FERNANDO DE BARROS E SILVA
Deus: uma regressão política
Boris Casoy - Senador, o senhor acredita em Deus?
FHC - Essa pergunta o senhor disse que não me faria.
Casoy - Eu não disse nada.
FHC - Perdão, foi num almoço, sobre esse mesmo debate.
Casoy - Mas eu não disse se faria ou não faria.
FHC - É uma pergunta típica de quem quer levar uma questão que é íntima para o público, uma pergunta típica de quem quer simplesmente usar uma armadilha para saber a convicção pessoal do senador Fernando Henrique, que não está em jogo. Devo dizer ao senhor Boris Casoy que esse nosso povo é religioso. Eu respeito a religião do povo, as várias religiões do povo, automaticamente estou abrindo uma chance para a crença em Deus.
Casoy - A pergunta não foi respondida. Não se trata de armadilha, nem de convicção pessoal.
O diálogo acima é famoso. Foi travado durante um debate feito a pouco dias da eleição para a prefeitura paulistana, em 1985. Jânio Quadros, que não estava presente, acabou eleito, para surpresa geral. A democracia engatinhava no país.
Hoje, 25 anos depois, podemos deduzir várias coisas dessa viagem no tempo. Uma delas: os progressistas eram menos cínicos. Quem entra no jogo eleitoral hoje está muito mais preparado para mentir. Sobre tudo, inclusive sobre Deus.
FHC foi pego de surpresa pela pergunta. Ela podia ser jornalisticamente legítima, mas a ele parecia evidente que a pauta (uma "armadilha") era politicamente regressiva. Isso também mudou muito.
A despeito das conquistas do país, a campanha hoje está sob o impacto de um intenso cerco conservador, sobretudo nos costumes.
Dilma parece disposta a fazer todas as concessões ao lobby religioso, o que é grave. Mas foi Serra quem arrastou esse cortejo do atraso para o centro da disputa política. Ao vestir a fantasia do neocarola, o tucano age mais ou menos como aqueles que acusavam FHC de ser ateu há um quarto de século.
2 comments:
Eu me lembro dessa cena e tambem me lembro que virei pro lado e disse: perdemos.
Naquela eleicao pra prefeito, concorria o Janio, FHC e Suplicy, os majoritario. Haviam outros candidatos menores, nao lembro, mas lembro que esses 3 dividiram as opinioes na capital.
E eu era FHC pra prefeito e vi que tinha dado agua.
Teve aquela foto do FHC na mesa do entao prefeito Covas, na FSP (Foi?), lembra? Depois quando o Janio tomou posse, passou antibactericida na cadeira.
Dia 17 de fevereiro do ano passado eu postei aqui no blog isso aqui:
Jovens do meu Brasil,
há muitos anos atrás, Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo, concorreu à Prefeitura da cidade de São Paulo. Em um dos debates, já bem próximo do dia da votação, inquirido pelo na época estreante em TV Boris Casoy sobre se acreditava ou não em Deus, respondeu, com grande ingenuidade algo como: "Pô, Boris, mas a gente combinou que você não ia perguntar isso!". Durante a campanha havia surgido o boato que afirmava que Fernando Henrique (na época ninguém usava o FHC presidencial) fumava maconha. Viciado e ateu, eram as acusações. O vitorioso naquela eleição foi ninguém menos que o arquetípico Jânio Quadros, renascido sabe-se lá de que porão da democracia paulistana. Lembro até hoje de como o dia me pareceu dar em chuvoso, ouvindo no rádio do carro, logo cedo, o resultado definitivo das urnas. Mais tarde, Jânio iria limpar com álcool a cadeira do gabinete de prefeito que Fernando Henrique havia usado para uma foto de vitorioso que achou que fosse. As pesquisas haviam errado e o álcool seria uma das marcas distintivas da boataria permanente em torno do prefeito Jânio. Que, certamente, tinha seus motivos para acreditar em Deus.
Não tenho certeza se misturo cenas de eleições diversas, ou se todas são a mesma. Não sei se foi nessa, por exemplo, que Eduardo Suplicy engasgou porque não sabia dizer quanto custava um pãozinho. Jovens do meu Brasil, envelheço.
Vou dar uma olhada nos posts da época pra lembrar porque puxei esse assunto; mas é engraçado como certos eventos marcam a memória de quem tem a idade da gente, né?
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