FOLHA - Santos 0 x Barcelona 4
Barcelona sobra contra o Santos, e final do Mundial tem a maior goleada em 50 anos
LEONARDO LOURENÇO + RODRIGO BUENO - ENVIADOS ESPECIAIS A YOKOHAMA
Muito mais time
Foram muitas comparações entre Barcelona e Santos, entre Messi e Neymar. Mas a distância entre eles foi enorme: 4 a 0 e um show.
A maior goleada em decisões do Mundial desde 1961 (Peñarol 5 x 0 Benfica) coroou um time que já está na história como uma máquina de ganhar títulos e de ainda praticar um futebol vistoso.
Desde que Josep Guardiola assumiu o clube catalão, são 16 títulos disputados e 13 conquistados, dentre eles os dois Mundiais que a equipe espanhola possui, algo que atormentava o arquirrival do tricampeão Real Madrid.
Além do placar elástico, incomum em decisões no Japão, o Barcelona impôs seu estilo de forma avassaladora, ficando com 71% de posse de bola e criando várias chances, mandando bolas na trave, fazendo lances de efeito.
Messi, autor de dois tentos, foi eleito o melhor jogador do torneio. Xavi, com gol e assistência na final, ficou em segundo lugar. Coube a Neymar, quase nulo na decisão, o bronze do torneio.
O título do Barça foi definido ainda no primeiro tempo.
Rafael, principal figura santista em campo apesar dos 4 a 0, já tinha interceptado um chute de Messi e feito outras duas boas intervenções quando foi vazado pela primeira vez, aos 17min.
Messi, em uma de suas jogadas mais características, tocou por cima do goleiro com estilo. Durval, uma das apostas de Muricy para o Mundial, falhou na jogada.
O Barcelona atacava mais pelo lado direito de seu ataque, aproveitando o lado mais frágil da defesa santista. Foi por ali também que saiu a jogada do segundo gol. Xavi, com tranquilidade, apenas concluiu a jogada quase da marca do pênalti.
O terceiro foi digno de um massacre. Com muitos jogadores na frente, quase todos participando do lance, Messi costurou a defesa rival e viu na sequência da jogada uma série de finalizações que terminaram com o gol de Fàbregas. Parecia um treino.
Danilo sentiu contusão e foi substituído por Elano aos 31min, mas o Santos todo foi para o vestiário atordoado.
A goleada era inevitável.Segundos depois de Daniel Alves acertar a trave de Rafael, Messi chegou outra vez na cara do arqueiro santista.
Desta vez o melhor do mundo nos dois últimos anos e favorito ao tri preferiu driblá-lo. Os 4 a 0 ficaram até de bom tamanho para o Santos, que voltou a um Mundial após 48 anos para finalizar, segundo o Datafolha, sete vezes, contra 17 do Barcelona.
O time espanhol deu 736 passes durante o jogo. O Santos, só 188. Foi um vareio.
JUCA KFOURI
Massacre em Yokohama
Jamais havia torcido contra este Barcelona de Lionel Messi. Nem queria.
Jamais, portanto, havia sentido a aflição de ver a bola permanentemente nos pés catalães.
É mesmo desesperador.
Enquanto o Santos tentava jogar aquilo que conhecemos como futebol de campo, o Barça jogava, se me permitem, futebol de salãozão.
De pé em pé como se sabe e sempre na iminência de dar o bote fatal, como a cada chance de gol que pode vir tanto de um chute de fora da área quanto de uma matada de chaleira como a de Xavi na abertura do placar no golaço de Messi, simples e belo, divertido como um quadro de Joan Miró. Ou de uma entrada surpreendente que não surpreende, se me entendem (porque acontece toda hora), como no segundo gol de Xavi ou na bola na trave de Fàbregas, ou no seu terceiro gol, ou no quarto de Messi, ou...
Será preciso parar para pensar sobre o jogo que jogamos por aqui, exceção feita aos chilenos da Universidad, incomparavelmente menos talentosos que os catalães, mas com um sistema parecido, de ocupação de espaços e mobilidade.
Quem desdenhava dos adversários do Barcelona no Espanhol viu o campeão da Libertadores ser tratado como se fosse um Zaragoza qualquer, sem se dizer que se o Barça atropelou também o Al Sadd enquanto o Santos sofreu para superar o Kashiwa, foram os qataris os terceiros colocados ao superar os japoneses nos pênaltis na casa deles.
Se para mim é impossível não querer o bem do Santos por tudo que significou no despertar da minha paixão pelo futebol de fantasia, foi quase sobre-humano não torcer mais uma vez pelos catalães que têm no time azul e grená uma equipe melhor até que a seleção espanhola também campeã mundial, porque a Fúria não tem Messi.
Impossível não lembrar dos tempos do Santos de Pelé, quando os técnicos rivais diziam que para pará-lo só com metralhadora para abater o Rei e cordas para amarrar Coutinho, Pepe, Zito.
Pois Muricy Ramalho não teve tal arsenal à disposição e felizmente, ao menos, não mandou seu time bater. Mas quem sabe tenha aprendido, assim como, e principalmente, Mano Menezes, o que é o futebol do time de Pep Guardiola ou, mais modestamente, do técnico de La U, o argentino Jorge Sampaoli, não por acaso apelidado de Bielsita, em referência ao Loco, seu mestre. Ou da Alemanha.
E não me venham só com táticas e estratégias.
O nome disso é ousadia. É arte. É arte pura.
XICO SÁ
Se oriente, rapaz
Amigo torcedor, amigo secador, passei as últimas temporadas sem querer que os jogos do Santos acabassem nunca. Ontem roguei a Cristo, cujo sovaco faz sombra aqui no chatô da minha nega no Cosme Velho (Rio), para que terminasse logo o martírio contra o Barça.
E foi o juiz apitar a partida de um time só e o velho camarada madrileno Juan, um irmão ludopédico, me dizer das suas ao telefone. "Eu já levei de cinco, você está no lucro, aceite a minha solidariedade, estava torcendo pela sua baleia Moby Dick", tenta me confortar o torcedor do Real Madrid.
É, meu caro, depois dos 40 a ressaca não é indisposição física e mental, depois dos 40, meu chapa, a ressaca é uma dengue existencialista. Onde estou? Quem que eu sou? Pra onde eu vou? Cadê a bola? Cadê minha cabeça? É o que sinto até agora depois de ser vítima da maior e mais virtuosa roda de bobinho do mundo.
Só nos resta uma velha cantiga de conforto nessa perdição toda, quem sabe a gente não ache o caminho de volta: "Se oriente, rapaz, pela constelação do Cruzeiro do Sul/ Se oriente, rapaz/ Pela constatação de que a aranha vive do que tece/ Vê se não se esquece/ Pela simples razão de que tudo merece/ Consideração".
Considere, santista Gilberto Gil, que o Bahia, seu outro time, fez bonito e isso já valeu o ano. Considere, amigo do Peixe, que o que vale mesmo é a Libertadores da América, aí você ganhou bonito. Considere que o Santos vai ganhar tudo, de novo e sempre.
Sim, Muricy, deveríamos ter treinado só roda de bobinho para a final. Desculpa ai, leitor, estou falando besteira, me entenda, é delírio tremens depois do vareio de bola. Acontece.
Não, de forma alguma teria jeito, você fez tudo que era possível, prezado técnico cujo nome de guerra é o trabalho. Foi só terrível e dolorosa superioridade, como reconheceste. Simples. Pronto.
Mas não deixemos de dizer um sonoro "que mierda", como se despediu o Juan na nossa prosa ao telefone. O madrileno entende do assunto: "Não aguento mais perder para esses caras, só o bando de Lampião seguraria esse time".
Juan estuda sobre o cangaço no Nordeste brasileiro. Figura. É, só adotando mesmo o esquema de Virgulino. Fica a dica para a próxima vítima.
Ah, meu bom Juan, se eu soubesse teria ficado na cama com a moça curtindo os cafunés de uma naturalíssima ressaca. Ela bem que tentou. Ela não entende porque os homens sofrem tanto com isso.
JOSÉ ROBERTO TORERO
O sonho de Leocádio depois de assistir ao massacre cruel
Escrevo no ônibus, voltando do estádio, e olho o menino de dez anos que dorme ao lado, enrolado num cachecol branco e preto. Um menino que eu chamo de Leocádio.
Imagino que ele está tendo pesadelos terríveis, com monstros gigantes com o uniforme do Barcelona. Ele tenta escapar por todos os lados, mas está cercado, assim como os santistas quando tentavam começar uma jogada.
Ou talvez seja o contrário. Ele é quem está correndo atrás da bola, que é passada pelos monstros grenás de um lado para o outro, de pata em pata, num eterno jogo de bobinho, passando sempre a milímetros de suas pernas sem que ele consiga tocá-la.
O menino estava alegre antes do início do jogo. Não conseguia ficar quieto na cadeira e mal piscou durante a festa de abertura. Tinha atravessado meio mundo, estava do outro lado do planeta para assistir ao time de sua cidade.
Ele esperava ver arrancadas de Arouca, passes de Ganso, dribles de Neymar, gols de Borges. Mas nada disso aconteceu. O que ele viu foi um lindo e dolorido espetáculo do outro time.
O menino ficou quieto depois do primeiro gol, cabisbaixo depois do segundo, encolhido depois do terceiro, suspirou depois do quarto.
Imagino que ele deve estar triste, achando que a realidade é amarga, que a felicidade é ilusão, que o futebol e a vida são cruéis. Mas aí, o menino que eu fui, e que todos somos um pouco, acorda, tira remela do olho e pergunta:
- No ano que vem a gente vem de novo?