Sunday, March 27, 2011

Tento aqui resumir uma história que aparece no livro O Círculo dos Mentirosos, que é uma coletânea de histórias tradicionais organizada pelo roteirista de cinema Jean Claude Carriére:

Certa vez um homem que queria aprender a ser joalheiro procurou alguém que lhe ensinasse o ofício. O mestre escolhido deu a ele como primeira lição uma ametista e orientou-o para que a segurasse na mão o tempo todo, durante um mês inteiro.

O homem evidentemente considerou a tarefa um absurdo mas, mesmo que a contragosto, cumpriu à risca as determinações.

Trinta dias depois, voltando para a aula seguinte, foi recebido pelo mestre que lhe ofereceu uma segunda ametista que deveria ser carregada por mais um mês.

Ao final daquele mês recebeu uma terceira ametista e ao devolvê-la, uma quarta.

Na quinta aula, muito irritado e enquanto discursava sem parar sobre a inadequação daquele método de ensino, o homem estendeu a mão para receber a pedra que o outro lhe oferecia e, ao segurá-la, exclamou: Mas isto não é uma ametista!

Entrou por uma porta e saiu pela outra e quem quiser que conte outra.

[...] A mente pensa em imagens, mas para se comunicar com outra deve transformar a imagem em pensamento e depois o pensamento em linguagem. Essa marcha, da imagem para o pensamento e para a linguagem, é traiçoeira. Acidentes acontecem: a rica e macia textura da imagem, sua extraordinária plasticidade e flexibilidade, suas nuanças emocionais nostálgicas, privadas - todas são perdidas quando a imagem é transformada à força em palavras.

Irvin D. Yalom - O Carrasco do Amor e outras histórias de psicoterapia

Tuesday, March 22, 2011

Tecnologia é o novo rock

20 de março de 2011


* Por Mike Swift (San Jose Mercury News)

Matthew Rosenberg, um dos fundadores da startup Fast Society, de Nova York, estava nas palestras de tecnologia do festival South by Southwest (SXSW, que acontece anualmente em Austin, Texas) e, observando a multidão, anunciou: “Somos os novos astros do rock.” Nós quem? Os empreendedores.

A Fast Society é apenas uma das muitas startups no festival que estão competindo entre si para transformar o SMS em uma plataforma que permite a troca de fotos, vídeos, chamadas de voz e textos entre pequenos grupos de amigos.

Criado há 17 anos, o SXSW foi de onde o Twitter iniciou seu voo em 2007 e, dois anos depois, ensinou ao mundo o conceito de check-in geolocalizado quando sediou o lançamernto do Foursquare. Dividido em três áreas (música, cinema e interação), ele continua sendo o lugar que lança as tendências de tecnologia pessoal, móvel e social.

Mas os jovens empreendedores temem que o evento, que cresce sem parar, esteja sendo desfigurado, já que grandes companhias e o que Rosenberg chama de “beautiful people” são atraídos pelo dinheiro e pelo interesse cultural por trás do boom da mídia social online.

Neste ano, entre as empresas recém-criadas e as tendências que estão chamando a atenção, estão serviços de armazenamento de música online e a nova geração dos sistemas de busca, como o Moodfish, que usa termos como “brilhante”, “sensual”, “intenso” e “estranho” na busca de entretenimento adequado ao gosto de cada um.

A startup preferida da atriz Demi Moore, Zaarly, também estava lá apresentando seu serviço que funciona assim: você dispara pelo telefone o quanto estaria disposto a pagar por determinado serviço naquele instante e as pessoas que estão próximas a você podem responder a sua proposta com ofertas de serviços.

Moore e o marido, Ashton Kutcher, viraram investidores de empresas de tecnologia assim como o âncora do programa de entrevistas Conan O’Brian e outros notáveis de Hollywood que, aproveitando que o SXSW é também um festival de cinema, fizeram uma visita ao estúdio no centro de Austin para participar do Facebook Live, programa de entrevistas que passa na rede e é conduzido por Randi Zuckerberg, irmã de Mark.

No ano passado, a área de interação do SXSW superou o número de espectadores da área de música, que era a única que havia quando o festival foi lançado em 1987 e era a mais popular até então. No ano passado, foram 33 mil pessoas. Neste ano, estima-se crescimento de 30% no público. De fato os empresários tornaram-se os verdadeiros astros.

“Estamos atraindo sem parar as grandes empresas interessadas em saber como poderão usar a mídia social para aumentar seus lucros”, disse Hugh Forrest, diretor da área de tecnologia do festival, chamada Interactive. A própria Apple, que segundo Forrest resistia a participar do SXSW, montou uma loja temporária no centro de Austin.

Por enquanto, Rosenberg e os outros três sócios da Fast Society não ganham como astros do rock. Para economizar em Austin, eles se amontoam no apartamento de um amigo que viajou de férias. Só dois da equipe de quatro, todos entre os 27 e 29 anos, poderiam pagar os US$ 750 da taxa da conferência.

Empresários mais jovens, como Rosenberg, estão particularmente interessados em montar empresas baseadas nos aplicativos de smartphones, já que as grandes redes sociais, como Facebook e Twitter, precisam de penduricalhos que as tornem mais pessoais e flexíveis.

Segundo Jared Hecht, 24 anos, um dos fundadores do GroupMe, os novos serviços são como uma sala de bate-papo para os amigos mais íntimos. As grandes plataformas de mídia social ficaram tão grandes “que a comunicação ali muitas vezes fica estéril”, diz, argumentando que “as pessoas estão precisandode algo mais pessoal”.

Concorrentes, Fast Society e GroupMe miram em pessoas entre os 18 e os 30 anos e partem da premissa de que elas querem ter uma capacidade maior de se expressar através da tecnologia para um grupo seleto de amigos – longe do controle dos pais, parentes ou de outros olhares enxeridos. “Quando estávamos na faculdade, o Facebook era um lugar seguro”, disse Rosenberg. “O que estamos fazendo é o novo álbum de fotografias; é como a nova câmera de vídeo”.

O desenfreado espírito comercial do festival incomodou um pouco Rosenberg. “Olhe ao redor. A Pepsi está em toda parte. A Chevrolet está em toda parte. Acho que os dias em que o SXSW celebrava as startups estão contados”. Ele disse também que a Fast Society aprova táticas de guerrilha em seu marketing. No entanto, não comentou o boato de que teria pago drinks para todos que estavam no voo que os trouxe de Nova York, apenas para promover a empresa.

Falso ou verdadeiro, não importa – o boato ajudou a Fast Society ser notada. Isso e o fato de ter aparecido tanto no New York Times quanto em blogs de tecnologia ao lado de serviços de mensagens coletivas muito maiores e com recursos muito sofisticados, como o GroupMe e o Beluga, aplicativo de mensagens criado por três ex-funcionários do Google e comprado pelo Facebook neste mês.

“Por aqui, todos têm toneladas de grana e não podemos ficar para trás”, disse Rosenberg. Ir ao South By Southwest e tentar várias táticas de guerrilha no marketing – sua empresa também fretou um ônibus-balada que levava as pessoas até o centro no primeiro dia do festival de graça – “foi um risco calculado”, como disse. E acrescentou, em uma entrevista que acha que “a aposta deu certo – afinal, você está falando comigo agora”.

Tradução: Anna Capovilla

Monday, March 21, 2011

Primo Levi - O Último Natal de Guerra

Irvin D. Yalom - O Carrasco do Amor e outras histórias sobre psicoterapia

Wednesday, March 16, 2011

Tuesday, March 15, 2011

Terremoto - 15 3 11

São 22:46.

Houve um terremoto às 22:31 na parte norte de Shizuoka. Eu moro no sul. São 120 km de lá pra cá.

Magnitude 6. Aqui tremeu 3. Entre o epicentro e minha casa há uma usina nuclear.

Vou dormir o pouco sono que resta. Tentar dormir.


Saturday, March 12, 2011

Friday, March 11, 2011


CONTARDO CALIGARIS

Cisne Negro, o Carnaval e as mães

Se conseguimos viver plenamente, é graças a autores e intérpretes que nos revelam nosso lado B


Cisne Negro é a história, muito bem contada, do desabrochar de uma loucura. Mas amei o filme por outras razões. Aqui vão duas delas.

1) Revi Cisne Negro no domingo e, na volta do cinema, assisti ao Carnaval na TV.

Gosto da exuberância de alegorias e fantasias, e o que mais importa no Carnaval talvez seja a paixão das escolas ao preparar o desfile, mas resta que, na televisão, o espetáculo do carnaval e de seus bastidores consegue a façanha se ser, ao mesmo tempo, vulgar e careta. Como é possível?

É que, no espetáculo televisivo, a transgressão da folia consiste numa tremedeira de carnes (vagamente sugestiva de um exercício sexual), acompanhada de uma dose diurética de cerveja. Ou seja, o Carnaval na televisão é um programa infantil, pois é assim que as crianças imaginam a transgressão: vulgar como xixi-cocô e careta como suas suposições sobre o que acontece entre adultos na hora do sexo.

Só para confirmar: as crianças encaram com prazer o tédio de uma noite de desfiles em família, na frente da televisão. Elas acham reconfortante supor que o lado B dos adultos seja parecido com a visão infantil da transgressão: comilança, bebedeira, bunda e peitos. Só falta um pum final.

Na verdade, fora esse momento anual de regressão coletiva, espera-se que, para os adultos, a transgressão seja uma excursão em territórios mais tenebrosos e mais aventurosos. Espera-se que o lado B da gente não caiba no Carnaval televisivo e que sua descoberta peça mais do que alguns litros de cerveja.

1) Nada torna a vida interessante tanto quanto a descoberta de nossa própria complexidade; 2) Talvez a função mor da cultura seja a de nos dar acesso a partes de nosso âmago que normalmente escondemos de nós mesmos; 3) Conclusão: se conseguimos viver plenamente, é graças a autores, atores, intérpretes etc. que nos revelam nosso próprio lado B (e C e D).

Agora, será que o artista poderia levar espectadores ou leitores para territórios que ele não tiver primeiro desbravado nele mesmo?

Alguns pensam assim: só quem ousa se aventurar pelo seu próprio lado B consegue revelar aos outros o lado B que eles escondem de si mesmos. Nina, a estrela do "Lago dos Cisnes", não poderia arrebatar seu público sem se entregar corajosa e perigosamente a seu lado obscuro, sem se entregar ao cisne negro nela.

Outros pensam que, para encarnar o cisne negro, Nina não precisa sentir sua lascívia na pele. Bastaria ela atuar e dançar (como dizia Diderot) com a inteligência, e não com o coração. Mas como ela poderia dançar e atuar o cisne negro com a inteligência sem conhecer e entender o que ela precisa expressar?

Seja como for, quem acha que seu lado obscuro é feito de carnes trêmulas e cerveja deveria fazer um esforço sério para sair da infância. Nesse esforço, Nina e Cisne Negro seriam de bastante ajuda.

2) Homens e meninos, mesmo quando aspiram à perfeição, convivem razoavelmente bem com falhas e fracassos. É porque acreditam firmemente que, mesmo imperfeitos, eles nunca deixarão de ser tudo o que suas mães pediram a Deus.

Mulheres e meninas, ao contrário, sentem que, mesmo alcançando a perfeição, não serão o que suas mães pediram a Deus. A explicação clássica disso é que elas, pelo simples fato de serem mulheres, nunca preenchem a expectativa materna tanto quanto um filho varão. Paradoxo: as mulheres aspiram à perfeição mais do que os homens porque tentam merecer uma aprovação materna que é quase impossível.

Há uma outra explicação do sentimento feminino de não corresponder às expectativas maternas. Essa explicação, mais inquietante, diz que, para uma mãe, o triunfo de uma filha (profissional ou amoroso) sempre apresenta ao menos um defeito: o de não ser o triunfo dela mesma, da própria mãe.

A mãe de Nina espera que o sucesso da filha compense suas frustrações de bailarina que renunciou à carreira. Também acusa a filha de ser a causa dessa renúncia. Qual será o melhor bálsamo para a ferida: o sucesso ou o fracasso da filha?

Muito frequentemente, as mães rivalizam com as filhas. Essa rivalidade é especialmente óbvia e feroz quando, de um jeito ou de outro, oferecendo pelúcias ou preparando chazinhos, uma mãe tenta manter a filha parada numa eterna infância.

Tuesday, March 08, 2011


O que diferencia o artista da pessoa comum? A vaidade.

Evidente que gênios também os há. Às vezes, simultaneamente, artistas e gênios. Estes, quando o são, assim como os matemáticos, fotógrafos, carpinteiros gênios, passam pela vaidade, levam-na consigo ou não, mas sua obra é que permanece. Aos que não somos gênios, resta a semelhança na vaidade e a possibilidade de tê-los como inspiração. Fingir o gênio, como se fôssemos. Se vaidade já a temos que nos venha também o rigor, a obstinação, a grande paciência do gênio. Como por esse meio não se adquire um grande talento - o aspecto do gênio ao qual não teremos acesso - tenhamos pois a humildade de reconhecer nossa insignificante pequenez (ainda que vaidosa) e, quem sabe, advenha daí, justamente, qualquer experiência iluminatória.

Na Aurora, de Murnau, o personagem que sonha com uma vida nova precisa retornar à origem de sua auto-imagem, volta mítica, retorno à idéia primeira de identidade. Sua "vida nova" é desejo transposto em fantasia, no sentido psicanalítico, desejo não sublimado, realizado apenas em imaginação e que, inevitavelmente, se confrontado com a realidade, deteriora, distorce. Este o aprendizado da maturidade: resignar-se aos limites do real, estar conforme, separar realidade da fantasia. Resulta daí o conformismo, sintoma na maturidade do luto não resolvido da infância perdida.

E o artista, que precisa resguardar em si o jogo lúdico do faz-de-conta, o mundo mental que se transporta para o mundo concreto através de seus pequenos objetos-idéias, castelos de sonho, sob pena, caso contrário, de enrijecer-se perante a realidade que pretende realçar, desvelar? Como amadurecer, enquanto artista? Talvez todo artista, gênio ou medíocre, possa ter isto para partilhar, a experiência infantil preservada. Se a vaidade é a onipotência infantil arraigada no adulto, o artista, na tentativa de amadurecer, corre permanente risco de, como na piada, jogar fora a criança junto com a água da bacia. Estátua de pedra que olhou nos olhos a realidade, o homem comum carece da experiência artística que lhe forneça as sandálias aladas e o escudo de Perseu. A imagem projetada da Medusa é o que o artista tem para oferecer em tempos pós-míticos. Mas, dilema! perigo! trágico destino, a ele mesmo cabe a travessia que o pode levar ou não ao outro lado do labirinto e uma Górgona inteiramente sua para o flerte. Que espessura tem o fio de Ariadne onde terá de se dependurar o grosseiro artista? Como entender o mecanismo do mundo e não cair vítima do funcionamento de sua engrenagem, nós, paupérrimos artistas, nós que não somos, nem nunca seremos, gênios? 12 / 10 / 2001

Irajá Menezes

Cisne Negro 

Dirigido por Darren Aronofsky. Com: Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Barbara Hershey, Winona Ryder.

Por Pablo Villaça


Parte 1: Odette e a Razão

Cisne Negro é o que o clássico Os Sapatinhos Vermelhos seria caso tivesse sido dirigido por David Cronenberg e David Lynch numa parceria inédita. Utilizando o balé O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, como centro narrativo exatamente como aquele excepcional longa de Michael Powell e Emeric Pressburger empregava a fábula concebida por Hans Christian Andersen, este filme de Darren Aronofsky representa não apenas uma bela homenagem ao balé como ainda funciona como um fascinante olhar sobre o processo criativo de uma artista obcecada por detalhes – além, claro, de representar uma experiência aterrorizante que deixaria orgulhosos os dois Davids citados no início deste texto.

Escrito por Mark Heyman, John J. McLaughlin e Andres Heinz a partir de argumento concebido por este último, Cisne Negro acompanha a bailarina Nina Sayers (Portman), que, depois de anos integrando o corpo de baile de uma grande companhia de dança, finalmente ganha a oportunidade de protagonizar um espetáculo quando a antiga estrela do grupo, a veterana Beth Macintyre (Ryder), é obrigada pelo diretor Thomas Leroy (Cassel) a se aposentar depois que o público começa a escassear. Profundamente dedicada à dança, Nina mora com a mãe, a ex-bailarina Erica (Hershey), e enxerga a chance de estrelar O Lago dos Cisnes com ambigüidade: por um lado, é a realização de um antigo sonho; por outro, logo começa a sentir a pressão por não conseguir incorporar toda a sensualidade exigida pelo papel de Odile, o “cisne negro” que se passa pela casta Odette (esta naturalmente vivida pela moça sem dificuldades). Torturada por estranhas visões, Nina ainda enfrenta a ameaça representada pela chegada de uma nova bailarina, Lily (Kunis), cuja espontaneidade logo atrai a atenção de Thomas.

Adotando uma lógica sombria já em sua cena inicial, o filme mergulha o espectador no inconsciente de Nina desde o primeiro segundo, quando acompanhamos seu pesadelo calcado em escuridão. Já desperta, a moça não perde um momento sequer antes de calçar as sapatilhas e testar o próprio corpo, deixando claro de imediato que todos os minutos de seu dia são dedicados incondicionalmente à sua Arte. Além disso, mesmo antes de ser eleita sucessora de Beth pelo exigente Thomas, a protagonista já surge insegura e intimidada como se estivesse sendo vítima de um escrutínio impiedoso por parte de suas colegas – e o design de som da produção é fabuloso ao nos remeter a esta paranóia contínua de Nina através de sussurros constantes que ora soam como risadas de escárnio, ora como críticas veladas às suas performances no palco.

Magra a ponto de inspirar preocupação, Natalie Portman encarna Nina como uma criatura extremamente frágil que parece sempre prestes a desabar: bulímica e determinada a atingir a “perfeição” (um conceito que Thomas enxerga de forma diferente, por sinal), a garota se comunica com uma voz delicada que muitas vezes parece nem deixar sua garganta completamente, falhando em se impor até mesmo ao ser provocada pelas demais bailarinas. Parte desta passividade enlouquecedora se deve, claro, à própria falta de paixão que se manifesta também em sua técnica excessiva, mas não só: infantilizada pela mãe, Nina expõe sua fragilidade emocional até mesmo em seu quarto de tons rosas e abarrotado de bonecos de pelúcia – e que, como se não bastasse, não lhe oferece a menor privacidade, já que Erica jamais permite que a filha tranque a porta.

Assim, o que resta à garota é mesmo o balé – algo que Portman ilustra com uma verossimilhança impressionante desde a primeira cena, quando Aronofsky acompanha os movimentos elegantes de seus pés apenas para subir a câmera e revelar que se trata da própria atriz e não de uma dublê. Além disso, ao manter seus quadros sempre próximos da moça enquanto esta gira pelo palco, o cineasta imprime uma formidável energia aos números, retratando a intensidade dos exaustivos ensaios com brilhantismo (e aqui mais uma vez o design sonoro merece destaque por ressaltar os esforços da protagonista através do ranger do assoalho sob seus pés e até mesmo ao remeter ao desgaste de suas articulações durante as coreografias). Neste sentido, aliás, Aronofsky é hábil também ao explicitar a necessidade da repetição infinita durante os ensaios até que tudo chegue ao ponto ideal – um tema caro a qualquer artista e que é representado também pelas várias pinturas que, praticamente idênticas, preenchem o quarto (e o tempo) da mãe da bailarina.

Erica, vale dizer, é interpretada por Barbara Hershey com uma complexidade intrigante: ainda que pareça realmente torcer pelo sucesso da filha, a ex-bailarina exibe uma sutil crueldade ao discutir os obstáculos enfrentados por esta – e o fato de manter o cabelo preso num coque típico de dançarina remete diretamente à carreira que teve que abandonar ao se tornar mãe e que ainda é motivo de um claro ressentimento na relação das duas mulheres (além disso, ao vestir-se sempre de preto, Erica se torna uma alusão constante ao lado adulto, independente e sedutor, que Nina tem dificuldade em alcançar). Enquanto isso, Vincente Cassel surge intenso e exibindo imensa autoridade como Thomas, sendo competente ao deixar óbvia a frustração que seu personagem sente diante da incapacidade de sua nova estrela de abraçar a própria sensualidade ao dançar como Odile, o cisne negro – e em certo momento, o ator consegue a proeza de permitir que o espectador perceba, sem que diga uma palavra, o impulso do diretor de substituir Nina por Lily.

Um impulso natural e compreensível, diga-se de passagem, já que a Lily composta por Mila Kunis é o oposto da Nina de Portman: enquanto a primeira claramente se diverte ao dançar (mesmo que pecando pela ocasional falta de técnica), a segunda parece sempre torturada em seus esforços absurdos de realizar cada movimento com precisão absoluta, contrapondo a visceralidade da novata à racionalidade artística da veterana – e discutirei outros aspectos desta dualidade na segunda parte do texto. Aliás, Natalie Portman merece todos os aplausos do mundo ao deixar evidente a dureza da performance de sua personagem ao dançar como Odile: ao mesmo tempo em que apreciamos a fluidez de seus passos, percebemos claramente a ausência do elemento de sedução cobrado por Thomas, o que é fundamental para que compreendamos o arco dramático percorrido pela protagonista.

Mas Cisne Negro não é uma vitória apenas para Portman; dono de um currículo tão impecável quanto o da Pixar (e, sim, incluo aí o subestimado Fonte da Vida), Darren Aronofsky exibe uma inteligência admirável ao forçar o público a compartilhar a paranóia de Nina não só através do já comentado design de som, que ilustra seu medo do fracasso e do ridículo, mas também seu crescente desequilíbrio psíquico e emocional, começando em pequenos instantes de incerteza (como a impressão de ver uma sósia no metrô ou o assustador movimento em uma pintura capturado pelo canto dos olhos) até atingir uma espécie de esquizofrenia descontrolada. Além disso, o cineasta confere autenticidade ao projeto ao enfocar em detalhes o cotidiano das bailarinas, como ao mostrá-las “quebrando” as sapatilhas e arranhando o solado para aumentar o atrito ou ao trazê-las sendo massageadas após um dia de desgastantes ensaios.        

Fotografado com talento por Matthew Libatique, que utiliza as sombras com eficiência para estabelecer o clima sufocante da narrativa, Cisne Negro também é beneficiado pela excepcional trilha sonora de Clint Mansell, outro colaborador habitual de Aronofsky, que parece incorporar versões dissonantes dos temas concebidos por Tchaikovsky em sua própria trilha, remetendo constantemente ao balé que se torna uma obsessão dos personagens ao mesmo tempo em que o transforma em algo próprio e profundamente evocativo. E se o design sonoro de Brian Emrich e Craig Henighan merece uma terceira menção neste texto ao evocar também O Lago dos Cisnes através de ruídos como o bater de asas que acompanha sutilmente certos movimentos da protagonista, os efeitos visuais empregados pela produção também se apresentam fabulosos não só pela maneira orgânica com que são incorporados ao projeto, mas também pela qualidade técnica apresentada (e aqui me refiro especificamente aos acontecimentos – que não irei revelar, obviamente – vistos no terceiro ato da projeção).

Explorando ao máximo o sensacional roteiro de Heyman, McLaughlin e Heinz, Cisne Negro acaba criando intrigantes ecos temáticos com a própria obra de Tchaikovsky (vide Os Sapatinhos Vermelhos e Andersen) e também com os demais longas da carreira de seu cineasta, desde a metamorfose autodestrutiva vista em Pi até o salto característico de Mickey Rourke ao final de O Lutador – e, no processo, forja não apenas uma narrativa densa e repleta de simbolismos como ainda surge como um soberbo estudo do processo criativo de uma artista que, como tantos outros colegas de profissão, só consegue se enxergar completa e realizada ao entregar-se sem reservas ao ofício de construir algo belo e significativo.

Parte 2: Odile e o Espelho

(Atenção: aqui discutirei alguns aspectos temáticos e narrativos mais específicos de Cisne Negro e, assim, abordarei incidentes significativos da trama.)

Espelhos e reflexos sempre representaram uma obsessão para cineastas de todo o mundo – algo que surgiu como conseqüência da riqueza de simbolismos que inspiram, claro, mas também do próprio desenvolvimento psíquico pelo qual todos atravessamos até nos reconhecermos como indivíduos (algo que levou, por exemplo, o teórico Jean-Louis Baudry a estabelecer sua genial analogia entre o espectador cinematográfico e a fase do espelho descrita por Lacan). Assim, de Hitchcock a Buñuel ou de Fritz Lang a Tarkovsky, diretores das mais diversas épocas e donos de estilos variados empregaram o jogo de duplos como base temática de uma ou mais de suas obras – mas talvez poucas vezes este tenha sido utilizado de maneira tão intensa e orgânica como em Cisne Negro.

Constantemente levada a observar os próprios movimentos em vários espelhos a fim de refinar sua técnica, Nina Sayers já surge nos primeiros minutos de projeção sentada diante de múltiplos reflexos na sala de seu pequeno apartamento – e não demora muito até que, no metrô que a leva aos ensaios, seja novamente reproduzida na janela do vagão enquanto repara uma figura que, no carro seguinte, parece uma cópia de si mesma (mas envolvida em roupas pretas que contrastam com a brancura de seus próprios trajes). Com isso, Aronofsky logo estabelece a lógica visual que irá reger sua narrativa: o contraste entre branco e preto e, claro, a natureza partida da protagonista.

Pois Nina, como já discutido na primeira parte da crítica, é uma bailarina cuja personalidade frágil e infantilizada estabelece uma combinação perigosa com sua obsessão pela perfeição – especialmente ao ser obrigada a explorar um aspecto desconhecido de sua natureza: a sexualidade. Reprimida por acreditar que a disciplina absoluta lhe trará a precisão técnica que a transformará numa grande dançarina, a moça deixa de lado qualquer prazer que o balé possa oferecer, repetindo mecanicamente os passos concebidos por seu diretor sem jamais conseguir se libertar a ponto de enriquecê-los com a espontaneidade que o sujeito tanto deseja reconhecer em sua performance – e esta limitação auto-imposta que Thomas já afirmara ter observado ao longo dos anos se torna ainda mais prejudicial quando a garota é obrigada a assumir uma personagem que só virá à tona completamente caso construída com visceralidade: Odile, o cisne negro.

É quando surge em cena Lily, que Nina enxerga ora como rival, ora como parceira: espontânea e alegre, a garota logo se apresenta como o reflexo da protagonista, remetendo ao seu tipo físico, mas se comportando de maneira diametralmente oposta – o que se reflete não só nas cores de suas roupas, mas também no fato de Mila Kunis ser uma alternativa morena à alva Natalie Portman. Com isso, o conflito entre Odette, a princesa amaldiçoada de O Lago dos Cisnes, e a mal-intencionada Odile, se reflete também na dinâmica das duas bailarinas, encontrando respaldo nas asas negras que Lily traz tatuadas nas costas e na facilidade com que esta seduz todos ao seu redor. A partir daí, Nina passa a empregar a outra como a representação de seu possível fracasso, criando um alter-ego que, possuindo o rosto de Lily, surge como uma espécie de Tyler Durden de sapatilhas e collant preto.

Assim, aos poucos este lado de Nina parece se descolar de sua metade mais retraída – algo que Aronofsky inicialmente retrata com sutileza ao trazer os reflexos da bailarina se movendo com um levíssimo atraso com relação à moça até eventualmente se libertarem de vez, embora permaneçam por um bom tempo presos do outro lado do espelho (leia-se: em sua mente). À medida que a protagonista se esforça para encontrar Odile, porém, seu alter-ego “Lily Durden” (para diferenciá-la da verdadeira Lily) ganha força e passa a se manifestar fisicamente, como se Nina buscasse liberar a sexualidade há tanto sufocada – e é fascinante notar, por exemplo, como ao surgir deitada na cama, a estampa preta de seu travesseiro branco parece formar um esboço de asa saindo de suas costas, num belo indício da transformação que ela irá experimentar.

E, de fato, a metamorfose é absoluta: se inicialmente Nina dançava de maneira fria e reprimida como Odille, na fantástica dança final ela se entrega de vez à personagem – e Portman oferece uma performance inesquecível ao ilustrar a diferença para o espectador, já que até sua respiração pesada provocada pelo cansaço surge como um gemido quase sexual.

Mas alcançar este feito tem um preço: a esta altura, Nina e Lily “Durden” rivalizam pelo corpo e pela consciência da protagonista (reparem o memorável plano no qual Aronofsky parece fundir as duas brevemente num jogo de reflexos no apartamento da garota até que a segunda se separe e se afaste da primeira) – e, assim, a única maneira de Odile surgir no palco seria através da eliminação completa da recalcada Nina, que, para isso, mata aquela figura que se encontrava em seu caminho rumo à almejada perfeição: ela mesma.

Sua arma? Um afiado pedaço de vidro.

Extraído de um espelho.

Freud teria um orgasmo com este desfecho. E com razão.

30 de Dezembro de 2010

Siga Pablo Villaça no twitter clicando aqui e o Cinema em Cena clicando aqui!

Monday, March 07, 2011


Rebeldes rejeitam definição de guerra civil

Para insurgentes, país vive revolução popular

Nada irrita mais um rebelde líbio do que chamar a revolta deflagrada há três semanas contra Muammar Gaddafi de guerra civil.

"Vocês estrangeiros não entendem o que está acontecendo aqui", diz Nabil Muftah, 32, empunhando um fuzil Kalashnikov na entrada da cidade de Ras Lanuf, que ontem se converteu na fronteira do território rebelde.

"O povo líbio está unido contra Gaddafi. Quem luta com ele são seus capangas e mercenários estrangeiros."

O discurso se repete ao longo de toda a costa leste do país ocupada pelos insurgentes, dos gabinetes do governo provisório aos campos de batalha. E desafia os indícios de que a revolta se transformou em guerra civil.

Muftah era soldado de Gaddafi e trocou de lado quando os protestos contra o ditador começaram a ser reprimidos com violência.

Mesmo admitindo que há militares como ele do outro lado do front, insiste em usar a palavra em árabe para revolução, "thaura", para descrever o estado de guerra em que o país mergulhou.

Com a ajuda de desertores como Muftah, o levante contra Gaddafi foi equipado de armas obtidas de bases militares. Soldados líbios lutam com soldados líbios, com armas do Exército líbio. Assim é a "thaura", ou pelo menos parte dela.

"Uma guerra civil é definida pela luta entre civis do mesmo país", exalta-se Intisal Agili, do governo provisório rebelde em Benghazi, a capital da insurreição. "Aqui é diferente. Uma revolução popular contra um ditador cercado de mercenários."

O estado das armas é muitas vezes precário. Nas diversas barreiras rebeldes da estrada costeira transformada em campo de batalha, é comum ver fuzis caindo aos pedaços, colados com fita isolante e artilharia antiaérea com sinais de ferrugem.

O treinamento também deixa a desejar. "Aprendi a atirar há dois dias", diz o professor de ciência Riad Elhamar, 35. "Deixei minha filha de um ano chorando em casa, mas todo sacrifício é válido para liquidar Gaddafi."

A unanimidade anti-Gaddafi no leste é raramente quebrada. Numa atmosfera inversa ao período anterior à revolta, quando ninguém ousava dar um pio contra o ditador, hoje os que o apoiam preferem a discrição.

Mas alguns demonstram claro deconforto com a anarquia que predomina em algumas cidades. Sem policiamento e com a fartura de armas nas mãos de civis, há registros de saques e roubos.

"Em breve as pessoas sentirão falta da segurança que tinham no tempo de Gaddafi", afirma um militar da reserva.

MARCELO NINIO (ENVIADO A RAS LANUF - LÍBIA)

Sunday, March 06, 2011


Acadêmico renuncia por laços com líder líbio

Agências internacionais

O diretor da London School of Economics and Political Science (LSE), uma das escolas superiores de maior prestígio do mundo, Howard Davies, renunciou ontem por causa de suas ligações com a família do ditador líbio, Muamar Gadafi.

A instituição anunciou a criação de uma comissão para investigar a doação acertada em 2009 de o equivalente a US$ 2,4 milhões (ou 1,5 milhão de libras) de uma entidade dirigida pelo filho de Gadafi, Saif al-Islam, para a escola. Além disso, quer rever o pagamento de US$ 50 mil que o governo líbio fez ao próprio Davies por uma consultoria que ele prestou para o governo sobre fundo soberano líbio. A comissão também quer averiguar a "autenticidade acadêmica" da tese de doutorado que Saif apresentou à LSE em 2008 e sobre a qual recaem suspeitas de plágio.

"Em resumo, eu sou responsável pela reputação da escola e esta foi atingida", disse Davies. "Eu disse ao conselho que seria responsável aceitarmos o dinheiro, o que acabou se revelando um erro. Havia riscos envolvidos em receber recursos de fontes associadas à Líbia e isso deveria ter sido avaliado de uma forma muito melhor."

Do total doado pela entidade do filho do ditador, a LSE disse que já recebeu 300 mil libras e que estuda reservar um valor equivalente em prol da comunidade acadêmica - uma das hipóteses seria reverter o valor em bolsas de estudo para jovens líbios.

Antes da onda de protestos contra o regime de Gadafi, Saif projetava uma imagem de uma personalidade reformista, que poderia ajudar o país a construir um ambiente político mais aberto. Na LSE, o título de sua tese foi "O papel da sociedade civil na democratização das instituições de governança global". Mas durante a crise política e as manifestações pela queda do ditador, ele se tornou no principal porta-voz do governo comandado por seus pai há quatro décadas.

Thursday, March 03, 2011

Papo de louco!

Socialite paulistana diz que filho do ditador Gaddafi está irreconhecível

GABRIELA MANZINI - FOLHA DE SÃO PAULO

"Eu sou amiga dele. Ou eu fui amiga dele." É assim que a empresária e socialite Ana Paula Junqueira define a sua amizade com Saif al Islam, o filho do ditador líbio que hoje atua como a face da repressão violenta do regime.

Ela e o líbio se conheceram "há muitos anos" na Europa - mais especificamente, nas reuniões do Fórum Econômico Mundial, em Davos.

"Ele tinha uma visão moderna para o país", diz Junqueira. "Nunca esperaria isso [violência] dele. [...] Soube que ele queria ter outra atitude, mas o pai não quis."

Há cerca de um ano, a empresária - que já tentou carreira política três vezes, a última com uma candidatura à Câmara pelo PV, no ano passado - oferecia um jantar em homenagem a Saif em sua casa, em São Paulo.

O motivo era a abertura de uma exposição de arte do líbio, "O Deserto Silente", no Museu Afro Brasil. Procurado, o curador Emanoel Araújo não quis comentar.

Entre os cerca de 20 convidados do jantar de Junqueira, diz, estava Marcelo Odebrecht, diretor da construtora, com negócios na Líbia.

Houve uma apresentação de um grupo que reúne ritmistas e um DJ, o Samba Groove. Convidados contaram à Folha que o líbio passou a noite cercado de seguranças, mas foi simpático e chegou a arriscar sambar.

Hoje, a socialite vê Saif pela CNN. "Não o reconheço. Era um grande amigo, mas se transformou. [...] Deve estar sob uma pressão enorme."