Monday, November 29, 2010

Os pontos positivos da operação no RJ

Enviado por luisnassif, seg, 29/11/2010 - 10:16

Por luka

Realmente são muitas opiniões e invariavelmente dizem que nada vai dar certo. Assim fica muito difícil.

Prefiro apenas destacar os pontos que achei positivos nesta operação.

- Houve resposta de pronto. A participação das forças armadas veio da real ameaça a segurança pública. Não vi a resposta como: "Eu sou mais forte que você." Minha visão foi "Vocês metem medo e eu lhes dou um grande prejuizo".

- Aquela população, seja com tráfico ou milícia tem que ter acesso a políticas sociais. No Alemão, especificamente, isto era absolutamente impossível. Quem diz que sempre viveu tranquilo com o tráfico não teve que entregar sua filha a um chefe ou seu filho ao tráfico. Viver nas imediações não é viver na favela.

- A estratégia a meu ver não é acabar com o tráfico, coisa que acho impossível. A ideia é dar prejuízo, fazer não valer a pena esta espécie de domínio. A forma de tráfico terá que se diferenciar, tornar-se mais discreta ou menos violenta, por mais louco ou hipócrita que possa parecer. Tanto que onde existem UPPs o tráfico continua sem tanto alarde.

- Não creio que a UPP seja para todas as favelas mesmo porque estado policial seria, haver tanta policia em tanto lugar. Há aquelas como o Alemão onde a presença do estado não existe e é necessária. Há aquelas, grande maioria, em que planejamento urbano, atendimento social e melhoria das condições de emprego, mesmo ao redor, podem criar um círculo virtuoso.

- A melhoria da condição social é a resposta tanto ao tráfico quanto as milícias. Não ser dependente deles é a questão. Assim como acontecia no famoso voto de cabresto no nordeste.

- A atuação da polícia no caso teve resposta positiva da população pois não viram, aparentemente, os abusos que até então se via. Para reforma da  polícia é preciso haver um espírito corporativo para isto. A valorização da atitude positiva é muito menos deletéria do que o medo do pescoção. Policial com orgulho de sua profissão sabe que milicianos não são polícia.

- As imagens chocantes daquele mundo desconhecido e o desejo de mudança daquele povo servem de alerta ao políticos corruptos. Chefes de milícia marcados por CPIs podem perder mandato a qualquer momento. Traficante não. É fato que uma realidade desconhecida da grande maioria veio a tôna. Isso pode trazer maior nivel de conscientização. 

CONFRONTO NO RIO

Criminosos já estavam arrasados, diz mediador

O coordenador do grupo AfroReggae já sabia que um dos chefes do tráfico no Complexo do Alemão pediu aval para matá-lo

PLÍNIO FRAGA /  DO RIO / FSP

Há 17 anos na mediação de conflitos em favelas do Rio, José Júnior, 41, coordenador do Grupo AfroReggae, tentou convencer traficantes do Complexo do Alemão a deporem as armas, tendo como interlocutores lideranças que defendiam seu assassinato.

Cartas apreendidas em agosto no presídio de Catanduvas (PR), destinadas a chefes do Comando Vermelho, pediam autorização para matá-lo. A polícia acredita que os autores foram os traficantes Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, e Fabiano Atanásio da Silva, o FB.

"Posso ser mal interpretado e é tudo o que os reacionários querem ouvir: eu não queria que os bandidos morressem. Não é um exercício de generosidade, bondade, mesmo com pessoas que tramaram contra mim e que poderiam me pegar como refém", disse ele à Folha.

Júnior diz como encontrou os traficantes: "O governo cansou os caras. Encontrei um grupo arrasado emocionalmente. Não demonstravam interesse no confronto." 


Folha - Por que traficantes queriam matá-lo? 

José Júnior - O que motivou a carta foram mediações que fizemos. 99% do que a carta diz é verdade no que diz respeito ao Afroreggae. Duas pessoas ficaram muito incomodadas. Uma delas havia me ajudado a mediar muitas coisas. Até enviar a carta, foi para mim um facilitador para mediar muitos conflitos. Foi uma decepção. Não que não esperasse uma coisa dessas do crime, mas dessa pessoa.

Quando vem de alguém que você tem contato, que, mesmo sendo bandido, sempre teve uma postura de não ir para o confronto, gera uma decepção muito grande. Depois disso, acontecem esses ataques.

E, por eu estar como alvo, sabia que, se a carta chegasse ao Marcinho VP, líder do CV na cadeia, ele não autorizaria que me matassem. Acho que ele não autorizou esses ataques também. Foi coisa de algumas pessoas do tráfico, não de todas.

Como decidiu ir negociar a rendição?

No início, me senti desmotivado a mediar por ser alvo. Anteontem recebi recados. Foram três telefonemas perguntando se existiria possibilidade de negociação. Eu disse que só a rendição completa e total. "Não existe uma alternativa?", me perguntou um deles. Primeiro, disse que não me cabia isso.

Havia falado com o Allan Turnovski [diretor de Polícia Civil]. Ele disse que a polícia garantia que não esculacharia nem mataria ninguém, se eles se entregassem sem confronto.

Os traficantes, ficou claro agora, não queriam confronto. Sempre que fui mediar, nunca tinha sido alvo.

Meus amigos policiais diziam que eu não deveria ir ao Alemão. Já que havia uma bronca contra mim.

Minha ida lá foi porque os moradores me pediam o tempo todo, os traficantes me pediam também.

Posso ser mal interpretado e é tudo o que os reacionários querem ouvir: eu não queria que os bandidos morressem. A verdade é essa. Não é um exercício de generosidade, bondade, mesmo com pessoas que tramaram contra mim e que poderiam me pegar como refém. Eu fui para o risco. Deixei um e-mail até para o governador dizendo que eles não tinham responsabilidade e que eu assumia o risco.

O que encontrou?

O governo cansou os caras. Inteligentemente. Encontrei um grupo arrasado emocionalmente. Eles não demonstravam interesse no confronto naquele momento. Eu disse que a polícia tinha interesse de prender todos vivos, sem confronto.

Estavam conscientes do aparato militar. Foquei muito na vida e na morte. Disse que, se eles atacassem, iriam morrer. Fui falar das alternativas que tinham: se entregar ou se entregar. Abandonar as armas. É bom deixar claro o que é esta negociação. Não propusemos nada em troca.

Quando eles disseram que não se entregariam?

Ninguém falou isso. Várias pessoas se entregaram. Os caras tentam fugir. Não deu, se entregam.

Sunday, November 28, 2010

Thursday, November 25, 2010

É claro que Tropa de Elite é só um filme de tiros e bombas. Mas o Zé Padilha quer ser levado a sério. É claro que a visão política do Zé Padilha é a mesma visão simplória da classe média que "lavou as mãos" na última eleição presidencial. O Zé Padilha quer que Tropa de Elite seja um filme com mensagem mas é claro que Tropa de Elite é só um filme em que não sobra ninguém pra dar mensagem.


Prestes a quebrar mais um recorde com "Tropa de Elite 2", José Padilha celebra sucesso do ''cinema político''

ALESSANDRO GIANNINI (Editor de UOL Cinema)

De acordo com as projeções de Marco Aurélio Marcondes, coordenador de lançamento de "Tropa de Elite 2", o filme de José Padilha deve bater o recorde de público do cinema brasileiro ainda esta semana ou, no máximo, até 3 de dezembro. O recordista oficial é "Dona Flor e Seus Dois Maridos", com 10,7 milhões de ingressos vendidos em sua carreira comercial nas salas. Adaptação do romance de mesmo nome de Jorge Amado, tem direção de Bruno Barreto e traz Sônia Braga e José Wilker nos papéis principais.

Até o momento, "Tropa de Elite 2" registra 10,1 milhões de ingressos vendidos. Segundo Marcondes esse número é "precário", o que no jargão do meio cinematográfico quer dizer incompleto. "Faltam ainda os números do circuito UCI, já que eles tiveram problemas com o sistema", disse ele, em uma entrevista exclusiva ao UOL Cinema por telefone. "É preciso somar a isso mais ou menos uns dez porcento." O coordenador de lançamento prevê que o filme chegará aos 12 milhões de público até o fim de sua carreira nas salas.

Declaradamente avesso a números, Padilha se diz "feliz" com esse resultado. "Como cineasta, fico feliz com esses 10 milhões de ingressos vendidos", disse ele, em uma entrevista exclusiva ao UOL Cinema por telefone, da sede de sua produtora, no Rio de Janeiro. "Porque o 'Tropa de Elite 2' é um filme político. E isso demonstra que existe no Brasil interesse por debater os temas propostos por esses filmes. O cinema brasileiro tem uma vitalidade. Mostra que o cinema é uma aposta boa."

Por "cinema político" Padilha entende o cinema de cunho social, que coloca em discussão temas de interesse geral. "Tem política com  'p' minúsculo e política com 'p" maiúsculo", explicou ele. "O cinema político de que falo é como os americanos entendem. Por exemplo, 'Garapa' [documentário sobre a pobreza no Brasil profundo] eu considero dentro desse espectro. Porque discute um tema, a fome, de interesse geral."

Pela primeira vez desde a eleição de Dilma Rousseff para a presidência, Padilha falou sobre o aspecto político de "Tropa de Elite 2" e de suas próprias convicções. Em primeiro lugar, reafirmou que o dia 8 de outubro era a melhor data para o lançamento do filme, independente do processo eleitoral. "Foi uma decisão mercadológica", disse ele. Do ponto de vista político, o cineasta afirmou que a coisa mais importante das eleições foi o "Ficha Limpa". "Para o brasileiro, é mais importante mudar a regra [do processo eleitoral] do que ficar discutindo o resultado [das eleições]. Como funcionam as eleições aqui? Os políticos disputam cargos no governo para fazer caixa do partido e de campanha para disputar as próximas eleições. Esse tipo de processo favorece a corrupção. Não se pensa no bem comum. Por isso, não me interessa aderir a esse ou aquele lado."

Sobre a campanha eleitoral, especialmente a do segundo turno das eleições para presidente, Padilha disse que não ficou animado. "Achei que foi muito mercadológica", disse ele. "Sem coração e, talvez, até sem coragem. Para o Serra, principalmente, achei que faltou coragem. A [comentarista política] Miriam Leitão disse, e eu concordo: durante a campanha, nunca se falou em retomar o imposto da CPMF, mas depois o assunto veio à tona rapidamente."

Esses assuntos estarão em pauta no próximo filme do cineasta, o anunciado "Nunca Antes na História desse País". Até agora, Padilha e Luiz Eduardo Soares escreveram duas versões do roteiro. Segundo o cineasta, não há, por mais que isso possa parecer estranho, ligação com a realidade. "A ideia básica é de ficção", alerta. "Um partido de esquerda idealista e com o monopólio da ética tem uma chance de eleger um presidente. Como vai abrir mão de seus ideais para conseguir eleger o presidente e assumir o poder? Esse seria o primeiro ato, apenas, mas a história continua."

Thursday, November 18, 2010

O projeto baiano repete o mesmo press-release. A ausência de "ensaios críticos", a "negação do tom acadêmico", substituídos pelo "afeto dos ensaístas sobre a obra em questão", vêm se constituindo, ao longo de mais de 40 anos, num modo operante. Piquenique do coro dos contentes. Marcus Preto, o atual inocente útil da Folha de São Paulo, se incumbe da tarefa de repassar a mensagem. Grifados vão os lugares-comuns repetidos à exaustão, como mantras publicitários e, claro, sem revisão crítica, ao longo das últimas décadas. "Ou o mundo se brasilifica, ou virará nazista" é patético de tão demagógico...

Álbum "Tropicália" ganha revisão em imagem e texto

Livro traz releituras de cada uma das doze canções do disco-manifesto lançado em 1968, criadas por ensaístas e artistas plásticos

MARCUS PRETO 

Com 43 anos completos, a revolução formal conduzida por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Rogério Duprat e Mutantes continua alimentando nossos artistas - dentro e fora do ambiente da música popular.

Organizado pela pesquisadora Ana de Oliveira, o livro "Tropicália ou Panis et Circencis", com lançamento hoje, às 20h, na Cinemateca (lgo. Senador Raul Cardoso, 207; tel. 0/xx/11/3512-6111), vem somar aos inúmeros estudos, análises e ensaios já existentes sobre esse tema. 

Ana convidou ensaístas e artistas visuais para recriarem, em textos e imagens, cada uma das 12 faixas do álbum homônimo. O volume, de 130 págs., acompanha 12 cartazes de 93 x 62 cm. Os textos ficaram a cargo de Jorge Mautner, Hermano Vianna, Viviane Mosé, Antônio Risério, Aguilar, Bené Fonteles, Bráulio Tavares, Christopher Dunn, Frederico Coelho, Manuel da Costa Pinto, Newton Cannito, Noemi Jaffe e Arnaldo Antunes. 

"A ideia era não fazer um livro de ensaios críticos, mas fugir do tom acadêmico", ela diz. "Queria que os textos incluíssem a questão emocional, em que estivesse presente o afeto dos ensaístas sobre a obra em questão." 

A lista de artistas plásticos inclui Guto Lacaz, Aguilar, Lenora de Barros, Gringo Cardia, André Vallias, Ailton Krenak, Ernane Cortat, Ray Vianna, Leandro Feigenblatt, Nelson Provazi, Adriana Ferla, Rico Lins e o coletivo assume vivid astro focus.

Segundo Lenora, entrar em contato íntimo com o álbum só torna ainda mais clara a importância dele no contexto artístico nacional. "Assim que fui trabalhar em cima da "Lindonéia" (canção de Caetano que, por sua vez, foi inspirada em quadro de Rubens Gerchman), tive certeza que, via Caetano, a Lindonéia do Gerchman sempre esteve em mim, presente no meu trabalho", diz. 

"AMÁLGAMA"

Lançado em 1968, o LP "Tropicália ou Panis et Circencis" regulamentava, em manifesto sonoro, os explosivos conceitos já expostos por Caetano, Gil, Mutantes e o maestro Rogério Duprat no festival da Record de 1967.

Terminava de dinamitar, sem caminho de volta, muitos dos padrões estabelecidos da MPB de então, rompendo fronteiras entre bom e mau gosto, direita e esquerda, nacional e estrangeiro.

"Mais do que mistura ou miscigenação, o tropicalismo promoveu a amálgama", diz Mautner. "O disco realiza a profecia do Walt Whitman, poeta americano, que diz que o vértice da humanidade será o Brasil. Ou o mundo se brasilifica, ou virará nazista." 

TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS

AUTOR Ana de Oliveira (org.) 
EDITORA Iyá Omin 
QUANTO R$ 153 (127 págs.) 

A coluna de Calligaris, em dia de auto-ajuda, me lembrou irremediavelmente a piada do cara que, 25 anos de terapia depois, recebe alta, continua fazendo xixi na cama mas, agora nem liga

CONTARDO CALLIGARIS 

Felicidade e alegria

Quando eu era criança ou adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz.

Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor.

Por sorte, 1) meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou pedagogos desavisados; 2) graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a infância era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas; 3) com isso, evitei uma depressão profunda pois, uma vez que a infância e a adolescência, que eu estava vivendo, não eram paraíso algum (nunca são), qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção?

Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: 1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; 2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes.

Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida -que ainda não chegou ou que já passou.

No filme de Arnaldo Jabor, "A Suprema Felicidade", que está em cartaz atualmente, o avô (extraordinário Marco Nanini) confia ao neto que a felicidade não existe e acrescenta que, na vida, é possível, no máximo, ser alegre.

Claro, concordo com o avô do filme. E há mais: para aproveitar a vida, o que importa é a alegria, muito mais do que a felicidade. Então, o que é a alegria?

Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto, da mesma forma que, uma vez que somos obrigados a sentar à mesa diante de pratos que não são nossos preferidos ou dos quais não gostamos, é melhor saboreá-los do que tragá-los com pressa e sem mastigar. Melhor, digo, porque a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente penoso.

Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível sobretudo no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Alguém perguntará: é reconhecível como?

Pois é, para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Tento explicar melhor.

Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime (descobri a penicilina, solucionei o problema do Oriente Médio, mereci o Paraíso).

Para justificar a vida, bastam as experiências (agradáveis ou não) que a vida nos proporciona, à condição que a gente se autorize a vivê-las plenamente.

Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é.

É óbvio que não consegui explicar o que são a alegria e o encanto da vida. Talvez eles possam apenas ser mostrados: procure-os em "Amarcord" (1973), de Federico Fellini, em "Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas" (2003), de Tim Burton ou no filme de Jabor. "A Suprema Felicidade" me comoveu por isto, por ter a sabedoria terna de quem vive com alegria e, portanto, no encantamento.

Segundo Max Weber (1864-1920), a racionalidade do mundo industrial teria acabado com o encanto do mundo. Ultimamente, bruxos, vampiros, lobisomens, deuses e espíritos andam por aí (e pelas telas de cinema); aparentemente, eles nos ajudam a reencantar o mundo.

Ótimo, mas, para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo.

Eu Dou o que Elas Gostam

A Pausa que diverte

EDUARDO ESCOREL
  
O fato de ter sido visto por mais de 7 milhões de espectadores nas primeiras semanas de exibição – demonstrando potencial para se tornar o filme de maior público do cinema brasileiro – não exclui a necessidade de argumentos que procurem equilibrar a euforia em torno de Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro.

Com talento artístico e competência empresarial, José Padilha – diretor, produtor e roteirista – e sua equipe realizaram o feito singular de serem bem-sucedidos ao tratar de assunto da atualidade, façanha que situa Tropa de Elite 2 em categoria à parte entre os títulos que integram a lista dos filmes mais vistos do cinema nacional.

Ao contrário do conservadorismo predominante nos subprodutos da televisão e nos filmes de proselitismo espírita, únicas alternativas com bom público até o advento de Tropa de Elite 2, o filme dirigido por José Padilha lota cinemas contrariando preceitos. Além de ser narrado em voz off pelo personagem principal – recurso tido como pouco comercial por supostos entendidos em marketing – o filme invalida a noção de que o público rejeita sua própria realidade quando mostrada na tela, ideia usada muitas vezes como justificativa para fracassos comerciais. 

Favorecido pelo acaso de ter estreado no início do segundo turno da eleição presidencial, Tropa de Elite 2 trata de segurança pública e corrupção, temas na ordem do dia. Espectadores-eleitores, cientes da obrigação de votar no final de outubro, parecem ter encontrado no filme a representação da sua descrença na política e nos políticos. Indo ao encontro desse sentimento, Tropa de Elite 2 talvez tenha aberto o caminho do sucesso – antes do exercício compulsório do voto, nada como a pausa que diverte.

O pressuposto que fundamenta o roteiro de Tropa de Elite 2, escrito por José Padilha e Bráulio Mantovani, parece ser o mesmo do livro Elite da Tropa, lançado em 2005. No prefácio, os autores – Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, os dois últimos ex-integrantes do Batalhão de Operações Policiais Especiais, o Bope, da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, sendo Pimentel também um dos argumentistas de Tropa de Elite 2 – fazem uma profissão de fé na verdade, inspirada em Nelson Mandela: “É preciso olhar nos olhos a verdade e reconhecê-la, sem meias palavras e subterfúgios, sem hipocrisia e retórica política. Nua e crua. Mesmo que ela seja dolorosa e disforme. Mesmo que a encontremos apenas pelas mediações da ficção.”

A semelhança entre os eventos encenados em Tropa de Elite 2 e diversos fatos de conhecimento público está longe de ser mera coincidência, como afirma a legenda de abertura do filme. Há uma deliberada ironia em informar que se trata de uma obra de ficção passada no “Rio de Janeiro”, nos “dias de hoje”. O sarcasmo leva o espectador a estabelecer logo de início um laço de cumplicidade com o que está vendo. Por outro lado, o destaque dado a essa advertência, delimitando a responsabilidade legal dos produtores, enfraquece de saída qualquer hipotética intenção de Tropa de Elite 2 ter algum poder regenerador. 

Além disso, a hipocrisia implícita em definir Tropa de Elite 2 como “obra de ficção” talvez explique a ausência de reação por parte de instituições e categorias profissionais criticadas no filme. Policiais, políticos e ativistas de direitos humanos não parecem sentir nenhuma necessidade de se manifestar. É como se houvesse um acordo tácito estabelecendo que um lado sofisma e o outro finge acreditar. Dizendo que “apesar das possíveis coincidências o filme é uma obra de ficção”, ninguém se sente atingido, esvai-se o caráter crítico de Tropa de Elite 2 e os espectadores, reconfortados, podem voltar satisfeitos para casa. 

Situado no domínio do espetáculo ficcional, não cabe cobrar, como foi feito, verossimilhança de cada uma das situações encenadas. Mais relevante é o pragmatismo adotado por José Padilha em nome da eficácia para causar impacto, levando a procedimentos convencionais bem realizados: estrutura narrativa cíclica começando e acabando, fora o epílogo, com um atentado; cenas de violência explícita servindo para justificar o vale-tudo da guerra; música de andamento acelerado parecendo soar de forma ininterrupta; pieguice ao retratar a relação do personagem principal com seu filho; ritmo frenético graças à câmera ágil e inquieta que busca reproduzir o olhar de quem participa da ação; montagem cadenciada privilegiando planos curtos. Em Tropa de Elite 2 não há tempo para contemplar e refletir – o filme transcorre em estado de transe permanente.

O personagem principal, o tenente-coronel Roberto Nascimento, comandante-geral do Bope e depois subsecretário de Inteligência, interpretado de forma memorável por Wagner Moura, agrava sua crise existencial ao descobrir o valor relativo das verdades que, para ele, sempre foram inquestionáveis. Anti-herói calejado por ter enfrentado sucessivas situações-limite, parece estar em rota suicida, confrontando o que ele mesmo chama de “o sistema” – comunidade de interesses envolvendo policiais e políticos corruptos. Em sua missão solitária não há lugar para nuances. Segundo afirma, na Assembleia Legislativa não há nem dez fichas limpas e é preciso acabar com a Polícia Militar do Rio.

Franco-atirador, José Padilha mobiliza valores arraigados de classe média que formam o caldo de cultura de regimes ditatoriais. Basta lembrar uma das primeiras providências de Getúlio Vargas ao implantar o Estado Novo, em 1937 – extinguiu os partidos políticos. Medida idêntica à do governo militar de 1964, que criou dois novos partidos apenas para manter as aparências.

Se as assembleias legislativas e o Congresso Nacional estão contaminados por corrupção e envoltos em criminalidade, como se vê em Tropa de Elite 2, proclamar a falência da atividade política, como faz o filme, estimula a descrença na democracia – regime de governo que assegura o direito de fazer críticas desse gênero.

Mesmo sendo panfletárias, não há por que contestar as ideias de um personagem de ficção. No prefácio de Elite da Tropa, porém, os autores foram mais cautelosos: “Este livro foi escrito com o propósito de enriquecer o processo de reflexão dos policiais e da opinião pública. Seu objetivo não é depreciar os profissionais da segurança, mas valorizá-los; não é atingir as instituições, mas promover seu aperfeiçoamento. Não há democracia sem polícia.” Posição diferente da defendida pelo tenente-coronel Roberto Nascimento. Maniqueísta, a cada passo ele se surpreende diante da complexidade do que está em jogo. À sua visão simplificadora, talvez se deva parte do sucesso do filme.

Seria esperar demais que Tropa de Elite 2 tivesse adotado perspectiva mais próxima àquela dos autores do livro? Nessa hipótese, a empatia do filme talvez fosse afetada. Para evitar esse risco, Tropa de Elite 2 escolheu jogar para a plateia e foi amplamente recompensado.

Tuesday, November 16, 2010

GEEENNTEEE!!!

Advogado do goleiro diz que é viciado em crack há oito anos

O advogado Ércio Quaresma revelou ontem à TV Alterosa - afiliada do SBT em Belo Horizonte - que é viciado em crack há oito anos e que luta contra a droga.

Ele é defensor de Bruno Fernandes de Souza no caso do desaparecimento de Eliza Samudio, ex-amante do goleiro.

Segundo Quaresma, ele aparece em uma gravação fumando crack. Por isso, resolveu dar a entrevista antes que o vídeo "vazasse".

"Tive uma recaída, e a partir de oito anos pretéritos eu tive um ingresso nesse tenebroso mundo do crack", afirmou.

Ontem, a Folha não conseguiu entrar em contato com o advogado de Bruno.

Sunday, November 14, 2010

Tutty Vasquez

Comentam os empregados entre si pelos cantos da mansão que a única diversão de Silvio Santos nesses dias de aflição econômica é atender o telefone anunciando-se como Edinaldo, sem disfarçar a própria gargalhada inconfundível: “Hahaai, hihiih…” – todo mundo sabe imitar, daí a pontinha de dúvida que persiste em quem liga sobre quem de fato está lá, do outro lado da linha. Ninguém lesado em R$ 2,5 bilhões tem ânimo sequer para tirar o fone do gancho.

Outra coisa estranha nas atuais circunstâncias: em meio ao drama financeiro de conhecimento público, o apresentador foi pelo menos quatro vezes esta semana ao Jassa, seu cabeleireiro no Itaim Bibi, apontado como a única pessoa capaz de entender a cabeça por trás do Baú.

Não! O rombo do Banco Panamericano não é uma lambança como outra qualquer – nada sob a administração do Silvio é ordinário no sentido de corriqueiro. A imprensa está cortando um dobrado para entender o caso.

O Silvio recorre sempre ao animador gaiato quando é chamado a falar como banqueiro. “Quem é Rafael Palladino?” – quis saber dia desses da jornalista que lhe perguntava pelo diretor-superintendente afastado após a fraude. Como se o cara não fosse, além de lambão, primo de sua mulher, Íris Abravanel. Silvio era uma espécie de primo rico quando deu ao ex-personal trainer, ex-gerente de academia de ginástica e ex-dono de posto de gasolina a chance de fazer desaparecer bilhões do mercado financeiro. Se bem que currículo, no caso do dono do SBT, também não quer dizer nada.

O fato é que os verdadeiros amigos do homem estão preocupados! Quanto tempo vai durar essa alegria do animador de auditório se não houver volta por cima do banqueiro? Não à toa, Hebe Camargo já avisou ao chefe: pode botar no prego todas as joias da apresentadora, caso precise de garantias para novos empréstimos. Pensa que ela não é doida pra isso?

http://blogs.estadao.com.br/tutty/

Saturday, November 13, 2010

O que realmente importa no Enem não está sendo discutido

SIMON SCHWARTZMAN / ESPECIAL PARA A FOLHA

Na confusão criada com o Enem, o que menos se discute é o que mais interessa: precisamos deste Enem, com este formato? Que vantagens e problemas ele traz? Não existem outras maneiras melhores de fazer isso? 

O principal objetivo do Enem, desde o início, foi estabelecer um padrão de referência para o ensino médio.

Como as escolas são muito diferentes, ter um padrão nacional permite avaliar o que o aluno realmente aprendeu, e, de tabela, dizer algo sobre suas escolas, quando temos um número significativo de alunos da mesma escola participando. 

São informações que também podem ser usadas por universidades em seus processos de seleção. 
Esse tipo de avaliação final do ensino médio existe em muitos países, mas de forma muito diferente da nossa. São dois modelos principais. 

Na Europa, são feitas avaliações de conteúdo, com os estudantes podendo escolher as áreas em que querem ser avaliados (com algumas exigências comuns, como o uso da língua e conceitos matemáticos). 

Nos Estados Unidos, o que predomina é o SAT (Scholastic Aptitude Test), que avalia competências gerais em áreas de pensamento crítico, língua e matemática. 

Essas avaliações são feitas não pelos governos, mas por instituições especializadas, como os cinco "examination boards" ingleses ou o Educational Testing Service nos Estados Unidos. 

O SAT, assim como o GRE (Graduate Record Examination) e outros exames americanos, é feito várias vezes ao ano em múltiplos locais, usando sistemas computadorizados nos quais as questões vão aparecendo para o estudante conforme ele vai avançando. 

O Enem atual é uma combinação perversa dos dois modelos: por um lado, como na Europa, ele é fortemente baseado em conteúdos, aparentemente para atender às demandas das universidades, para que elas possam, no limite, dispensar seus próprios vestibulares. Mas ele não dá opções aos alunos.

O resultado, além do pesadelo burocrático e logístico das provas, é que ele vai contra a necessidade de criar mais alternativas de estudo no ensino médio, força os alunos a uma maratona de dois dias de provas cujo resultado pode decidir seu futuro, e muitas das principais universidades do país relutam em usar seus resultados como critério de admissão para seus cursos. Algumas sugestões:

1) tirar a implementação do Enem do Inep e do sistema de licitações anuais e colocar em uma ou mais instituições especializadas, a serem constituídas;

2) voltar ao formato de uma prova geral de competências centrais aplicada de forma descentralizada e por computadores; 

3) abrir o leque de avaliações por áreas de conhecimento, conforme os interesses dos estudantes e das universidades que queiram fazer uso dessas informações - que seriam administradas de forma descentralizada;

4) dar transparência ao sistema, publicando os documentos técnicos e as matrizes de referência para as diferentes áreas em avaliação. 

Essas podem não ser as melhores sugestões, mas é isso que deveríamos estar discutindo, e não os erros logísticos que têm surgido, embora eles sejam, pelo menos em parte, consequência do sistema mastodôntico de avaliação que se decidiu adotar. 

SIMON SCHWARTZMAN é pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Foi presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) entre 1994 e 1998.

Nicolelis: Só no Brasil a educação é discutida por comentarista esportivo

Conceição Lemes

Desde o último final de semana, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Ministério da Educação (MEC) estão sob bombardeio midiático.

Estavam inscritos 4,6 milhões estudantes, e 3,4 milhões  submeteram-se às provas.  O exame foi aplicado em 1.698 cidades, 11.646 locais e 128.200 salas.  Foram impressos 5 milhões de provas para o sábado e outros 5 milhões para o domingo. Ou seja, o total de inscritos mais de 10% de reserva técnica.

No teste do sábado, ocorreram  dois erros  distintos. Um foi assumido pela gráfica encarregada da impressão. Na montagem, algumas provas do caderno de cor amarela tiveram questões repetidas, ou numeradas incorretamente ou que faltaram. Cálculos preliminares do MEC indicavam que essa falha tivesse afetado cerca de 2 mil alunos. Mas o balanço diário tem demonstrado, até agora, que são bem menos: aproximadamente 200.

O outro erro, de responsabilidade do Inep, foi no cabeçalho do cartão-resposta. Por falta de revisão adequada, inverteram-se os títulos. O de Ciências da Natureza apareceu no lugar de Ciências Humanas e vice-versa. Os fiscais de sala foram orientados a pedir aos alunos que preenchessem o cartão, de acordo com a numeração de cada questão, independentemente do cabeçalho. Inep é o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, órgão do MEC encarregado de realizar o Enem.

“Nenhum aluno será prejudicado. Aqueles que tiveram problemas poderão fazer a prova em outra data”, tem garantido desde o início o ministro da Educação, Fernando Haddad. “Isso é possível porque o Enem aplica  a teoria da resposta ao item (TRI), que permite que exames feitos em ocasiões diferentes tenham o mesmo grau de dificuldade.”

Interesses poderosos, porém, amplificaram ENORMEMENTE os erros para destruir a credibilidade do Enem. Afinal, a nota no exame é um dos componentes utilizados em várias universidades públicas do país para aprovação de candidatos, além de servir de avaliação parabolsa do PRO-UNI.

“Só os donos de cursinhos e aqueles que não querem a democratização do acesso à universidade podem ter algo contra o Enem”, afirma, indignado, ao Viomundo o neurocientista Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke, nos EUA, e fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, no Rio Grande do Norte. “Eu vi a entrevista do ministro Fernando Haddad ao Bom Dia Brasil, TV Globo. Que loucura!  Como  jornalistas  que num dia falam de incêndio, no outro, de escola de samba, no outro, ainda, de esporte, podem se arvorar em discutir um assunto tão delicado como sistema educacional? Pior é que ainda se acham entendedores. Só no Brasil educação é discutida por comentarista esportivo!”

Nicolelis é um dos maiores neurocientistas do mundo. Vive há 20 anos nos Estados Unidos, onde há décadas existe o SAT (standart admissions test), que é muito parecido com o Enem. Tem três filhos. Os três já passaram pelo Enem americano.

Viomundo — De um total de 3,4 milhões de provas aplicadas no sábado, houve problema incontornável em menos de 2 mil. Tem sentido detonar o Enem, como a mídia brasileira tem feito? E dizer que o Enem fracassou, como um ex-ministro da Educação anda alardeando?

Miguel Nicolelis — Sinceramente, de jeito algum — nem um nem outro. O Enem é equivalente ao  SAT, dos Estados Unidos. A metodologia usada nas provas é a mesma: a teoria de resposta ao item, ou TRI, que é uma tecnologia de fazer exames.  O SAT foi criado  em 1901. Curiosamente, em outubro de 2005, entre as milhões de provas impressas, algumas tinham problema na barra de códigos onde o teste vai  ser lido.  A entidade que  faz o exame não conseguiu controlar, porque esses erros podem acontecer.

Viomundo — A Universidade de Duke utiliza o SAT?

Miguel Nicolelis — Não só a Duke, mas todas as grandes universidades americanas reconhecem o SAT. É quase um consenso nos Estados Unidos. Apenas uma minoria é contra. E o Enem, insisto, é uma adaptação do SAT, que é uma das melhores maneiras de avaliação de conhecimento do mundo. O teste é a melhor  forma de avaliar uniformemente alunos submetidos a diferentes metodologias de ensino. É a saída para homogeneizar a  avaliação de estudantes provenientes de um sistema federativo de educação, como o americano e o brasileiro,  onde os graus de informação, os métodos, as formas como se dão, são diferentes.

Viomundo — Qual a periodicidade do SAT?

Miguel Nicolelis — Aqui, o exame é aplicado sete vezes por ano. O aluno, se quiser, pode fazer três, quatro, cinco, até sete, desde que, claro, pague as provas. No final, apenas a melhor é computada. Vários estudos feitos aqui já demonstraram que o SAT é altamente correlacionado à capacidade mental geral da pessoa. Todo ano as provas têm uma parte experimental. São questões que não contam nota para a prova. Servem apenas para testar o grau de dificuldade. Outro peculiaridade do sistema americano é a forma de corrigir a prova. É desencorajado o chute.

Viomundo — Explique melhor.

Miguel Nicolelis — Resposta errada perde ponto, resposta em branco, não. Por isso, o aluno pensa muito antes de chutar, pois a probabilidade de ele errar é grande. Então se ele não sabe é preferível não responder do que correr o risco de responder errado.

Viomundo — Interessante …

Miguel Nicolelis — Na verdade,  o SAT é  maneira  mais honesta, mais democrática de avaliar pessoas de  lugares diferentes, com sistemas educacionais diferentes,  para tentar padronizar o ingresso. Aqui, nos EUA, a molecada faz o exame e manda para as faculdades que querem frequentar. E as escolas decidem quem entra, quem não entra. O SAT é um dos componentes para essa avaliação.

Viomundo — Aí tem cursinho para entrar na faculdade?

Miguel Nicolelis — Tem para as pessoas aprenderem a fazer o exame, mas não é aquela loucura da minha época. Era cheio de cursinho para todo lugar no Brasil. Cursinho  é uma máquina de fazer dinheiro.  Não serve para nada a não ser para fazer o exame. Por isso ouso dizer: só os donos de cursinho e aqueles que não querem democratizar o acesso à universidade podem ter algo contra o Enem.

Viomundo — Mas o fato de a prova ter erros é ruim.

Miguel Nicolelis — Concordo. Mas os erros vão acontecer.  Em 1978, quando fiz a Fuvest (vestibular unificado no Estado de São Paulo), teve pergunta eliminada, pois não tinha resposta.  Isso acontece desde o tempo em que havia exame para admissão [ao primeiro ginasial, atualmente 5ª série do ensino fundamental)  na época das cavernas (risos). Você não tem exame 100% correto o tempo inteiro.

Então, algumas pessoas estão confundindo uma metodologia  bem estudada, bastante conhecida e aceita há décadas,   com problemas operacionais que acontecem em qualquer processo de impressão de milhões de documentos. Na dimensão em que aconteceram no Brasil está dentro das probabilidade de fatalidades.

Viomundo — Em 2009, também houve problema, lembra-se?

Miguel Nicolelis — No ano passado foi um furto, foi um crime. O MEC não pode ser condenado por causa de um assalto, que é uma contigência e nada tem a ver com a metodologia do teste.

Só que, infelizmente, gerou problemas operacionais para algumas universidades, que não consideraram a nota do Enem nos seus vestibulares. Isso não quer dizer que elas não entendam ou nãoaceitam o teste. As provas do Enem são muito mais democráticas, mais  racionais e mais bem-feitas do que os vestibulares de qualquer universidade brasileira.

Eu fiz a Fuvest. Naquela época, era muito ruim. Não media nada. E, ainda assim, a gente teve de se sujeitar àquilo, para entrar na faculdade a qualquer custo.

Viomundo — Fez cursinho?

Miguel Nicolelis — Não. Eu tive o privilégio de estudar numa escola privada boa. Mas muitas pessoas que não tinham educação de alto nível eram obrigadas a recorrer ao cursinho para competir em condições de igualdade.

Mas o cursinho não melhora o aprendizado de ninguém. Cursinho é uma técnica de aprender a maximizar a feitura do exame. É quase um efeito colateral do sistema educacional absurdo que  até recentemente tínhamos no Brasil. É um arremedo. É um aborto do sistema educacional que não funciona.

Viomundo — Qual a sua avaliação do Enem?

Miguel Nicolelis — É um avanço tremendo, porque a longo prazo a repetição do Enem várias vezes por ano vai acabar com o estresse do vestibular. Você retira o estresse do vestibular. Na minha época, e isso acontece muito ainda hoje, o jovem passava os três anos esperando aquele "monstro". De tal sorte, o vestibular transformava o colegial numa câmara de tortura. Uma pressão insuportável. Um  inferno tanto para os meninos e meninas quanto para as famílias. Além disso,  um sistema humilhante, porque as pessoas que não podiam frequentar um colégio privado de alto nível sofriam com o complexo de não poder competir em pé de igualdade. Por isso os cursinhos floresceram e fizeram a riqueza de tanta gente, que agora está metendo o pau no Enem. Evidentemente  vários interesses estão sendo contrariados devido ao êxito do Enem.

Viomundo — Tem muita gente pixando, mesmo.

Miguel Nicolelis — Todo esse pessoal que pixa acha que sabe do que está falando.  Só que não sabe de nada. Exame educacional não é  jogo de futebol. Tem metodologia, dados, história. E olha que eu adoro futebol. Sempre que estou no Brasil, vou ao estádio para assistir ao jogos do Palmeiras [Ninguém é perfeito (rs)!] O Brasil fez muito bem em entrar no Enem. É o único jeito de  acabar com esse escárnio, com essa ferida que é o vestibular .

Viomundo — Nos EUA, não há vestibular para a universidade. O senhor acha que o Brasil seguirá essa tendência?

Miguel Nicolelis — Acho que sim. O importante é o seguinte. O Brasil está tentando iniciar esse processo. Quando você inicia um processo dessa magnitude, com milhões fazendo exame,  é normal ter problemas operacionais de percurso, problemas operacionais. Isso faz parte do processo.

Nós estamos caminhando para o Enem ser a moeda de troca da inclusão educacional. As crianças vão aprender que não é porque elas fazem cursinho famoso da Avenida Paulista que elas vão ter mais chance de entrar na universidade. Elas vão entrar na universidade pelo que elas acumularam de conhecimento ao longo da vida acadêmica delas. Elas vão poder demonstrar esse conhecimento sem estresse, sem medo, sem complexo de inferioridade. De uma maneira democrática.E, num futuro próximo, tanto as crianças de escolas privadas quanto as  de escolas públicas vão começar a entrar nesse jogo  em pé de igualdade. Aí,  sim vai virar jogo de futebol.

Futebol é uma das poucas coisas no Brasil em que o mérito é implacável. Joga quem sabe jogar. Perna de pau não joga. Não tem espaço. O talento se impõe instantantaneamente.

Educação tem de ser a mesma coisa. O talento e a capacidade têm de aflorar naturalmente e todas as pessoas têm de ter a chance de sentar na prova com as mesmas possibilidades.

Aluguel de partidos

FERNANDO DE BARROS E SILVA

A despeito de descrever uma verdade, a expressão "partido de aluguel" tem evidente conotação pejorativa. Em geral, designamos assim certas legendas nanicas. Mas como chamar um partido que apoia o governo Lula (ou Dilma) na esfera federal e ao mesmo dá seu apoio ao governo Serra (ou Alckmin) em São Paulo? Partido anfíbio? Partido oportunista? Partido Macunaíma? Partido ao meio? 

Não estou me referindo apenas ao PMDB, verdadeiro partido de artistas, capaz de abocanhar a vice-presidência do governo Dilma, segurar com uma mão no governo Alckmin e com a outra fazer acenos para atrair Gilberto Kassab do DEM.

Pense no PSB, no PDT e no PV, três partidos que têm alguma pretensão de ser levados a sério ou possuir identidade programática. Na prática, pertencem à base do governo petista na esfera federal e à base do governo tucano em SP. Coerência? Basta invocar as "diferenças" regionais para justificar a adesão a A aqui e B ali e vice-versa.

É curioso o caso do PSB. O partido cresceu, elegeu ou reelegeu seis governadores (entre eles Eduardo Campos, em Pernambuco, com jeito de que pode ser uma liderança nacional). Mas o PSB, em São Paulo, serviu de barriga de aluguel para a candidatura quixotesca de Paulo Skaf, o empresário que liderou o "Xô, CPMF!", que os governadores do partido agora querem de volta. Afinal, que apito toca o PSB?

O DEM se tornou uma espécie de testemunha involuntária de como é difícil fazer oposição no Brasil. Isso também se aplica a São Paulo, onde os governos tucanos mandam e desmandam na Assembleia Legislativa usando os mesmos métodos de aliciamento do governo federal.

Como a Folha noticiou, Alckmin agora está empenhado em promover um arrastão nas legendas que também parasitam Lula/Dilma (o PR, o PRB e o PP, além das citadas). Quase todos estão na política para isso mesmo: fazer negócios. E todos querem ser do único partido que de fato importa - o partido do poder.

Tuesday, November 09, 2010

Qual oposição?

José Álvaro Moisés

O ESTADO DE S. PAULO

Os resultados da competição eleitoral provocaram, como seria de esperar, euforia e júbilo do lado dos vencedores, e perplexidade e mal-estar do lado dos derrotados, mas enquanto no primeiro caso a presidente eleita se esforça para emitir sinais sutis de que pode introduzir mudanças na orientação do novo governo, no caso da oposição são ainda tênues e insuficientes as indicações de que o recado das urnas foi assimilado. Satisfeitos, de alguma maneira, com o fato de que o PSDB e o DEM conquistaram dez governos estaduais, representando mais da metade do eleitorado do país, as primeiras manifestações dos dirigentes desses partidos não mostraram se e como eles avaliam as causas de suas derrotas em 2002, 2006 e 2010 na disputa pelo comando do Estado. A necessidade de se reinventar para estabelecer novas bases de diálogo com os eleitores está demorando para sensibilizar os dirigentes da oposição.

A questão não é simples e envolve uma preocupação relevante: a democracia não pode funcionar adequadamente sem uma oposição robusta, vigorosa e competente. Como observaram Robert Dahl e Giovanni Sartori, entre outros, a democracia é o regime da participação popular e da contestação política, mas além de supor eleições livres e competitivas, ela depende também da existência de uma oposição suficientemente autônoma e forte para ser capaz de limitar o poder e controlar o desempenho da maioria. A oposição não pode impedir a maioria de existir e agir, mas ela tem de ter acesso a meios institucionais adequados para avaliar a legitimidade da atuação do governo e ser capaz de defender os direitos das minorias. Mais do que isso, a oposição tem de ser capaz de sinalizar para a sociedade a qualidade das alternativas que ela defende, de modo que os cidadãos, em sua condição de eleitores, possam avaliar e julgar os governos a que estão submetidos; isso, no entanto, não pode ser apresentado apenas durante as campanhas eleitorais, tem de ser parte do cotidiano da política.

Importante em qualquer democracia, isso é mais ainda em uma sociedade marcada por tantas diversidades sociais, culturais e políticas como o Brasil, em que o vencedor das eleições presidenciais se elege com pouco mais da metade dos votos válidos, mas tem de governar também para a outra metade da nação que opta tanto por alternativas políticas diferentes, como pela não-escolha (abstenções somadas aos votos brancos e nulos no 2° turno deste ano foram mais de 28%, representando mais de 36 milhões de eleitores). Assim, se envolve cooperação entre forças políticas distintas, a democracia também depende de que posições conflitantes sejam toleradas, possam se expressar e estejam representadas no sistema político. Essa exigência depende de que a lei e as instituições a assegurem, mas a garantia de seu funcionamento depende muito da existência de uma oposição ativa.

Nas democracias consolidadas, o sucesso da oposição está associado a fatores como a sua coesão interna, a preservação de sua identidade e a capacidade de sinalizar que se constitui em alternativa, ao mesmo tempo, viável e melhor do que a oferecida pela coalizão governante. Nos últimos oito anos, no entanto, a oposição ao governo Lula e ao PT, centrada no PSDB, no DEM e no PPS, não conseguiu atender direito a esses requisitos: a disputa interna por posições de poder, a dificuldade de assumir um perfil político diferente da coalizão governante e a ausência de projetos capazes de sinalizar as mudanças econômicas, políticas e sociais necessárias ao estágio atual do País não ajudou a oposição a conquistar o coração e as mentes da maioria dos eleitores brasileiros. Exemplos disso foram as três últimas campanhas presidenciais: como sugeriu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o PSDB virou as costas para a sua história, deixou de lado as conquistas alcançadas em seus dois governos e foi incapaz de explicar por que a estabilidade econômica, o controle da inflação e as privatizações eram parte de um mesmo projeto de desenvolvimento e bem-estar da sociedade. Menos transparente ainda foi a posição quanto a programas como o Bolsa-Família: primeiro, pareceu que a oposição recomendava abandonar o programa por seu caráter assistencialista, sem apontar o caminho para se enfrentar a dependência política que ele de fato cria; depois, na campanha, o programa foi objeto de promessas de expansão, agora sem indicar como romper com o assistencialismo e torná-lo parte de um projeto social e econômico mais abrangente.

Muitas das dificuldades para se constituir em alternativa política competitiva se devem ao fato de os partidos de oposição não terem se enraizado na sociedade, sendo incapazes de captar os sentimentos e os anseios de seus diferentes segmentos. Diferentemente do PT, o PSDB, o DEM e o PPS não conseguiram mobilizar e recrutar a classe média, os estudantes, os intelectuais e os artistas, os empresários - para citar apenas setores usualmente mais interessados na participação política; mais espantoso ainda é o caso do PSDB, partido auto-definido como social-democrata, mas que nunca se esforçou para formar uma base sindical sólida que lhe permitisse disputar com as demais forças a condução do movimento; nem mesmo quando os sindicatos brasileiros foram recooptados pelo Estado, no governo Lula, as vozes da oposição foram fortes o suficiente para mostrar à sociedade civil as implicações antidemocráticas dessa tendência neo-corporativista.

Preferindo agir quase que exclusivamente no âmbito do Congresso Nacional (na produção de leis, normas jurídicas e políticas públicas), a oposição tampouco se esforçou em trazer para o debate público o fato de que, diante das enormes prerrogativas reservadas ao Executivo pela Constituição de 1988, ela tem as suas mãos atadas. Não são apenas as MPs que travam a ação do Congresso, mas também as prerrogativas presidenciais únicas de iniciar leis, pedir urgência urgentíssima para suas matérias e elaborar o orçamento da união; por isso, o Executivo tornou-se o grande legislador da democracia brasileira, limitando muito o exercício das funções de fiscalização e controle do parlamento. A atuação da oposição, em anos recentes, foi insuficiente para enfrentar esse nó institucional, tendo faltado suas iniciativas para debater a questão com a sociedade - o que, em parte, deixou o Congresso Nacional isolado e objeto de enorme desconfiança pública.

Um grande desafio ronda, portanto, a oposição nos próximos anos: a sua capacidade de se reinventar. PSDB, DEM, PPS, e agora também o PV, terão de encontrar os seus pontos de convergência e cooperação, mas como ocorreu outras vezes na história terão de ir ao povo se não quiserem desaparecer. A questão não pode, no entanto, ser simplificada por uma razão conhecida: em muitos aspectos, a coalizão liderada pelo presidente Lula se apropriou em políticas que tinham sido introduzidas pelo governo FHC, deixando a oposição em uma situação difícil, como se não tivesse bandeiras próprias. A oposição não soube explicar isso ao País e um dos seus desafios, agora, será reconhecer que parte das bandeiras social-democratas está sendo realizada pelo PT e descobrir, nessa situação complexa, o seu papel diferencial: que políticas econômicas e sociais de longo prazo podem ser apresentadas pela oposição? Quais as suas vantagens e viabilidades? E como traduzir isso para uma maioria de eleitores aparentemente satisfeita com as políticas desenvolvidas pelas coalizões dirigidas por Lula e o PT?

Essas questões serão, por certo, objeto de novas propostas de gestão de parte da oposição, uma vez que apontem para o projeto de sociedade que se deseja construir, mas talvez o modo mais eficaz dela se reapresentar à sociedade seja avançar também em um terreno em que o PT e o presidente Lula têm deixado a desejar: na defesa e no aprofundamento da democracia representativa. Não há dúvida de que temos democracia no Brasil, mas em várias áreas a qualidade do regime é de baixa intensidade: o império da lei ainda não está plenamente estabelecido, alguns direitos de cidadania valem mais para alguns segmentos do que para outros e os mecanismos de avaliação e controle do desempenho dos governos (accountability horizontal e vertical) ainda funcionam precariamente. Além disso, há áreas de claro déficit de representação: o sistema de eleição proporcional não assegura uma relação adequada entre representantes e representados, e os mecanismos de financiamento de campanhas eleitorais, além de torná-las excessivamente caras, são fonte de corrupção e de desconfiança dos cidadãos. A oposição pode mostrar como essas distorções contrariam os princípios de liberdade e igualdade; e empunhar, entre outras propostas, a bandeira do voto distrital e da recuperação da autonomia do Legislativo, propugnando, sem medo de acusações de udenismo, pela introdução de mecanismos mais rigorosos de combate à corrupção. Sua identidade se definiria, assim, pelas propostas de aprofundamento da democracia e pelas implicações disso para a expansão dos direitos de cidadania.

A palavra está com os novos governadores, senadores e deputados eleitos; eles têm a densidade eleitoral necessária para reinventar a oposição e surpreender o País. Esperemos que façam isso.

José Álvaro Moisés é professor de Ciência Política da USP e autor, entre outros livros, de Democracia e Confiança - Por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas (Edusp, 2010)

Monday, November 08, 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA

O futuro do PSDB

Apesar da derrota, ou por causa dela, José Serra alimenta a pretensão de se tornar presidente do PSDB na convenção que o partido realiza entre maio e junho de 2011. Seria a maneira de se manter vivo no jogo, contra a ameaça de se tornar um retrato na parede.

Ocorre que, desta vez, Serra vai encontrar resistência bem maior à sua pretensão. Está disseminada a percepção de que o futuro da tucanolândia passa pela capacidade de entender e sinalizar desde já que Serra pertence ao seu passado. Ou seja, de que a fila agora andou.

Na presidência do partido, o ex-governador representaria uma espécie de terceiro turno contra Dilma Rousseff, em prejuízo da construção de um consenso partidário em torno do nome de Aécio Neves.

Não é à toa que o mineiro acaba de propor uma "refundação" do PSDB, a fim de "atualizar o programa" e "recuperar sua identidade partidária". Como diria Serra, essa história de refundação não passa de trololó. Quando Aécio fala em "atualizar" e "recuperar a identidade", nos dois casos quer dizer: Serra, até logo, chegou a minha vez.

O candidato de Aécio para presidir o PSDB hoje é Tasso Jereissati. Ele e Serra nunca se bicaram, todos sabem. Mas imagina-se que Tasso seja o nome capaz de fazer a ponte entre Aécio e Geraldo Alckmin, evitando que a relação entre os PSDBs de Minas e de São Paulo caminhe para um esgarçamento perigoso.

Aécio, neste momento, movimenta-se para disputar a presidência do Senado, num esforço claro para demonstrar que tem bom trânsito entre os partidos, inclusive os da base aliada de Dilma. Foi Cid Gomes (PSB), irmão de Ciro e governador do Ceará, quem defendeu em público o nome do mineiro para o comando da Casa.

A Alckmin, no entanto, pode interessar uma aliança tática com Serra para evitar que Aécio se projete desde já no horizonte como líder incontestável do novo PSDB. Apostar nisso é o que resta a Serra, às voltas com a ruína.


FERNANDO RODRIGUES

Futurologia

Dois nomes se consolidaram na eleição deste ano no campo governista e na oposição.

O governador de Pernambuco reeleito, Eduardo Campos (PSB), é o emergente mais vistoso entre os dilmistas. E o senador eleito por Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) lidera o lado oposto.

Se moverem as peças corretas no tabuleiro, não é um exagero dizer que ambos estão habilitados para concorrer com chances reais de ganhar o Palácio do Planalto algum dia. Pode ser em 2014, 2018 ou 2022. Aécio tem 50 anos. Eduardo Campos, 45. O tempo está a favor deles. Jovens, podem esperar a fila andar e o momento certo.

No caso do tucano, tudo dependerá de como se sairá depois da transição de poder em curso no PSDB. Os aliados tradicionais da legenda, DEM e PPS, também precisam ser devidamente cooptados de maneira mais perene. Há alguns anos ouve-se a hipótese de fusão dessas siglas para criar uma agremiação análoga ao Partido Republicano dos EUA aqui no Brasil.

Essa eventual incorporação é vital para Aécio. O PSDB passa por um processo de raquitismo. Sem músculos partidários, o mineiro não terá uma caminhada suave.

No caso de Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes (1916-2005), a conjuntura é semelhante. Ele comanda um partido que terá em 2011 seis governadores, 34 deputados e três senadores. É a força de centro-esquerda mais saliente depois do PT. Por que não fundir as duas siglas e construir a maior agremiação de apoio a Dilma Rousseff a partir de 2011?

Juntos, PT e PSB teriam 11 governadores, 122 deputados e 18 senadores. Nasceria a maior sigla desde o PMDB anabolizado artificialmente nos anos 80 por causa do Plano Cruzado. Esse é um cenário improvável. Impossível talvez. Mas certamente seria uma aposta robusta para viabilizar um projeto presidencial competitivo de Campos nessa espécie de neo-PT.

Sunday, November 07, 2010

‘Até logo’ de Serra desagrada a tucanos, que defendem renovação no partido

Integrantes do PSDB avaliam que ele foi personalista e não ajudou a promover os novos passos da legenda

01 de novembro de 2010

Roberto Almeida e Julia Duailibi, de O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - A declaração do candidato derrotado à Presidência da República, José Serra (PSDB), que em discurso sobre o resultado de anteontem disse que não dava um "adeus", mas um "até logo", causou polêmica entre tucanos e aliados, que reservadamente defendem uma renovação dos quadros da oposição nos próximos anos.

Serra, ao reconhecer a vitória da candidata do PT, Dilma Rousseff, sinalizou que não sairá da vida pública, embora não tenha mencionado se pretende voltar a disputar algum cargo eletivo. Houve repercussão negativa da declaração junto a aliados que se incomodaram com a frase "o povo não quis que fosse agora", usada por ele para falar da derrota.

No bastidor, integrantes do PSDB avaliam que Serra foi personalista na colocação e não promoveu o que deveriam ser os novos passos do partido, no momento em que sofre a segunda derrota na disputa pela Presidência da República. Há uma cobrança pela reconstrução do PSDB e a adoção imediata de uma bandeira para defender, como a reforma política, durante os quatro anos de administração Dilma.

Na visão desses tucanos, o posicionamento de Serra manifestado ontem impede a criação de um novo canal de interlocução com a sociedade, o que, segundo eles, pode ser decisivo para o fortalecimento da legenda e da oposição no País. E questionam qual espaço político será utilizado pelo candidato derrotado para ser um "militante produtivo".

O pano de fundo para o descontentamento interno de parte do PSDB é a briga, ainda discreta, por espaço político na legenda. Os principais protagonistas dessa disputa velada são os serristas e os entusiastas do governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do senador eleito Aécio Neves (MG).

Com musculatura política renovada, Alckmin tem pela frente uma nova geração de tucanos, além de colaboradores tradicionais, que defendem o seu nome como principal liderança no Estado. Do lado mineiro, há descontentamento com a supremacia paulista na escolha dos presidenciáveis, além do entendimento de que São Paulo perdeu a vez com as duas derrotas de Serra e a de Alckmin, em 2006.

Tucanos serristas culpam Aécio pela derrota na eleição, já que o mineiro não conseguiu obter a vitória de Serra em seu Estado, apesar de ter emplacado um "novato" em eleições, o seu ex-vice e agora governador Antonio Anastasia, que conseguiu se reeleger. No discurso de anteontem, Serra não citou Aécio, mas conversou com ele por telefone à noite.

Para tentar evitar que o partido rache, como ocorreu às vésperas da disputa presidencial deste ano, com a indefinição em torno de quem seria o presidenciável, Serra ou Aécio, o presidente nacional do PSDB, senador Sergio Guerra (PE), tem defendido que a escolha do nome que disputará a Presidência da República em 2014 deve ser feita nos próximos dois anos.

Discurso

Para aliados de Serra, o discurso de ontem foi importante para mandar um sinal para o eleitor que o escolheu."Serra demonstrou responsabilidade com as pessoas que votaram nele. Elas não podem ser esquecidas", afirmou o deputado Jutahy Junior (BA). "A realidade é que Serra tem mais de 40 anos de vida pública. Não tem motivo para abandonar isso, o que não significa, necessariamente, disputar um cargo eletivo. Fiquei satisfeito de ver que ele continuará na vida pública. É muito bom ver que alguém como ele está disposto a isso", completou o tucano.

Um dos coordenadores da campanha de Serra, José Henrique Reis Lobo, que reassumirá nesta semana a presidência do diretório municipal do partido, avalia que, em seu discurso, Serra "assumiu a tarefa de ser uma das lideranças da oposição". "Ele vai ser uma das grandes expressões e um oráculo das oposições, não só em estratégia, como em discurso", afirmou Lobo.

O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), disse que "não se pode exigir um discurso perfeito", no momento em que o candidato derrotado foi falar da derrota. "Foi um discurso que demonstrou sua maturidade aos 68 anos e experiência. Se deixou de citar um ou outro, é porque não estavam presentes", declarou.

*

Aécio defende refundação do PSDB e oposição propositiva

Senador eleito afirma que partido não pode se envergonhar de privatizações

VALDO CRUZ - Folha

Ex-governador de Minas e senador eleito, Aécio Neves defende a "refundação do PSDB" para recuperar sua "identidade". Para isso, propõe refazer o programa partidário até maio de 2011.

O novo texto defenderia sem "constrangimentos" as privatizações de FHC e, ao mesmo tempo, fugiria de armadilhas eleitorais fixando que empresas como Banco do Brasil e Petrobras devem ser mantidas como estatais.

Ele promete uma "oposição generosa" a Dilma nas discussões sobre reformas e "aguerrida" na defesa da democracia e da ética. Aécio diz que o presidente Lula "atropelou" algumas instituições na campanha, mas Dilma "foi eleita legitimamente".

Folha - Qual será o papel do PSDB no governo Dilma? 

Aécio Neves - Existiu um pensador inglês que deixa um ensinamento tanto para o governo que assume como para a oposição. Benjamin Disraeli, primeiro-ministro da Inglaterra (1804-1881), dizia que para haver um governo forte é preciso haver oposição forte. É esse papel que temos de desempenhar.

O PSDB precisa de mudanças após as últimas três derrotas? 

Estamos no momento de refundar o PSDB para recuperar nossa identidade partidária. Por isso estarei propondo ao partido que, daqui até maio, quando teremos nossa convenção partidária, possamos refazer e atualizar o nosso programa partidário.

Vou sugerir um grupo de três notáveis do partido para coordenar essa refundação.

Quem seriam os notáveis? 

O presidente Fernando Henrique, o candidato José Serra e o ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati.

Qual a linha da refundação?

Que fale da nossa visão sobre privatização sem constrangimentos. Temos de mostrar como foi importante para o país a privatização das telecomunicações, Embraer, Vale. Ao mesmo tempo assegurar, de forma clara, que existem empresas estratégicas do Estado que não estarão sujeitas a qualquer discussão nessa direção, como o Banco do Brasil, a Petrobras.

O sr. quer acabar com as armadilhas eleitorais em que o partido caiu nas eleições? 

Temos de falar disso com altivez, reconhecendo e assumindo o nosso legado. Não existiria o governo Lula com seus resultados se não tivesse havido os governos Itamar Franco e FHC.

FHC disse que não mais apoiará um PSDB que não defenda seu passado. 

Eu compreendo a angústia do presidente, mas não vou, numa hora dessas, olhar para trás. Vou olhar para a frente. O governador Serra defendeu com extrema altivez e coragem pessoal as teses que achava que deveria defender. Foi um guerreiro nesta campanha, defendeu valores extremamente importantes.

E sobre lançar daqui a dois anos o candidato do PSDB a presidente em 2014? 

Não sei se é hora de pensar nisso. A vida é feita por etapas. Não podemos é correr o risco de ter um processo atropelado no final.

O momento é mais de a "luta continua", fala de Serra após a derrota, ou de estender a mão, de Dilma Rousseff? 

Temos como exercer uma oposição aguerrida na defesa das nossas instituições, da própria democracia e na fiscalização permanente das ações do governo, colocando limites em eventuais excessos. E, ao mesmo tempo, exercermos uma oposição propositiva, que apresente propostas em torno de uma agenda de Estado, e não de governo. Aí entra na pauta a agenda das grandes reformas. Devemos estar dispostos a sentar à mesa na busca de construção de consensos em torno dessas reformas.

Quais? 

Começo pela política, que reorganize nosso sistema político-partidário. A tributária, que aponte na direção da redução da carga tributária. Reforma do Estado, que fortaleça Estados e municípios; a construção de uma política industrial racional, que nos tire da armadilha em que entramos, que nos transforma em exportadores de produtos primários e importadores de manufaturados. Na discussão desses temas a próxima presidente encontrará uma oposição generosa e ao mesmo tempo firme na defesa das instituições democráticas, nos limites éticos.

O presidente Lula pediu à oposição que não seja raivosa em relação ao governo Dilma. 

Não vamos fazer a oposição raivosa exercida pelo PT ao governo FHC, votando contra tudo. O próprio PT deve ter aprendido com isso. O Brasil está maduro para ter outro tipo de oposição.

Na eleição, sua relação com Lula ficou desgastada. 

Temos de compreender isso como parte do processo eleitoral. Passado o calor eleitoral, todos temos de ter a disposição para conversar. Só uma oposição frágil e insegura se negaria a discutir com o governo temas essenciais à vida nacional.

Lula extrapolou na eleição? 

A eleição está passada. Quem tem de fazer esse juízo é a sociedade. A presidente foi eleita legitimamente.

A fila andou no PSDB? O sr. é o candidato a presidente? 

[rindo] O PSDB nunca teve dificuldades de quadros. Continua não tendo. Só alguém neófito em política se lança candidato de si próprio. Eu estarei à disposição do partido para cumprir o papel que me designar.

Quem foi o personagem da eleição de 2010? 

O presidente Lula. Construiu uma candidatura à revelia do seu partido e venceu. Essa é a marca que fica. Atropelando em determinados momentos algumas das nossas instituições, mas venceu as eleições e temos de reconhecer essa vitória, não nos fragilizarmos a partir dela.

O sr. pode sair do PSDB? 

Meu destino é no PSDB.

Defende a abertura de uma janela partidária para troca de partidos no próximo ano? 

Não acho que seja o essencial. Deveríamos discutir a cláusula de desempenho. 

06/11/2010

Caso Erenice provocou 2º turno, diz marqueteiro de Dilma

FERNANDO RODRIGUES / ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Dilma Rousseff ganhou a eleição para presidente da República, a primeira de sua vida. Mas seu marqueteiro, João Santana, venceu sua terceira disputa desse gênero. Ele é o profissional latino-americano mais bem-sucedido na área de comunicação política-eleitoral em anos recentes.

Em uma de suas raras entrevistas, Santana, 57 anos, falou à Folha na última quarta-feira, em sua casa de veraneio próxima a Salvador, na Bahia. Fez uma ampla análise do processo eleitoral brasileiro e da última campanha.

Sobre as razões de a disputa ter sido remetida ao segundo turno, aponta como principal fator o escândalo de suspeita de tráfico de influência na Casa Civil, envolvendo Erenice Guerra, sucessora de Dilma naquela pasta:

"O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso a Casa Civil."

Pesquisas mostraram, diz Santana, que a onda religiosa e o debate sobre aborto tiveram efeito limitado. Ele faz uma autocrítica: "Erramos quando, no primeiro momento embarcamos nessa onda, e erraram mais eles que insistiram nessa maré hipócrita. Isso, aliás, foi um dos maiores fatores de desgaste e inibição do crescimento de [José] Serra [PSDB, adversário de Dilma] no segundo turno".

Contratado eventual do PT, Santana também atuou como consultor de imagem de Lula nos últimos quatro anos. Jornalista de formação, o marqueteiro baiano foi o criador de algumas das marcas e siglas mais famosas do lulismo, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Minha Casa, Minha Vida (cujo nome inicial proposto pela burocracia do governo era o anódino "Casa para Todos").

Assim como Lula, faz algumas metáforas futebolísticas. "A substituição de Lula por Dilma foi como a troca de Pelé por Amarildo na Copa de 1962. Mas o Amarildo entrou e deu conta do recado", diz ele, evocando o episódio em que a seleção brasileira de futebol ficou sem seu principal jogador na disputa que rendeu o segundo título mundial ao país.

Gosta de elucubrar sobre a troca de poder de Lula para Dilma. "As paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O povo é, por natureza, sincretista e politicamente polígamo", diz Santana. Para ele, haverá um "vazio oceânico" com a saída de Lula. Mas haveria "na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia" que ele chama "metaforicamente de 'cadeira da rainha', e que poderá ser ocupada por Dilma". E arrisca um conselho aos políticos em geral: "Não subestimem Dilma Rousseff. Este alerta vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente".

O marqueteiro lembra que "a República brasileira não produziu uma única grande figura feminina, nem mesmo conjugal" até hoje. "Dilma tem tudo para ocupar esse espaço", apesar da sua proverbial falta de carisma.

Logo após o caso Erenice, Santana relata ter sido necessária uma reaproximação entre Lula e Dilma 'de emergência'. Mas a superexposição do presidente, de maneira exaltada, em comícios no final do segundo turno mereceu reprovação do marqueteiro: "Alguém quando está no palanque esquece que trechos editados de sua fala podem aparecer em telejornais de grande audiência".

Muito próximo tanto de Lula como de Dilma durante os últimos 12 meses, ele fala também com um pouco de ironia sobre a mudança estética e o treinamento da candidata neófita em disputas eleitorais: "A decisão de fazer a operação plástica, por exemplo, foi dela. Como toda mulher, quando se trata de estética, ela gosta de ela mesma tomar iniciativa. Ou, pelo menos, de pensar que foi dela a decisão".

Na semana passada, o marqueteiro fez mais um trabalho para Lula: dirigiu o depoimento do presidente à nação que foi transmitido na sexta-feira à noite em cadeia de rádio e de TV. Agora, pretende tirar alguns dias de férias. Estudar propostas de trabalho que recebeu para atuar em eleições presidenciais em cinco países: Peru, Argentina, Guatemala, República Dominicana e México.


Folha - O sr. fez o marketing das duas últimas campanhas presidenciais vitoriosas no Brasil. Quais as diferenças e semelhanças?

João Santana - Foram campanhas profundamente dessemelhantes.

Destaco alguns dos pontos que tiveram em comum: o profundo desdém da oposição aos candidatos Lula e Dilma nas pré-campanhas; o susto que eles tomaram no início dos dois primeiros turnos com o crescimento rápido e vigoroso dos nossos dois candidatos; a falsa ilusão de vitória que eles criaram na passagem do primeiro para o segundo turno, e a desilusão e desfecho finais.

Entre os vários pontos de dessemelhança, eu gostaria de frisar apenas um, e que diz respeito diretamente à minha área: apesar das aparências, a campanha de 2010 foi de uma complexidade estratégica, e principalmente tática, imensamente maior do que a de 2006. Eu diria, até, que do ponto de vista do marketing, esta talvez tenha sido a campanha presidencial mais complexa dos últimos tempos no Brasil.

Folha - A percepção da oposição, então, segundo sua avaliação, foi equivocada?

Na pré-campanha de 2006, a oposição imaginou, erroneamente, que Lula estivesse destruído com o escândalo do mensalão. Imaginou que um discurso udenista, neurótico e tardio, pudesse influenciar amplas camadas da população na campanha. Não perceberam o incipiente, porém já vigoroso, movimento de ascensão social e de gratificação simbólica e material que vinha sendo produzido pelo governo Lula.

Na pré-campanha de 2010, houve um erro porque menosprezaram o valor pessoal e o potencial de crescimento de Dilma e, também, a capacidade de transferência de Lula. É o período da arrogante, equivocada e elitista 'teoria do poste'.

O grande crescimento que Lula, em 2006, e Dilma, em 2010, tiveram no final das pré-campanhas, e especialmente no início do primeiro turno, deixou-os atordoados. Só se recuperaram um pouco quando foram favorecidos por fatores extracampanhas, o caso dos aloprados e o escândalo Erenice.

Folha - Por que Dilma não venceu no 1º turno? Lembro-me que as previsões internas eram de que ela teria de 56% a 57% dos votos...

Por vários fatores, alguns já facilmente percebidos e explicados. Outros que levarão ainda algum tempo para serem corretamente analisados. Começo indo na contramão da maioria dos analistas: o eleitorado brasileiro é, hoje, um dos mais maduros do mundo. E cada dia sabe jogar melhor.

Uma das provas desse amadurecimento é a consolidação, cada vez maior, da "cultura de segundo turno" nas eleições presidenciais. E ela atua, paradoxalmente, junto com a consolidação de um outro comportamento aparentemente antagônico: a consagração do princípio da reeleição. O de deixar um bom governo continuar, mas, ao mesmo tempo não aceitar passivamente tudo o que ele faz. Este conflito é uma forte demonstração de amadurecimento do eleitor brasileiro. No fundo é aquele maravilhoso conflito humano entre a reflexão e a decisão, entre a fé a descrença, entre a confiança e a suspeita, entre a entrega e a autodefesa.

Nas últimas eleições, parte do eleitorado tinha um fabuloso atalho, que era a candidatura Marina, para praticar o "voto de espera", o voto reflexivo. E utilizou este ancoradouro, este auxílio luxuoso que era a candidatura Marina, para mandar alguns recados para os dois principais candidatos. Por essas e por outras razões houve segundo turno.

Folha - Que recados foram estes que os eleitores mandaram para Dilma e para Serra?

No nosso caso foi: "Olha, eu aprovo o governo de vocês, mas não concordo com tudo que acontece dentro dele; adoro o Lula mas quero conhecer melhor a Dilma".

No caso do Serra: "Seja mais você mesmo, porque desse jeito aí você não me engana; mas afinal, qual é mesmo esse Brasil novo que você propõe?; me diga lá: você é candidato a prefeito, a pastor ou a presidente?".

Folha - Os candidatos, no segundo turno, deram respostas eficientes a esses recados dos eleitores?

Nenhuma campanha, em nenhum lugar do mundo, responde a todas as perguntas, preenche todas dúvidas, nem atenua, completamente, os conflitos racionais e emocionais dos eleitores. Uma campanha será sempre um copo com água pela metade, meio vazio pra alguns, meio cheio pra outros.

No nosso caso, acho que respondemos algumas perguntas. A prova é que não apenas crescemos quantitativamente, como houve uma melhoria, mais que significativa, na percepção dos atributos da nossa candidata.

Folha - Em que se sustenta a tese de que essa foi a mais complexa campanha, estratégica e taticamente dos últimos tempos?

Por várias características atípicas, originais e exclusivas desta campanha. Para não me alongar muito, vou comentar apenas alguns fatores do nosso lado. Nós tínhamos um presidente, em final de mandato, com avaliação recorde, paixão popular sem limite e personalidade vulcânica.

Uma caso único não só na história brasileira como mundial. Uma espécie de titã moderno.

Do outro lado, tínhamos uma candidata, escolhida por ele, que era uma pessoa de grande valor, enorme potencial, porém muitíssimo pouco conhecida.

Tínhamos o desafio de transformar em voto direto, e apaixonado, uma pessoa que chegava à primeira cena por força de uma escolha indireta, quase imperial. Tínhamos que transformar a força vulcânica de Lula em fator equilibrado de transferência de voto, com o risco permanente da transfusão virar overdose e aniquilar o receptor.

Tínhamos a missão de fazer Dilma conhecida e ao mesmo tempo amada; uma personagem original, independente, de ideias próprias e, ao mesmo tempo, uma pessoa umbilicalmente ligada a Lula; uma pessoa capaz de continuar o governo Lula mas também capaz de inovar.

Tudo isso dentro de um curtíssimo prazo e dentro do cenário de uma das maiores, mais vibrantes e maravilhosamente mal construída democracias do mundo, que é a democracia brasileira. E que tem um dos modelos de propaganda eleitoral, ao mesmo tempo, mais permissivo e restritivo do mundo; um calendário eleitoral hipocritamente dos mais curtos, e, na prática, dos mais longos do mundo. Isso é dose. É um coquetel infernal.

Folha - O que mais facilitou e atrapalhou o trabalho?

Acho que o que mais nos ajudou foram as lendas equivocadas que a oposição, secundada por alguns setores da mídia, foi construindo sistematicamente. E se aferrando desesperadamente a elas, mesmo que os fatos fossem derrotando uma após outra.

No início, construíram quatro lendas eleitorais: que Lula não transferia voto, que Dilma ia ser péssima na TV, que Dilma ia ser um desastre nos debates e que Dilma, a qualquer momento, iria provocar uma gafe irremediável nas entrevistas. Nada disso ocorreu, muito pelo contrário.

Construíram, pelo menos, quatro lendas biográficas: que Dilma tinha um passado obscuro na luta armada, que era uma pessoa de currículo inconsistente, que teve um mau desempenho no governo Lula, e que o fato de ter tido câncer seria fatal para a candidatura. Nada disso se confirmou.

E construíram lendas políticas. As principais eram que Dilma não uniria o PT, não teria jogo de cintura para as negociações políticas e que não saberia dialogar com a base aliada. Outra vez, tudo foi por terra.

Ora, com tantas apostas equivocadas, o resultado não podia ser outro. Se você permitir, eu gostaria adiante de comentar sobre novas lendas equivocadas que já estão começando a construir em relação ao futuro governo Dilma.

Folha - Na fase final, a oposição apostou numa guerra moral e religiosa, no mundo da ética e dos valores. Isso não atrapalhou?

De forma irreversível, não. Acho, inclusive, que no final o feitiço virou mais contra o feiticeiro. As questões do aborto e da suposta blasfêmia foram apenas vírgulas que ajudaram a nos levar para o segundo turno. Repito, apenas vírgulas.

O caso Erenice foi o mais decisivo porque atuou, negativamente, de forma dupla: reacendeu a lembrança do mensalão e implodiu, temporariamente, a moldura mais simbólica que estávamos construindo da competência de Dilma, no caso a Casa Civil.

Por motivos óbvios, vínhamos ressaltando, com grande ênfase, a importância da Casa Civil. Na cabeça das pessoas, a Casa Civil estava se transformando numa espécie de gabinete paralelo da presidência. E o escândalo Erenice abalou, justamente, esse alicerce.

Voltando à questão da moral religiosa: como a oposição abusou da dose, provocou, no final, rejeição dos setores evangélicos que interpretaram o fato como jogada eleitoral e afastou segmentos do voto independente, principalmente de setores da classe média urbana, que se chocou com o falso moralismo e direitização da campanha de Serra.

Folha - Mas essa opção às vezes à direita da oposição, em certa medida, era algo esperado. Ou não?

Eu alertei sobre isso, inclusive, em um seminário interno da Folha que participei em maio. Este é um fenômeno que infelizmente vem acontecendo, na América Latina, com alguns setores desgarrados, que antes de autointitulavam de socialdemocratas e se inclinaram perigosamente para a direita.

Passaram a utilizar, em suas campanhas, um mix de técnicas do Partido Republicano americano, mais ferramentas da direita espanhola e de operadores antichavistas da Venezuela.

Eu me defrontei com este aparato na campanha que fiz para o presidente Mauricio Funes, em El Salvador. Fomos vítimas de uma das mais insidiosas e obscuras campanhas negativas. Mas vencemos. O ideário é o mesmo, os conceitos manipulados semelhantes, as técnicas de medo iguais. O que varia é a dosagem e os instrumentos.

Aqui a direitização ficou mais circunscrita a certos tabus morais e religiosos. Mas também trafegou, principalmente na internet, no obscurantismo político de pior extração. Quem estuda este fenômeno e viu um vídeo que circulou na internet, intitulado a 'Dama de Vermelho', sabe do que estou falando. Por sinal, este vídeo é uma réplica de alguns que foram produzidos contra Mauricio Funes, em El Salvador, e a favor da campanha de Felipe Calderón no México.

Folha - No início da entrevista, o sr. disse que iria comentar o que considera 'novas lendas equivocadas' projetadas para o governo Dilma. Do que se trata?

Eu acho necessário um humilde alerta: não subestimem Dilma Rousseff. Este alerta vale tanto para opositores como para apoiadores da nova presidente.

Dentro e fora do Brasil já começam a pipocar análises apressadas de que Dilma dificilmente preencherá o grande vazio sentimental e simbólico que será deixado por Lula. E que este será um problema intransponível para ela. Bobagem.

Não há dúvida de que a ausência de Lula deixa uma espécie de vazio oceânico. Lula é uma figura única, que uma nação precisa de séculos pra construir. Mas Dilma, em lugar de ser prejudicada por este vazio, será beneficiada por ele. Basta saber aproveitar - e acho que ela saberá - a oportunidade única e rara, que tem nas mãos, de se tornar conhecida e amada ao mesmo tempo.

É preciso também estar atento para o fato de que as paixões populares são múltiplas porque o povo não é politicamente monogâmico. O povo é, por natureza, sincretista e politicamente polígamo. E há na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia, que chamo metaforicamente de "cadeira da rainha", e que poderá ser ocupada por Dilma.

A República brasileira não produziu uma única grande figura feminina, nem mesmo conjugal. Dilma tem tudo para ocupar esse espaço. O espaço metafórico da cadeira da rainha só foi parcialmente ocupado pela princesa Isabel. Para um homem sim, seria uma tarefa hercúlea suceder a Lula. Para uma mulher, não. Em especial, uma mulher como Dilma. Lula sabia disso e este talvez seja o conteúdo mais genial da sua escolha.

Folha - Quando ficou claro que haveria 2º turno? No dia?

No dia da apuração. Havia fortes indícios de perda de substância da nossa candidata, porém, os indicadores nos davam uma relativa segurança de que ganharíamos no primeiro turno.

Ao contrário da eleição de 2006, quando eu fui o primeiro a alertar o presidente Lula de que iríamos para o 2o turno, desta vez eu fui um dos últimos a admitir isso. Acompanhando a apuração no Alvorada, ao contrário de 2006, eu era um dos poucos que ainda acreditava que ainda ganharíamos por uma margem estreita.

Folha - A receita do 2º turno deste ano se assemelha à de 2006: acusar os tucanos de serem privatistas e contra o patrimônio nacional. Mas desta vez o efeito não foi tão forte como há quatro anos. Essa fórmula está perto do esgotamento?

É reducionismo dizer que a receita do segundo turno foi a de acusar os tucanos de privatistas. Se você rever os programas e comerciais, vai constatar que discutimos modelo de política econômica, políticas sociais, modelo de desenvolvimento, entre outros temas.

Fui o responsável pela introdução do tema privatizações em 2006. Na verdade, não estava muito apaixonado pela ideia de utilizá-lo outra vez nesta campanha. Inclusive porque, ao contrário de certos homens de marketing, não gosto de repetir fórmulas. Mas havia um consenso, na cúpula da campanha, de que o tema ainda estava vivo. Meu convencimento final veio quando decidimos acoplá-lo, de forma mais que justa, ao futuro do pré-sal.

Folha - Essa abordagem sobre 'tucanos privatistas X petistas defensores do patrimônio nacional' não seria uma exploração indevida do imaginário popular?

Já falei sobre isso e não fui muito bem interpretado. Tucanos e petistas divergem, de fato, profundamente neste tema. A sociedade brasileira sempre acompanhou com o máximo de interesse, receio e com muita cautela essa discussão.

O debate continua vivo. Por que é manipulação reacender ou esquentar esse debate? A propaganda eleitoral brasileira é um espaço bastante democrático, e mais que apropriado para este tipo de discussão. Nela, cada um pode expor seu pontos de vista e estabelecer o contraditório. Com fatos e argumentos. Sem medo e sem timidez.

Folha - Por que o Vox Populi, contratado pela campanha de Dilma, não captou a queda nas pesquisas de maneira mais precisa?

Essa é uma pergunta que o instituto pode responder melhor do que eu.

Folha - Quando as pesquisas diárias ('trackings') começaram as ser feitas? E os grupos de análise qualitativa? Dilma assistiu a alguns desses grupos?

Os trackings começaram uma semana antes da propaganda eleitoral. Os grupos de pesquisas qualitativas começaram também nesse período, e eram quase diários.

No segundo turno, os grupos de qualis eram diários. Eram 12 grupos, distribuídos pelas várias regiões do país. Em São Paulo, eram sempre quatro grupos, variando entre capital e interior. Duas empresas faziam esse trabalho. Em São Paulo, a Oma Pesquisas. No restante do país, a Síntese. A candidata Dilma não assistiu aos grupos por falta de tempo e de interesse direto.

Folha - Foi um erro a forma como Lula fez alguns comícios na parte final do 1º turno, falando em extirpar o DEM da política e dizendo que 'a opinião pública somos nós'?

Como eu já disse, o presidente tem uma personalidade vulcânica. Sua intuição emocional faz com que ele acerte bastante, e às vezes cometa erros. Mas o saldo nesta e em outras campanhas sempre foi muito positivo.

Folha - Mas houve uma certa overdose de Lula no final do 1º turno, com ele aparecendo não de forma exaltada em comícios?

Na propaganda eleitoral, não. Desde o início, eu sabia que uma das coisas mais difíceis era a modulação da presença de Lula. Fiz um desenho estático que considero correto. Dividi a campanha com base nos 45 dias de TV e rádio em três fases iguais de 15 dias cada. A primeira, consistiu em colar bastante Lula a Dilma. Depois, seria preciso atenuar um pouco a presença dele no meio da campanha. E, por fim, voltar a colá-los fortemente no final.

Na primeira fase, era preciso mostrar aos eleitores que havia afinidade, respeito e confiança entre eles. Consumado isso em 15 dias, como eu esperava, com êxito, era então necessário reforçar a identidade própria de Dilma. Isso só seria possível se as pessoas conseguissem enxergá-la sem a sombra luminosa de Lula. Assim, os segundos 15 dias da campanha tiveram a troca da persona Lula pela intensificação da representação simbólica do governo Lula.

Só que no final dessa segunda fase ocorreu uma trágica coincidência: o escândalo Erenice.

Folha - E o que foi feito?

Fomos forçados a fazer uma reaproximação entre Lula e Dilma de emergência.

Folha - Mas Lula não se excedeu nos comícios?

De certa forma, sim. Mas isso é até explicável. A presença de um político no palanque permite certo tipo de arroubo que a propaganda eleitoral não comporta. Acontece que alguém quando está no palanque esquece que trechos editados de sua fala podem aparecer em telejornais de grande audiência.

Folha - Na passagem do 1º para o 2º turno, ele deu uma sumida. Por quê?

Foi por um período muito curto. Foi intencional por dois motivos. Primeiro, porque era necessário dar um certo refresco para a imagem do presidente por causa do uso excessivo em todas as campanhas em todas as unidades da Federação. Os candidatos em todos os níveis usaram e abusaram da imagem de Lula de forma excessiva e até irresponsável como nunca ocorrera antes.

Segundo, estávamos fazendo um reposicionamento estratégico, e antes que as transições conceituais ficassem claras, era importante preservar o nosso principal trunfo, que era o presidente. Foi uma operação tão delicada e corajosa que o próprio presidente Lula, na passagem do primeiro para o segundo turno, chegou a me questionar a respeito.

Folha - Muitos temeram a derrota nessa fase?

Temer a derrota é inerente a qualquer um envolvido em uma campanha. Sobretudo quando há uma quebra de expectativa, que foi o que ocorreu com a ida para o segundo turno.

De certa maneira, esse mesmo sentimento perpassou a campanha de 2006, no início daquele segundo turno.

Folha - Quando Dilma teve câncer, o que a área de marketing da pré-campanha fez?

Primeiro, foi um susto. Uma situação insólita. Iniciar uma campanha com uma candidata pouco conhecida e enfrentando um desafio dessa magnitude. Só havia então um caminho que era buscar o máximo de transparência. Todo o tratamento foi ampla e livremente noticiado pela mídia. Num caso como este não se pode, nem se deve inventar ou maquiar nada. A verdade é o melhor remédio. Até porque ela sempre prevalece.

Folha - A sua contratação ocorreu a partir de quando?

O PT me contratou para dar consultoria e fazer as propagandas partidárias em 2009.

Folha - Como Dilma reagiu à necessidade de fazer operação plástica no rosto e na região do pescoço, mudar o vestuário, treinar oratória, aceitar cabeleireiro e maquiadora sempre perto?

Variou. A decisão de fazer a operação plástica, por exemplo, foi dela. Como toda mulher, quando se trata de estética, ela gosta de ela mesma tomar iniciativa. Ou, pelo menos, de pensar que foi dela a decisão.

Folha - Por que Dilma tem dificuldade para falar em público, às vezes não completando um raciocínio?

Durante toda a sua vida, Dilma foi treinada mais para fazer do que para falar. Além disso, ela é daquelas pessoas que tem raciocínio mais rápido do que a verbalização. E algo ainda mais complexo: imagine uma pessoa que nunca foi candidata a nada inaugurando sua vida eleitoral sendo candidata a presidente de um país do tamanho do Brasil?

Tudo isso provoca um tipo de tensão e ansiedade que obviamente repercute na maneira de se comunicar. Porém, o mais surpreendente, é que Dilma superou todos esses obstáculos de maneira brilhante. O mérito maior é dela.

Folha - Como era sua equipe na campanha?

Tive a felicidade de formar um "dream team". Cerca de 200 pessoas estiveram envolvidas. Alguns já trabalhavam comigo há muito anos como Eduardo Costa, meu braço direito e um dos grandes responsáveis pelo sucesso da campanha. Outros se reaproximaram e foram fundamentais como Marcelo Kértesz, Lô Politi e Giovani Lima, como diretores de vídeo. Sem falar da presença essencial de Mônica Moura, minha mulher e sócia.

Folha - Como o presidente Lula interagiu com Dilma durante a campanha?

Em termos presenciais, o contato foi muito menor do que quando ela estava no governo.

Folha - Haveria alguma forma de o PSDB usar de maneira positiva, em nível nacional, a imagem de FHC em uma campanha presidencial?

Num período muito curto de campanha, seria muito difícil, quase impossível. Se eu estivesse no lugar de Luiz Gonzalez [publicitário da campanha de José Serra], que considero um dos melhores marqueteiros do Brasil, talvez eu fizesse o mesmo que ele fez.

O uso da imagem de FHC só seria viável eleitoralmente depois de um trabalho consistente ao longo de um período de vários anos. Seria preciso recuperar uma narrativa do governo tucano, que teve méritos, mas ficou com a imagem avariada por causa do final da administração FHC.

Creio ter havido um desleixo da parte do próprio Fernando Henrique, com uma atitude olímpica. Quem sabe, por vício acadêmico, ele esperava um resgate histórico que viesse apenas por gravidade. Mas, no seu caso, seria necessário mais do que isso. Ele e seu partido teriam de se esforçar para defender a imagem daquela administração, deixando de lado a timidez ou o medo que demonstram ter.

Folha - Teria sido possível neste ano eleger José Serra ou algum candidato de oposição? Com qual estratégia?

Muito improvável. A menos que cometêssemos alguns erros e a oposição milhões de acertos

Folha - Aécio Neves teria tido condições de vencer Dilma?

Poderia ter feito uma campanha mais bonita e mais vibrante do que Serra. Mas mesmo assim seria derrotado.

Folha - Como foi e com qual frequência se deu neste ano sua relação com o publicitário de Serra, Luiz González?

Sempre tivemos uma boa relação. Admiro o González tanto por sua competência como por seu caráter. E é sempre uma parada dura enfrentá-lo numa campanha. Nos falamos várias vezes durante esta campanha para negociarmos regras de debates e outros detalhes envolvendo participações dos nossos candidatos.

A negociação mais insólita foi quando liguei, pra ele, na véspera do Círio de Belém, sugerindo que abríssemos mão da propaganda eleitoral na TV no dia da festa, no Pará. Ele pediu pra consultar o Serra e topou. Tenho certeza que os paraenses gostaram muito desta atitude e Nossa Senhora de Nazaré, com certeza, abençoou os dois candidatos.

Folha - Esta eleição teve dez debates. Quais foram os mais úteis eleitoralmente? Os da Globo, pela alta audiência?

Todos foram importantes, mas nenhum decisivo.

Folha - Todos os debates foram engessados por regras impostas pelos candidatos e seus assessores. O que seria necessário para haver debates mais livres?

Os debates, como algumas regras da propaganda eleitoral, têm de ser revistos. O problema dos debates é que dependem da vontade dos candidatos. E vontade dos candidatos é a coisa mais difícil de administrar.

Folha - E no caso do horário eleitoral, o que pode ser feito?

Eu acho que a lei de propaganda eleitoral é uma das mais modernas do mundo. Porém, há situações anômalas que devem ser corrigidas. Por exemplo, a legislação sobre pré-campanha. Outra, a legislação do segundo turno.

No caso do segundo turno, como está concebido, é uma violência contra os candidatos, contra os partidos, contra os eleitores e contra as equipes que produzem os programas eleitorais. Deveria haver menos propaganda, mais debates obrigatórios, mais liberdade de entrevistas nos meios de comunicação eletrônicos e a eleição em si ser mais próxima da do primeiro turno.

Folha - Qual foi a importância da internet na campanha?

Ao contrário do que se fala, a internet teve um papel importante nesta eleição. Pena que tenha sido usada, muito fortemente, para veicular campanha negativa raivosa, anônima e, muitas vezes, criminosa. Isso terminou por diminuir muito a credibilidade do material que circulava na web. Mas a cada dia o papel da internet será maior nas eleições brasileiras. E isso é muito bom para a disputa eleitoral e para o avanço democrático.

Folha - Nos EUA, a web é usada na difusão de propaganda negativa, mas também na arrecadação de fundos. Quando haverá isso aqui?

Como já disse, houve um predomínio de propaganda negativa. Mas a mobilização nas redes sociais foi também intensa. Esta é a grande chave, no futuro, para aumentar o impacto da web nas eleições.

Folha - Qual foi o saldo da contratação de técnicos que trabalharam na campanha da web de Barack Obama?

A participação deles ficou praticamente restrita à transferência de tecnologia e de ferramentas. Não participaram da estratégia nem da conceituação da campanha em nenhum nível. Mas são profissionais bem competentes em sua área.

Folha - Teria sido possível eleger algum outro ministro técnico como Dilma usando a mesma estratégia?

Acho que seria muito difícil. A escolha de Dilma foi uma das maiores provas da intuição e da genialidade política do presidente Lula. Eu tive o privilégio de ser uma das primeiras pessoas a saber da decisão do presidente e a fazer estudos sobre isso, a pedido dele.

Desde o início ficou claro que a transferência de votos se daria de forma harmônica e fluídica. Está provado que a transferência, na maioria das vezes, se dá mais pelas características do receptor do que do doador. De todos os possíveis candidatos, Dilma reunia as melhores condições para isso. Era mulher, ocupava um papel-chave no governo, tinha passado e presente limpos, era competente, firme, corajosa, combativa e tinha fidelidade absoluta ao presidente.

Além disso, por causa do tipo de personalidade de Lula, era muito mais natural e com maior poder de sedução junto ao seu eleitorado, ele pedir voto para uma mulher do que para um homem.

Folha - Em 2014, os parâmetros de exigência da população estarão elevados para outro patamar e o Bolsa Família terá menos importância?

Primeiro é bom esclarecer, que no campo da psicologia do voto, o Bolsa Família é percebido pelos seus beneficiários como um detalhe importante, porém um detalhe, de uma coisa ainda maior e mais forte para eles que é o olhar social do governo Lula.

O programa, em si, tem apelo eleitoral? Tem. Porém menos do que se apregoa. E, como já disse, não funciona de forma isolada. Acho que poucos governos, como o do presidente Lula, e, tenho certeza, o da presidenta Dilma, reúnem tantas condições de poder acompanhar o que você chama de elevação de parâmetros de exigência da população.

Na verdade é mais do que isso. Quando o governo Lula retirou 28 milhões de pessoas da miséria e levou 36 milhões para a classe média estava, ao mesmo tempo, dando vida digna e cidadania a estas pessoas, elevando seu nível de vida e, simultaneamente, elevando os seus 'parâmetros de exigência'. Ou seja, as políticas públicas de Lula e de Dilma são maiores do que qualquer tipo de pragmatismo eleitoral.

Folha - Se quiser vencer, o que deve fazer a oposição daqui até 2014?

Não me sinto apto a dar conselhos à oposição. Ela tem consultores mais competentes do que eu para isso.

Folha - O sr. foi convidado a continuar prestando assessoria de imagem e marketing para Dilma Rousseff?

A presidenta eleita não me falou nada sobre isso e eu tenho uma agenda internacional carregada, nos próximos três anos, que atrapalharia bastante um trabalho deste tipo.

Folha - Uma ala do PT, entre os quais José Dirceu e Fernando Pimentel, desejava a sua saída e a volta de Duda Mendonça. Como foi essa disputa?

É natural que na política, nos negócios e no amor as pessoas queiram se associar com quem têm afinidade. Até hoje, não sei exatamente quem participou dessa articulação. Só sei que foi um grupo muito pequeno e que não contava com o apoio da cúpula da campanha nem do PT. Lula e Dilma sempre me apoiaram integralmente. O ex-presidente do PT Ricardo Berzoini e o presidente atual da legenda, José Eduardo Dutra, sempre me deram todo apoio.

Folha - Quais são os seus planos profissionais a partir de agora?

Eu tenho muitos clientes fora do Brasil e provavelmente me dedique mais a eles, nos próximos dois anos. Estou examinando também, com carinho, uma proposta de sociedade de uma empresa americana de marketing político para atuação junto ao eleitorado latino, nos Estados Unidos.

Quero ver, também, se tenho tempo de terminar dois livros que estou escrevendo, um romance e outro sobre marketing político. Além disso, quero ver se volto a me dedicar à música.

Folha - Quanto o sr. cobrou para fazer a campanha de Dilma Rousseff?

O custo total da área de propaganda e marketing, incluindo as pesquisas qualitativas e as quantis estratégicas, foi de R$ 44 milhões.

Folha - O Brasil é o país latino-americano no qual as campanhas políticas são as mais caras?

O custo das campanhas no Brasil está diretamente relacionado ao tamanho do eleitorado, à força de sua economia e à qualidade e sofisticação do seu marketing eleitoral. Sem dúvida, um dos melhores do mundo.

Folha - Continua a existir uma imagem negativa dos marqueteiros. Esse é um problema de marketing que os principais envolvidos não conseguem solucionar?

Acho que esta suposta imagem negativa está circunscrita a determinados setores da sociedade que não entendem - ou não querem entender - o verdadeiro papel do marketing político.

Para a maioria da população ocorre exatamente o contrário: há uma profunda curiosidade e atração pelo nosso trabalho. Assim como somos um país com dezenas de milhões de técnicos de futebol, estamos também nos transformando num país com milhões de marqueteiros.

É incrível como hoje todo mundo discute e "entende" de marketing político. Chega a ser pitoresco, nos grupos de pesquisa qualitativa, como eleitores de todas as camadas sociais comentam, opinam e desvendam os segredos do marketing. É uma escola de prática de política.

Folha - Há semelhanças entre a transferência de poder do russo Vladimir Putin para Dmitri Medvedev, em 2008, e agora no caso dos brasileiros Lula e Dilma?

Li sobre isso na mídia internacional. É um equívoco absoluto, uma leitura caricata e ligeira. A democracia no Brasil é mais complexa e sofisticada. Mas isso me faz lembrar uma história curiosa.

Como a eleição brasileira chama a atenção em vários países, no início de maio, um emissário não oficial do governo russo mandou um recado para a campanha de Dilma. Essa pessoa queria oferecer o que seria uma técnica que dizia ser infalível de transferência de votos baseada na experiência exitosa de Putin para Medvedev.

Demos muita risada e é claro que recusamos. Mas tenho a impressão que um ou outro integrante da nossa campanha chegou a ficar tentado em pelo menos ouvir o que os russos tinham a dizer. Mas é óbvio que nenhum contato foi feito, embora o episódio demonstre como era imprevisível para alguns a capacidade de Lula de transferir votos para Dilma.