Sunday, June 17, 2012



Calhou de eu estar lendo o Nelson Rodrigues enquanto repercute o caso Elize Matsunaga.

Essas horas de horror, a imprensa dá espaço aos seus explicadores do mundo profissionais. E eles se põem a tentar explicar. Já falei disso uma outra vez: difícil é explicar o, por definição, inexplicável. Por isso o Nelson Rodrigues vale a pena ser mencionado. Entendeu?

Renato Janine Ribeiro, uma vez, arrastaram um menino de seus oito anos de idade, ou menor, não lembro, preso do lado de fora de um carro em fuga, até o menino morrer despedaçado. O Janine disse: nessas horas eu sinto vontade de ver aplicada a pena capital. Falou "nessa hora", não era uma campanha pela aprovação da pena de morte. Era um desabafo. Mas, como o Janine, justamente, faz carreira como explicador do mundo, outros colegas dele de ofício, caíram de pau. Decepcionados com a passionalidade.

Agora o Contardo Calligaris escreve coluna sobre o Matsunaga e a Elize. Tenta explicar. Entendeu? E meio que bota a culpa no Matsunaga, na linha do "quem mandou mexer no vespeiro". Uma pérola de reacionarismo, daquelas que fazem a gente pensar, como o Nelson Rodrigues, que o psicanalista é uma comadre bem paga.

E depois vem a Danuza Leão. Em geral ela escreve obviedades. E escreve um pouco sem domínio da palavra escrita, meio sem estilo, tipo meia boca. Mas, na sua sinceridade de se saber não ser reconhecida como explicadora, acerta em cheio. Só na conclusão, na última frase, é que dá uma filosofada e aí, filosoficamente falando, produz um sofisma e só. Perdoável pela regra do jogo de escrever em jornal e pela já citada falta de domínio estilístico. Pior o Calligaris que toma os termos da "confissão" de Elize como verdadeiros. Se a mulher é fria a ponto de cortar alguém em pedaços, não seria o caso de desconfiar do que ela diz na hora de relatar o que aconteceu? Ainda mais porque, do ponto de vista do estilo, são só lugares comuns. Mas sobre isso a Danuza já conseguiu explicar com bastante riqueza de detalhes.

Eu agora deveria fechar essa abertura com alguma coisa que levasse ao Nelson Rodrigues. Mas não vou, não. E também não vou repetir o "entendeu?".

CONTARDO CALLIGARIS

Uma linda mulher

Se você ama uma mulher por ela ser prostituta, tente entender a fantasia que está atrás de seu amor

Numa cobertura da Vila Leopoldina, em São Paulo, na noite de 19 de maio, Elize Araújo Matsunaga, 30, assassinou o marido, Marcos Matsunaga, 42, com um tiro na cabeça. Na manhã seguinte, com uma faca de cozinha, Elize esquartejou o cadáver, de modo a poder transportar os pedaços em três malas. Logo, ela foi se desfazer das malas e da faca.

Esse fato de crônica tem tudo para se tornar literatura de cordel. Há o sangue frio de Elize depois do crime. Há a diferença social entre Marcos, empresário e herdeiro da Yoki, que acaba de ser vendida por R$ 1,7 bilhão, e Elize, enfermeira e bacharel em direito, mas de origem bem humilde.

Além disso, o ciúme foi um dos motivos: na noite do crime, Marcos acabava de ser confrontado por Elize, que conseguira a prova da infidelidade do marido. Mais: o horror aconteceu depois de seis ou sete anos do que foi, ao que tudo indica, uma genuína paixão; a filha, de um ano, estava no apartamento, dormindo, durante o crime; foi Marcos que transmitiu a Elize o interesse pelo tiro e pelas armas (havia 30, todas registradas, no apartamento).

Mas, acima de tudo, o que transforma a história do casal em matéria de cordel é o fato de que Marcos encontrou Elize, em 2004, num site de garotas de programa.

A informação parece ser repetida pela imprensa como uma mensagem aos homens: olhe o risco que você corre, se você amar uma prostituta e casar com ela.

Ora, quero corrigir esse lembrete. Se você se apaixonar por uma prostituta (ex ou não, tanto faz) e quiser se casar com ela, recomendo apenas uma cautela, que não tem nada a ver com sua futura mulher e tudo a ver com você.

Claro, a culpa do crime de 19 de maio é só de Elize, mas o lembrete preventivo é para os homens, embora chegue tarde para Marcos.

Se você ama uma mulher que por acaso é prostituta, aí, tudo bem; mas, se você ama essa mulher POR ELA SER prostituta, atenção: nesse caso, seria sábio você se familiarizar com a fantasia que sustenta seu amor. Qual é, em geral, a fantasia em questão?

Todo mundo se lembra de Uma Linda Mulher, filme adorável de Garry Marshall, em que o rico Edward (Richard Gere) se apaixona por Vivian (Julia Roberts), uma prostituta que ele "levantou" na rua. Será que a história de Marcos e Elize é Uma Linda Mulher sem o final feliz? De fato, sempre pensei que, depois dos sorrisos do fim do filme, Edward e Vivian acabariam mal - talvez não tão mal quanto Marcos e Elize, mas mal. Por quê?

Logo quando Edward decide trazer Vivian para o seu mundo, ele "acha graça" confessar a um amigo que aquela linda mulher que está com ele é uma prostituta de rua.

Prognóstico inelutável. Um dia, Edward não resistirá à fantasia que lhe fez escolher Vivian: ele a humilhará (e se humilhará), lembrando, eventualmente diante de amigos e parentes, que Vivian vem da sarjeta e que ele poderia jogá-la de volta para lá.

Na noite do dia 19, segundo a confissão de Elize, Marcos a ameaçou: "Vou te mandar de volta para o lixo de onde você veio". Ele também declarou que, se a mulher quisesse se separar, a filha ficaria com ele, pois será que um juiz daria a guarda da menina a uma prostituta? (Eu aposto que sim, mas sou otimista...).

Em regra, o desejo de um homem que se apaixona por prostitutas (e planeja "redimi-las") é sustentado por uma fantasia (inconsciente) de vingança - contra a mulher e contra ele mesmo, por ter se deixado seduzir. Explico.

A sexualidade de muitos homens é patologicamente neurótica: eles olham para o sexo pelo buraco da fechadura do quarto dos pais. Nessa ótica infantil, não se salva ninguém: é "puta" qualquer mulher que vai com os outros, ou seja, todas as mulheres são "putas", inclusive a mãe (surpreendentemente), porque ela vai com pai, padrasto e companhia - enquanto, para a gente, ela só tem carinho contido.

Para o homem de calça curta, ajoelhado diante da fechadura, a "puta" é um paradoxo: vergonhosamente acessível a todos, salvo a ele.

É nessa infantilidade que nascem a misoginia básica, o gosto da violência contra as prostitutas, a ideia de que todas as mulheres, se não são prostitutas, sonham com isso e uma preferência amorosa quase exclusiva por meretrizes.

Quando um desses homens ama uma prostituta e se casa com ela, seu ressentimento pode se calar em nome do amor, mas só por um tempo: ainda ele vai puni-la por ter sido e ser para sempre a "puta" que vai com os outros.

DANUZA LEÃO

Sobre o assassinato

Na vida real, muitas mulheres que se sabem traídas têm vontade de matar. Algumas até matam

A imprensa tem sido amável e discreta, com Elize Matsunaga; reproduziu o diálogo entre ela e seu (ex?) marido do jeito que ela contou, claro, já que não havia ninguém presente, além dos dois. Ok, jornais e revistas devem ser imparciais, mas existe limite para tudo; em certos casos, até para a imparcialidade.

Marcos Matsunaga estava traindo Elize? Estava, e se todas as mulheres tivessem o direito de matar os maridos que as traem, sobrariam poucos para contar a história.

Ele ameaçou tirar a guarda da filha dela? Todos dizem isso na hora da separação. Foi encontrar a nova namorada no carro (dado por ele) de Elize? Razão para uma certa simpatia pela mulher traída: um absurdo ele usar o carro da própria mulher para sair com a outra. Ela estava visitando a família no Paraná, com a filha e a babá, enquanto ele a traía? Mais digna de simpatia ainda. Seu marido presenteou a nova namorada com um carro? Repetiu o que havia feito com Elize quando a conheceu, ainda casado.

Na hora da briga ele a chamou de prostituta? É melhor mesmo que ninguém se lembre nem do que ouviu, nem do que falou nessa hora, tudo faz parte. Não costumam ser coisas amáveis, mas há muitos que esquecem e até fazem as pazes depois.

Ele a agrediu fisicamente? Nenhuma novidade, também costuma acontecer.

Na vida real, muitas mulheres que se sabem traídas - e sobretudo as que têm uma prova, como o vídeo feito pelo celular - têm vontade de matar. Algumas até matam, a maioria não, mas que muitas têm vontade, isso têm. As que matam costumam ser rápidas; mulher não gosta de ver sangue.

Segundo os jornais, Elize vai ser acusada de assassinato e ocultação de cadáver; não por esquartejamento - esse detalhe não deve existir no Código Penal, como também não deve existir a antropofagia, coisas inadmissíveis na cabeça dos que fazem as leis.

A morte de uma pessoa querida é sempre dolorosa; se for uma morte violenta, mais dolorosa ainda. Se seguida de esquartejamento, nem dá para imaginar o que deve ter sentindo a família de Marcos Matsunaga na hora do enterro. Não existem palavras para avaliar essa dor.

A frieza de Elize é monstruosa. Eu teria medo de deixá-la sozinha com a própria filha, pois ela parece capaz de tudo, e não sei se existe um nome para definir uma doença tão, tão - nem sei o quê. Crimes como esse, confessados e comprovados, não merecem nem julgamento. Não gosto de pensar no que seus advogados vão dizer, na tentativa de absolvê-la; nessa hora, advogados são capazes de tudo. E choca ver que as pessoas não estão dando muita importância ao caso, e que estão tratando Elize como uma pessoa quase normal, com o respeito que se deve dar a qualquer ser humano; só que ela não é um ser humano, é um monstro, e monstros devem ser tratados como tal.

Em outros tempos, certos crimes davam manchetes, e até nomes aos assassinos; quem já era nascido deve lembrar da "fera da Penha".

Nem lembro mais quem ela matou, mas de como ela era chamada não esqueci. Por que será que um crime tão hediondo como o de Elize quase não mobiliza ninguém, nem numa conversa entre amigos?

Está faltando a capacidade de se indignar, e isso é preocupante.

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