Monday, August 18, 2025

Tempos do Cólera

"Acabavam de celebrar as bodas de ouro matrimoniais, e não sabiam viver um instante sequer um sem o outro, ou sem pensar um no outro, e o sabiam cada vez menos à medida que recrudescia a velhice. Nem ele nem ela sabiam dizer se essa servidão recíproca se fundava no amor ou na comodidade, mas nunca se haviam feito a pergunta com a mão no peito, porque ambos tinham sempre preferido ignorar a resposta. Tinha ido descobrindo aos poucos a insegurança dos passos do marido, seus transtornos de humor, as fissuras de sua memória, seu costume recente de soluçar durante o sono, mas não os identificou como os sinais inequívocos do óxido final e sim como uma volta feliz à infância. Por isso não o tratava como a um ancião difícil e sim como a um menino senil, e esse engano foi providencial para ambos porque os pôs a salvo da compaixão".

(...)

"Coisa bem diferente teria sido a vida para ambos se tivessem sabido a tempo que era mais fácil contornar as grandes catástrofes matrimoniais do que as misérias minúsculas de cada dia. Mas se alguma coisa haviam aprendido juntos era que a sabedoria nos chega quando já não serve para nada".

Gabriel García Márquez. O Amor nos Tempos do Cólera. Tradução de Antonio Callado.

Monday, August 11, 2025

Friday, August 01, 2025

Barbárie

A questão de saber quem é verdadeira e plenamente um ser humano, com os direitos inalienáveis que isso confere, não é nova, mas se coloca hoje em novos termos que não podem deixar indiferente quem se interessa pela educação.

A questão não é nova. "Bar, bar", diziam os gregos, zombando da forma de falar dos persas. O bárbaro nem mesmo sabe falar corretamente, é grosseiro, selvagem, mais ou menos cruel, sempre pronto a nos invadir. Mas a ideia de barbárie é ainda mais radical: existe barbárie em qualquer situação, encontro, relação entre humanos na qual um nega a humanidade do outro. O bárbaro, aos olhos do "civilizado", é radicalmente outro; ele tem aparência humana, mas se pode duvidar que seja verdadeiramente um homem e, portanto, pode ser tratado como um objeto, eliminado se for incômodo e, com certeza, ser maltratado e reduzido à escravidão. De modo que, por inversão da situação, o "civilizado" trata aquele que considera "bárbaro" com métodos cruéis, sanguinários, indignos de um ser humano e que podem, por sua vez, ser qualificados de bárbaros. Ao considerarmos o outro como um bárbaro, acabamos sempre nos comportando de forma bárbara  torturando, acendendo fogueiras, cortando cabeças, colocando ou lançando bombas, reduzindo à escravidão etc. Aquele que nega a humanidade do outro, rompe o vínculo de pertencimento a um mundo comum e, ao mesmo tempo, coloca a si próprio fora da humanidade: a barbárie é contagiosa.

Educação ou Barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. © 2020, Bernard Charlot. Tradução Sandra Pina. Cortez Editora.

Imagem: Gaza City. Omar Al-Qattaa /AFP / Getty Images. Outubro, 2024.