Sunday, April 03, 2011


Anotações do ano de 2004 para um projeto de Música e Ética

1. Aceitemos a função simbólica como substrato do pensamento.

No plano privado símbolos se comunicam através dos sonhos, no plano público através da arte.

A arte, portanto, como o mecanismo humano de comunicar símbolos. O mecanismo intermediador dos planos.

Se a ética intermedeia os impulsos egocentrados e sociais, a psicologia amplia a gama de gradações que vão da possibilidade à impossibilidade de realizar as demandas culturais/sociais, enfim, do entorno. Os objetos artísticos, por habitarem essa região de trânsito entre o afetivo e o racional, podem servir como veículo de transporte entre um nível e outro.

Por sua natureza auto-suficiente não se limitam a traduzir situações de um nível ao outro mas permitem, isto sim, a apreensão de realidades subjetivas que se oferecem de maneira palpável - já que a arte dispõe de materialidade; tem forma; ela se materializa - e, portanto, passíveis de se tornarem, efetivamente, pensamento, pronto agora para uso descentrado, partilhado.

A arte permite - abre, assim, uma possibilidade de partilhamento da experiência subjetiva.

Num projeto de formação de cidadania os objetos artísticos podem estar a favor de um trabalho de mapeamento de motivações profundas dos indivíduos.

2. A experiência da apreciação pressupõe descentramento.

A obra é fora do indivíduo. Tem materialidade própria.

Ao mesmo tempo revela, atualiza a experiência subjetiva do autor e, como salienta Stokes, exige uma "adesão" do apreciador, ou, nas palavras de Fernando Pessoa "chegar a sentir que é dor a dor que nós - leitores - não sentimos".

Há aí um momento em que dois seres humanos podem se encontrar em um espaço imaterial - a dor é sempre fingida - o da comunicação artística e mudar de posição: assumir um o ponto de vista do outro.

O autor ao atingir temas universais ( seus e de muitos outros ), o apreciador ao ver-se refletido na obra.

O lugar de acontecimento de tal encontro imaterial é em torno da obra de arte, ela, intensamente material.

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