Análise
CRISE NA USP
Conflito na universidade é sintoma de crise democrática
MAURO PAULINO - DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA
ALESSANDRO JANONI - DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA
A manifestação recente de estudantes da USP não é a brincadeira de criança que se tenta desenhar. Não se restringe ao debate sobre legalização das drogas ou estratégias de segurança pública. É um sintoma sério de crise democrática.
A exemplo do que vem acontecendo em outros países, as instituições tradicionais de representação do modelo hegemônico de democracia se distanciam da população, em especial dos jovens.
Cada vez mais os jovens se sentem menos representados por seus representantes. Os meios formais de participação política não gozam do prestígio de outrora. A representados, às suas necessidades e suas eventuais bandeiras, sobram frustrações.
Nos últimos anos, sinais dessa crise de representação foram observados em diversos estudos.
O Datafolha, por exemplo, em várias ocasiões tratou exclusivamente do segmento, tanto em pesquisas de mercado quanto em trabalhos de opinião pública.
Em 2008, em levantamento nacional, o instituto fez um raio X do jovem brasileiro, que, segundo os resultados, mesmo com acesso à informação por meio de múltiplas plataformas, não se via atendido em demandas básicas, como a inclusão no mercado de trabalho, educação de qualidade e combate à violência.
No ano passado, em pesquisa feita para a agência BOX 1824, o instituto detectou o papel da internet como arma política desse segmento em uma mobilização que dispensa intermediários e que encontra base no grau de identificação social entre usuários da rede em processos batizados de microrrevoluções.
Na pesquisa DNA Paulistano, feita há três anos pelo Datafolha em parceria com a Folha justamente para mapear as demandas da população de cada bairro de São Paulo, esse diagnóstico fica ainda mais claro.
De 32 itens avaliados em cada distrito do município, políticas específicas para o segmento jovem ficam em penúltimo lugar na matriz de avaliação geral da cidade, com nota média 3,7, numa escala que vai de zero a dez. Só ganha da nota atribuída à acessibilidade para deficientes físicos (2,9).
As piores notas para políticas para jovens ficam em bairros da periferia como Brasilândia e Lajeado.
Se na USP, berço da classe média paulistana, a falta de canais adequados para a participação dos jovens tomou a proporção que conhecemos, é preocupante o cenário que se projeta para a maioria do segmento, alocada principalmente nas franjas da cidade.
Se uma crise equivalente à europeia aqui se instalasse, como a polícia reagiria a eventuais manifestações dos jovens da periferia? Especialmente sem a mesma atenção da mídia, tão criticada pelos uspianos.
Editoriais
A POLÍCIA E A USP
PM tem problemas mais graves a resolver que revistar jovens, universitários ou não, à procura de pequenas quantidades de maconha
Efetuada a remoção do grupo de estudantes que invadira a reitoria da USP, não se dissipou o debate sobre a presença de policiais militares na Cidade Universitária.
Foi ilegítima e antidemocrática a atitude daquela minoria de ativistas, derrotados nas próprias instâncias deliberativas dos estudantes, ao ocupar as dependências administrativas da universidade.
Como mostrou pesquisa Datafolha publicada ontem, a maioria dos alunos (58%) é favorável ao convênio firmado pela reitoria com a Polícia Militar, enquanto 36% declaram-se contrários.
Vale notar, entretanto, que em alguns setores da comunidade universitária as inquietações suscitadas pela atuação cotidiana da PM extravasam o limitado e incandescente horizonte ideológico dos invasores da reitoria.
Não há dúvida, como já foi assinalado neste espaço, que a USP não é território que se excetue, por qualquer razão histórica ou simbólica, ao âmbito da ação legítima do poder de Estado. Muito menos seus estudantes, professores e funcionários constituem alguma casta ou elite que mereça privilégios por parte dos agentes da lei.
Foi particularmente infeliz, sob este aspecto, a frase do ministro da Educação, Fernando Haddad, segundo o qual "a USP não é a cracolândia". É difícil afastar a impressão de que, com isto, sugeria-se existir uma carta branca para a PM reprimir como bem entendesse os miseráveis dependentes do crack no centro de São Paulo, cabendo, ao contrário, mesuras especiais à "gente diferenciada" que frequenta o campus do Butantã.
A lei vale para todo cidadão brasileiro, universitário ou não. Deve valer, contudo, para a própria polícia. São notórios e frequentes, no Brasil, os casos de truculência policial; de assassinatos disfarçados sob o pretexto de "resistência à prisão"; de falsos flagrantes organizados por maus policiais em busca de propina.
A legislação brasileira a respeito das drogas, que deveria avançar no sentido de uma gradual liberalização, já exclui o porte e o consumo pessoal da pena de prisão. Persistem, entretanto, a intimidação e a repressão aos usuários.
Na USP e fora dela, a PM tem problemas mais importantes a resolver do que revistar mochilas de adolescentes à procura de pequenas quantidades de maconha.
Exceto em casos específicos de investigação fundamentada, a polícia não terá reconhecimento da comunidade se encarar como suspeito qualquer agrupamento de rapazes ou moças em seus momentos de lazer, cercando-os do olhar hostil da vigilância armada. Policiais e cidadãos devem conviver sem desconfiança mútua - essa obviedade está longe de confirmar-se no Brasil. A questão, que não exclui o rigoroso respeito à lei, envolve também um aspecto político, e até de relações públicas, que precisa ser levado em conta em todos os ambientes. Sendo o da USP especialmente sensível ao problema, a inquietação em curso poderia ser uma oportunidade para debater, e colocar em prática, maneiras de superá-lo.



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