Monday, December 24, 2012


Brasil - Descrição Fisica e Politica

Millôr Fernandes

O Brasil é um país maior do que os menores e menor do que os maiores. É um país grande porque, medida sua extensão, verifica-se que não é pequeno. Divide-se em três zonas climáticas absolutamente distintas: a primeira, a segunda e a terceira, sendo que a segunda fica entre a primeira e a terceira. As montanhas são consideravelmente mais altas que as planícies, estando sempre acima do nível do mar. Há muitas diferenças entre as várias regiões geográficas do país, mas a mais importante é a principal. Na agricultura faz-se exclusivamente o cultivo de produtos vegetais, enquanto a pecuária especializou-se na criação de gado. A população é toda baseada no elemento humano, sendo que as pessoas não nascidas no país são, sem exceção, estrangeiras. Na indústria fabricam-se produtos industriais, sobretudo iguais e semelhantes, sem deixar-se de lado os diferentes. No campo da exploração dos minérios, o país tem uma posição só inferior aos que lhe estão acima, sendo, porém, muito maior produtor do que todos os países que não atingiram o seu nível. Pode-se dizer que, excetuando seus concorrentes, é o único produtor de minérios no mundo inteiro. Tão privilegiada é hoje a situação do país, que os cientistas procuram apenas descobrir o que não está descoberto, deixando para a indústria tudo que já foi aprovado como industrializável, e para o comércio tudo o que é vendável. Na arte também não há ciência, reservando-se esta atividade exclusivamente para os artistas. Quanto aos escritores, são recrutados geralmente entre os intelectuais. É, enfim, o país do futuro, sendo que este se aproxima a cada dia que passa.

Saturday, December 22, 2012

No final do século XVII o Brasil formado a partir de Angola estava prontinho. O mercado atlântico impusera o primado do tráfico negreiro, interpretado pela Igreja como uma obra de caridade cristã e evangelização. O escravismo dominava tudo, a barreira indígena no interior fora destroçada, o território se repovoava dentro do esquadro colonial, o gado se expandia, os mestiços e mulatos furavam o seu lugar. Nas décadas seguintes, a economia do ouro instaura uma divisão inter-regional do trabalho na América portuguesa, engendra um só mercado e faz tudo virar uma coisa só.

A partir de 1550, todos os "ciclos" econômicos brasileiros - o do açúcar, o do ouro e o do café - derivam do ciclo multissecular de trabalho escravo resultante da pilhagem do continente africano. O tráfico negreiro vai irrigar os desdobramentos regionais e setoriais da economia mineira, permitindo o desenvolvimento simultâneo das diferentes zonas produtivas: a indústria açucareira não só se mantém, como acaba rendendo mais que a do ouro no século XVIII.

Mas a emergência do mercado interno oculta o seu apêndice angolano e, numa certa medida, as relações bilaterais que unem a Bahia à Costa da Mina. O brilho do ouro setecentista encobre as cores do século XVII e desfoca o perfil do século XIX. De fato, a Independência traz de novo a evidência do tráfico negreiro e da desterritorialização do mercado de trabalho escravo. Como disse logo no primeiro capítulo, a continuidade da história colonial não coincide com a continuidade do território colonial. A transparência intermitente de uma matriz colonial que é distinta da unidade nacional brasileira inverte a cronologia e sugere uma sequência histórica alternada: o século XIX está mais perto do XVII que do século XVIII. Para interpretar o Império do Brasil, é preciso voltar ao Seiscentos e estudá-lo na perspectiva sul-atlântica. Por isso escrevi esse livro.

Jan van Kessel - Africa
Não procurei resumir para os leitores brasileiros a história da África portuguesa, tampouco "brasilianizar" de qualquer jeito personagens e feitos ultramarinos. Pretendi, isto sim, esboçar as fronteiras e as etapas históricas que constituíram um espaço transcontinental, luso-brasileiro e luso-africano que se assemelha a um  atol do Pacífico. Na maior parte do tempo, a cadeia de montanhas unindo as ilhas fica submersa, invisível. Só quando um terremoto faz tremer o fundo do mar e se levantam tempestades é que o grande anel do atol surge no horizonte. Há, de fato, dois terremotos que expõem o arco transcontinental da zona econômica formada pelo Brasil e por Angola. O primeiro ocorre durante a Guerra dos Trinta Anos, quando a investida holandesa no Atlântico Sul junta Luanda e Recife num só front militar. O segundo período de turbulências acontece após a Independência, na altura em que se rompe a matriz espacial colonial e as canhoneiras da Royal Navy se interpõem entre o Império do Brasil e os portos negreiros africanos. Assim, os terremotos são provocados pela irrupção de rivais estrangeiros - holandeses no século XIX - no espaço econômico luso-brasileiro  no Atlântico Sul.

Fica patente que o sistema colonial é atravessado por uma crise refundadora no Seiscentos: na saída da guerra holandesa se estabelece uma cogestão portuguesa e brasílica no espaço econômico do Atlântico Sul. Por isso, a ruptura de 1808 não será tão radical como se tem dito e escrito: ainda se movia no oceano o braço brasilianizado do sistema colonial: a rede de importação de mão de obra cativa, o tráfico negreiro. Depois de 1850, o mercado de trabalho nacional continua dependente, nos seus setores dinâmicos, do trato de imigrantes europeus, levantinos e asiáticos. Só nos anos 1930-40 a reprodução ampliada de força de trabalho passa a ocorrer inteiramente no interior do território nacional.

Essa é a variável de longue durée que apreende a formação do Brasil nos seus prolongamentos internos e externos: de 1550 a 1930 o mercado de trabalho está desterritorializado: o contingente principal da mão de obra nasce e cresce fora do território colonial e nacional.

A história do mercado brasileiro, amanhado pela pilhagem e pelo comércio, é longa, mas a história da nação brasileira, fundada na violência e no consentimento, é curta.

Jan van Kessel - America

Luiz Felipe de Alencastro - Conclusão: Singularidade do Brasil / A Invenção do Mulato. O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul

Sunday, December 09, 2012


A revolução será televisionada

Liberdade criativa e reforço de medalhões vindos do cinema forjam era de ouro na TV dos EUA

ISABELLE MOREIRA LIMA - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

O cinema está morto. Vida longa à televisão! Pelo menos é o que pensa Andrew O'Hehir, crítico do portal americano Salon, que lançou o desafio: o que você discute com os seus amigos, os filmes premiados pelo Oscar nos últimos cinco anos ou os episódios de sua série de TV favorita?

A ideia da supremacia da televisão norte-americana sobre o cinema não é nova, mas vem ganhando força nos últimos anos.

O que se discute é que a TV chegou à sua fase madura e, mais do que isso, é nela - e não no cinema, como ocorria no passado - que estão os projetos dramáticos mais inovadores do país, com roteiros autorais e sofisticados.

Ouvidos pela Folha, atores, produtores, roteiristas, críticos e acadêmicos corroboram essa percepção.

"O avanço tecnológico é a principal explicação para a revolução da TV. Mais canais significam mais escolhas e segmentação do público, com atrações incrivelmente atraentes para um grupo menor de espectadores", diz Alan Sepinwall, um dos principais críticos de séries dos EUA, que acaba de lançar um livro sobre essa nova era, The Revolution Was Televised (a revolução foi televisionada).

Para Sepinwall, o cinema parou de fazer dramas sofisticados para "adultos pensantes" e se voltou para franquias de filmes de ação, deixando lacuna logo ocupada por séries como A Família Soprano, que iniciou o fenômeno, em 1999, e Mad Men.

A mudança de eixo se deve em grande parte à nova realidade econômica do país, que inibe riscos na produção de filmes - daí a avalanche de super-heróis manjados e efeitos especiais. Ao mesmo tempo, ficou mais fácil viabilizar projetos de TV, dada a oferta de canais e a demanda por produtos dramáticos.

"De repente, atores que faziam só filmes, como a Glenn Close, estão na TV [em Damages], elevando a qualidade da programação", afirma o ator Ted Danson. Veterano que estreou em séries em 1975, ele hoje está em CSI.

"A TV a cabo te permite falar o que quiser, de qualquer jeito. Você pode falar palavrão ou discutir temas picantes. Isso fez com que pudéssemos ir mais fundo", diz.

Texto sofisticado sustenta bonança das séries

Roteiristas hoje apostam em arcos narrativos complexos, com tramas que se desenrolam ao longo de temporadas

Versatilidade da TV atrai também profissionais com carreira estabelecida na cena teatral americana

Há quem veja no momento de bonança criativa da TV americana, com séries como Mad Men e Breaking Bad, uma era de ouro. O fenômeno gerou a migração de roteiristas, diretores e atores de teatro e de cinema para um formato que, até pouco tempo, era visto como menor.

Um sintoma disso é a assinatura de produtor executivo de Martin Scorsese na série Boardwalk Empire, sobre a máfia de Atlantic City. Entre os emigrados há nomes consagrados como Jessica Lange (American Horror Story), Dennis Quaid (Vegas) e Gary Sinise (CSI: NY).

Para alguns, o atrativo é fugir do lugar-comum.

"Passei os últimos 15 anos interpretando mães, porque no cinema, infelizmente, esses são os papéis que mulheres de 30 e 40 anos conseguem pegar. É um alívio interpretar uma mulher solteira na televisão", afirma Elisabeth Shue, hoje em CSI.

"Quando comecei a trabalhar, TV não era nem uma possibilidade. Você simplesmente não fazia. Hoje, todo mundo quer estar em uma boa série. Até o Woody Harrelson e o Matthew McConaughey estão fazendo uma agora", diz o ator Scott Caan, de Hawaii Five-0, que atuou em Onze Homens e um Segredo (2001) com George Clooney, referindo-se à vindoura Two Detectives (HBO).

O ponto central da onda migratória é o texto. O roteiro de TV deixou as fórmulas e hoje aposta em estruturas dramáticas complexas, que se espraiam por temporadas. A construção aprofundada dos personagens ganhou tanto peso quanto a trama comezinha do episódio da vez.

Em Mad Men, por exemplo, capítulos inteiros servem ao desenvolvimento de arcos dramáticos maiores, com tramas que transcendem aqueles 60 minutos.

Foi essa promessa de liberdade que atraiu o premiado dramaturgo Thomas Bradshaw para a televisão. Conhecido por peças com temas incômodos como o incesto, Bradshaw desenvolve um projeto de série para a HBO em parceria com a produtora de Oprah Winfrey, sobre o primeiro reitor negro de uma faculdade de artes.

"A TV dá muito mais espaço para a visão do autor. Em Mad Men e Sopranos, eles realmente conseguiram executar isso. Eu me sinto afortunado por ter liberdade de criar um projeto do jeito que quero e acredito", diz.

OUSADIA

Zayd Dohrn vive experiência semelhante. O dramaturgo, quando morava em Nova York, chamou a atenção de executivos de TV, que assistiram às suas peças.

"Mais do que o cinema, a TV está aberta para gente que vem do teatro. Há autores como Aaron Sorkin (The New Room), que veio de lá. As habilidades para escrever bem para o teatro e para a TV se sobrepõem", acredita.

Hoje, Dohrn está produzindo, também para a HBO, o piloto da série Babes in Beijing, inspirado no livro de memórias de sua mulher.

"Muitos dos meus amigos, que são originalmente dramaturgos, estão escrevendo para a TV. É gente que há 15 anos não queria trabalhar com televisão, mas, agora, vê nela uma oportunidade para projetos mais interessantes e ousados", diz Dohrn.

A onda de novos projetos que começou na TV paga transbordou e chegou aos canais abertos. Um exemplo disso é Vegas, exibida pela CBS, que tem entre os criadores Nicholas Pillegi, autor de Os Bons Companheiros (1990), de Scorsese.

O produtor Arthur Sarkissian, que não havia trabalhado em TV, diz que nem considerava a opção "série de rede" por achar que o seu projeto - sobre a Las Vegas dos anos 1960 - perderia em termos de qualidade. "Quando tive a primeira reunião com o canal, vi que o padrão de qualidade seria o do cabo."

A questão é saber o que vem pela frente. Thomas Brad Shaw diz não gostar da ideia de uma "era de ouro". "Estar no ápice significa que o próximo passo é o declínio."

Pelo que apontam estreias como Girls, escrita, dirigida e protagonizada por Lena Dunham, e Homeland, as perspectivas são boas.

Saturday, December 01, 2012