Monday, December 20, 2010

1. O último filme-cabeça que fui ao cinema pra ver foi Fale com Ela, do Almodóvar. Saí da sessão com uma vontade enorme de ler o filme. Explico: o mood da história, os personagens, a linha da direção me convidavam a um tipo de introspecção que não consigo mais preservar tendo que enfrentar fila, compra de ingressos, barulho de pipoca. Mentem aqueles que dizem frequentar cinemas em que a plateia não mastiga sem parar, não atende o telefone sem parar, não põe o pé nas costas do seu assento. Eu sou capaz de aguentar isso tudo. Mas alguma coisa na tela precisa explodir. E não estou falando do final de Zabriskie Point. Já cumpri minha cota de filmes-com-mensagem. Aquele cara bacana que passava horas de sua juventude ouvindo línguas exóticas em montagens arrastadíssimas ainda vive dentro de mim. Mas, hoje em dia, ele lê.

Fale com Ela é um filme bonito? Sem dúvida. Tem momentos antologicamente duvidosos? Sem sombra de dúvida. Mas isso não é exclusivo do Almodóvar ou de Fale com Ela. Toda grande obra de arte padece dessa ambiguidade entre plenitude e carência. O que incomoda é a possibilidade de, quase sem esforço, a pessoa sair do cinema com a sensação garantida de que acabou de participar de uma experiência fundante, fundamental. E ainda sobrar espaço pra um jantarzinho, depois.

Tenho a impressão de que o Almodóvar é um romancista que não teve culhões pra escrever romance. Que encontrou naquela bizarrice de cores, humores e tipos sobre, ou sub humanos, um jeito mais cômodo de dar vazão a seu projeto de artista. Um processo semelhante ao de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Cuidaram tanto do contexto em que estavam inseridos que acabaram deixando de lado o principal, o rigor na construção da obra, que é - sempre - pessoal e intransferível.

2. Ler filmes não significa o mesmo que uma outra experiência minha dos últimos meses: li O Vendedor de Armas, escrito por Hugh Laurie, o ator/criador do Doutor House da série de TV. Li, em seguida, O Diário de Bridget Jones.

Laurie escreveu um filme. A narrativa é devedora direta da narrativa clássica comercial de Hollywood. É, literalmente, um filme.

Não há nenhuma intenção reflexiva na escolha do estilo. O livro de Laurie é apenas um reflexo de nosso tempo. E não passa disso. Diferente do House, uma sacada de gênio.

Já o Diário de Bridget Jones, saído em 1996, é como ler, pior, um sitcom... brasileiro!

Ouço dizer que o filme é uma delícia. Que Renée Zellweger rouba a cena. Tomara. Lido, o Diário de Bridget Jones faz lembrar os piores momentos de Débora Bloch ou Fernanda Torres em seus sketchs didaticamente engraçados. Ou explica de quem as brasileiras andaram copiando.

3. Outras adaptações que vêm à lembrança: Na Natureza Selvagem e os toques moderninhos que Sean Penn quis dar à edição. O livro, jornalístico, abre mais portas para entender o moço que se "enterra" no Alaska selvagem; o filme escolhe menos recortes, é menos profundo, menos dialético. E é mais tocante. Talvez seja isso: quem quer ser tocado, vai ao cinema. Quem quer tocar a questão, lê o livro. As duas necessidades são humanas. Diferentes e complementares. Duro é o esforço de vencer trezentas páginas do humor espertinho de Helen Fielding e dar com os cornos em nada.

4. Onde Os Fracos Não Têm Vez. Espantoso ver o filme e ler o livro. O filme é o livro. Os Coen pegaram um filme pronto e, reverentemente, mexeram o mínimo. Dois socos no estômago é o que você leva quando se mete com eles. Mcarthy escreve filmes. Mas, há, em sua escolha, um propósito de estilo. Porque não é vantagem ser um homem de seu tempo. Qualquer trabalhador da construção civil que despenca do andaime é um homem do seu tempo.

2 comments:

Vinícius Vianna said...

ótimo conteudo do blog ;-)

Carla said...

Fico pensando nas diferenças entre as linguagens. Transformar palavras em imagens é sempre um grande desafio. Seja essa imagem estática ou em constante movimento, como no caso do cinema.
Vi um documentário de uma grande fotógrafa que por anos tentou fotografar a dança e a cada foto sentia que faltava algo e acabava não gostando do resultado.
Eu tenho o costume de não ver os filmes dos livros que li. Sempre fico incomodada. Ou o ator não combina com a imagem que fiz do personagem, ou o enredo do filme foge demais do texto original. Enfim, decepção e falta de paciência na hora do filme.
Nunca encontrei um filme que mostrasse a intensidade que tem o livro “O retrato de Dorian Gray”, por exemplo.
Ao ler Alice no país das maravilhas, Pinóquio, Peter Pan... não vi a grande questão que permeia os enredos (a dificuldade de crescer)depois nos filmes. Ah, no último filme de Alice, isso fica bem claro. Mas... mesmo assim, a imagem que fiz e faço das histórias é “muito minha” e o filme as vezes me encanta, outras tantas incomoda.
Acho que além da ideia das diferentes linguagens tem o lance da subjetividade. Cada um faz uma imagem de um texto, música, filme, foto...
Releitura é algo delicado! Uma puta responsabilidade...rs