Suponho que Laura tenha conseguido alcançar um recorde mundial.
Laura teve oito filhos.
Não há nada de surpreendente nisso.
Os oito filhos tinham sete pais.
Duvido que alguém já tenha visto alguma coisa assim!
Foi Laura quem me deu minha primeira aula de biologia. Morava na casa vizinha à nossa, e eu a observava com atenção.
Via sua barriga crescendo durante meses.
Depois notava sua falta por um breve tempo.
E quando a via de novo, estava sem barriga nenhuma.
E o processo de fermentação recomeçava outra vez, dali a alguns meses.
Para mim aquilo era uma das maravilhas do mundo onde eu vivia, e sempre observava Laura. Ela mesma se mostrava bastante alegre com o que estava acontecendo. Costumava apontar para a barriga e dizer: "Esta coisa está acontecendo de novo, mas a gente acaba se acostumando depois das três ou quatro primeiras vezes. Mesmo assim, é um absurdo esse negócio".
Costumava pôr a culpa em Deus e falava da fraqueza dos homens.
Para seus primeiros filhos, ela experimentou seis homens diferentes.
Hat dizia: "Tem gente que é difícil de agradar".
Mas não quero dar a impressão de que Laura passava o tempo todo tendo filhos, espinafrando os homens e tendo pena de si mesma. Se Bogart era a pessoa mais entediada da rua, Laura era a mais animada. Estava sempre alegre e gostava de mim.
Ela me dava ameixas e mangas quando tinha; e, sempre que fazia biscoitos açucarados, me dava alguns.
Até minha mãe, que não gostava nem um pouco de risos, sobretudo em mim, até minha mãe ria de Laura.
Muitas vezes me dizia: "Não sei por que a Laura fica paparicando você. Até parece que já não tem filhos demais para criar".
Acho que minha mãe tinha razão. Mas não acho que uma mulher como Laura conseguisse um dia ter filhos em excesso. Ela amava todos os filhos, embora a gente pudesse não acreditar nisso, a julgar pela linguagem que usava quando falava com eles. Alguns gritos e xingamentos de Laura foram as coisas mais saborosas que ouvi na vida e nunca vou esquecer suas palavras.
Uma vez, Hat falou: "Puxa, ela é um verdadeiro Shakespeare quando se trata de usar as palavras".
Laura costumava gritar: "Alwyn, seu bugre de boca grande, venha já aqui".
E: "Gavin, se não vier aqui neste minuto vou fazer você peidar fogo, está ouvindo?".
E: "Lorna, sua piranha preta de perna torta, por que não presta atenção no que está fazendo?".
[...]
Um dos milagres da vida na Miguel Street era que ninguém passava fome. Se a gente sentar diante de uma mesa com lápis e papel e tentar entender como isso acontecia, vai achar impossível. Mas morei na Miguel Street e posso garantir a vocês que ninguém passava fome. Talvez tivessem fome, mas não se ouvia ninguém falar disso.
Os filhos de Laura cresceram.
A filha mais velha, Lorna, começou a trabalhar de empregada doméstica numa casa em St Clair e tinha aula de datilografia com um homem na Sackville Street.
Laura dizia: "Não tem coisa melhor do que educação neste mundo. Não quero que meus filhos fiquem que nem eu".
No devido tempo, Laura deu à luz seu oitavo filho, com bem pouco esforço como de costume.
Aquele foi seu último filho.
Não é que Laura estivesse cansada, ou que tivesse perdido seu amor pela humanidade, ou que tivesse perdido seu amor por fazer a humanidade aumentar. Na realidade, Laura nunca parecia ficar mais velha nem menos alegre. Sempre senti que, se tivesse a possibilidade, ela poderia continuar a ter filhos sem parar.
A filha mais velha, Lorna, chegou em casa vindo da aula de datilografia já tarde da noite e disse: "Mãe, vou ter um filho".
Ouvi o grito que Laura deu.
E pela primeira vez vi Laura chorar. Não era um choro comum. Parecia que estava chorando todo o choro que tinha guardado desde o dia em que nasceu, todo o choro que havia tentado encobrir com seus risos. Eu tinha ouvido pessoas chorarem em velórios, mas há muito exagero para impressionar os outros no choro delas. O choro de Laura naquela noite era a coisa mais terrível que eu tinha ouvido. Dava a sensação de que o mundo era um lugar estúpido, triste, e quase comecei a chorar junto com ela.
A rua inteira ouviu Laura chorar.
No dia seguinte, Boyee disse: "Não entendo por que a Laura ficou tão zangada por causa disso. Afinal, ela faz a mesma coisa".
Hat ficou tão revoltado que tirou seu cinto de couro e bateu em Boyee.
Eu não sei de quem eu tinha mais pena: de Laura ou de sua filha.
Eu tinha a impressão de que agora Laura estava com vergonha de aparecer na rua. Quando eu a vi, achei até difícil acreditar que era a mesma mulher que antes ria comigo e me dava biscoitos açucarados.
Estava velha agora.
Não gritava mais com os filhos, não batia mais neles. Não sei se estava cuidando melhor dos filhos ou se tinha perdido o interesse por eles.
Mas nunca ouvimos Laura dizer nenhuma palavra de censura em relação a Lorna.
Aquilo era terrível.
Lorna levou seu fiho para casa. Não houve nenhuma piada sobre o assunto na rua.
A casa de Laura era uma casa morta, silenciosa.
Hat disse: "A vida é mesmo uma coisa de doido. A gente pode até ver que o problema está vindo, mas não consegue fazer nadinha para impedir que aconteça. A gente só pode ficar parado, olhar e esperar".
Pelo que os jornais diziam, foi só mais uma tragédia de fim de semana, uma entre muitas.
Lorna afogou-se no Carenage.
Hat disse: " É o que elas sempre fazem, nadam e nadam para longe, até que ficam muito cansadas e não conseguem mais nadar".
Quando a polícia veio dar a notícia para Laura, ela falou muito pouca coisa.
Laura disse: "Está bem. Está bem. É melhor assim".
V. S. Naipaul - O Instinto Maternal - Miguel Street (1959)