Tuesday, August 31, 2010

No dia 1/9, Plínio vota no plebiscito da terra

O candidato a presidência da república pelo PSOL, Plínio Arruda Sampaio, votará no dia 1 de setembro no plebiscito pela limitação da propriedade da terra. O candidato depositará seu voto as 10h30min na urna do IFCS/UFRJ junto com Chico Alencar, deputado federal pelo PSOL, e os professores da UFF, Virgínia Fontes e Marcelo Badaró.

Na UFRJ as urnas ficarão abertas até o dia 10 de setembro. O plebiscito popular é uma inciativa nacional de diversas entidades que lutam para que o trabalhador rural tenha acesso a terra e por uma reforma agrária real.



Plínio: uma vida dedicada à causa da terra



Monday, August 30, 2010

Enquanto isso, em São Paulo:

Umidade do ar alcança 30% e ultrapassa Serra

Tuesday, August 24, 2010

Saturday, August 21, 2010

Os dias iam passando sem serem contados ou marcados em calendário. Pela rodovia interestadual à distância longas filas de carros carbonizados e enferrujados. Aros nus das rodas caídos numa espécie de lama dura e cinzenta de borracha derretida, em anéis enegrecidos de metal. Os cadáveres incinerados reduzidos ao tamanho de crianças e apoiados nas molas expostas dos assentos. Dez mil sonhos sepultados dentro de seus corações queimados. Seguiram em frente. Caminhando no mundo dos mortos como ratos numa esteira. As noites de um silêncio mortal e de uma escuridão ainda mais mortal. Tão frias. Mal conversavam. Ele tossia o tempo todo e o menino o observava cuspir sangue. Seguindo em frente cada vez pior. Imundos, esfarrapados, sem esperanças. Ele parava e se apoiava no carrinho e o menino seguia em frente e então parava e olhava para trás, erguia os olhos cheios de lágrimas para vê-lo parado ali na estrada, fitando-o de algum futuro inimaginável, luzindo na desolação como um tabernáculo.

[...] Antes havia trutas nos riachos das montanhas. Você podia vê-las paradas na correnteza âmbar onde as extremidades brancas de suas barbatanas encrespavam de leve a superfície. Tinham cheiro de musgo na mão. Polidas e musculosas se retorcendo. Em suas costas havia padrões sinuosos que eram mapas do mundo em seu princípio. Mapas e labirintos. De algo que não podia ser resgatado. Não podia ser endireitado. Nos vales estreitos e profundos em que eles viviam todas as coisas eram mais antigas do que o homem e num murmúrio contínuo falavam de mistério.

Cormac McCarthy - A Estrada

Thursday, August 19, 2010

Estava com febre e ficaram na floresta como fugitivos. Nenhum lugar onde fazer uma fogueira. Nenhum lugar seguro. O menino ficava sentado nas folhas observando-o. As lágrimas transbordando de seus olhos. Você vai morrer, Papai?
Não. Só estou doente.
Estou com muito medo.
Eu sei. Está tudo bem. Vou melhorar. Você vai ver.

[...] Três dias. Quatro. Ele dormia pouco. A tosse torturante o acordava. Sugando o ar com um som áspero. Me desculpe, ele dizia para a escuridão impiedosa. Está tudo bem, dizia o menino.

Cormac McCarthy -  A Estrada

Monday, August 16, 2010

Podíamos pegar os dois, o menino disse.
Não.
Eu poderia empurrar um.
Você é o observador. Preciso que seja nosso vigia.
O que a gente vai fazer com tudo aquilo?
Vamos simplesmente ter que levar o que pudermos.
Você acha que alguém vai vir?
Sim. Em algum momento.
Você disse que não ia vir ninguém.
Não quis dizer nunca.
Eu gostaria que a gente pudesse morar aqui.
Eu sei.
Podíamos ficar de vigia.
Estamos de vigia.
E se alguns dos caras do bem vierem?
Bem, eu não acho que a gente é capaz de encontrar os caras do bem na estrada.
Nós estamos na estrada.
Eu sei.
Se você fica de vigia o tempo todo isso não significa que está o tempo todo com medo?
Bem, acho que você precisa estar com medo suficiente para ficar de vigia, em primeiro lugar. Para ser cuidadoso. Vigilante.
Mas no resto do tempo não fica assustado?
No resto do tempo.
Sim.
Não sei. Talvez a gente devesse ficar sempre de vigia. Se aparece algum problema quando você menos espera talvez a coisa certa a fazer seja sempre esperar.
Você sempre espera? Papai?
Espero. Mas às vezes eu posso esquecer que estou de vigia.

Cormac McCarthy - A Estrada

Sunday, August 15, 2010

Ele sentou o menino no baú sob o lampião e com uma escova de plástico e um par de tesouras se pôs a cortar seu cabelo. Tentou fazer direito e levou um tempo. Quando terminou tirou a toalha de cima dos ombros e pegou o cabelo dourado do chão e limpou o rosto e os ombros do menino com um pano úmido e segurou um espelho para que ele visse.
Você fez um bom trabalho, Papai.
Bom.
Eu pareço mesmo magrelo.
Você está mesmo magrelo.
Ele cortou seu próprio cabelo mas não ficou tão bom. Aparou a barba com a tesoura enquanto uma panela de água esquentava e depois se barbeou com um barbeador de plástico. O menino observava. Quando ele terminou olhou-se no espelho. Parecia não ter queixo. Virou-se para o menino. Como é que estou? O menino esticou o pescoço. Não sei, ele disse. Você vai ficar com frio?

* * *

Comeram uma refeição suntuosa à luz de velas. Presunto e feijão verde e purê de batatas com biscoitos e molho. Ele tinha encontrado quatro garrafas de 250ml de uísque puro malte [...] bebeu um pouco num copo com água. [...] Comeram pêssegos e creme [...] beberam café. [...] Os pratos de papel e os talheres de plástico ele jogou numa sacola de lixo. Jogaram xadrez e depois ele pôs o menino na cama.

[...] Durante a noite foi acordado pelo ruído abafado da chuva caindo sobre o colchão (que camuflava a) na porta acima deles. [...] Havia vazado água que gotejava escada abaixo mas ele achava que o abrigo em si era bastante à prova d'água. [...] Foi ver como estava o menino. Estava úmido de suor e o homem puxou para baixo um dos cobertores e abanou seu rosto e depois diminuiu o aquecedor e voltou para a cama.

Quando acordou novamente achou que a chuva tinha parado. Mas não foi isso que o acordou. Ele tinha sido visitado num sonho por criaturas de um tipo que nunca tinha visto antes. Não falavam. Ele achou que tinham estado agachadas ao lado do seu catre enquanto dormia e que tinham escapulido quando ele acordou. Virou-se e olhou para o menino. Talvez compreendesse pela primeira vez que, para o menino, ele próprio era um alienígena. Um ser de um planeta que já não existia. Cujas histórias eram suspeitas. Ele não tinha como construir para o prazer da criança o mundo que tinha perdido sem construir também a perda e achava que talvez o menino soubesse disso melhor do que ele. Tentou se lembrar do sonho mas não conseguiu. Tudo o que restava era a sensação. Pensou que talvez eles tivessem vindo avisá-lo. De quê? De que ele não podia acender no coração da criança o que eram cinzas no seu próprio. Mesmo agora alguma parte dele desejava que nunca tivessem encontrado aquele refúgio. Alguma parte dele desejava que tudo tivesse terminado.

Cormac McCarthy - A Estrada

Friday, August 13, 2010

Vasculhavam as ruínas carbonizadas de casas em que não teriam entrado antes. Um cadáver flutuando na água preta de um porão entre lixo e canos enferrujados. Estava numa sala de estar parcialmente queimada e aberta para o céu. As tábuas empenadas por causa da água inclinadas sobre o quintal. Livros ensopados numa estante. Apanhou um e abriu-o e colocou-o de volta. Tudo úmido. Apodrecendo. Numa gaveta encontrou uma vela. Não havia como acendê-la. Colocou-a no bolso. Caminhou para a luz cinzenta lá fora e ficou parado de pé e viu por um breve momento a verdade absoluta do mundo. As voltas frias e incansáveis da terra morta e abandonada. Escuridão implacável. Os cães cegos do sol em sua corrida. O vácuo preto e esmagador do universo. E em algum lugar dois animais caçados tremendo como marmotas em seu abrigo. Tempo usurpado e mundo usurpado e olhos usurpados com os quais lamentá-lo.

[...] Caminharam pelas ruas envolvidos nos cobertores imundos. Ele levava o revólver na cintura e segurava o menino pela mão. No outro lado da cidade encontraram uma casa solitária num campo e atravessaram e entraram e caminharam pelos quartos. Depararam-se consigo num espelho e ele quase sacou o revólver. Somos nós, Papai, o menino sussurrou. Somos nós.

Cormac McCarthy - A Estrada

Thursday, August 12, 2010

Naqueles primeiros anos as estradas estavam povoadas por refugiados amortalhados em suas roupas. Usando máscaras e óculos de proteção, sentados em seus trapos na beira da estrada como aviadores arruinados. Seus carrinhos de mão com pilhas de quinquilharia. Arrastando carrinhos. Os olhos brilhando no crânio. Cascas incrédulas de homens cambaleando pelas estradas como migrantes numa terra febril. A fragilidade de todas as coisas finalmente revelada. Questões antigas e perturbadoras solucionadas para se transformar em nada e noite. A última instância de uma coisa leva a categoria consigo. Apaga a luz e vai embora. Olhe ao seu redor. Para sempre é muito tempo. Mas o menino sabia o que sabia. Que para sempre não é tempo algum.

Cormac McCarthy - A Estrada

Monday, August 09, 2010

Para analistas, país vive "nova era política"

Cientistas políticos afirmam que ciclo começou em 2006 e é marcado pela imposição de uma agenda social

Especialistas apontam Dilma como provável vencedora das eleições e veem campanha de Serra na direção errada 

UIRÁ MACHADO - ENVIADO ESPECIAL A RECIFE - FOLHA DE SÃO PAULO

Três cientistas políticos reunidos em um dos debates mais importantes do 7º Encontro da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política), de 4 a 7 de agosto, defenderam a tese de que o Brasil entrou em uma "nova era política", marcada por demandas sociais e mais próxima de países desenvolvidos.

"A hipótese é que o ano de 2006 marca o começo de um novo ciclo no Brasil, em uma situação que lembra os Estados Unidos de 1932. Lá, o ciclo inaugurado por Franklin Roosevelt com o "New Deal" durou até 1968", diz André Singer, professor da USP.

Ex-secretário de Imprensa do governo Lula, Singer explica que durante esse "ciclo longo" pode haver alternância de partidos no poder.

"Determinados grupos sociais votam em bloco em um tipo de candidatura. Mas o que caracteriza o ciclo é a imposição de uma agenda à qual os principais candidatos ficam constrangidos."

Para ele, no Brasil, a agenda imposta pela sociedade é pautada pelo social.

"Isso explicaria por que Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) têm como metas principais o combate à pobreza e a redução da desigualdade. Podem até divergir quanto aos meios, mas concordam que o tema é central."

Segundo Marcus Figueiredo, cientista político da Uerj, "o eleitorado aparentemente está seguindo a hipótese" levantada por Singer.

"As eleições de Fernando Henrique em 1994 e 1998 foram vitórias do Plano Real. Após a mudança em 2002, Lula iniciou uma nova era. Não se discute mais a estabilidade econômica, que é um ganho político da sociedade. Agora é a ascensão social."

Para Figueiredo, "a população aprendeu que, pela política, são possíveis mudanças sociais. Há um processo de recuperação de uma disputa política que estava ausente, com viés de classe".

O terceiro debatedor, Alberto Carlos Almeida, diretor do instituto Análise, concorda: "Os programas sociais fizeram com que houvesse a adesão dos pobres, ao passo que o mensalão afastou os mais ricos. No meu entender, essa divisão de votos entre PT e PSDB veio para ficar".

Almeida, autor do livro "A Cabeça do Brasileiro", afirma que essa "nova era em termos de disputa eleitoral e base social dos partidos" é muito semelhante à que existe em países desenvolvidos.

ELEIÇÕES 2010

Na avaliação de Almeida, o PSDB não entendeu bem o que está em jogo neste ano e "repete com sucesso uma fórmula de derrota. O PSDB está reproduzindo no Serra a imagem que Geraldo Alckmin teve nas eleições passadas - e que perdeu. Ou seja, a campanha tucana está ajudando o governo a ganhar".

Almeida também afirma não ver "hipóteses realistas" em que Dilma não vence as eleições deste ano - prognóstico, afirma, que já poderia ser feito desde o ano passado, pois depende mais da aprovação de Lula que do desempenho do candidato.

Marcus Figueiredo, autor de "A Decisão do Voto: Democracia e Racionalidade", concorda que Dilma deve ganhar. Mas, lembra ele, "campanha serve para mudar tendências". E acrescenta: "O Brasil nunca teve uma coleção de candidatos tão bons".

Para ele, "Serra teve o azar de estar em duas disputas importantíssimas na posição errada: em 2002, na eleição da mudança, ele era o candidato da situação; e agora que o eleitorado quer continuidade, ele vem pela oposição".

Sunday, August 08, 2010

Parece mentira!

Em 1997, Charles Taylor havia acabado de ser eleito presidente da Libéria, por uma votação esmagadora, muito na base da intimidação. É famoso um slogan de campanha: “Ele matou meu pai, matou minha mãe, mas eu voto nele”. Um ex-líder guerrilheiro, Taylor prometia a paz se eleito - mas apenas se eleito.

Leia mais sobre o atual julgamento de Taylor e o depoimento de ninguém menos que... Naomi Campbell, em Haia, em:

Thursday, August 05, 2010

Tuesday, August 03, 2010

Manual do self-made myth

Augusto de Campos - um exemplo de modéstia

Pergunta deste autor: alguém já viu Drummond, Bandeira ou João Cabral se expressando nestes termos?

1.
[...] Desacostumada com traduções artísticas, muita gente me acusou, durante a minha carreira literária, de só dar valor aos problemas estéticos. Realmente, mas transponho para as traduções a consideração mais genérica de Pound: “a técnica é o teste da sinceridade”. Se uma tradução não merece uma boa técnica, é porque ela é de valor inferior. Mas sempre acreditei, sem ser acreditado, que tradução é uma questão de forma & alma. 

[...] até professores universitários não passam no teste da métrica. Foi uma tradição poética que se perdeu nas gerações mais novas e que, paradoxalmente, “os concretistas” Décio, Haroldo e eu, desde o início, dominamos

2.
Era preciso reabilitar e fazer conhecer de verdade Mallarmé, os Cantos de Pound, o Finnegans Wake de Joyce, os poemas mais radicais de Cummings. Devotamo-nos a isso conscientemente, com a idéia poundiana da crítica-via-tradução, além de enfatizar esses grandes criadores em nossos artigos e manifestos. Isso foi imprescindível até para o entendimento da virada-de-mesa que estávamos tentando dar na poesia brasileira. Fazia-se imprescindível encontrar um “paideuma” – um elenco de autores básicos para que se pudesse regenerar a linguagem poética.

[...] os poetas franceses da badalada revista Change só vieram a se dar conta da importância do Lance de Dados em fins dos anos sessenta, mais de dez anos depois de nós. Mesmo assim, quem se debruçar sobre as nossas primeiras traduções lá encontrará, entre outras, as de Villon (na estupenda e irreverente tradução que Décio fez da Balada da Gorda Margô”), Donne, Marvel, Marino, Ungaretti, Wallace Stevens e muitos outros.

[...] Depois dessa primeira fase do movimento, restabelecido o “equilíbrio ecológico” da recepção dos “inventors” da poesia do nosso tempo, fomos abrindo ainda mais o leque.

3.
A verdade é que, desde a primeira hora, as nossas traduções foram muito mais longe do que se pensa, e com o tempo, mais longe ainda, embora sempre mantendo a marca de antitradição das “transcriações”. Um crítico afirmou que nós só traduzíamos poetas que interessavam à defesa do concretismo. Sentimo-nos honrados. Como se Dante, Shakespeare e Goethe houvessem sido traduzidos com esse objetivo. Não é que a afirmação de Haroldo, de que toda a poesia é “concreta”, fazia sentido? Bem-vindos ao Concretismo, queridos e incomparáveis mestres da poesia, nos semblables, nos frères

4.
Quanto às minhas traduções, embora respeite e tenha até chegado a utilizar uma que outra vez, por mais técnico, o termo “transcriação”, cunhado por Haroldo, preferi sempre chamá-las de “tradução-arte”, em homenagem ao nosso “futebol-arte”, que tanto admiro.

5.
Eu me considero um “vocalista” dos poemas que traduzo. Aliás, isso me lembra que um dos líderes da “geração de 45” dizia com sarcasmo, que nós, os irmãos Campos e o Décio, éramos os “trigênios vocalistas” da poesia, comparando-nos, depreciativamente, aos Trigêmeos Vocalistas, sucesso popular da época, hoje esquecidos. O que chamo de “intraduções” (insinuando um ‘in-” e um “intra”), como A Rosa Doente, de Blake, são traduções intersemióticas, nas quais seleciono um poema ou fragmento que me impactaram e neles intervenho com elementos icônicos, gráfico-visuais, ausentes no original. No que diz respeito aos poemas que traduzi, sempre aprendi muito com todos eles, embora, na minha própria poesia, tenha procurado seguir o conselho de Hopkins: ”admirar e fazer outra coisa”.

6.
Se em vez de harmônica-de-boca (ah! quem me dera ser um Sonny Boy Williamson ou um Toots Thielemans…), tocasse saxofone como Coleman Hawkins e Charlie Parker, ou piano como Art Tatum e Thelonious Monk, provavelmente nunca teria escrito uma linha de poesia. Toquei, amadoristicamente a minha velha gaita, por insistência do meu filho, Cid Campos, na faixa 6 [Flor da Boca] do seu CD independente, No Lago do Olho, que vem de ser muito elogiado por Midani.

7.
[...] embora desgastada, a palavra “vanguarda” pelo menos não engana ninguém. Quem teria a coragem de dizer que Jorge Amado ou Paulo Coelho (“no offense”) são escritores de ”vanguarda” como se pode ainda dizer de Joyce ou Apollinaire? Essa história de que “as vanguardas” já cumpriram o seu papel histórico é argumentação defensiva dos que não souberam ou não puderam conversar com a sua época.

8.
JU – De uma entrevista sua: “Quem quiser praticar hoje o soneto tem que se medir com Dante, Camões, Shakespeare, Mallarmé, Rimbaud, Hopkins, Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos etc. etc. etc.” – isto dito num contexto de exaustão das formas. Poetas de linhagem concreta hoje não estariam diante de desafio parecido, que é o de se medir com Augusto, Décio e Haroldo?

Augusto de Campos – Eu aludia aos versos de pé-quebrado que rolam, impunes, por aí, e também à tentativa de reabilitação do soneto por poetas de novas gerações. No mínimo pé-quebradíssimo e no máximo competentíssimo, mas reincidindo em todos os clichês “sonotológicos” (sic), embora de temática atual. De Camões a Cummings, o soneto foi explorado de todas as maneiras e está mais exaurido que a poesia concreta. Não dou conselhos aos poetas mais jovens porque, como disse Pound, os velhos tendem a gostar dos que se parecem com eles… Instado, nos últimos anos, já quase-mudo, a dar um conselho aos poetas novos, EP, aposentado da sua “Ezuversity” disse apenas: ”Curiosity, curiosity”. Quanto aos “trigênios” – “bright Brazilians blasting at bastards”, como os saudou ele em uma de suas cartas – é verdade que tornaram mais difícil fazer poesia, mas isso é saudável para os poetas e os realmente bons, que eventualmente os apreciarem, saberão “admirar” e ”fazer outra coisa”.

JU – Que projetos o sr. tem para o futuro no campo da poesia, da tradução ou da crítica? 

Novos poemas? Muito poucos… e duvidosos. Considerando a distância que medeia entre Viva Vaia (1979) e os dois últimos livros, Despoesia (1994) e Não (2003) e a minha idade avançada, a perspectiva mais plausível é a de reabilitar o soneto camoniano (“começou a servir outros sete anos…”). Pode bem ser que eu já tenha ido para o espaço quando tiver poemas suficientes para um novo “folhetim de versos” (grande Cesário!). Poemas esparsos me parece um nome pós-razoável. Mas confesso que acho mais bonito terminar com um Não e um Sem Saída, partindo do livro para os cibercéus do futuro.

Para o Jornal da UNICAMP em novembro de 2008



Talento para as vendas desde pequenininhos

Já contei algumas vezes que, quando éramos crianças, Haroldo, talento precoce, escrevia contos. Eu, um ano-e-meio mais moço, fazia desenhos a partir de histórias-em-quadrinhos. Meu pai, achando graça, mandou fazer um carimbo, “Escritório Irmãos Campos”, com o qual registrávamos as nossas “criações”, que vendíamos às nossas vítimas – os parentes próximos, de preferência os tios. Mais tarde, Oswáld (e não Ôswald como dizem agora horrorosamente) nos deu, em 1949, a Haroldo e a mim, que tinha 18 anos, um dos últimos exemplares da 1ª edição do Serafim Ponte-Grande, com a dedicatória: “Aos irmãos Haroldo e Augusto de Campos, firma de poesia”…

Acho que o Oswáld sacou... e sacaneou.

Monday, August 02, 2010

Sagração das Vacas

Soneterapia

“desta vez acabo a obra” (Gregório de Matos)

drummond perdeu a pedra: é drummundano
joão cabral entrou pra academia
custou mas descobriram que caetano
era o poeta (como eu já dizia)

o concretismo é frio e desumano
dizem todos (tirando uma fatia)
e enquanto nós entramos pelo cano
os humanos entregam a poesia

na geléia geral da nossa história
sousândrade kilkerry oswald vaiados
estão comendo as pedras da vitória

quem não se comunica dá a dica:
tó pra vocês chupins desmemoriados
só o incomunicável comunica


Sunday, August 01, 2010

Por que as vacas são sagradas no Brasil?

CAETANO VELOSO
Por Marcus Preto

Um ser onipresente na música brasileira

Não há nada na música popular do Brasil que não esbarre em Caetano Veloso. Assim como a bossa nova de João Gilberto, o tropicalismo (movimento engendrado não só por Caetano, mas principalmente por ele) causou um efeito irreversível: tornou indisponível às gerações posteriores a sua explosão qualquer contato "virgem" com algum outro segmento musical. É involuntário: tudo o que ouvimos hoje - mesmo o que foi criado antes (ou à parte) da existência de Caetano - nos atinge invariavelmente modificado pelos conceitos demolidores colocados por ele naquele momento (e depois), todos já tão assimilados por nossos tímpanos. Mais do que a música, Caetano revolucionou o olhar do Brasil em relação a ela, e em relação a si próprio. A revolução começou no Festival da Record de 1967, em que o baiano apresentou sua marcha-rancho "Alegria Alegria" acompanhado pelas polêmicas guitarras elétricas do grupo de rock argentino Beat Boys. Essa tacada (e as seguintes) não só implodiria os dogmas cravados pela MPB até ali como redefiniria os ouvidos do futuro sobre o que quer que por eles viesse a entrar. E nada mais seria como um dia foi.

Foto: Daniel Klajmic

Versão com dúvidas

Um ser onipresente na música brasileira (?)

Não há nada (?) na música popular do Brasil que não esbarre em Caetano Veloso (?). Assim como a bossa nova (?) de João Gilberto, o tropicalismo (movimento engendrado não só por Caetano, mas principalmente por ele) causou (?) um efeito irreversível (?): tornou indisponível às gerações posteriores a sua explosão qualquer contato "virgem" com algum outro segmento musical. É involuntário: tudo o que ouvimos hoje - mesmo o que foi criado antes (ou à parte) da existência de Caetano - nos atinge invariavelmente (?) modificado pelos conceitos demolidores (?) colocados por ele naquele momento (e depois), todos já tão assimilados por nossos tímpanos. Mais do que a música, Caetano revolucionou (?) o olhar (?) do Brasil em relação a ela, e em relação a si próprio. A revolução começou no Festival da Record de 1967, em que o baiano apresentou sua marcha-rancho "Alegria Alegria" acompanhado pelas polêmicas guitarras elétricas do grupo de rock argentino Beat Boys. Essa tacada (e as seguintes) não só implodiria (?) os dogmas cravados pela MPB até ali como redefiniria (?) os ouvidos do futuro sobre o que quer que por eles viesse a entrar. E nada mais seria como um dia foi.

http://www.rollingstone.com.br/edicoes/25/textos/3468/