Saturday, November 13, 2010

O que realmente importa no Enem não está sendo discutido

SIMON SCHWARTZMAN / ESPECIAL PARA A FOLHA

Na confusão criada com o Enem, o que menos se discute é o que mais interessa: precisamos deste Enem, com este formato? Que vantagens e problemas ele traz? Não existem outras maneiras melhores de fazer isso? 

O principal objetivo do Enem, desde o início, foi estabelecer um padrão de referência para o ensino médio.

Como as escolas são muito diferentes, ter um padrão nacional permite avaliar o que o aluno realmente aprendeu, e, de tabela, dizer algo sobre suas escolas, quando temos um número significativo de alunos da mesma escola participando. 

São informações que também podem ser usadas por universidades em seus processos de seleção. 
Esse tipo de avaliação final do ensino médio existe em muitos países, mas de forma muito diferente da nossa. São dois modelos principais. 

Na Europa, são feitas avaliações de conteúdo, com os estudantes podendo escolher as áreas em que querem ser avaliados (com algumas exigências comuns, como o uso da língua e conceitos matemáticos). 

Nos Estados Unidos, o que predomina é o SAT (Scholastic Aptitude Test), que avalia competências gerais em áreas de pensamento crítico, língua e matemática. 

Essas avaliações são feitas não pelos governos, mas por instituições especializadas, como os cinco "examination boards" ingleses ou o Educational Testing Service nos Estados Unidos. 

O SAT, assim como o GRE (Graduate Record Examination) e outros exames americanos, é feito várias vezes ao ano em múltiplos locais, usando sistemas computadorizados nos quais as questões vão aparecendo para o estudante conforme ele vai avançando. 

O Enem atual é uma combinação perversa dos dois modelos: por um lado, como na Europa, ele é fortemente baseado em conteúdos, aparentemente para atender às demandas das universidades, para que elas possam, no limite, dispensar seus próprios vestibulares. Mas ele não dá opções aos alunos.

O resultado, além do pesadelo burocrático e logístico das provas, é que ele vai contra a necessidade de criar mais alternativas de estudo no ensino médio, força os alunos a uma maratona de dois dias de provas cujo resultado pode decidir seu futuro, e muitas das principais universidades do país relutam em usar seus resultados como critério de admissão para seus cursos. Algumas sugestões:

1) tirar a implementação do Enem do Inep e do sistema de licitações anuais e colocar em uma ou mais instituições especializadas, a serem constituídas;

2) voltar ao formato de uma prova geral de competências centrais aplicada de forma descentralizada e por computadores; 

3) abrir o leque de avaliações por áreas de conhecimento, conforme os interesses dos estudantes e das universidades que queiram fazer uso dessas informações - que seriam administradas de forma descentralizada;

4) dar transparência ao sistema, publicando os documentos técnicos e as matrizes de referência para as diferentes áreas em avaliação. 

Essas podem não ser as melhores sugestões, mas é isso que deveríamos estar discutindo, e não os erros logísticos que têm surgido, embora eles sejam, pelo menos em parte, consequência do sistema mastodôntico de avaliação que se decidiu adotar. 

SIMON SCHWARTZMAN é pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Foi presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) entre 1994 e 1998.

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