que freia os ímpetos heróicos de Tamino é quem o leva depois ao Templo onde, findas as provações, ele receberá finalmente a revelação da verdade? Porque a passagem do estágio lunar ao estágio solar, da infância à maturidade, do estágio natural ao estágio racional, requer a interferência de um terceiro elemento: o deus Saturno, simbolizado tradicionalmente num velho sábio eremita, e que representa o tempo, as privações, a solidão, o esforço, o mundo da verdade nua e dura como a pedra do calabouço onde Tamino, paciente, aguarda a libertação. É desta verdade, que contradiz todas as ilusões infantis e ímpetos juvenis de Tamino, que o sábio do Templo se faz porta-voz, indicando os caminhos árduos que conduzem à liberdade.

E assim por diante, numa riqueza simbólica que abrange cada detalhe (a travessia do fogo e da água, o voto de silêncio, a luta contra as tentações da covardia e da dúvida, as fases da lua que “muda de cara”, o soldado Monostatos, força cega do deus Marte, a própria flauta, evidentemente, está tudo no livro de Born, na tradição maçônica e astrológica). A essa riqueza, Bergman não cometeu o supremo ridículo de acrescentar o que quer que fosse – daí a aparente pobreza do “filme enquanto filme”.

Pode A Flauta Mágica ser compreendida de outro modo, eliminando-se o seu sentido ético e metafísico ou substituindo-o por algum encanto estético meramente auditivo e formal? Só por brincadeira, creio eu. Ou por uma ignorância que não se vexe de passar por cima da intenção expressa do compositor. Pois, como afirmou um dos mais categorizados intérpretes do pensamento do mestre de Salsburgo, “todos os mozartianos deveriam ser capazes desse movimento do espírito em direção a um plano superior (ascensus mentis). O amador que seja sensível aos outros prazeres que Mozart fornece, mas que não se abra a esta deleitação verdadeiramente mozartiana, não está sentindo o mais profundo mérito do maravilhoso iniciador”.

NOTA: Esta última frase é de A. Boschot, no livro Mozart (Paris, Plon, 1935, pág. 195). As demais informações deste artigo estão em: Edward J. Dent, Las operas de Mozart (trad. argentina, Buenos Aires, Huemil, 1965) e sobretudo no monumental La pensée de Mozart (Paris, Le Seuil, 1958). Para detalhes da simbologia astrológica, André Barbault, Del psicoanálisis a la astrologia (trad. argentina, Buenos Aires, Dédalo, 1975).

Tuesday, February 24, 2009

Duas Pérolas do Mau Humor

Mocotó em Madureira

"Agora, todos vão virar à esquerda e seguir direto até Madureira, comer um mocotó."

Na dispersão de uma das escolas que encerrava o seu desfile na Sapucaí, o comentarista da Globo repetia, pela enésima vez, o tema favorito de narradores, repórteres e agregados: o vínculo do Carnaval do Rio com a "comunidade". Pareciam instruídos a nos fazer acreditar que, sim, ainda trata-se de uma festa essencialmente popular.

Produzida nos morros. Genuína. Esqueça dinheiro do tráfico, puteiro gringo, espetáculo pra mídia. Esqueça. Viva a "comunidade". O "barracão". "Fulana é neta daquele lendário diretor da Mangueira". Viva.

Viva a Miss Brasil Mutante. Fez aulas de samba para defender suas duas escolas favoritas, explica com sotaque gaúcho.

Nada mais "comunidade" do que amar duas escolas adversárias. Algo semelhante a sair correndo do Palestra Itália para pegar o segundo tempo do outro time do coração, que joga de preto e branco no Pacaembu.

"Rola uma super troca de energia com a comunidade" gaba-se Suzana Vieira, enquanto dispara beijinhos. Fernanda Lima vai além e, desavisada, surge dando um senhor esporro em três negões da "comunidade". Ao perceber que está sendo filmada, contudo, esquece o chilique e veste aquela alegria espontânea do Carnaval, sambando e sorrindo. Moça autêntica.

O repórter, maroto, pede a Paola Oliveira: "Adianta pra gente o que a avenida toda vai ver já já". Ela adianta. E você sabe o que "a avenida toda vai ver já já". Sheron Menezes (quem?) mostra orgulhosa como entupiu as coxas de fita crepe para ter mais liberdade. Christiane Torloni é louvada pelo locutor, pois precisou ir até o barracão ensaiar sua versão de Marianne de Delacroix.

Até o barracão. Mas não deve ter sido longe. Afinal, estamos falando de "comunidade", não? Deve morar a um, dois quarteirões de lá. No máximo.

E não pense que só celebridades transpiram esse maravilhoso espírito. Um mestre-sala, ao exibir as 9.000 luzes de sua fantasia como faria o pior novo-rico, agradece a quem? À "comunidade". Quando a câmera mergulha entre alas de anônimos, eles se estapeiam para aparecer - felizes, felizes - na TV. Talvez, assim, a "comunidade" aqui da firma morra de inveja.

Não, não há como não se emocionar. É mesmo uma festa mágica. Pena ainda não haver pay-per-view 24 horas para podermos, neste exato instante, assistir direto de Madureira à comunidade inteira batendo um mocotó.

Ou você tem alguma dúvida de que estão todos lá?

Gustavo Piqueira é autor do fictício Marlon Brando Vida e Obra (WMF / Martins Fontes), entre outros livros.

Hollywood: uma autópsia

Oscar: Vocês conhecem o jogo. Um filme vence, quatro filmes perdem. Aconteceu neste ano: Quem Quer Ser um Milionário? levou a estatueta dourada. Mas houve uma derrota suplementar: a derrota do cinema como arte revolucionária e vital, e não falo apenas do filme de Danny Boyle.

Segundo dizem, os cinco indicados ao Oscar de melhor filme representam a excelência que a indústria produziu em 2008. Eu assisti aos cinco, em cinco dias seguidos, para escrever texto crítico a respeito. Puro desperdício. Se o melhor do cinema anglo-americano está em O Curioso Caso de Benjamin Button, Milk - A Voz da Igualdade, Frost / Nixon, Quem Quer Ser um Milionário? e O Leitor, por favor, preparem a tumba.

Exagero? Antes fosse. Primeiro que tudo, digo em minha defesa: nunca embarquei no desprezo tipicamente terceiro-mundista de olhar para Hollywood com escárnio. Longe disso: o cinema nasceu na Europa mas foi nos Estados Unidos que ele se ergueu como arte distinta, muitas vezes servida por diretores europeus.

E quando me falam nas "teorias de autor", que alegadamente se opõem ao reles comercialismo americano, lembro sempre que o conceito de "autor" é indissociável de Hollywood: de nomes como John Ford ou Howard Hawks, que os intelectuais de Paris teorizaram e, ironia das ironias, importaram de volta para os Estados Unidos.

Scorsese não existiria sem a influência da nouvelle vague. Mas a nouvelle vague não existiria sem o patrimônio fílmico que Hollywood produziu na primeira metade do século 20 e que se ofereceu à geração dos "Cahiers du Cinéma" como laboratório de estudo e subversão.

Tudo isso me parece agora distante e até deslocado. Os cinco filmes indicados ao Oscar são prova do cansaço e da estagnação que Hollywood vem denunciando há vários anos.

Claro que nem todos os filmes são comparáveis. Quem Quer Ser um Milionário?, apesar da vitória, é provavelmente o pior de todos: uma história ridiculamente sentimental sobre um indiano das favelas que, em gesto de amor, vai a concurso televisivo para ganhar fortuna redentora. O problema não está na natureza fantasiosa da história: se assim fosse, seria preciso desqualificar uma parte importante do patrimônio cinematográfico, de Georges Méliès a Tim Burton. O problema está na histeria visual de Danny Boyle, que constrói uma narrativa sem uma única ideia de cinema a servi-la. O caso não é novo: Trainspotting - Sem Limites já anunciava ao mundo que, para Danny Boyle, o cinema é indistinguível de um videoclipe.

Exatamente o contrário do que sucede com O Curioso Caso de Benjamin Button.

O filme, inspirado vagamente em conto prodigioso de Scott Fitzgerald, pretende oferecer-se como meditação sobre a irreversibilidade do tempo. Mas o que existia de excesso em Danny Boyle é agora ruminação sem sentido em Fincher: o seu Benjamin não é apenas desprovido de propósito; todo o filme, em sua autocomplacência visual, parece acompanhar o vazio da personagem. Não se trata de um mau filme. Trata-se de um não-filme.

Mas a verdadeira desgraça de Hollywood talvez não esteja em Quem Quer Ser um Milionário? ou O Curioso Caso de Benjamin Button: obras falhadas fazem parte de qualquer atividade artística, certo? A desgraça maior talvez esteja em Milk - A Voz da Igualdade, Frost / Nixon e O Leitor, três filmes medianos, e medianos por seu academismo vulgar.

Milk começa por surpreender exatamente por isso: Gus van Sant tem obras estimáveis no início da carreira, como Drugstore Cowboy. Em Milk, biopic sobre o primeiro político assumidamente homossexual a ser eleito para cargo público, Gus van Sant não consegue se distanciar do panfleto gay e de seus clichês ideológicos. Essa preguiça programática é ainda amplificada pelo convencionalismo formal que Gus van Sant imprime a Milk.

Restam Frost / Nixon e O Leitor, que talvez se salvassem do dilúvio se Ron Howard ou Stephen Daldry fossem, no verdadeiro sentido da palavra, "autores". Não são.

Frost / Nixon denuncia as suas origens teatrais, e denuncia da pior forma possível: ao tornar desnecessariamente caricatural o que apenas os palcos eram capazes de suportar. A composição de Frank Langella como Nixon prova-o de forma clara e, para mim, dolorosa.

O Leitor apenas prolonga a trivialidade de Frost / Nixon: o poderoso livro de Bernhard Schlink sobre a relação amorosa entre uma antiga guarda nazista e um jovem estudante na Alemanha do pós-guerra não passa de uma composição desinspirada e televisiva. Disse "televisiva"? Corrijo. O Oscar deste ano confirma, pelo contrário, que a moderna ficção televisiva substituiu há muito, em inventividade e desafio, o papel visual e narrativo que o cinema teve durante um século.

João Pereira Coutinho - Folha

Monday, February 23, 2009

Que viado!

Dublador de Sean Penn se recusa a dar voz a papel gay do ator no filme Milk

O dublador de Sean Penn no Brasil se recusou a fazer a voz do ator na versão nacional de Milk - A Voz da Igualdade, filme que estreou na última sexta no país. Penn interpreta Harvey Milk (1930-1978), ativista gay e primeiro homossexual a ser eleito para um cargo político nos EUA.
Marco Ribeiro, que fez a voz de Penn nas versões dubladas de 21 Gramas (2003) e A Grande Ilusão (2006), disse à Folha que não quis dublar o personagem gay. "Não me sentia à vontade para fazer o filme", afirmou Ribeiro, 38, que é também pastor evangélico. "Não tive vontade porque tenho a voz envolvida com outras questões, assim como não faço determinados comerciais."

"Primeiro ele aceitou, depois viu o que era o filme e achou melhor não fazer para não ter aborrecimento. Pediu-me mil desculpas, expôs os pontos de vista dele", conta Marlene Costa, 55, diretora de dublagem de Milk, que substituiu Ribeiro pelo ator Alexandre Moreno. "Não é que [Ribeiro] tenha algo contra homossexuais, é que as pessoas ao seu redor confundem sua profissão de ator com o lado religioso", afirma.

Segundo Costa, Ribeiro sofreu acusações e ataques de evangélicos por papéis violentos que interpretou. "Ele não teve sossego, e desta vez as pessoas não entenderiam."

Questionado pela Folha, Ribeiro disse por e-mail: "Não tenho preconceito de nenhuma espécie, até porque preconceito vai contra os princípios do evangelho pregado por Jesus Cristo, evangelho este no qual creio e [o qual] proclamo, que diz que não devemos julgar para não sermos julgados".

No site da Assembleia de Deus Ministério Kairos, templo no Rio do qual é presidente, Ribeiro fala em " 'famílias modernas' em que não há a figura do pai ou da mãe, ou em que essas figuras são substituídas por casais do mesmo sexo... isto não é modernidade, e sim uma distorção do que Deus disse sobre o que deveria ser a família".

Em quase 26 anos de carreira, Ribeiro já dublou Rafael, do desenho Tartarugas Ninja, Charada, o vilão de Jim Carrey em Batman Eternamente, e o personagem-título de Mike Myers em Austin Powers e o Homem do Membro de Ouro.

Silas Martí - Folha de São Paulo

Saturday, February 21, 2009





Rebola Bola
(Aloysio de Oliveira, Nestor Amaral e Brant Horta)

Rebola, bola vou mostrar como é que é
Um batuque rebolado da cabeça até o pé

Rebola, bola prende a pata no botão
Rebola a bola morena que eu te dou meu coração

Eu vi um papo empapar na empapadela
Outro papo empapuçado de uma papa de fubá
E o papo pipo a papar papa amarela
No papo do papo em papo que papou lá no Amapá

E quando eu disse ao papá que o papo empapa
Meu papá teve um desmaio porque o papo era papão
E eu fiquei trocando um papo numa estaca
Quando escuto o papagaio vir dizer papa pagão

Rebola, bola vou mostrar como é que é
Um batuque rebolado da cabeça até o pé, pé, pé

Rebola, bola prende a pata no botão
Rebola a bola morena que eu te dou meu coração

E eu não quis foi mais saber de ver um papo
Que de papo numa pipa na papada se empapou
E é por isso que os meus olhos logo eu tapo
Quando eu vejo um tico-tico, o papa pai e o papa avô

E que se cubra um capeta de uma capa
Que se atrepe na garupa do capeta capataz
Prá que ninguém possa ver o papo pipa
Pipo pipo papa pança e o papa possa andar em paz

Rebola, bola vou mostrar como é que é
Um batuque rebolado da cabeça até o pé, pé, pé

Rebola, bola prende a pata no botão
Rebola a bola morena que eu te dou meu coração...

Eu vi um papo empapar na empapadela
Outro papo empapuçado de uma papa de fubá
E o papo pipo a papar papa amarela
No papo do papo em papo que papou lá no Amapá

E quando eu disse ao papá que o papo empapa
Meu papá teve um desmaio porque o papo era papão
E eu fiquei trocando um papo numa estaca
Quando escuto o papagaio vir dizer papa pagão

E que se cubra um capeta de uma capa
Que se atrepe na garupa do capeta capataz
Prá que ninguém possa ver o papo pipa
Pipo pipo papa pança e o papa possa andar em paz

E eu não quis foi mais saber de ver um papo
Que de papo numa pipa na papada se empapou
E é por isso que os meus olhos logo eu tapo
Quando eu vejo um tico-tico, o papa pai e o papa avô

O Rio de Janeiro Continua Lindo

Brasileiros, vocês hão

Rui Castro - Quem circula de carro pelo Rio no Carnaval não pode se fiar nos bloqueios e desvios do trânsito ditados pela autoridade. Precisa cuidar da sua própria "engenharia", para não ficar ilhado em algum bairro, cercado de blocos por todos os lados. Ao contrário de outras cidades, em que o Carnaval se dá em "circuitos" limitados, o do Rio ocupa todo o território.
Este ano, 160 blocos se registraram oficialmente, mas a quantidade de grupos que irá às ruas andará, no mínimo, pelo dobro disso. Cada bloco sairá duas ou três vezes e arrastará uma média de 5.000 foliões de cada vez. Mas, se se incluírem os 500 mil do Cordão da Bola Preta - espremendo-se na Cinelândia enquanto você lê o jornal nesta manhã de sábado -, a média irá para as estratosferas.
Há blocos em Vila Isabel, Muda, Saúde, Lapa, Santa Teresa, Botafogo, Laranjeiras, Jardim Botânico, Copacabana, Ipanema e em toda praça ao alcance de um botequim: Mauá, Quinze, Tiradentes, Russel, do Jockey. Até o Leblon, tido como o verdadeiro túmulo do samba, já tem seu sortimento de blocos.
O Rio custou, mas redespertou para o Carnaval. E para um Carnaval que também parecia defunto: o dos bailes à fantasia, com orquestras de metais, em clubes e gafieiras; dos shows de rua (trazendo de volta baluartes como Roberto Silva, João Roberto Kelly, Ademilde Fonseca) e até o de deliciosos ranchos, estilo 1910, como o Flor de Sereno, em Copacabana. Não é uma "nostalgia". O grosso dessa massa humana que pula e se esbalda pelos cinco dias é de uma refrescante juventude.
O poeta carioca Dante Milano (1899-1991) escreveu nos anos 30: "Brasileiros, vocês hão de ter saudades do Carnaval". Mosca. Mas o Rio tomou providências e, um dia, haveremos de sentir saudades dos atuais Carnavais.

Friday, February 20, 2009

Cortar a própria carne

O caso da brasileira que teria sido atacada por skinheads na Suíça trouxe inúmeras lições.
Assim que soube da notícia, resolvi que daria o mesmo tratamento que dei ao processo da morte de Jean Charles, assassinado em Londres. Visitaria a embaixada, acompanharia as notícias sobre o tema, para que o Congresso tivesse uma posição, se achasse conveniente.
Marquei audiência na embaixada para terça, 17. Era quinta-feira. Alguns acharam o prazo muito longo e, no mesmo dia, levaram nota à embaixada. Recusei. Não por desconfiar da versão de Paula naquela hora. Mas pelo fato de que, em política externa, um tempo de decantação sempre ajuda.
Tive sorte. Nos tempos em que cadeias globais de televisão, CNN, BBC, estão em cena, a diplomacia não apenas se tornou mais transparente. Foi forçada a mudar de ritmo. No entanto, a diplomacia e o jornalismo jamais terão a mesma rapidez. A sintonia precisa acaba nos expondo a gafes.
Outro problema da pressa é anexar os fatos à nossa visão de mundo, como se estivéssemos sempre procurando algo para comprovar uma teoria. A crise econômica vai fortalecer o nacionalismo, em alguns casos, estimular a xenofobia. É a tese. A versão inicial de Paula era uma armadilha, o famoso cqd, como queríamos demonstrar.
É preciso deixar que os fatos aconteçam, respirem, tenham seu desdobramento. No caso de Paula Oliveira, havia muitas máquinas de interpretar, sondando o universo em busca de exemplos. Ela não estava grávida de gêmeos e os cortes poderiam vir de automutilação.
Nesses 200 anos de Darwin, sua visão é um socorro para todos nós: por mais que nos apeguemos a uma hipótese, é preciso abandoná-la sem pena quando as evidências a contestam.

Fernando Gabeira - Folha de São Paulo

gabeira_12fev2009....

Gabeira na Câmara, dia 12/02

Thursday, February 19, 2009


O Homem da Linha, Holanda (1985)

SINOPSE

Uma jovem francesa desce de um trem certa de que tinha chegado a seu destino. Mas se depara somente com uma pequena estação de cercanias inóspitas, pelas quais circula apenas um agulheiro (responsável pela manutenção dos trilhos da estrada de ferro). Ela tenta perguntar ao agulheiro o horário do próximo trem, mas percebe que ele não entende francês. Então decide esperar, hospedando-se com aquele insólito eremita que jamais saía do seu posto para ir à cidade, desconhecia o uso do dinheiro e parecia nunca ter visto uma mulher. Esta espera se prolonga absurdamente por um ano. Gradativamente o agulheiro vai se desprendendo de sua extrema solidão para se apegar à bela francesa.

FICHA TÉCNICA

Direção: Jos Stelling
Roteiro: George Brugmans, Hans De Wolf, Jos Stelling
Música: Michel Mulders
Fotografia: Frans Bromet, Theo Vand de Sand
Elenco: Jim Van Der Woulde, Stéphane Excoffier, John Kraaykamp, Josse De Pauw
Montagem: Rimko Haanstra

Brasileira confessou ter mentido sobre ataques na Suíça

A polícia suíça confirmou: a brasileira Paula Oliveira confessou ter mentido sobre o ataque de neonazistas e também sobre sua gravidez. A notícia já tinha saído na imprensa suíça.

No comunicado desta quinta-feira, a polícia de Zurique diz que Paula Oliveira assinou a confissão na sexta-feira passada, dia 13 de fevereiro, quando ainda estava internada no hospital universitário.

Segundo a imprensa suíça, ela admitiu a mentira depois de ter sido informada pelos peritos da falsa gravidez.

Na quarta-feira, a promotoria de Zurique indiciou a brasileira por falso testemunho. Ela está proibida de deixar o país.

Os jornais suíços especularam que Paula Oliveira mentiu para ganhar dinheiro. A advogada pernambucana teria inventado o ataque para receber uma indenização estimada em até 100 mil francos suíços, cerca de R$ 200 mil.

Revista que cita suposta farsa é ligada a partido

A revista semanal suíça "Die Weltwoche", que noticiou a versão de que a brasileira Paula Oliveira confessou ter mentido à polícia suíça, tem claros laços ideológicos com o partido ultranacionalista SVP (Partido do Povo Suíço), cuja sigla foi escrita com um objeto cortante na pele da brasileira.

Considerada há uma década a publicação preferida da elite intelectualizada de esquerda da Suíça, nos últimos anos ela começou a se inclinar para a direita, e hoje sua linha editorial é alinhada com a ideologia do SVP. A guinada se consolidou com a compra da revista, em 2006, pelo empresário conservador suíço Roger Köppel.

Até hoje persistem os rumores, não comprovados, de que o semanário é financiado pelo magnata Christoph Blocher, um dos homens mais ricos do país e que está entre os principais dirigentes do SVP.

Na guerra de mídia em que se transformou o caso Paula Oliveira, com ataques constantes na Suíça ao comportamento do governo e da imprensa brasileiros no episódio, a reportagem do "Die Weltwoche" assume um tom de que desvendou a farsa montada pela brasileira. Mas em nenhum momento cita a fonte de suas informações.

Para muitos suíços, o primeiro indício de que Paula estava mentindo foi a associação entre o SVP e neonazistas, que lhes parece exagerada. Mas não faltam imigrantes para dar exemplos de xenofobia na Suíça, alguns violentos.

"Fui agredido por homens de cabeça raspada, só por ser estrangeiro", contou o mecânico brasileiro Warley Alves Pinto, 19, que mora em Dübendorf, perto de Paula. "Me falaram que aqui não é meu país e começaram a me bater."

Tuesday, February 17, 2009

Jovens do meu Brasil,

há muitos anos atrás, Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo, concorreu à Prefeitura da cidade de São Paulo. Em um dos debates, já bem próximo do dia da votação, inquirido pelo na época estreante em TV Boris Casoy sobre se acreditava ou não em Deus, respondeu, com grande ingenuidade algo como: "Pô, Boris, mas a gente combinou que você não ia perguntar isso!". Durante a campanha havia surgido o boato que afirmava que Fernando Henrique (na época ninguém usava o FHC presidencial) fumava maconha. Viciado e ateu, eram as acusações. O vitorioso naquela eleição foi ninguém menos que o arquetípico Jânio Quadros, renascido sabe-se lá de que porão da democracia paulistana. Lembro até hoje de como o dia me pareceu dar em chuvoso, ouvindo no rádio do carro, logo cedo, o resultado definitivo das urnas. Mais tarde, Jânio iria limpar com álcool a cadeira do gabinete de prefeito que Fernando Henrique havia usado para uma foto de vitorioso que achou que fosse. As pesquisas haviam errado e o álcool seria uma das marcas distintivas da boataria permanente em torno do prefeito Jânio. Que, certamente, tinha seus motivos para acreditar em Deus.
Não tenho certeza se misturo cenas de eleições diversas, ou se todas são a mesma. Não sei se foi nessa, por exemplo, que Eduardo Suplicy engasgou porque não sabia dizer quanto custava um pãozinho. Jovens do meu Brasil, envelheço.

do gabeira.com (17 de fevereiro)
1.

O Itamaraty quer que a família de Paula Oliveira, que diz ter sido atacada por neonazistas na Suíça, há uma semana, decida rapidamente se a brasileira deixará Zurique antes da abertura de um eventual processo penal por fraude, ou se enfrentará as investigações até o fim, mantendo sua versão. Mas o pai da advogada, Paulo Oliveira, já deu sinais de que deseja voltar para casa ainda esta semana.

Paula afirma que, na segunda-feira passada, foi atacada quando deixava uma estação de trem nos arredores de Zurique e, por causa da agressão, sofreu um aborto. Em seu corpo, os agressores teriam marcado com estiletes as letras do Partido do Povo Suíço (SVP), de extrema direita. No entanto, o laudo policial mostrou que Paula não estava grávida no momento em que diz ter sido agredida e a polícia acredita que ela fez as marcas no corpo.

Ontem, a polícia confirmou que Paula pode ser indiciada caso fique provado que o episódio é uma farsa. Mas, segundo o comandante da polícia de Zurique, Phillip Hotzenkocherie, dificilmente será presa.

Em uma longa conversa com a família de Paula, a consulesa do Brasil em Zurique, Vitória Clever, afirmou que poderia organizar a saída de Paula antes que a investigação fosse concluída e o possível processo penal, instaurado.

"Ela é uma pessoa livre, mas a decisão terá de ser da família", afirmou Vitória ao Estado. Ontem, a diplomata recebeu uma orientação do gabinete do chanceler Celso Amorim pedindo uma solução rápida para a crise, capaz de reduzir as consequências políticas do caso.

A segunda - e menos provável - alternativa da família da brasileira seria manter a versão inicial de Paula e enfrentar a investigação. "Temos de tirar ela (Paula) dessa tormenta", disse o pai, reiterando que não tinha motivos para desconfiar da versão da filha.

A consulesa teme que, caso permaneça na Suíça, a família não consiga desmentir o laudo médico. Para isso, segundo Vitória, seria necessário um segundo exame, dessa vez feito no Brasil. Mas ela disse que não há motivos para questionar a integridade do Instituto Médico Legal da Universidade de Zurique.

O ultradireitista SVP, do qual os agressores de Paula seriam membros, quer agora que a brasileira assuma as despesas da investigação, caso fique comprovado que o episódio não passou de uma fraude. "Isso tudo custa dinheiro e não será o contribuinte suíço quem pagará", garantiu Alain Huart, porta-voz do partido.

O SVP declarou ontem que estava "satisfeito" com a correção de discurso do Itamaraty e do governo brasileiro, que haviam classificado o suposto incidente como "xenófobo". "Acredito que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou uma posição correta agora", disse Huart.

O suíço Marc Trepp, noivo de Paula, deixou Zurique, dizendo que que temia novos ataques. Procurada pelo Estado, a família Trepp recusou-se a atender a um pedido de entrevista e chamou a polícia.

2.

Parece que está chegando ao fim o caso de Paula de Oliveira, na Suíça. Como se sabe, ela disse que foi agredida por três skinheads, tatuada com estilete e perdeu as filhas gêmeas que estava esperando. Quando esta noticia, acompanhada de fotos, apareceu no Brasil, imediatamente fiz uma intervenção na Câmara, dizendo que iria acompanhar o caso, como fiz, junto a Embaixada da Inglaterra, após a morte do brasileiro Jean Charles.

Este discurso foi feito na quinta-feira, às 11 horas. Em seguida, liguei para a Embaixada, via comissão de relações exteriores, e marquei uma audiência para terça-feira, dia 17. Estava já a caminho do aeroporto, de volta ao Rio, quando fui comunicado que alguns deputados acharam o prazo muito longo e queriam ir à embaixada suíça na própria quinta feira.

Decidi então que viria ao Rio e iria esperar por terça-feira. Sinceramente, quando achei que o prazo não era dilatado, não tinha nenhuma dúvida da versão de Paula. Não desconfiava que pudesse haver uma falsa noticia de gravidez de gêmeos, muito menos que os ferimentos pudessem ter sido produto de automutilação.

Era apenas uma sensação de que fatos, quando se trata de política internacional, precisam de certa decantação, antes de se afirmar uma posição definitiva. Creio que as reações oficiais afirmando que era aparente xenofobia (Celso Amorim), ou comparando o caso ao holocausto (Vanuchi), foram precipitadas. Da mesma forma, a declaração de Lula de que os brasileiros tratam bem os estrangeiros, os europeus não.

Num mundo dominado pela cobertura on line, redes internacionais de tevê, a política externa está diante de uma permanente armadilha: reagir com a rapidez imposta pelos fatos, no ritmo da imprensa, ou definir seu timing? Reagir imediatamente é mais tentador quando se tem uma visão acabada do mundo. Existe xenofobia na Europa? Então esse caso é apenas mais uma demonstração de nossa tese. Quando se reage assim, não se dá ao acontecimento a possibilidade de desdobrar, de acontecer de fato. Tudo passa a ser uma demonstração de nossa tese, mesmo quando algumas arestas não cabem nela.

Fica o registro.

Da Folha Online

De acordo com reportagem da revista "Época", que entrevistou uma colega de Paula na multinacional dinamarquesa Maersk, a brasileira pode ter inventado sobre sua gravidez, o que corrobora com a tese da polícia suíça de que ela não estaria grávida.

"Quando ela deu a notícia da gravidez, mandou anexada ao e-mail a imagem de um ultrassom. E nós achamos a mesma foto no Google", disse a ex-colega. De acordo com a revista, a colega - que pediu para não ser identificada -, explica que a imagem veio com o nome "Twins 6 wks" ("Gêmeos 6 semanas"), imagem que pode ser encontrada no site about.com.

Sunday, February 15, 2009

EXPERIÊNCIA

Os ex-presidentes Ernesto Zedillo, César Gaviria e Fernando Henrique (da esq. para a dir.), em encontro no Rio, na semana passada. Eles defenderam a revisão das leis contra as drogas e a descriminalização da posse de pequenas quantidades de maconha.


EXPERIENCE

Zedillo, de esquerda, já de barato, observa Gaviria, de centro, que se pronuncia sem soltar a fumaça. Segundos depois, THC, desculpe, FHC, no exato momento que antecede sua vez na roda, prepara pinça com os dedos da direita. Repare que tudo em redor do brasileiro está enevoado.

Fonte: Revista Época. Para qualificar o debate, pergunte a quem entende.

http://revistaepoca.globo.com/

Assim é se lhe parece - a little bit closer

Em qualquer circunstância, minha filha é vítima, diz pai

Brasileira ainda não sabe que polícia suíça desmentiu versão de gravidez

Segundo Oliveira, o estado psicológico da advogada pernambucana é grave e não há previsão de alta e retorno da família ao Brasil


O estado psicológico da advogada pernambucana Paula Oliveira é "grave e se tornou mais preocupante", disse ontem o pai dela, Paulo Oliveira. Segundo ele, não há previsão de alta.
Paula, 26, ainda não sabe que a polícia suíça desmentiu a versão de que ela estava grávida no momento da agressão que teria sofrido na segunda-feira passada, na estação de trem de Dübendorf, a 3 km de Zurique.
Para poupá-la, o advogado também ainda não contou à filha que a polícia suspeita que ela mesma provocou os ferimentos em seu corpo. Um dia após ter afirmado que acredita na versão da filha - de que foi atacada por skinheads e que teria sofrido aborto de um casal de gêmeas num banheiro da estação -, Paulo fez ontem a primeira concessão em relação às suspeitas da polícia suíça.
"Em qualquer circunstância, a minha filha é vítima", disse ele. "Ou é vítima de graves distúrbios psicológicos ou da agressão, que desde o início ela sustenta e [de que] não tenho motivos ainda para duvidar."
Na sexta, a polícia apresentou os resultados de uma perícia independente, que descartou a gravidez de Paula no momento em que alega ter sido agredida. Sobre os cortes no corpo dela, o legista responsável pelo caso disse que há fortes indícios de automutilação.
Paulo disse que não tem exames que comprovem a gravidez da filha. "Como eu não morava com ela e nem moro, não sei onde estão os documentos", contou o advogado. "Tudo o que tenho são as informações que ela transmitiu antes que esta tragédia se iniciasse."
Ao chegar ao Hospital Universitário de Zurique, Paulo parecia desorientado. "Eu e ela estamos em estado de choque", disse ele, que precisou de ajuda para achar o quarto de Paula. Segundo ele, não há data para a filha receber alta e que pretende levá-la ao Brasil quando isso ocorrer. Mas descartou uma saída apressada. "Não temos motivos para fugir." Segundo ele, a família decidiu não contar à filha os resultados dos exames da polícia para não piorar o seu "grave estado psicológico".
Apesar da reviravolta no caso, Paulo garante que a família não duvida da filha. "Não temos motivos para isso. Aliás, em qualquer versão proveniente de uma pessoa em estado de choque temos que esperar que ela recobre a serenidade para poder avaliar", disse ele, visivelmente abatido. "Não durmo há quatro noites", afirmou.
A imprensa suíça deu grande destaque à reviravolta no caso Paula. Alguns jornais publicaram duros ataques. Um colunista do diário conservador "Neue Zürcher Zeitung", um dos maiores do país, acusa a imprensa brasileira de inventar fatos "regularmente" e afirma que o Brasil é um dos países mais racistas do mundo.

Marcelo Ninio - ENVIADO ESPECIAL A ZURIQUE - Folha Cotidiano

  • Já podemos contar com um Enviado Especial a Zurique!

  • Qualquer tablóide "helvético" agora devolve o abacaxi e o Brasil viramos "um dos países mais racistas do mundo". A Barbara Gancia não afirmou - usando o mesmo rigor jornalístico - que na Inglaterra vigora um "sistema de castas"? A linguagem figurada da Retórica, indispensável para as idéias, essas coisas abstratas, ganharem corpo no mundo concreto dos negócios humanos, quando a gente exagera, passa a se chamar demagogia. Em português, enganação, mesmo.

  • Enquanto isso, o governo brasileiro segue pagando seus micos em dia, sem atraso:

Partido quer expulsão de brasileira se for provada mentira

  • Lembrar que o partido em questão é o SVP (Partido do Povo Suíço), "o maior partido em representantes no Parlamento suíço, integrante da atual coalizão do governo. Um de seus líderes, o polêmico Christoph Blocher, tem posições xenófobas e isolacionistas", etc.

Lula deve pedir desculpas à Suíça, diz líder do SVP

Para Yvan Perrin [vice-presidente da legenda ultranacionalista SVP ], é "preocupante" que Lula tenha feito comentários sobre o caso "com base em telefonemas e fotos na internet". Na quinta, Lula disse que o governo não iria "ficar calado diante de tamanha violência contra uma brasileira no exterior". Diante dos exames que contradisseram a versão de Paula, um dia depois, ele recuou.

Consulado recebe e-mails de protesto

O Consulado do Brasil em Zurique recebeu ontem centenas de e-mails de protesto, exigindo desculpas. Segundo a cônsul brasileira, Vitória Cleaver, a maioria criticou governo e imprensa pelo suposto "exagero" nas críticas à Suíça. "Da mesma forma que centenas ligaram e escreveram para pedir desculpas quando o caso surgiu, agora exigem retratação."

Demandas:

  • Barbara Gancia precisa consultar a mãe para novas previsões do futuro? Ou só sobre o fundamental?
  • Precisa explicar um pouco melhor porque a Europa "não gosta nem mesmo dos seus" e por que os europeus exercem "com naturalidade o ódio aos estrangeiros", ou a gente recebe o "um dos países mais racistas do mundo", e deixa o troco pro motoboy?

  • Fernando Gabeira precisa atualizar o gabeira.com que está "congelado" em 12/02?

  • O Jornal Nacional, autor da, até prova em contrário, barrigada, vai agir como se fosse normal espalhar uma boataria (até prova em contrário) deste tamanho? E como vai dar seguimento à "cobertura" do caso?

Links para diversificar as abordagens:

http://www.swissinfo.ch/por/capa/Caso_Paula_reacoes_na_Suica.html?siteSect=107&sid=10330170&cKey=1234616506000&ty=st

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u504194.shtml

http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL1002614-10406,00-PAI+DE+PAULA+OLIVEIRA+DIZ+QUE+NAO+TEM+PROVAS+DA+GRAVIDEZ+DA+FILHA.html

http://www.mhariolincoln.jor.br/index.php?itemid=6711

http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?t=gravidez-de-paula-era-de-alto-risco-admite-pai&cod_Post=161630&a=111

Sorry, falei que os links serviriam para "diversificar" a abordagem, mas não é muito verdadeiro. Percebi que praticamente tudo o que indiquei para leitura aponta para o desmentido do caso. Mas se o google é público e gratuito, quem quiser que conte outra, não?

Saturday, February 14, 2009

Assim é, se lhe parece

Barbara Gancia sobre o caso da advogada Paula Ventura Oliveira, em 13 de fevereiro, na Folha:

Emmanuel Goldstein voltou

VAI COMEÇAR tudo de novo. A Europa não digere bem o diferente, não gosta nem mesmo dos seus. Na Itália, e também na Suíça, cidades separadas por coisa de 40, 50 quilômetros falam dialetos ou línguas completamente diferentes e, muitas vezes, se odeiam.
Na Inglaterra, ainda predomina um sistema de castas. Literalmente até ontem, os filhos da nobreza não precisavam ser eleitos para fazer parte do Parlamento. Para obter uma cadeira na Câmara dos Lordes, bastava que eles se dessem ao trabalho de nascer. As diferenças sociais entre uma casta e outra começam pela maneira de falar. Cada colégio tradicional tem seu próprio sotaque e qualquer inglês sabe reconhecer o ex-aluno de Eton pela maneira como ele fala.
Da mesma forma, a tradição diz que quem nasce na área em que os sinos da igreja St. Mary-le-Bow podem ser ouvidos irá falar cockney, o sotaque predominante entre a classe trabalhadora. Já imaginou ser definido social e culturalmente por toda a sua vida pela maneira como você fala? Na semana passada, os italianos aprovaram uma lei permitindo que os médicos da rede pública de saúde exerçam com naturalidade o ódio aos estrangeiros. De agora em diante, eles podem denunciar quem vive ilegalmente no país assim que o imigrante ilegal pisar no consultório buscando atendimento médico.
Lembra, nobre leitor, quando tudo indicava que o prazo de validade de "1984", de Orwell, havia expirado? Com Fukuyama, nós não chegamos a achar que a luta de ideologias e de classes e tudo o que delas emanava havia chegado ao fim? Pois a atual crise econômica é como um bafo rançoso no cangote. Com ela, a intolerância e a xenofobia que estavam dormentes na Europa acordaram. E de mau humor. Em "1984", Emmanuel Goldstein é uma criação do Partido, um inimigo comum que serve para canalizar o descontentamento da população. Ele é uma espécie de Guerra das Malvinas, que foi confeccionada pelos generais argentinos para distrair a população de suas reais aflições. Parece incrível que, a esta altura, Emmanuel Goldstein possa ter ressuscitado na Europa. Mas ele voltou na pele de um africano, um sul-americano ou um árabe, sem permissão de residência, que ameaça o emprego do europeu. E está prestes a ser linchado em praça pública.
Na noite da última segunda-feira, em Zurique, na Suíça, a advogada pernambucana Paula Oliveira, de 26 anos, teve a infelicidade de ser confundida com Emmanuel Goldstein por supostos skinheads. Paula foi espancada e cortada a estiletadas. Grávida de gêmeas, ela sofreu aborto na noite da agressão e acabou internada em estado grave. Depois de vê-la no hospital, seu pai disse: "Paula recebeu uma centena de ferimentos e teve o corpo todo retalhado; sempre achamos que essas coisas só acontecem no cinema...".
Apesar da pouca idade durante a Segunda Guerra, minha mãe colaborou com os "partigiani" levando e trazendo encomendas em uma cesta de piquenique. E viu um primo adolescente ser morto a sangue frio pelos nazistas. Assistimos juntas à queda do Muro de Berlim pela TV. Ela não parecia muito animada. Perguntei o que havia e ela disse: "Vai começar tudo de novo". Minha mãe pode ter errado o timing, mas nunca se engana sobre o fundamental. Está começando tudo de novo.

Notícia no mesmo 13 de fevereiro, em http://g1.globo.com

Legista diz que brasileira se mutilou e que caso consta na literatura médica

Especialistas do Instituto de Medicina Forense (IMF) da Universidade de Zurique afirmaram hoje que a brasileira supostamente vítima de um ataque racista na cidade causou ela mesma os ferimentos em seu corpo e que o caso se assemelha a outros já registrados na literatura médica.

Numa coletiva concedida pela manhã, a Polícia explicou que o caso de Paula Oliveira, de 26 anos e bacharel em direito, continua em aberto e que as investigações prosseguem. Porém, durante a entrevista, a palavra foi passada a um dos especialistas da universidade.

O professor Walter Bär, do IMF, se referiu ao caso como típico de "um manual".

"Em todos os livros de medicina forense, há exemplos desse tipo de automutilação", acrescentou o perito.

O médico explicou que a brasileira tem ferimentos nos braços, nas pernas, no pescoço e no ventre, todos lugares onde ela alcança.

"Ela não tem nenhum ferimento em lugares sensíveis, como nos seios ou na região pubiana. E todos os cortes são muito parecidos", acrescentou.

Além disso, os legistas constataram que a mulher não estava grávida no dia da suposta agressão, apesar de ela ter dito que, por conta do ataque, perdeu os gêmeos que esperava havia três meses.

O comandante da Polícia de Zurique, Philip Hotzenköcherle, disse que as informações dos legistas foram incluídas nos autos da investigação, mas que, por enquanto, "continua explorando todas as pistas".

Segundo o relato de Paula, na segunda-feira ela sofreu um ataque racista quando ia para casa.

À Polícia, ela contou que três skinheads a atacaram brutalmente, fazendo-a abortar. Ainda segundo Paula, os agressores usaram uma espécie de estilete para fazer uma série de cortes em seu corpo e gravar sobre sua pele as letras SVP, iniciais em alemão do partido de ultradireita da Suíça, o UDC.

Continuando a explorar todas as pistas, já que o caso não está encerrado, algumas hipóteses são de que os skinheads são razoavelmente cuidadosos para não ferir gravemente com seus estiletes as vítimas que atacam. Outra: Paula não se mexeu muito enquanto era rabiscada, pelo que se pode deduzir das fotos na internet. Mais: Barbara Gancia, se fosse viver de profetizar, não ia tirar nem pro café. Mas como arauto dos defeitos "congênitos" da Europa, ela parece um caso acabado. Xenofobia e intolerância? De quem, mesmo?


Thursday, February 12, 2009

Trombada de Satélite!


Simulação em computador produzida pela Agência Espacial Européia mostra os mais de 12 mil objetos que giram ao redor da Terra atualmente. Na terça-feira, um satélite norte-americano colidiu com um satélite militar russo, segundo a Nasa.


Wednesday, February 11, 2009

Londres - Audrey Hepburn foi escolhida a atriz mais bonita da história do cinema de Hollywood, à frente de Angelina Jolie e de estrelas como Grace Kelly, Sophia Loren, Julia Roberts e Cameron Díaz, segundo uma pesquisa publicada no Reino Unido.


A atriz, que protagonizou clássicos como Sabrina (1954) e Bonequinha de Luxo (1961), venceu na votação estrelas atuais tão populares quanto Jolie, por exemplo, que ficou em segundo lugar.

Os entrevistados justificaram a escolha de Hepburn como a mais bela por "seu corpo e por seus olhos amendoados", enquanto Jolie conta com o apelo dos mais jovens.

Para a editora de saúde e beleza da revista Vogue, Nicola Moulton, "por definição, uma beleza cinematográfica deve ser espetacular em movimento, e não só nas fotografias".

Desta forma, ela respaldou a coroação de Hepburn, sobre quem afirmou que "tinha uma beleza atemporal". O terceiro lugar ficou com Grace Kelly, que foi musa de Alfred Hitchcock nos anos 1950 e atuou em clássicos como Janela Indiscreta e Disque M para Matar, ambos de 1954, antes de se transformar na princesa de Mônaco.


Concordo em gênero, número e grau!

Saturday, February 07, 2009

O Valor da Ilusão e os Estados Transicionais

A primeira mamada teórica é representada na vida real pela soma das experiências iniciais de muitas mamadas. Após a primeira mamada teórica, o bebê começa a ter material com o qual criar. É possível dizer que aos poucos o bebê se torna capaz de alucinar o mamilo no momento em que a mãe está pronta para oferecê-lo. As memórias são construídas a partir de inúmeras impressões sensoriais, associadas à atividade da amamentação e ao encontro do objeto. No decorrer do tempo surge um estado no qual o bebê sente confiança em que o objeto do desejo pode ser encontrado, e isto significa que o bebê gradualmente passa a tolerar a ausência do objeto. Desta forma inicia-se no bebê a concepção da realidade externa, um lugar de onde os objetos aparecem e no qual eles desaparecem. Através da magia do desejo, podemos dizer que o bebê tem a ilusão de possuir uma força criativa mágica, e a onipotência existe como um fato, através da sensível adaptação da mãe. O reconhecimento gradual que o bebê faz da ausência de um controle mágico sobre a realidade externa tem como base a onipotência inicial transformada em fato pela técnica adaptativa da mãe.

No dia-a-dia da vida do bebê, podemos observar como ele explora esse terceiro mundo, um mundo ilusório que nem é sua realidade interna, nem é um fato externo, e que toleramos num bebê, ainda que não o façamos com adultos ou mesmo com crianças mais velhas. Vemos o bebê chupando os dedos ou adotando alguma técnica de mexer o rosto ou murmurando um som ou agarrando algum pano, e sabemos que nesse momento o bebê está declarando seu controle mágico sobre o mundo por meio desses diversos instrumentos, prolongando (e nós permitimos que ele o faça) a onipotência originalmente satisfeita pela adaptação realizada pela mãe. Considerei útil denominar os objetos e fenômenos que pertencem a este tipo de experiências de "transicionais". Aos objetos chamei de "objetos transicionais", e às técnicas empregadas nessas situações de "fenômenos transicionais". Estes termos implicam na existência de um estado temporário próprio da primeira infância em que ao bebê é permitido pretender um controle mágico sobre a realidade externa, um controle que, nós sabemos, foi tornado real pela adaptação da mãe, mas disto o bebê ainda não sabe. O "objeto transicional", ou primeira possessão, é um objeto que o bebê criou ainda que, ao mesmo tempo em que nós assim dizemos, na realidade sabemos que se trata da ponta de um cobertor ou da franja de um xale ou de um brinquedo.

O próximo objeto que o bebê possuir será talvez dado por uma tia, e por este objeto a criança dirá "tá", reconhecendo assim a limitação do controle mágico e reconhecendo sua dependência da boa vontade das pessoas existentes no mundo externo.

Como são importantes, então, esses primeiros objetos e técnicas transicionais! Sua importância se reflete em sua persistência, uma persistência feroz por anos a fio. A partir desses fenômenos transicionais, desenvolve-se grande parte daquilo que costumamos admitir e valorizar de várias maneiras sob o título de religião e arte, e também derivam aquelas pequenas loucuras que nos parecem legítimas num dado momento, de acordo com o padrão cultural vigente.

Entre o subjetivo e aquilo que é objetivamente percebido existe uma terra de ninguém, que na infância é natural, e que é por nós esperada e aceita. O bebê não é desafiado no início, não é obrigado a decidir, tem o direito de proclamar que algo que se encontra na fronteira é ao mesmo tempo criado por ele e percebido ou aceito no mundo, o mundo que existia antes da concepção do bebê. Alguém que exija tamanha tolerância numa idade posterior é chamado de louco. Na religião e nas artes vemos essa reivindicação socializada, de modo que o indivíduo não é chamado de louco e pode usufruir, no exercício da religião ou na prática das artes, do descanso necessário aos seres humanos em sua eterna tarefa de discriminar entre os fatos e a fantasia.

D. W. Winnicott – Natureza Humana. Parte IV – Da Teoria do Instinto à Teoria do Ego; Capítulo 1 – Estabelecimento da relação com a realidade externa.

A Filosofia do "Real"

Os filósofos sempre se preocuparam com o significado da palavra "real", e houve diversas escolas de pensamento fundadas sobre a crença de que

"This stone and this tree
discontinue to be
when there's no one about in the quad"

com a alternativa

"This stone and this tree
do continue to be
as observed by yours faithfully…"

Nem todos os filósofos percebem que este problema, que aflige todo ser humano, constitui uma descrição do relacionamento inicial com a realidade externa no momento da primeira mamada teórica; ou, melhor ainda, no momento de qualquer primeiro contato teórico.

Eu o formularia da seguinte maneira: alguns bebês têm a sorte de contar com uma mãe cuja adaptação ativa inicial à necessidade foi suficientemente boa. Isto os capacita a terem a ilusão de realmente encontrar aquilo que eles criaram (alucinaram). Eventualmente, depois que a capacidade para o relacionamento foi estabelecida, estes bebês podem dar o próximo passo rumo ao reconhecimento da solidão essencial do ser humano. Mais cedo ou mais tarde, um desses bebês crescerá e dirá: "Eu sei que não há nenhum contato direto entre a realidade externa e eu mesmo, há apenas umas ilusão de contato, um fenômeno intermediário que funciona muito bem para mim quando não estou muito cansado. A mim não importa nem um pouco se aí existe ou não um problema filosófico".

Bebês que tiveram experiências um pouco menos afortunadas vêem-se realmente aflitos pela idéia de que não há um contato direto com a realidade externa. Pesa sobre eles o tempo todo, uma ameaça de perda da capacidade de se relacionar. Para eles o problema filosófico se torna e permanece sendo vital, uma questão de vida ou morte, de comer ou passar fome, de alcançar o amor ou perpetuar o isolamento.

Os bebês ainda menos afortunados, aos quais o mundo foi apresentado de maneira confusa, crescem sem qualquer capacidade de ilusão de contato com a realidade externa; ou então esta sua capacidade é tão frágil, que facilmente se quebra num momento de frustração, dando margem ao desenvolvimento de uma doença esquizóide.

D. W. Winnicott - Natureza Humana. Parte IV – Da Teoria do Instinto à Teoria do Ego; Capítulo 1 – Estabelecimento da relação com a realidade externa.

Friday, February 06, 2009

The promise of this Fourth Pinnacle Number is complete financial freedom. Most threes are prosperous until a very old age. Many of them choose to work professionally at a career simply because they love their careers. If this is your Fourth Pinnacle number it is also likely you will do a lot of travelling in your senior years or at the very least, settling down in an exotic locale that provides plenty of social activity and entertainment. It will be a cardinal sin for you to be bored!

Wednesday, February 04, 2009