Thursday, May 30, 2013

RECEITA PARA FAZER MERDA
Coloque no mesmo teatro 600 (seiscentas) crianças de... 10 (dez) a 12 (doze) anos e o André Mehmari tocando... "uma suíte de maxixes nazarethianos abraçando uma ária de ópera".

Não prepare o Mehmari, nem as crianças.

Cogite seriamente que isso pode dar certo.

Sirva o resultado ainda quente para as redes sociais. Não esqueça de polvilhar tudo com fartas doses de moralismo.

Dá para centenas de pessoas.


os menino pira!

Sunday, May 26, 2013

[...] Gramsci não é apenas um cientista da política. Nas Lettere e nos Quaderni há muito mais. Os Quaderni analisam as mais profundas contradições que a teoria e a prática comunistas traziam em seu interior e dão, por vezes, indicações sobre a maneira como poderiam ser superadas. Sobre a mais forte das contradições, Gramsci não elaborou uma análise, mas deu um testemunho fundamental. E não o fez nos Quaderni, mas nas Lettere. Depois da queda da hipótese marxista de uma sociedade nascida do próprio desenvolvimento da sociedade burguesa e da entrega da construção do comunismo à vontade e à capacidade dos homens de sacrificar seu próprio presente durante decênios por um objetivo colocado em um futuro incerto e distante, a Nova Ordem só poderia nascer se nascesse um novo homem. E isso só aconteceria se o homem biológico tivesse se transformado completamente em um homem político, se a razão tivesse assumido o controle completo dos sentimentos e dos instintos. O fato de Antonio e Giulia* - que se encontraram em circunstâncias extremamente duras, mas que, por outro lado, tiveram motivações fortíssimas - não o terem conseguido contribui para explicar a falência da utopia do comunismo.

Aurelio Lepre - Conclusões - O Prisioneiro: a vida de Antonio Gramsci

*Julka Schucht, esposa de Gramsci, mãe de seus dois filhos, Delio e Giuliano.

Tuesday, May 21, 2013


Ódio no corpo

ANNA VERONICA MAUTNER


E o corpo se faz carne, hoje objeto e alvo do mal entre nós. Na medida em que o corpo se torna carne, ele perde o caráter de sagrado. Ninguém respeita a carne. A troco do que afirmo isso?

Quero abordar de uma certa forma, para tentar me fazer entender, o tema da violência, mas violência enquanto desrespeito à estrutura corporal humana.

Cada dia mais vemos notícias sobre lutas nas quais corpos são arrebentados e esquartejados. Ossos são quebrados, músculos são estraçalhados... Há sangue por toda parte.

Esses embates corpo a corpo guardam pouca semelhança com ataques que envolvem instrumentos ou armas. Uma espada corta em linha reta, não estraçalha. Uma bala atravessa, destrói internamente.

A notícia de um jovem que levou com ele um braço arrancado em um desastre e jogou esse pedaço de corpo no rio é avassaladora. Um braço fora do corpo é uma visão draconiana.

Morrer, matar, tirar a vida - arrisco-me a dizer - é diferente de desmanchar milhões de anos da evolução que fez o corpo humano chegar à sua forma atual. Desqualificar a forma é destruir essa transformação.

A luta nas trincheiras na Primeira Guerra Mundial também incluía desfigurações. Desfigurar inimigos um a um, face a face, é a suprema desumanidade. Quando caiu a bomba atômica, o mundo silenciou de susto. Pessoas em todos os continentes pararam. Também a energia nuclear emitida pela bomba, quando não matou, desfigurou.

Durante anos vimos fotografias dos sobreviventes deformados pela bomba atômica, mesmo que eles tivessem estado a muitos quilômetros da explosão.

Atacar a obra da evolução da espécie, estraçalhar, desfigurar, esquartejar não é contra um: é contra todos. Cada corpo é uma obra final, atual, de hoje, produzida pela natureza, passo a passo, de mutação em mutação, através dos tempos.

O ódio deforma.

Já o amor admira, adere, toca, adora a obra. O amor se dá sempre entre corpos que a natureza modelou.

Cuidado, pois, com o outro corpo à sua frente! Que nem todo o ódio do mundo seja suficiente para desmanchar o que os milênios constituíram.

Nos velórios, preservamos inteiro até o homem morto, para que seja visto em sua estrutura normal. Ele não tem mais vida, mas mantém a forma. É um homem - morto.

Porém, um homem.

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de Cotidiano nas Entrelinhas (ed. Ágora) e Educação ou o quê? (Summus)

Sunday, May 19, 2013


HÉLIO SCHWARTSMAN

Fronteiras do pensamento

O livro é um catatau de quase 600 páginas e traz só uma ideia. Ainda assim, Surfaces and Essences (superfícies e essências), do físico convertido em cientista cognitivo Douglas Hofstadter e do psicólogo Emmanuel Sander, é uma obra importante. Os autores apresentam uma tese que é a um só tempo capital e contraintuitiva - a de que as analogias que fazemos constituem a matéria-prima do pensamento - e se põem a demonstrá-la.

Para fazê-lo, eles se valem de um pouco de tudo. A argumentação opera nas fronteiras entre a linguística, a filosofia, a matemática e a física, com incursões pela literatura, o estudo comparativo dos provérbios e a enologia, para enumerar algumas poucas das muitas áreas em que os autores se arriscam.

A ideia básica é que o cérebro pensa através de analogias. Elas podem ser infantis ("mamãe, eu desvesti a banana"), estupidamente banais (termos como "e" e "mas" sempre introduzem comparações mentais) ou brilhantes (Galileu revolucionou a astronomia "vendo" os satélites de Júpiter como luas), mas estão na origem de todas as nossas falas, raciocínios, cálculos e atos falhos -mesmo que não nos demos conta disso.

Hofstadter e Sander sustentam que o processo de categorização, que muitos especialistas consideram a base do pensamento, não envolve nada mais do que fazer analogias.

Para não falar apenas de flores (mais uma analogia), o livro ganharia bastante se tivesse passado por um bom editor disposto a cortar pelo menos uns 30% de gorduras. Algumas das digressões dos autores são francamente dispensáveis e eles poderiam ter sido mais contidos nos exemplos, que se contam às centenas, estendendo-se por páginas e mais páginas, quando meia dúzia teriam sido suficientes.

A prolixidade e o exagero, porém, não bastam para apagar o brilho da obra, que definitivamente muda nossa forma de pensar o pensamento.

Sunday, May 12, 2013

Sunday, May 05, 2013

Wednesday, May 01, 2013


Carlos Heitor Cony

Merleau-Ponty


O que o senhor acha do Merleau-Ponty?

A primeira vontade é dizer que não penso nada. Mas olhei bem o camarada, tipo de vogal do diretório de estudantes que me convidara para dar uma palestra. Na véspera, nada me perguntara, devia ser tímido, mas ansioso para beber alguma coisa da minha cultura de Almanaque Capivarol - o meu primeiro e insubstituível mestre nas coisas da vida e do mundo.

O sujeito se deslocara da cidade até o aeroporto para saber o que eu pensava de um cara sobre o qual nada pensava realmente. Além do mais, perdera a passagem de volta e a moça do check-in fazia uma porção de perguntas mais pertinentes, que eu também não sabia responder.

Revirei a maleta de mão, alguém havia me dado umas frutas cristalizadas que haviam lambuzado o livro que ganhara de alguém, um poeta também local que contava, em alexandrinos, uma história complicada de um vigário cuja especialidade era deflorar as virgens também locais.

O cara não saía da minha frente, a moça do guichê me olhava com raiva, eu podia, naquele instante, estar pensando em física quântica, na Guerra do Peloponeso, no legado cultural do John Lennon, menos em Merleau-Ponty, no qual nunca pensara antes nem pretendia pensar depois.

Mas ali estava por conta do tal diretório de estudantes, falara 45 minutos sobre os rumos da sustentabilidade ambiental, mas tinha de dizer alguma coisa e disse o seguinte: "Quem nunca leu Merleau-Ponty não merece viver".

O cara se deu por satisfeito e decidido a ler Merleau-Ponty para continuar a ter o direito de viver. De qualquer forma, a resposta impressionou a moça do check-in e quebrou o meu galho. Ao entrar no avião, me lembrei de que nunca lera Merleau-Ponty e, segundo minhas sábias palavras, eu não merecia viver.

[ Carlos Heitor Cony é membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000. Sua carreira no jornalismo começou em 1952 no Jornal do Brasil. É autor de 15 romances e diversas adaptações de clássicos. ]