Sunday, June 16, 2013

Democracia imatura?

JUAN ARIAS - CORRESPONDENTE DO EL PAÍS NO BRASIL

Um estrangeiro que chegasse ao Brasil na noite de quinta-feira, com São Paulo e Rio, as duas maiores e mais prósperas cidades do País, em pé de guerra contra manifestantes que pediam transportes públicos melhores e mais baratos, talvez ficasse com a impressão de estar num país em que as pessoas lutavam contra uma ditadura. No entanto, hoje o Brasil é uma das democracias mais consolidadas não só no continente como entre os Brics, com instituições funcionando livremente e uma imprensa sem censura.

Então, que está acontecendo com esse país até outro dia visto como uma nação economicamente sólida, quase de Primeiro Mundo, em que as forças da ordem, por determinação dos governos locais e nacional, enfrentam manifestações como se estivessem lutando contra fascistas e não contra cidadãos que exigem melhores serviços públicos, melhor educação e melhor sistema de saúde? Talvez a democracia, que se acreditava consolidada, ainda precise se fortalecer e compreender que, para ser completa, deve aceitar uma oposição leal e ouvir os gritos das ruas sem perder a cabeça.

Na quinta-feira, em São Paulo e no Rio, quem perdeu as estribeiras, estimuladas por orientações duras de seus superiores, foram as forças da ordem. De nada adianta alegar que lutavam contra "vândalos" e "infiltrados". As cenas que presenciamos demonstraram claramente que a polícia estava ali não para proteger uma manifestação legítima, e sim para que ela não se realizasse. Em vez de separar os manifestantes democráticos dos infiltrados e aproveitadores, que dão as caras em todas as manifestações do mundo, os policiais se dispuseram a impedir que eles cumprissem seu dever democrático. E houve tantos repórteres feridos como em uma guerra, ou mais. De fato, antes mesmo que tivesse início uma manifestação que começou pacífica, já haviam sido detidas 40 pessoas, muitas delas jornalistas. E, em vez de conter os infiltrados violentos, a polícia se lançou com força bruta contra os manifestantes.

Que a transformação da manifestação em batalha campal foi consequência da imperícia das forças da ordem até o prefeito Fernando Haddad reconheceu, afirmando, ainda na quinta-feira à noite, que a violência tinha sido resultado da ação da polícia contra os manifestantes. Tudo isso mostra que o Brasil, que passou dez anos sem protestos de rua, dando a seus governantes até 80% de aprovação popular, terá agora de se habituar a conviver com o contraditório da cidadania que parece ter despertado. Os governantes precisam entender que a maior exigência que os cidadãos fazem a governos que tenham gerado riquezas e diminuído a pobreza não é fascismo, mas vontade de melhorar o país.

A nova geração de jovens brasileiros que começa a despertar de sua letargia não conheceu os horrores da ditadura e goza das vantagens de uma democracia e de um bem-estar que seus pais não conheceram. Talvez por isso, por terem nascido num regime democrático, queiram um país com menos corrupção e serviços públicos que correspondam à alta carga tributária suportada pela sociedade.

Em suma, os jovens exigem dos governantes um país como o anunciado para os estrangeiros: rico em recursos naturais, com uma democracia plena, capaz de oferecer a seus cidadãos uma qualidade de vida, educação e saúde que faça jus à imagem que o país construiu de si. Uma imagem que fez do Brasil o sonho de vida de muitos estrangeiros que gostariam de trabalhar e viver aqui.

As autoridades de São Paulo e Rio tentaram passar a impressão de que as manifestações de um punhado de "vândalos" não tinham aprovação da maioria da população. No entanto, uma pesquisa realizada essa semana mostra que, em São Paulo, a maioria apoia as críticas dos manifestantes aos serviços públicos. Repórteres colheram opiniões positivas sobre as manifestações e reivindicações ouvindo passageiros que viajavam esmagados em ônibus e metrô, encharcados de suor, sem o menor conforto, ou esperando em filas asfixiantes, não para ir divertir-se, mas trabalhar.

Alguém disse que o Brasil não será o mesmo depois das noites de guerra, sobretudo em São Paulo, centro econômico e financeiro do país e seu motor industrial. Agora os governantes terão de aprender a conviver com esse contraditório que tende a consolidar-se e espalhar-se por todo o país. Terão que entender que os movimentos de protesto não podem ser reprimidos com violência, como nos tempos da ditadura.

Não é preciso doutorado em sociologia ou psicologia para saber que, quanto mais violência for usada contra os jovens, maior será a violência de sua reação. Sempre se disse que os jovens têm vocação para incendiário, até que completam 40 anos e passam a agir como bombeiro para apagar o fogo da contestação. Se movimentos de pessoas indignadas em todo o mundo fizeram amanhecer novas primaveras de esperança de mais democracia, é de se esperar que também o Brasil saia dessas manifestações de rua e protestos por causas justas mais fortalecido em sua democracia, conquistada com tanta dor, tortura e morte. Um país que encurrala seus jovens por medo de suas reivindicações é um país perdedor.

Quanto aos responsáveis por atos violentos e depredações - que são, sim, inimigos da democracia -, basta isolá-los. Tarefa que a polícia brasileira é capaz de executar com uma mão nas costas. O que o mundo não entende é que as forças da ordem enfrentem uma manifestação que se pretende democrática como se estivessem ocupando uma favela para libertá-la de bandidos. Essa é a pior imagem que o Brasil pode apresentar ao mundo hoje. O movimento dos indignados está começando. Espera-se que as autoridades aproveitem o tempo para saber separar o joio do trigo.

TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

Católicos se concentram em bairros nobres

No Jardim Paulista, por exemplo, há 12 seguidores da Igreja para cada evangélico, conta que se inverte no Lajeado, na zona leste

Rodrigo Burgarelli e José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo


São Paulo pode até ter nome de santo, mas ser católico na capital paulista já deixou há muito de ser unanimidade. Atualmente, há bairros na zona leste que têm até 12 vezes mais evangélicos do que distritos em áreas mais ricas, proporcionalmente. O líder nesse quesito é Lajeado, no extremo leste - lá, um em cada três moradores se declarou evangélico.

Os dados fazem parte de estudo do Ibope em parceria com o Estadão Dados, com base nos questionários detalhados do Censo 2010. O levantamento integra a série 96xSP, que traz reportagens sobre temas como migração e deslocamento nos 96 distritos da capital.

O mapa das religiões em São Paulo mostra que não há nenhum distrito em que os fiéis da Igreja Católica não sejam maioria. Apesar disso, o número de católicos por evangélicos varia bastante entre as regiões da cidade. Ele é maior justamente nos bairros mais ricos, como Morumbi, Itaim e Alto de Pinheiros. O líder é o Jardim Paulista, onde há 12 católicos para cada evangélico. Essa proporção diminui conforme se afasta dos bairros nobres.

O extremo da zona leste concentra menos católicos do que qualquer outra área da capital, mesmo tendo níveis de renda similares a distritos das zonas sul e norte. A menor taxa é de Lajeado, onde há quase 1 evangélico para cada católico. A explicação, segundo especialistas, está na distribuição histórica dos templos religiosos em São Paulo.

"A zona leste, a partir da Avenida Celso Garcia, tem uma tradição antiga de igrejas evangélicas. A primeira igreja pentecostal de São Paulo é a Congregação Cristã do Brasil, no Brás. Ela foi fundada por italianos, mas já na década de 1950 parte dos milhares de nordestinos que vinham para São Paulo ocupar os bairros mais ao leste dessa área já frequentava esses cultos", explica o professor emérito de Antropologia da USP, João Baptista Borges Pereira.

Segundo ele, as igrejas pentecostais e neopentecostais são especialmente atraentes para imigrantes de menor renda porque foram mais bem-sucedidas em atrair esse público, tanto por seu discurso de prosperidade quanto por sua importância como referência social para os recém-chegados.

"O pentecostalismo é uma religião urbana, ligada ao modo de vida capitalista e ao trabalhador assalariado", complementa o professor de Teologia da PUC-SP, Edin Sued.

Saturday, June 15, 2013


O espectador emancipado

1.
Este livro teve origem no pedido que me foi feito há alguns anos de introduzir a reflexão de um grupo de artistas dedicado ao espectador a partir das ideias desenvolvidas em meu livro Le Maître ignorant (O Mestre ignorante).

[...] O Mestre ignorante expunha a teoria excêntrica e o destino singular de Joseph Jacotot, que causara escândalo no início do século XIX ao afirmar que um ignorante pode ensinar a outro ignorante aquilo que ele mesmo não sabe, ao proclamar a igualdade das inteligências e opor a emancipação intelectual à instrução pública. Suas ideias caíram no esquecimento a partir de meados de seu século. Achei bom reavivá-las na década de 1980 para balançar o coreto dos debates sobre as finalidades da Escola pública com os ventos da igualdade intelectual.

2.
[...] a própria lógica da relação pedagógica: o papel atribuído ao mestre é o de eliminar a distância entre seu saber e a ignorância do ignorante. Suas lições e os exercícios que ele dá têm a finalidade de reduzir progressivamente o abismo que os separa. Infelizmente, ele só pode reduzir a distância com a condição de recriá-la incessantemente. Para substituir a ignorância pelo saber, ele deve sempre dar um passo à frente e repor entre si e o aluno uma ignorância nova. A razão disso é simples. Na lógica pedagógica, o ignorante não é apenas aquele que ainda ignora o que o mestre sabe. É aquele que não sabe o que ignora nem como o saber. O mestre, por sua vez, não é apenas aquele que tem o saber ignorado pelo ignorante. É também aquele que sabe como torná-lo objeto de saber, o momento de fazê-lo e que protocolo seguir para isso. Pois, na verdade, não há ignorante que já não saiba um monte de coisas, que não as tenha aprendido sozinho, olhando e ouvindo o que há ao seu redor, observando e repetindo, enganando-se e corrigindo seus erros. Mas, para o mestre, tal saber é apenas saber de ignorante, saber incapaz de organizar-se segundo a progressão que vai do mais simples ao mais complicado. O ignorante progride comparando o que descobre com o que já sabe, segundo o acaso dos encontros, mas também segundo a regra aritmética, a regra democrática que faz da ignorância um saber menor. Ele se preocupa apenas em saber mais, saber o que ainda ignorava. O que lhe falta, o que sempre faltará ao aluno (a menos que este também se torne mestre) é o saber da ignorância, o conhecimento da distância exata que separa o saber da ignorância.

Essa medida escapa precisamente à aritmética dos ignorantes. O que o mestre sabe, o que o protocolo de transmissão do saber ensina em primeiro lugar ao aluno é que a ignorância não é um saber menor, é o oposto do saber; porque o saber não é um conjunto de conhecimentos, é uma posição. A exata distância é a distância que nenhuma régua mede, a distância que se comprova tão somente pelo jogo das posições ocupadas, que se exerce pela prática interminável do "passo à frente" que separa o mestre daquele que ele deve ensinar a alcançá-lo. Ela é a metáfora do abismo radical que separa duas inteligências: a que sabe em que consiste a ignorância e a que não o sabe. Essa distância radical é o que o ensino progressivo e ordenado ensina ao aluno em primeiro lugar. Ensina-lhe primeiramente sua própria incapacidade. Assim, em seu ato ele comprova incessantemente seu próprio pressuposto, a desigualdade das inteligências. Essa comprovação interminável é o que Jacotot chama de embrutecimento.

3.
A essa prática de embrutecimento ele opunha a prática da emancipação intelectual. A emancipação intelectual é a comprovação da igualdade das inteligências. Esta não significa igual valor de todas as manifestações da inteligência, mas igualdade em si da inteligência em todas as suas manifestações. Não há dois tipos de inteligência separados por um abismo. O animal humano aprende todas as coisas como aprendeu a língua materna, como aprendeu a aventurar-se na floresta das coisas e dos signos que o cercam, a fim de assumir um lugar entre os seres humanos: observando e comparando uma coisa com outra, um signo com um fato, um signo com outro signo. Se o iletrado conhece apenas uma prece de cor, ele pode comparar esse saber com o que ainda ignora: as palavras dessa prece escritas no papel. Pode aprender, signo após signo, a relação entre o que ignora e o que sabe. Pode, desde que a cada passo observe o que está à sua frente, diga o que viu e comprove o que disse. Desse ignorante que soletra os signos ao intelectual que constrói hipóteses, o que está em ação é sempre a mesma inteligência, uma inteligência que traduz signos em outros signos e procede por comparações e figuras para comunicar suas aventuras intelectuais e compreender o que outra inteligência se esforça por comunicar-lhe.

Esse trabalho poético de tradução está no cerne de toda aprendizagem. Está no cerne da prática emancipadora do mestre ignorante. O que este ignora é a distância embrutecedora, a distância transformada em abismo radical que só um especialista pode "preencher". A distância não é um mal por abolir, é a condição normal de toda comunicação. Os animais humanos são animais distantes que se comunicam através da floresta de signos. A distância que o ignorante precisa transpor não é o abismo entre sua ignorância e o saber do mestre. É simplesmente o caminho que vai daquilo que ele já sabe àquilo que ele ainda ignora, mas pode aprender como aprendeu o resto, que pode aprender não para ocupar a posição do intelectual, mas para praticar melhor a arte de traduzir, de pôr suas experiências em palavras e suas palavras à prova, de traduzir suas aventuras intelectuais para uso dos outros e de contratraduzir as traduções que eles lhe apresentam de suas próprias aventuras. O mestre ignorante capaz de ajudá-lo a percorrer esse caminho é assim chamado não porque nada saiba, mas porque abdicou do "saber da ignorância" e assim dissociou sua qualidade de mestre de seu saber. Ele não ensina seu saber aos alunos, mas ordena-lhes que se aventurem na floresta das coisas e dos signos, que digam o que viram e o que pensam do que viram, que o comprovem e o façam comprovar. O que ele ignora é a desigualdade das inteligências. Toda distância é uma distância factual, e cada ato intelectual é um caminho traçado entre uma ignorância e um saber, um caminho que abole incessantemente, com suas fronteiras, a fixidez e a hierarquia das posições.

Jacques Rancière - O Espectador Emancipado

DRAUZIO VARELLA

Teimosia empedernida

A falta de noção às vezes vem disfarçada de boas intenções. É o caso da lei que prevê penas maiores para traficantes, que acaba de ser aprovada pela Câmara e vai à votação no Senado.

A proposta do projeto original era ampliar a pena mínima até para o contingente formado pelos que trabalham com quantidades pequenas ou vendem droga para custear a parcela que consomem.

Por sorte, o bom senso da parte do governo rejeitou a ideia de trancafiar essa legião de pequenos contraventores. Nem que transformássemos todas as escolas públicas em presídios haveria vaga para tanta gente.

Você, leitor, que, como eu, morre de medo de ter um filho escravo da dependência química, gostaria de ver os vendedores na cadeia. Provavelmente, imagina que, se aprisionássemos todos, o adolescente não teria de quem comprar.

Não menosprezo nem condeno esse pensamento mágico; já fui vítima dele. Depois de 24 anos em contato com traficantes e cadeias, minha visão mudou.

Mandar para trás das grades quem vende quantidades pequenas é medida insensata, pela mais singela das razões: quem usa, trafica. Seu filho que fuma um baseado de vez em quando sem você saber sai para comprar, e traz um pouco para o amigo. Por uma besteira dessas, mereceria passar anos enjaulado num presídio brasileiro?

Agora, vamos à questão daqueles que comandam grupos criminosos. Segundo o novo projeto, devem ser condenados à pena mínima de oito anos, em vez dos cinco anos previstos na lei atual.

Todos concordam que deveríamos prender os chefes. É voz corrente que a repressão não funciona, porque só vai presa a raia miúda.

Por que será, não?

A competência corruptora do traficante endinheirado está longe de ficar restrita ao suborno do policial corrupto. Seus tentáculos chegam aos três Poderes da República. Os milhões de reais movimentados pelo tráfico são lavados nos mesmos bancos em que você e eu depositamos o salário ganho com o suor de nossos rostos.

Aumentar as penas para combater o tráfico é uma falácia. Pode ter apelo eleitoral, mas serve apenas para dar às famílias a ilusão de que serão protegidas.

Como bem lembrou o professor André Mendes, nesta Folha (em 29/5/13), a pena mínima estabelecida em 1976, que punia os traficantes com três anos de cadeia, foi aumentada para cinco anos, em 2006. De lá para cá, caiu o consumo de drogas no país?

Você poderia argumentar que se prendêssemos os grandes, pelo menos a criminalidade diminuiria. Não é o que os estudos mostram, caro leitor.

Como em outros ramos da atividade econômica, o grande traficante começa pequeno. Salvo exceções, costuma chegar às posições de mando perto dos 40 anos, quando a maturidade já lhe ensinou que resolver os problemas à bala é menos lucrativo do que tentar solucioná-los por meio da negociação.

Quando um chefe é preso ou morre, seus subordinados se matam para assumir o posto. Por ocasião dessas lutas pelo poder, muitos inocentes perdem a vida.

Qual a solução?

Nas transações comerciais, enquanto existir um mercado consumidor em expansão, disposto a pagar qualquer preço por uma mercadoria que custa barato nos centros de produção, o impacto do aprisionamento de comerciantes será pífio. Oferta e procura é uma lei universal. É ingenuidade irresponsável supor que será revogada com medidas repressivas, por mais lógicas e bem-intencionadas que pareçam.

Sem diminuir a procura, aumentar as penas dos traficantes só servirá para agravar o drama da superlotação das cadeias. Se no Estado de São Paulo há que se construir quase cem penitenciárias apenas para cobrir o atual deficit de vagas - além de mais duas a cada três meses para trancafiar os que serão presos pela polícia -, imaginem a calamidade enfrentada pelos Estados mais pobres.

Quantos anos serão necessários para nos convencermos de que a guerra às drogas foi um equívoco com consequências desastrosas para a sociedade?

Quantos precisarão morrer até entendermos que dependência química é um problema de saúde pública que jamais será resolvido na base da repressão policial?

Nos últimos 30 anos, os americanos investiram mais de US$1 trilhão nessa guerra. Tanto dinheiro, para criar o maior mercado consumidor do mundo.

Sunday, June 09, 2013

O ser-para-a-morte

Decaimento (Verfallenheit) não deve ser tomado em chave moralista. Ainda que evoque representações religiosas e morais (como o pecado original), designa a condição originária de ser lançado no mundo impessoal da esfera pública. É por essa razão - e unicamente em virtude dela - que o ser-o-aí pode também abrir-se para sua possibilidade mais autêntica: voltar-a-si, ou ser-si-próprio.

Ser-o-aí, desde sempre, é projeto, poder ser, possibilidade de ser. Por isso mesmo, é também possibilidade de não ser, em dois sentidos. Primeiro, o de não ser si-próprio, de existir anonimamente sob a capa e o manto da publicidade, de fugir de si, aderindo ao modo inautêntico e impróprio (uneigentlich) de ser ou existir - ao que corresponde o faltar a si mesmo. Segundo, em uma acepção mais radical de não ser, como realização da possibilidade da impossibilidade de ser, ou seja, da morte. Como ser-no-mundo temporal e finito, o ser-o-aí é constitutivamente (isto é, ontologicamente) ser-para-a-morte: abertura existencial para a possibilidade de não ser, ente que se compreendeu como tal.

Do decaimento, o ser-o-aí é resgatado para a autenticidade pela culpa (Schuld) e a consciência moral (Gewissen). A culpa é um faltar a si, é ser-em-falta; estar em dívida com as possibilidades de ser si-próprio. Uma falta ontológica forma o conteúdo da consciência moral, não como tribunal interior, como voz da consciência moral que acusa o sujeito de estar em débito com a lei por desobedecer a Deus. Ser culpado é sentir-se em falta para consigo mesmo, como poder-ser originário.

Ninguém existe no lugar de outra pessoa, ninguém morre a não ser a própria morte. A condição de ser-para-a-morte é o chamado do Dasein para a sua mais radical autenticidade. Por isso, a culpa e a morte são os chamamentos inapeláveis da consciência moral, que é a voz da de nossa culpa originária, de nossa condição de estar sempre em falta com relação ao nosso poder-ser, a cada momento de nossa existência.

A consciência de culpa não é má consciência, mas o correspondente ontológico da disposição angustiada. Trata-se também de uma ética fundamental, como cuidado de si e do mundo, na temporalidade própria à finitude humana. Ser e tempo não tem necessidade de um capítulo dedicado à ética como disciplina filosófica. A fenomenologia analítica de ex-sistência desdobra-se em um ethos originário.

Oswaldo Giacoia Jr. - Heidegger Urgente: Introdução a um novo pensar

Modos de ser-no-mundo

O ser-o-aí é também singular, existência irremissível, respectivamente adstrita a cada pessoa. A isso Heidegger denomina Jemeinigkeit (ser-a-cada-vez-meu, respectividade, ser singularmente adstrito a mim). Cada um de nós é a própria e respectiva existência singularíssima, na vida como na morte, na autenticidade como na inautenticidade. Os possíveis mais abrangentes do ser-o-aí são: ser si-próprio, ou perder-se, extraviar-se, desgarrar-se, dissipar-se no elemento genérico e impessoal (das Man, a gente):

Aquilo que se diz em Ser e tempo sobre "a gente" não quer fornecer, de maneira alguma, apenas uma contribuição incidental para a sociologia. Tampouco "a gente" significa apenas a figura oposta, compreendida de modo ético-existencialista, ao ser-si-mesmo da pessoa. O que foi dito contém, ao contrário, a indicação, pensada a partir da questão da verdade do Ser, para o pertencer originário da palavra ao Ser. Essa relação permanece oculta sob o domínio da subjetividade que se apresenta como a opinião pública.*

Existir no modo da autenticidade é um tornar-se, porque o ser-o-aí, desde sempre, advém na linha temporal de um passado histórico que o precede, como membro de uma dada família e sociedade, em um ponto do espaço prévio a toda deliberação ou escolha. Isso condiciona, em grande medida seu presente, a partir do qual se abrem as possibilidades futuras, às quais ele pode permanecer alheio, alienado nas malhas do impessoal.


Cura e preocupação

Com isso, a analítica existencial do ser-o-aí atinge um de seus resultados mais importantes: a sua descrição fenomenológica como Sorge (cura ou preocupação). Ex-sistência é ser-no-mundo temporalmente como cura ou preocupação. Esse cuidado, por sua vez, desdobra-se em Besorgen (o cuidado com alguma coisa, com providenciar alguma coisa) e Fürsorgen (a cura como tomar cuidado de algo, ou de alguém; e como preocupação, ocupar-se de algo ou alguém, tratar dele e com ele).

Ser-no-mundo é existir como cura: seja ao modo do providenciar utilitário, no trato com objetos e utensílios, seja ao modo da pré-ocupação como encargo, que se pré-ocupa e toma sob seus préstimos. Como ec-sistência, o ser-o-aí é no mundo como cura, preocupação e cuidado com o mundo, que é também uma dimensão essencial dele.

A cada uma das modalidades de abertura do ser-o-aí como ser-no-mundo corresponde um modo de existir como projeto lançado na esfera pública da inautenticidade: à afinação/estar disposto (Befindlichkeit) correspondem possibilidades ou modalidades diversas de estados afetivos gerais, humores (Stimmung) do ser-o-aí em sua existência cotidiana: alegre, triste, calmo, irritado, simpático, indiferente etc. À compreensão (Verstehen) corresponde a curiosidade (Neugier), e à fala (Rede) corresponde o falatório (Gerede).

Afinação/estar disposto, compreensão e fala são constituintes ontológicos do ser-o-aí. Disposição, curiosidade e falatório são o correspondente ôntico dessas estruturas na cotidianidade intramundana do ser-o-aí em sua condição de decaimento (Verfallenheit). As modalidade diversas de disposição afetiva são formas de obliteração da afinação/disposição originária da angústia, como preocupar-se com o próprio poder-ser.

curiosidade é um desgarramento que consiste em alienar-se na bisbilhotice do que interessa a todo mundo, no que distrai, ao cativar a atenção de todo mundo. É estar à cata de novidade - o que, por definição, significa estar condenado à infinita reposição, sob pena de deixar de ser o que é. O falatório domina a existência mundana do ser-o-aí no cotidiano, com o tagarelar e o opinar sobre tudo sem nada dizer, o discurso que não compromete, nada afirma nem nega quanto ao essencial. A retórica da opinião pública e o politicamente correto são exemplos de falatório impessoal, da fala inautêntica. Trata-se, então, de uma curiosidade dispersiva, alienada na distração do falatório.

Oswaldo Giacoia Jr. - Heidegger Urgente: Introdução a um novo pensar

Heidegger, M. Sein und Zeit, "Sobre o 'humanismo'", pg. 349

Saturday, June 08, 2013


Aberturas existenciais do ser-o-aí

À analítica existencial compete tornar manifesta a parte correlativa do ser-no-mundo (In-der-Welt-Sein). Este denota as modalidades intramundanas do ser-o-aí - ou seja, o plano do trato com os outros entes. Sua contrapartida fenomenológica destaca o ser-em (Sein-in), com o acento deslocado do polo "no mundo" para o modo do "ser-no" - para analisar de forma fenomenológica como esse ente se instala originariamente em sua condição de ser-no-mundo.

Ser-o-aí é essencialmente temporalidade (Zeitlichkeit). Mas também é ser ao modo da abertura - abertura para seu próprio ser e para os demais entes que, como ele, habitam o mundo. Ser-em se mostra como transparência a si, como  (da).

Três são as modalidades originárias dessa abertura - ou os existenciais, que denotam as estruturas fundamentais do ser-o-aí como ser-em:

a. Estar dispostoafinação (Befindlichkeit). O ser-o-aí se encontra no mundo em determinadas disposições e estados: instalado em algum lugar (em São Paulo, por exemplo); afinado nessa ou naquela modulação do afeto (alegre ou triste, por exemplo). A abertura para o mundo implica sempre um estado de ânimo, não um tipo particular de sentimento, como estado psicológico determinado, mas um tônus afetivo geral, um modo de viver o relacionamento com o mundo em suas diferentes modalidades.

Angústia (Angst) é a mais fundamental dessas disposições basais do afeto, na medida em que concerne não aos entes intramundanos, mas ao ser do ser-o-aí no mundo. Não se trata de temor ou ansiedade pela perda de um objeto presente ou virtual, pela cessação de um estado de coisas, mas um ânimo que abrange todas as possibilidades de ser do ser-o-aí em sua raiz: a tensão entre ser-si-próprio e perder-se, desgarrar-se, a possibilidade sempre presente de faltar a si.

b. Compreensãocompreender (Verstehen): o ser-o-aí sempre toma pé em uma compreensão prévia e tácita, inarticulada, da condição existencial em que sempre - e a cada vez -  se encontra; compreensão e abertura para as possibilidades de ser nela existentes. Esse compreender, como dimensão ontológica do ser-o-aí, funda a hermenêutica de Ser e tempo, e com isso nota-se como Heidegger reelabora e dá nova fundamentação à categoria de compreensão, presente na filosofia dos valores, nas filosofias da vida e na ciência hermenêutica, transformando-a em elemento existencial-ontológico estruturante do ser-o-aí.

Compreensão é um limiar aquém do qual não é possível recuar em termos explicativos. Toda compreensão particular - de alguma coisa, por exemplo, um texto ou um signo - tem como pressuposto o próprio ato de compreender, que é dado como um âmbito prévio e irrefletido no interior do qual está inserido, desde sempre, quem compreende algo.

Não se pode compreender a própria compreensão, pois para tanto já seria necessário poder compreender, e assim ao infinito. Trata-se de uma circularidade inevitável, porém não viciosa, e sim virtuosa: quem compreende algo dispõe também previamente de um senso de compreensão. Esse círculo é essencialmente hermenêutico, pois a hermenêutica é a ciência da interpretação e da compreensão. Assim, a abertura existencial-ontológica do ser-o-aí como compreensão torna a hermenêutica parte constitutiva da ontologia fundamental e da analítica existencial de Ser e tempo.

A compreensão heideggeriana tem um lado cognitivo: entender, apreender o sentido de, inteirar-se de, tomar consciência de. No entanto, a acepção fundamental de Verstehen em Ser e tempo é outra: compreender como "entender de" (sich verstehen auf etwas). Nessa fórmula, compreender evoca, sobretudo, um poder, um dom ou uma capacitação. "Entender de" equivale, em português coloquial, a expressões como: "fulano entende do negócio, entende das coisas". Compreender é entender de ser, prima facie, saber de si, cuidar de seu próprio ser, cuidar de existir, de si como existência. Ser-o-aí, nesse sentido, é poder-serser-possível, entender de ser.

c. Fala, discurso, palavra, linguagem (Rede): entender de ser, poder ser, compreender em sentido ontológico é encontrar-se em uma disposição básica de abertura compreensiva, prévia e tácita, de preocupação com o ser. Nesse sentido, compreendemos o que significa ser, sabemos mais ou manos o que queremos dizer quando empregamos a palavra "ser".

A articulação desse sentido, ou dos diferentes sentidos de ser, dá-se sempre no logos - na palavra, na linguagem, no verbo, no discurso. Essa articulação é o modo como o ser-o-aí enuncia seu entendimento de Ser - como manifesta, pelo verbo, o que vem-a-ser, dando com isso as condições para o desvelamento do Ser em sua verdade. Por isso, a linguagem é a articulação que coliga e manifesta, é o âmbito de desvelamento ou verdade do Ser. é assim que se pode entender o que Heidegger pensa quando afirma que a linguagem é a clareira, ou a morada, do Ser.

Na condição de ser-o-aí, o homem habita a morada do Ser, a linguagem. Ao falar, ele traz à luz, manifesta o que os entes são em suas respectivas essências; assim, ele exibe, desvela os entes em seu ser. Todavia, essa dimensão do habitar humano no cotidiano de sua existência natural é marcada pela dimensão pública do falar, pelo linguajar característico do existir coletivo, genérico, impessoal.

Heidegger denomina Öffentlichkeit (esfera pública) essa condição do ser-no-mundo. Trata-se aqui de uma existência decaída em relação às suas possibilidades mais próprias e autênticas. Essa é a situação ontológica da queda (Verfallenheit), que não é o pecado original teológico, mas um perder-se no anonimato que afasta de ser-si-próprio - condição para a qual o ser-o-aí sempre pode ascender ao voltar-se para uma modalidade autêntica de existência.

Oswaldo Giacoia Jr. - Heidegger Urgente: Introdução a um novo pensar


Ser-no-mundo e ser-com

Intramundano, o ser-o-aí existe desde sempre em comércio com os outros entes, em um relacionamento que pode ser:

a. Objetivo: é o plano da relação entre sujeito e objeto, no qual o mundo é disposto ou coloca-se diante de nós como universo re-presentado. Nesse sentido, o mundo é a totalidade dos objetos presentes (Vorhanden) para um sujeito do conhecimento. Representar é reapresentar: dispor objetivamente os entes para a apreensão teórica, de modo a extrair deles um saber científico, que enseja controle e disponibilização para operações técnicas.

b. Trato ou lida (Umgang): diferentemente dos objetos do conhecimento, lidamos com coisas que nos defrontam - como os utensílios - e suscitam perguntas como: "Para quê?", "Com que finalidade?".

Seu modo de existir não é o da presentidade (Vorhandenheit). Essas coisas se dão a nós no vetor do sentido da Zuhandenheit - termo que designa aquilo que está à mão, não simplesmente como objeto presente, mas como entidade que tem a condição de utensílio. No modo de desvelamento próprio da condição ôntica de Zuhandenheit, os entes vêm ao nosso encontro como entes geradores, coisas das quais nos servimos para criar outras coisas e, por causa disso, estas são denominadas Zeug: trata-se do dispor de um instrumento útil para fazer coisas, ferramenta com que fazemos, produzimos, geramos outras coisas. Portanto, nessa acepção, o termo Zeug significa tanto "coisa" como "gerar" (nesse caso, na forma verbal: zeugen). Assim, em Werkzeug (ferramenta) temos uma coisa, que, ao lidar com ela, geramos ou produzimos outras coisas. Já no caso de Spielzeug, defrontamo-nos com uma coisa com a qual brincamos.

Não se trata aqui de relação teórica, objetivante, mas de lida pragmática. Produzir é, etimologicamente, producere: conduzir diante de, trazer à frente - como téchne (técnica), em sua significação originária, está ligada à poiésis (produzir, criar), pois é também uma modalidade de desocultar, trazer à luz, revelar. Nosso comportamento com os utensílios é trato, não cognição. Eles exigem um saber próprio do lidar, são de trato relativamente mais fácil ou mais difícil. Tocar um violão, por exemplo, não exige um conhecimento do processo de construção do instrumento, nem de sua história, nem necessariamente de teoria musical; brincamos com brinquedos, ou voamos em aeronaves, sem manter com essas coisas nenhum relacionamento cognitivo aprofundado.

c. Relação ética: engajamo-nos com certos entes em um relacionamento que não é nem o de cognição nem o de lida prático-instrumental, mas uma relação pessoal, ética. Essa relação não se limita à que estabelecemos com os outros, mas está também ontologicamente vinculada à relação que criamos conosco, a um tipo originário de cuidado de si, de préstimo e cura das possibilidades sempre abertas que constituem nossa existência. Existir significa, em sentido radical, cuidar de poder ser no mundo, que é também (e não menos essencialmente) ser-com-os-outros.

Ser-no-mundo é, antes de tudo, abertura (Erschlossenheit), estar aberto para a mundanidade (Weltlichkeit), nos planos da relação cognitiva, tecnocientífica, é lidar com as coisas, manter um relacionamento com elas enquanto utensílios (Zuhandenheit) ou, enfim, relacionar-se com os outros como pessoas, em um modo de ser-com, de compartilhar (mit-sein).

Cabe à fenomenologia a tarefa de descrever a mundanidade como elemento constitutivo do ser-lançado no mundo. O poder-ser é indefinido, mas não infinito. Temporal, ele implica finitude e a possibilidade da impossibilidade, de não ser. Por isso, o ser-o-aí é pré-ocupação, cuidado com os entes intramundanos, cura do mundo. Não há o ser-o-aí sem mundo, nem mundo sem ser-o-aí. É nesse sentido que a fenomenologia existencial de Ser e tempo é também uma ética originária do cuidado de si e do cuidado do mundo. É nessa condição que se ancoram as duas possibilidades de ser que mais profundamente penetram na raiz da facticidade: o existir autêntico, como ser si-próprio (das Selbst), e a existência inautêntica: o impessoal (das Man, "a gente").

Oswaldo Giacoia Jr. - Heidegger Urgente: Introdução a um novo pensar

Thursday, June 06, 2013

Ser-o-aí é o que nos é mais próximo, já que somos nós mesmos que existimos como tal. Porém, do ponto de vista ontológico é também o que há de mais estranho e distante para nós, quanto ao conhecimento de nossa essência. Para nos aproximarmos reflexivamente desse conhecimento, temos de perguntar pelo modo de ser da existência que somos. Esta é, fundamentalmente, contingência, temporalidade, facticidade (Faktizität), finitude.

Ser-o-aí existe no tempo, e a temporalidade (Zeitlichkeit) é um componente fundamental de sua estrutura. Isso implica que toda compreensão possível de Ser, a partir do Dasein, é uma compreensão temporal. Por outro lado, se a temporalidade constitui um predicado ontológico originário da sua essência, então o ser-o-aí deve ser mostrado pela análise fenomenológica como sendo finito  e mortal.

Oswaldo Giacoia Jr. - Heidegger Urgente: Introdução a um novo pensar

Tuesday, June 04, 2013

Ontologia fundamental

Ontologia fundamental nomeia a principal característica de Ser e tempo: é a tentativa de desconstrução da metafísica e de elaboração da analítica da finitude, tendo como ponto de partida uma fenomenologia hermenêutica das estruturas do ser-o-aí.

O ponto de confluência dessas tarefas é enunciado já na epígrafe do livro - tão incisiva quanto o título e que indica, de modo conciso, o centro nevrálgico do pensamento de Heidegger: a pergunta pelo sentido do Ser. A raiz dessa pergunta está plantada no solo do pensamento grego. Heidegger recorre a uma citação de O sofista, de Platão, para enunciá-la de modo paradigmático: "Uma vez, pois, que nos encontramos em dificuldade, caberá a vós explicar-nos o que entendeis por este vocábulo 'ser'. Evidentemente essas coisas vos são, de há muito, familiares. Nós mesmos, até aqui, acreditamos compreendê-las, e agora nos sentimos perplexos".

Ao longo de sua história, a filosofia ocidental preocupou-se sempre com o Ser, de modo que seria razoável esperar que, de há muito, estivéssemos familiarizados com o significado desse termo. Perguntas concernentes aos predicados mais gerais do ser (categorias) ou à distinção entre o ser e o devir, a realidade e a aparência, sempre constituíram o foco de atenção e meditação da filosofia.

Como se explicaria, então, que Platão, um dos maiores ícones da filosofia, tenha delegado à voz de um sofista a constatação perplexa de que não estamos familiarizados com aquilo que pensamos quando empregamos a palavra "ser"? Embaraçoso é constatar que até agora acreditávamos sabê-lo, mas, em verdade, carecemos de uma explicação que nos livre da dificuldade de não compreender o que propriamente pensamos quando dizemos "ser".

Assim, já estaria em Platão a suspeita de que a filosofia desconhece o que é pensado sob o termo "ser" - ainda que seja o mais empregado ao longo de sua história. Escândalo e pasmo, portanto, uma pedra de tropeço. Ser e tempo é uma das tentativas mais radicais da filosofia contemporânea para retomar essa pergunta em toda sua envergadura. Saberíamos nós o que Platão confessava desconhecer? A resposta de Heidegger é: não, de modo algum.

Ora, qualquer resposta pertinente só pode ser dada e, sobretudo, compreendida quando a pergunta a que ela responde é adequadamente formulada. Daí a suspeita de que nem Platão, nem a história da filosofia inteira ofereceram uma resposta pertinente à pergunta pelo sentido do Ser. E isso ocorre porque a pergunta não foi propriamente formulada, o questionamento não foi suficientemente pensado.

Essa perplexidade oferece a Ser e tempo o seu ponto de partida e a sua ocasião: é preciso perguntar novamente pelo sentido do Ser, e a elaboração concreta dessa questão é o propósito da obra de Heidegger. Para tanto, é imprescindível despertar de novo a compreensão prévia para o sentido da pergunta - isto é: que sentido tem a pergunta pelo sentido do Ser?

Oswaldo Giacoia Jr. - Heidegger Urgente: Introdução a um novo pensar

Sunday, June 02, 2013


A maior peculiaridade da criatura de esquerda é a sua absoluta incapacidade de enxergar o óbvio: a esquerda, definitivamente, não funciona. Quando se referem a ela como utopia, nada pode ser mais apropriado. Talvez pelo fato de o esquerdista ser, antes de tudo, uma vítima e um mago da propaganda (Sim! A única grande virtude do comunista é a propaganda), a população em geral acabou por demonstrar simpatia e compaixão pelos pobres e nossa História esqueceu que foram justo os movimentos de esquerda, em pleno vigor e ação desde os anos 1930, os grandes e únicos patrocinadores da ditadura em que passamos a viver. Isso é algo que, inexplicavelmente, relutamos em engolir. Como o militar foi transformado numa figura execrável, um torturador, privador de nossa liberdade e de nossos direitos, ficou fácil transformar uma doutrina absurda, repressora, genocida e inoperante em algo libertário, martirizado, romântico, justo e progressista.

Bom, a propaganda é a alma do negócio, não é verdade?

Lobão - Manifesto do Nada na Terra do Nunca

Lobão assimilou o discurso ready-made da direita. Pena. O discurso dele, apesar da irresponsabilidade e do exagero, sempre foi original, assim como sua música. O livro novo repete, sem nenhuma novidade, Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Mainardi, Pondé. Sem interesse.