Aqui vai um vídeo que reflete - com profundidade - sobre os quocientes de preconceito embutidos nos nossos palavrões. Quem me indicou foi um amigo querido que sabe manter a flexibilidade do pensamento. Que sabe se divertir com a ideia de que "uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa".
Sobre o radialista Ricardo Boechat, a coisa é que até as pedras caídas da Muralha de Jericó perceberam que o estado permanentemente exaltado de Malafaia denota desejos reprimidos. Malafaia sempre esteve à procura de algo que satisfaça sua excitação.
Bem sabemos que a rôla "não é solução para tudo" e que é uma enorme bobagem pretender que "todo homofóbico é um homossexual enrustido".
Acontece que aconteceu de um radialista mainstream, de perfil masculino normalopata, desses que fazem piadas falocentradas, tirar da garganta de todo mundo o que andava há tempos querendo sair.
Num mundo ideal não mandaremos ninguém tomar no... pois isso é homofóbico, nem diremos a alguém "seu filho da..." pois é misógino; não desabafaremos porque "a coisa está preta", por ser racista, nem usaremos mais o termo "judiação", por suas conotações anti-semitas.
Nesse possível futuro tempo da delicadeza, não precisaremos da ajuda de um típico macho alfa branco como Ricardo Boechat para nos representar, pois vendilhões como Silas Malafaia, simplesmente, terão sido expulsos do templo.
Por enquanto, é necessário registrar que, antes de enfiar a rôla no discurso, Boechat se valeu de vocabulário amplo: idiota, paspalhão, pilantra, tomador de grana de fiel, explorador da fé alheia, otário, homofóbico, figura execrável, horrorosa, charlatão.
Quanto nos ofendem as dinâmicas da comunicação de massa? Quanto nos proibimos de rir do desnudamento do charlatão, na praça do mercado e pelas normas do mercado? Quanto negamos o poder impuro da rua? Da indústria cultural? E quanto nos permitimos desfrutar das vitórias provisórias?
"Malafaia, vá procurar uma rôla", apesar de infantiloide, misógino e patriarcal, expôs o farisaísmo do pastor. “Você usa o nome de Deus para tomar dinheiro de fiéis. Você é tomador de grana, você e muito outros”. Boechat construiu seu discurso em seus próprios termos. Conseguiu coerência entre a forma e o conteúdo. Nesse processo de individuação, representou milhões de pessoas. Aceitemos ou não, barrou o sermão de Malafaia. E isso é o que tivemos para hoje.
meu criado-mudo repleto de livros / posto sobre quatro pés ladeia a cama / plataforma sólida onde se acumulam / pilhas poeirentas em precário equilíbrio / noite adentro quando, eu já meio ébrio, / me abandono, ali, entre o sono e a vigília / páginas se embaralham à revelia / as que leio hoje e as que eu lia.
o amor, a lei e as grandes obras
pedro nava
A experiência é como um farol iluminando para trás.
Cormac McCarthy
A última instância de uma coisa leva a categoria consigo. Apaga a luz e vai embora.
García Márquez
A sabedoria é algo que, quando nos bate à porta, já não serve para nada.
Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n’alva Acorda a natureza mais louçã! Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã… A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã!
Álvares de Azevedo
W. H. Auden
Você espera, sim, que seus livros o desculparão, salvarão do inferno: porém, sem parecer triste, sem de modo algum parecer culpar (Ele não precisa, bem sabendo a que um amante da arte como você presta atenção), Deus pode lhe obrigar no Dia do Juízo Final a lágrimas de vergonha, recitando de cor os poemas que poderia ter escrito, tivesse sua vida sido boa.
Luto e Melancolia
A descrição da melancolia, diz [Maria Rita Kehl], permanece marcada pela tese freudiana da perda do objeto e do ataque ao próprio Eu, identificado em parte com o objeto perdido amado e odiado. Os sintomas melancólicos seriam, de um lado, a expressão da agressão ao Outro internalizado e, de outro, a resposta sintomática ao desinteresse do Outro pelo sujeito.
Sobre o conceito de história
9. Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.
Walter Benjamim
I-JUCA PIRAMA
X
Um velho Timbira, coberto de glória, Guardou a memória Do moço guerreiro, do velho Tupi! E à noite, nas tabas, se alguém duvidava Do que ele contava, Dizia prudente: – "Meninos, eu vi!
"Eu vi o brioso no largo terreiro Cantar prisioneiro Seu canto de morte, que nunca esqueci: Valente, como era, chorou sem ter pejo; Parece que o vejo, Que o tenho nest’hora diante de mi.
"Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo! Pois não, era um bravo; Valente e brioso, como ele, não vi! E à fé que vos digo: parece-me encanto Que quem chorou tanto, Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira, coberto de glória, Guardava a memória Do moço guerreiro, do velho Tupi. E à noite nas tabas, se alguém duvidava Do que ele contava, Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".
Antônio Gonçalves Dias
Alheio aos Enfrentamentos
O depressivo não enfrenta o pai. Sua estratégia é oferecer-se como objeto inofensivo, ou indefeso, à proteção da mãe. O gozo dessa posição protegida custa ao sujeito o preço da impotência, do abatimento e da inapetência para os desafios que a vida virá lhe apresentar. Além disso, existe um engodo nesse ato de oferecer-se como indefeso e dependente da proteção do Outro: ao apresentar-se como alheio aos enfrentamentos com o falo, o depressivo não desenvolve recursos para se proteger da ameaça de ser tomado como objeto passivo da satisfação de uma mãe que se compraz com o exercício de sua potência diante da criança fragilizada. Esse lugar, de objeto passivo dos cuidados maternos, não equivale ao lugar do pai como aquele que faz a lei para o desejo da mãe no plano erótico; o depressivo, insisto, é um sujeito castrado.
Maria Rita Kehl - O Tempo e o cão
Rockwell
de no estar del todo
[...] sempre serei como uma criança para tantas coisas, mas uma dessas crianças que desde o início levam, consigo, o adulto, de modo que quando o monstrinho chega verdadeiramente à idade adulta ocorre que, por sua vez, esse leva consigo a criança, e no meio do caminho se dá uma coexistência poucas vezes pacífica de pelo menos duas aberturas do mundo. Isso [...] aponta, em todo caso, para um temperamento que não renunciou à visão pueril como preço da visão adulta, e essa justaposição [...] manifesta-se no sentimento de não estar completamente em qualquer das estruturas, das teias que a vida arma e nas quais somos, ao mesmo tempo, aranha e mosca.
Julio Cortázar - Del sentimiento de no estar del todo - La vuelta al día en ochenta mundos.
Citado por Jorge Larrosa em Pedagogia Profana.
um lance de bodes
... o bode? fica sempre ali do meu lado como um criado mudo oui, bodes... j'aime bodes
mas os bodes, mal criados, jamais poderão abolir - está dado - o azar nem aí o hazard acolá em Pasár- gada par hasard quiçá Xangri- lá (em qualquer lugar) onde aqui.
Tempo e o cão
A montagem depressiva, assim, tem como premissa a onipresença do gozo do Outro, que sonega ao sujeito o tempo necessário à substituição metafórica ou metonímica do objeto ausente. De forma breve, faltou desilusão no passado; sobra desesperança no presente. Sem tempo para desejar, o sujeito se rende à louca injunção do supereu lacaniano: "Goza! Não goza!". Goza para não desejar; não goza para que o Outro goze. Essa é a alavanca que Maria Rita Kehl aciona para passar do registro pessoal ao registro cultural, pois os filhos do Outro invasivo são a versão psicanalítica do que [o pensador e cineasta francês] Guy Debord chamou de "filhos do espetáculo".
Jurandir Freire Costa
Some Na Poeira
O Tempo Lógico
1. Um homem sabe que é um homem. 2. Os homens se reconhecem entre eles por serem homens. 3. Eu afirmo que sou um homem, por temor de que os homens me convençam de que não sou um homem.
Jacques Lacan
Rapidez
Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsê estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsê disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. "Preciso de outros cinco anos", disse Chuang-Tsê. O rei concordou. Ao completar-se o décimo ano, Chuang-Tsê pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito caranguejo que já se viu.
Italo Calvino
um prelúdio
Amadureci aos poucos, cresci muito devagar como os álamos e os loucos e acabei indo morar
na Casa dos Homens Ocos, um charco pardo ao luar entre o tempo morto, os roucos rugidos do vento e o mar.
Lá se vive sem querer; lá ouvi uma elegia; dou-a aqui tal qual ouvi-a
ao cair do entardecer sobre a charneca vazia, os pântanos que há no ser.
Bruno Tolentino A Balada do Cárcere
A 5ª História
A terceira história que ora se inicia é a das Estátuas. Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto em que, de madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozinha. Mais sonolenta que eu está a área na sua perspectiva de ladrilhos. E na escuridão da aurora, um arroxeado que distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras: dezenas de estátuas se espalham rígidas. As baratas que haviam endurecido de dentro para fora. Algumas de barriga para cima. Outras no meio de um gesto que não se completaria jamais. Sei como foi esta última noite, sei da orgia no escuro. Na boca de umas um pouco da comida branca. Sou a primeira testemunha do alvorecer em Pompéia.
Clarice Lispector - A Legião Estrangeira
Rockwell
paradoxos da servidão
[...] o senhor não se torna senhor pelo seu desejo, mas vem ocupar um lugar já preparado naqueles que domina, o que leva à importante constatação de que a tirania se engendra primordialmente do desejo de servir e se articula estruturalmente ao próprio surgimento do sujeito em um tempo dominado pelo discurso do mestre. O desejo do homem é o desejo do Outro, e quem cuida do desejo do senhor é o escravo.
Doris Rinaldi - A subjetividade hoje: os paradoxos da servidão voluntária
Morpheus: Você é um escravo. Como todo mundo. Você nasceu num cativeiro, nasceu numa prisão que não consegue sentir ou tocar. Uma prisão para sua mente. Infelizmente é impossível dizer o que é Matrix. Você tem de ver por si mesmo.
Absoluto estranho
Todas as formas de racismo, intolerância étnica, religiosa ou nacional fundam-se na tentativa de fazer do semelhante um igual, ao preço de fazer do diferente um absoluto estranho.
[...] acima do amor ao próximo está o amor ao Pai. Muito sangue de nossos semelhantes correu - na perseguição aos romanos, nas cruzadas, nas Inquisições -, em nome do amor ao Pai. O amor ao Pai está em contradição com o amor ao próximo. O mandato cristão não se sustenta como princípio norteador de uma ética para a modernidade, pois as condições de enunciação desse mandato portam uma dificuldade suplementar. Há uma contradição nos termos do apelo cristão: devo amar ao próximo para ser mais amado pelo Pai, por obediência a ele e temor ao Juízo Final, quando se decidirá, entre os muitos que foram chamados, quais serão os escolhidos. Isso equivale amar ao próximo mais do que o próximo me ama, de modo a ser escolhido para entrar no reino dos céus no lugar dele. Amar ao próximo para passá-lo para trás na preferência do Pai, o qual, por sua vez - embora supostamente ame a todos de modo igual -, já teria anunciado que não deixará de beneficiar seus prediletos. A dimensão da rivalidade (mortífera) entre irmãos está embutida nas condições da fraternidade cristã.
Maria Rita Kehl - Sobre Ética e Psicanálise
ruminar
engolir
digerir
apud
pelas marcas de pneus nas suas costas, vejo que você também andou se divertindo.
Carlos Careqa, no facebook
Algo registrarei
Chego, agora, ao inefável centro de meu relato; começa aqui meu desespero de escritor. Toda linguagem é um alfabeto de símbolos cujo exercício pressupõe um passado que os interlocutores compartem; como transmitir aos outros o infinito Aleph, que minha temerosa memória mal e mal abarca? Os místicos, em análogo transe, são pródigos em emblemas: para significar a divindade, um persa fala de um pássaro que, de algum modo, é todos os pássaros; Alanus de Insulis, de uma esfera cujo centro está em todas as partes e a circunferência em nenhuma; Ezequiel, de um anjo de quatro faces que, ao mesmo tempo, se dirige ao Oriente e ao Ocidente, ao Norte e ao Sul. (Não em vão rememoro essas inconcebíveis analogias; alguma relação têm com o Aleph.) É possível que os deuses não me negassem o achado de uma imagem equivalente, mas este relato ficaria contaminado de literatura, de falsidade. Mesmo porque o problema central é insolúvel: a enumeração, sequer parcial, de um conjunto infinito. Nesse instante gigantesco, vi milhões de atos prazerosos ou atrozes; nenhum me assombrou tanto como o fato de que todos ocupassem o mesmo ponto, sem superposição e sem transparência. O que viram meus olhos foi simultâneo; o que transcreverei, sucessivo, pois a linguagem o é. Algo, entretanto, registrarei.
Jorge Luis Borges - O Aleph
Then, suddenly, he felt sleepy.
It was a long time before X could set the note aside, let alone lift Esme's father's wristwatch out of the box. When he did finally lift it out, he saw that its crystal had been broken in transit. He wondered if the watch was otherwise undamaged, but he hadn't the courage to wind it and find out. He just sat with it in his hand for another long period. Then, suddenly, almost ecstatically, he felt sleepy.
You take a really sleepy man, Esme, and he always stands a chance of again becoming a man with all his fac-with all his f-a-c-u-1-t-i-e-s intact.
J.D. Salinger - 9 Stories
Ivangivaldo
chapa quente
Hélio Pellegrino
[...] o animal não precisa dar testemunho da sua passagem no mundo, não precisa falar porque é falado pelo acontecer cósmico, é parte do real, do oceano incomensurável, em movimento, que abarca as constelações mais remotas, e a erva mais modesta - e mais próxima. O animal digere o Cosmo, que o atravessa todo, sem precisar imaginarizá-lo - ou simbolizá-lo.
Ressaca
[...] a ressaca, depois dos 40, parece uma mistura de dengue com o existencialismo de Jean-Paul Sartre.
Xico Sá (em 01 de janeiro de 2010, na Folha)
intensa e fugaz
Quando ia começar a rodar seu Vidas sem rumo (Outsiders, 1983), Francis Coppola reuniu sua equipe e disse: "Este é um filme sobre o crepúsculo". E explicou: a adolescência é como esse momento em que o sol atinge sua maior beleza - e logo em seguida desaparece. É ao mesmo tempo intensa e fugaz: intensa por ser fugaz, fugaz por ser intensa.
José Geraldo Couto
Ohno
Gullar
Pop
Jackson
bussunda
As pessoas precisam conjugar mais o verbo "me fudi".
-
aldir blanc
Topada também toca pra frente.
Arendt para Jaspers
"Sinto-me um animal para o qual todos os acessos estão fechados. Não posso mais me entregar, pois ninguém me quer do jeito que sou; todos sabem mais de mim do que eu".
Slogan
"Ele matou meu pai, matou minha mãe, mas eu voto nele".
Charles Taylor para presidente da Libéria, em 1997.