Mais títulos
RUY CASTRO
Na coluna de quarta última, ao falar da incurável mania dos jornalistas de usar títulos de filmes para intitular matérias, temo ter sido meio rigoroso. Na verdade, não importava que o título saísse de um filme. Só tinha de ser bom. E alguns eram magníficos.
Na Manchete dos anos 80, Celso Arnaldo Araújo fez uma reportagem sobre uma novidade, o videocassete, que ameaçava prender as pessoas em casa e afastá-las dos cinemas. Ao terminar o texto, inverteu o título de um filme nacional e sapecou: "Videocassete - Matou o cinema e foi à família". Outro muito bom, tirado do filme "Pequeno Grande Homem" e atribuído a Raul Giudicelli, tratava de um paranormal gaúcho, por acaso anão: "Pequeno grande médium".
Nos que independiam do cinema, Manchete era também quase imbatível. Um clássico foi o de Carlos Heitor Cony para uma matéria sobre um falsário preso em São Paulo. Como o homem se negasse a recebê-lo, Cony inventou a entrevista e intitulou-a: "Entrevista de mentira com um falsário de verdade".
Fatos & Fotos, irmã caçula da Manchete, também admitia brilharecos. Em 1967, o ditador chinês Mao Tsé-tung andou sumido e suspeitou-se de que estivesse morto. Até que reapareceu e, para mostrar que vendia saúde, mergulhou no rio Yang-tsé. Título maravilhosamente dúbio: "Nada bem o velho Mao".
Mas, para mim, os dois melhores daquele tempo saíram em O Globo. Em 1982, dom Ivo Lorscheiter estava num avião e, temendo por sua fé, recusou-se a ir à janela ver uma estranha luz que os passageiros juravam ser um disco voador. O saudoso Chico Nelson decretou: "Ivo não viu o Ovni". E o outro, de Guilherme Cunha, em 1976, quando o mesmo Mao, enfim morto, foi sucedido pelo nº 2 na hierarquia, Lin Piao: "China vai de Mao a Piao".
Títulos
RUY CASTRO
RUY CASTRO
Na bolsa de títulos mais repetitivos da imprensa brasileira, "Um olhar sobre..." começa enfim a ser aposentado. E já não era sem tempo. Adotado por nós com grande atraso, sua matriz francesa, "Un regard sur...", está fora de moda em Paris desde 1970. Mas, até outro dia, era uma doença por aqui: nove em dez artigos nos cadernos culturais eram intitulados "Um olhar sobre...". Aí seguia-se aquilo sobre o que alguém estava lançando "um olhar": o rock grunge, a Revolução de 1932, os filmes do Mazzaropi.
Nós, da imprensa, somos assim. Quando adotamos uma fórmula, entregamo-nos a ela com fervor. Por exemplo, desde que passamos a usar títulos de filmes para criar títulos de matérias, nunca mais paramos. O auge desse macete foi na revista Manchete, nos anos 60 e 70, porque seu diretor, o querido Justino Martins, o achava divertido.
Daí que, de repente, tudo se tornou "A hora e a vez de..." ou "Quem tem medo de...?", tirados de "A Hora e a Vez de Augusto Matraga", conto de Guimarães Rosa, e de "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", peça de Edward Albee, ambos filmados com enorme sucesso. Precisávamos ficar atentos para que cada título, ou suas variações, só saísse uma vez por edição.
Eu próprio, redator da Manchete em 1972, cometi um, e infame. Era o apogeu dos faroestes italianos, com títulos tipo "Django não perdoa. Mata!". Caiu-me à mesa uma matéria sobre o duelo mundial de xadrez entre o americano Bobby Fischer e o russo Boris Spassky, disputado em Reykjavík, na Islândia.
Fischer estava ganhando todas e, na hora de titular, nem titubeei: "Fischer não perdoa. Mate!". Justino adorou. Nem ele nem eu sabíamos que, no xadrez de alto nível (no de baixo nível também), o mate não chega a acontecer. O perdedor tomba o rei muito antes.



No comments:
Post a Comment