GILBERTO DIMENSTEIN
Os traficantes e o palhaço Tiririca
Traficantes temerosos de uma polícia "mais eficiente" contam mais sobre nosso futuro do que o Tiririca
POR TRÁS DAS COMEMORAÇÕES da queda recorde do número de homicídios em São Paulo, cujas estatísticas oficiais são divulgadas neste fim de semana, convenientemente na véspera da eleição, há um dedinho do crime organizado e um dedinho dos traficantes. Um dos fatos mais marcantes da vida social brasileira, em São Paulo o assassinato está quase deixando de ser classificado, segundo a definição da Organização Mundial de Saúde, de epidêmico. Desde 1999, são 51 vidas poupadas, 26 mil delas na capital.
As taxas caíram tanto e por tanto tempo graças à combinação de uma série de fatores, cada qual com seu peso: eficiência policial, maior envolvimento comunitário, mudanças demográficas (menos jovens proporcionalmente na população), aumento do número de matrículas escolares, elevação do nível de emprego, redução da miséria.
Há tempos, sou alertado por policiais e especialistas para o fato de que traficantes, para não atrapalharem seus negócios, recomendam a seus seguidores evitar matanças. Assim, a polícia não ficaria tão próxima de suas áreas de influência.
Acuados por uma polícia mais eficiente, os traficantes "pacificadores" são um dos ângulos para encarar a eleição deste fim de semana.
O clima ainda quente de campanha dificulta que se analise com mais serenidade o país.
Não há registro de uma eleição presidencial tão chata e tão orientada por marqueteiros. Quase não foram debatidos temas essenciais (câmbio, previdência). Nunca tinha visto um presidente da República ter se rebaixado a chefe de bando.
Um dos que reduziram a chatice, mas poluíram o ambiente, foi o palhaço Tiririca, que vendeu a ideia de que é tudo esculhambação. Sua vitória extraordinária pode sugerir que ele tem razão.
Tiririca foi uma novidade. Mas a lei da Ficha Limpa, uma conspiração popular que os políticos tiveram de aceitar, é uma novidade maior.
O efeito Tiririca é desprezível. O conjunto da obra da democracia, com múltiplos atores, de diferentes partidos e ideologias, fez o país avançar - e não foi pouco.
A chatice, porém, é também sinal de maturidade. Há uma agenda consensual entre todos os candidatos. Dilma e Serra têm, pelo menos no papel, posições semelhantes sobre a importância de controlar mais os gastos públicos e de facilitar a vida dos empreendedores, sobre a continuidade de projetos sociais e sobre a prioridade da educação.
De qualquer ângulo que se olhe, há sinais inusitados de evolução: no Rio de Janeiro, onde os assassinatos também vêm diminuindo, motéis se transformam em hotéis, motivados pela demanda do mercado. Locais que já foram verdadeiras praças de guerra (como Cidade de Deus) hoje registram poucas mortes.
Já se diz que, no próximo verão, a musa será o protetor solar graças ao aumento de renda dos mais pobres. Já comentei aqui outro indicador: uísque importado no caminho da periferia, símbolo não só do aumento da classe C mas da situação de metrópoles como o Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre, que já vivem em pleno emprego.
Quem imaginaria, até pouco tempo atrás, favelados comprando seguro contra incêndio ou bancos disputando clientes em morros?
É difícil não ficar satisfeito, apesar de conhecermos todas as fragilidades e as nuvens carregadas no futuro. Sobram dúvidas sobre a capacidade de Dilma Rousseff de lidar com todos os conflitos que tem pela frente sem o carisma de um Lula.
Sou de uma geração que cresceu no regime militar e viu muito crescimento econômico com pouca democracia, muita democracia e pouco crescimento. Em alguns momentos, nem democracia nem crescimento, tudo isso combinando com inflação e aumento da miséria, entremeado com escândalos de corrupção, enquanto a violência explodia nos grandes centros.
Até pouco tempo, não havia indicadores para administração pública e investimentos sociais. Nunca tinha vivido a combinação de democracia com baixa inflação, redução da miséria e aumento do emprego, em meio ao consenso sobre a importância de estimular o empreendedorismo e o capital humano.
A redução da violência em grandes centros é consequência dessa evolução. Traficantes temerosos da polícia contam mais sobre nosso futuro do que Tiririca.
Até porque o pobre pôs no seu radar o diploma de ensino superior. Muito longe dos palhaços.
PS - A eleição de 2010 será lembrada como marco de uma nova era no país: a era dos educadores.
gdimen@uol.com.br
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